terça-feira, 15 de março de 2022

Encontro 195 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade Livro Primeiro (Capítulos 18 - 27) .

 



195

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Primeiro (Capítulos 18 - 27)

 


LIVRO PRIMEIRO

Capítulo 18.

1.      Vós, que fostes chamados a estudar estes assuntos pelo fervor da fé e desejo da verdade que o mundo e os sábios deste mundo não conhecem, será preciso que vos lembreis de que as fracas e tolas opiniões devem ser rejeitadas e as mentes estreitas e imperfeitas devem abrir-se em religiosa expectativa.

2.      Os espíritos regenerados precisam de novas maneiras de compreender, para que cada um seja iluminado por sua consciência de acordo com o dom de origem celeste.

3.      Em primeiro lugar, ao refletir sobre a essência de Deus, deixe-se guiar, pela fé, como adverte o santo Jeremias (cf. Jr 23.22; LXX).

4.      Ao ouvir e falar sobre a substância de Deus, regule sua mente por aquilo que é digno de Deus e não procure entender, a não ser na medida, sua infinidade.

5.      Consciente de ter sido feito participante da natureza divina, como diz o santo Apóstolo Pedro, em sua Segunda Epístola (cf. 2Pd 1,4), não medirá a natureza de Deus pelas leis da natureza, mas considerará as divinas afirmações de acordo com a magnificência da palavra de Deus sobre si mesmo.

6.      O melhor leitor é o que espera compreender a partir das palavras e não o que lhes impõe um sentido; é o que reflete sobre elas, mais do que as força; é o que não atribui aos ditos o que imagina conterem, é o que não presume, antes da leitura, a sua compreensão.

7.      Portanto, ao tratar das coisas de Deus, concedamos a Deus o conhecimento de si mesmo, submetendo-nos com piedosa veneração a suas palavras, pois só é idônea testemunha de si mesmo quem só por si mesmo é conhecido.

 

Capítulo 19.

8.      Se, ao tratarmos da natureza de Deus e do nascimento, apresentamos exemplos e comparações, ninguém os considere como absolutamente perfeitos, pois, quando se trata de Deus, a comparação com o que é terreno é nula, não tem valor.

9.      Todavia a fraqueza de nossa inteligência busca nas coisas inferiores alguma figura, procurando como que indícios das coisas superiores, para que, com o auxílio do que é corriqueiro e familiar, a partir das provas de nossa experiência, sejamos conduzidos à ideia do que não costumamos experimentar.

10.  Toda comparação é mais útil ao homem do que adaptada a Deus, porque é sobretudo um sinal para a inteligência sem que possa satisfazê-la.

11.  Não se pense que aquilo que se deduz sobre a natureza da carne e a do espírito possa equiparar-se, e que as coisas invisíveis possam ser comparadas às palpáveis.

12.  Afirmamos, no entanto, serem necessárias as comparações, por causa da fraqueza humana, para nos vermos livres da acusação de serem estes exemplos insatisfatórios.

13.  Vamos então continuar falando de Deus com as palavras de Deus, impregnando, porém, nossa mente com a imagem do que conhecemos.

 

Capítulo 20.

14.  Em primeiro lugar, dispusemos o plano de toda a obra, para que a ordem bem escolhida mostre ao leitor a progressão e conexão dos livros.

15.  Nada de desordenado ou confuso quisemos apresentar, para que o acúmulo sem ordem da obra não desse azo a alguma reclamação indignada.

16.  Porque não há subida por uma escarpa que dispense os poucos degraus que levam os passos até o cume, preparando o início da caminhada, suavizamos este árduo caminho da encosta, tornando-a branda para a inteligência, não mais por degraus, mas por um plano insensivelmente inclinado, de modo que, sem sentir a subida, se chegue ao alto.

 

Capítulo 21.

17.  Depois do primeiro livro, o seguinte ensina o mistério da divina geração, a fim de que aqueles que serão batizados no Pai, no Filho e no Espírito Santo não ignorem o sentido destes nomes, nem confundam com palavras a sua inteligência, mas concebam no espírito a cada um e como é e como se chama, e conheçam claramente que sua realidade não é de um nome, assim como o nome não deixa de expressar a verdade.

 

Capítulo 22.

18.  Depois deste discurso breve e simples, no qual se demonstra o que é a Trindade, o terceiro livro já vai um pouco mais longe e adapta o mais possível, por meio de muitos exemplos, à inteligência da fé, aquilo que ultrapassa a compreensão da mente humana e que Deus revelou a respeito de si mesmo quando disse: Eu estou no Pai, e o Pai, em mim (Jo 10,38).

19.  O que o homem, fraco por natureza, por si mesmo não entende, a fé consegue pelo conhecimento esclarecido, porque não se deve deixar de crer no que Deus ensina sobre si mesmo nem se deve pensar que a compreensão do seu poder esteja fora do alcance da fé.

 

Capítulo 23.

20.  O quarto livro tem como ponto de partida as doutrinas dos hereges e rejeita os vícios que desdouram a fé da Igreja.

21.  Apresenta a exposição da infidelidade declarada por muitos até bem pouco tempo, e mostra com que finura e ardil aqueles ímpios defendiam haver, pela Lei, um só Deus e demonstra, por meio de todos os testemunhos da Lei e dos Profetas, que confessar um só Deus, sem o Deus Cristo, é irreligião, e pregar o Deus Unigênito, Cristo, sem confessar a existência de um só Deus, é falta de fé.

 

Capítulo 24.

22.  O quinto livro contém, em ordem, as respostas à profissão de fé estabelecida pelos hereges. Pois enganam-se ao pregar um único Deus segundo a Lei e também se iludem ao declarar ser um só o Deus verdadeiro pela mesma Lei, de modo que, pela aceitação do único Deus verdadeiro, negam a natividade do Senhor Cristo, porque só onde há nascimento há conhecimento da verdade.

23.  Seguimos, em nosso ensinamento, a mesma ordem que eles usaram para negar a verdade.

24.  Não pregamos dois deuses, nem um só Deus como solitário, mas o Pai, verdadeiro Deus, tanto pela Lei como pelos Profetas, e não corrompemos a fé no único Deus nem negamos a natividade.

25.  Segundo eles, o Senhor Jesus Cristo é criado, não gerado, por isso o nome de Deus lhe foi imputado, mas não lhe pertence propriamente.

26.  A realidade da divindade é demonstrada de tal modo pelas autoridades proféticas que nós, pregando ser Deus verdadeiro o Senhor Jesus Cristo, mostramos que a verdade de sua divindade, que Ele possui por geração, é compatível com a verdade de um só Deus.

 

Capítulo 25.

27.  O sexto livro põe às claras toda a fraudulência das afirmações heréticas. Para que se desse crédito a suas odiosas afirmações, os hereges roubaram as pias pregações da Igreja, para disfarçar suas ímpias doutrinas sob o manto da fé.

28.  Condenando as ideias e os vícios dos hereges, a saber, de Valentino e de Sabélio, de Maniqueu e de Hieracas, abrandando suas palavras irreligiosas e moderando os significados ambíguos a pretexto da condenação da impiedade, extinguiam a doutrina da piedade.

29.  Nós, examinando cada uma das suas palavras e declarações, libertamos as santas pregações da Igreja e não permitimos haver algo de comum com as condenadas heresias.

30.  Condenando o que deve ser condenado, seguimos apenas o que deve ser venerado. Ensinamos que o Senhor Jesus Cristo é Filho de Deus (o que por eles é principalmente negado), como o Pai atesta sobre Ele, como a respeito de si mesmo o declara, como os apóstolos pregam, como os religiosos creem, como os demônios gritam, como os judeus confessam ao negarem, como os povos ignorantes compreendem, para que não haja lugar para hesitação e nada fique ignorado.

 

Capítulo 26.

31.  O livro sétimo dá continuidade à discussão, propondo as normas da perfeita fé. Em primeiro lugar, com uma sadia e incorrupta demonstração da fé inviolável, toma parte na contenda entre Sabélio, Ebion e todos os que não pregavam Jesus como verdadeiro Deus.

32.  Sabélio negava que subsistisse antes dos séculos Aquele que os outros confessavam ser criatura. Sabélio ignorava o Filho subsistente, mas não duvidava de que o Deus verdadeiro agisse, estando no corpo de Cristo.

33.  Outros negavam a natividade e afirmavam ser Ele criatura, por não entenderem que suas obras eram obras do Deus verdadeiro.

34.  Nossa fé é o objeto de sua contenda. Pois, enquanto nega o Filho (e por isso erra), Sabélio vence, porque foi o Deus verdadeiro (como bem prova) que agiu. A Igreja vence aqueles que negam que Cristo seja verdadeiro Deus.

35.  Os outros, ao demonstrarem que Cristo subsiste antes dos séculos e que sempre atua, triunfam conosco, condenando Sabélio, que conhece o verdadeiro Deus, mas desconhece o Filho de Deus. Ebion é vencido por ambos, pois um (Ário) afirma ser Ele subsistente antes dos séculos, e o outro (Sabélio) convence quanto ao verdadeiro Deus que age.

36.  Uns e outros, todos vencem-se e são vencidos, porque a Igreja, não só contra Sabélio e contra os que pregam ser Ele criatura, mas ainda contra Ebion, atesta ser Deus verdadeiro de Deus verdadeiro o Senhor Jesus Cristo, nascido antes dos séculos e depois gerado como Homem.

 

Capítulo 27.

37.  Ninguém duvida convir plenamente à doutrina sagrada que anunciemos primeiro o Filho de Deus, com base na Lei e nos Profetas, depois, também o Deus Verdadeiro em relação com o mistério da unidade (do Pai e do Filho).

38.  Em seguida, confirmando a Lei e os Profetas pelos Evangelhos, ensinaremos por meio destes que Cristo é Filho de Deus e que é Deus verdadeiro.

39.  Muitíssimo justo foi, portanto, depois do nome do Filho, demonstrar sua verdade.

40.  Aliás, de acordo com o senso comum, dizer: Filho já indica a sua realidade. Mas, para que não subsista ocasião de engano e de ilusão para os adversários da verdadeira divindade do Deus Unigênito, apoiamos esta mesma fé (pela qual se crê ser Ele o próprio Filho de Deus) na natureza da verdadeira divindade.

41.  Ensinamos ser Deus Aquele que não se nega ser Filho de Deus, provando por estes meios: nome, natividade, natureza, poder, confissão, que não é diferente do nome que lhe é dado, que o nome não deixa de fazer referência ao nascimento, que, pelo nascimento, não perde sua natureza, que a natureza não perde seu poder e que o poder não deixa de ser reconhecido na confissão consciente da verdade do seu ser.

42.  Baseamo-nos nos argumentos tirados dos Evangelhos, segundo seus diversos gêneros, para mostrar que sua confissão não ocultou seu poder, seu poder não ocultou a natureza, a natureza é a que lhe corresponde pelo nascimento, e o nascimento não deixa de ser o que corresponde ao nome de Filho.

43.  Deste modo, não há lugar para a ímpia calúnia, já que Nosso Senhor Jesus Cristo, quando ensinou a verdade de sua natureza, demonstrou a divindade do Deus verdadeiro que procede do Deus verdadeiro, pelo nome, nascimento, natureza e poder.

 

O que você destaca neste texto?

Como ele serve para sua espiritualidade?

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