LIVRO PRIMEIRO
1. Vós,
que fostes chamados a estudar estes assuntos pelo fervor da fé e desejo da
verdade que o mundo e os sábios deste mundo não conhecem, será preciso que vos
lembreis de que as fracas e tolas opiniões devem ser rejeitadas e as mentes
estreitas e imperfeitas devem abrir-se em religiosa expectativa.
2. Os
espíritos regenerados precisam de novas maneiras de compreender, para que cada
um seja iluminado por sua consciência de acordo com o dom de origem celeste.
3. Em
primeiro lugar, ao refletir sobre a essência de Deus, deixe-se guiar, pela fé,
como adverte o santo Jeremias (cf. Jr 23.22; LXX).
4. Ao
ouvir e falar sobre a substância de Deus, regule sua mente por aquilo que é
digno de Deus e não procure entender, a não ser na medida, sua infinidade.
5. Consciente
de ter sido feito participante da natureza divina, como diz o santo Apóstolo
Pedro, em sua Segunda Epístola (cf. 2Pd 1,4), não medirá a natureza de Deus
pelas leis da natureza, mas considerará as divinas afirmações de acordo com a
magnificência da palavra de Deus sobre si mesmo.
6. O
melhor leitor é o que espera compreender a partir das palavras e não o que lhes
impõe um sentido; é o que reflete sobre elas, mais do que as força; é o que não
atribui aos ditos o que imagina conterem, é o que não presume, antes da leitura,
a sua compreensão.
7. Portanto,
ao tratar das coisas de Deus, concedamos a Deus o conhecimento de si mesmo,
submetendo-nos com piedosa veneração a suas palavras, pois só é idônea
testemunha de si mesmo quem só por si mesmo é conhecido.
Capítulo
19.
8. Se,
ao tratarmos da natureza de Deus e do nascimento, apresentamos exemplos e
comparações, ninguém os considere como absolutamente perfeitos, pois, quando se
trata de Deus, a comparação com o que é terreno é nula, não tem valor.
9. Todavia
a fraqueza de nossa inteligência busca nas coisas inferiores alguma figura,
procurando como que indícios das coisas superiores, para que, com o auxílio do
que é corriqueiro e familiar, a partir das provas de nossa experiência, sejamos
conduzidos à ideia do que não costumamos experimentar.
10. Toda
comparação é mais útil ao homem do que adaptada a Deus, porque é sobretudo um
sinal para a inteligência sem que possa satisfazê-la.
11. Não
se pense que aquilo que se deduz sobre a natureza da carne e a do espírito
possa equiparar-se, e que as coisas invisíveis possam ser comparadas às
palpáveis.
12. Afirmamos,
no entanto, serem necessárias as comparações, por causa da fraqueza humana,
para nos vermos livres da acusação de serem estes exemplos insatisfatórios.
13. Vamos
então continuar falando de Deus com as palavras de Deus, impregnando, porém,
nossa mente com a imagem do que conhecemos.
Capítulo
20.
14. Em
primeiro lugar, dispusemos o plano de toda a obra, para que a ordem bem
escolhida mostre ao leitor a progressão e conexão dos livros.
15. Nada
de desordenado ou confuso quisemos apresentar, para que o acúmulo sem ordem da
obra não desse azo a alguma reclamação indignada.
16. Porque
não há subida por uma escarpa que dispense os poucos degraus que levam os
passos até o cume, preparando o início da caminhada, suavizamos este árduo
caminho da encosta, tornando-a branda para a inteligência, não mais por
degraus, mas por um plano insensivelmente inclinado, de modo que, sem sentir a
subida, se chegue ao alto.
Capítulo
21.
17. Depois
do primeiro livro, o seguinte ensina o mistério da divina geração, a fim de que
aqueles que serão batizados no Pai, no Filho e no Espírito Santo não ignorem o
sentido destes nomes, nem confundam com palavras a sua inteligência, mas
concebam no espírito a cada um e como é e como se chama, e conheçam claramente
que sua realidade não é de um nome, assim como o nome não deixa de expressar a
verdade.
Capítulo
22.
18. Depois
deste discurso breve e simples, no qual se demonstra o que é a Trindade, o
terceiro livro já vai um pouco mais longe e adapta o mais possível, por meio de
muitos exemplos, à inteligência da fé, aquilo que ultrapassa a compreensão da
mente humana e que Deus revelou a respeito de si mesmo quando disse: Eu estou
no Pai, e o Pai, em mim (Jo 10,38).
19. O
que o homem, fraco por natureza, por si mesmo não entende, a fé consegue pelo
conhecimento esclarecido, porque não se deve deixar de crer no que Deus ensina
sobre si mesmo nem se deve pensar que a compreensão do seu poder esteja fora do
alcance da fé.
Capítulo
23.
20. O quarto
livro tem como ponto de partida as doutrinas dos hereges e rejeita os vícios
que desdouram a fé da Igreja.
21. Apresenta
a exposição da infidelidade declarada por muitos até bem pouco tempo, e mostra
com que finura e ardil aqueles ímpios defendiam haver, pela Lei, um só Deus e
demonstra, por meio de todos os testemunhos da Lei e dos Profetas, que
confessar um só Deus, sem o Deus Cristo, é irreligião, e pregar o Deus
Unigênito, Cristo, sem confessar a existência de um só Deus, é falta de fé.
Capítulo
24.
22. O
quinto livro contém, em ordem, as respostas à profissão de fé estabelecida
pelos hereges. Pois enganam-se ao pregar um único Deus segundo a Lei e também
se iludem ao declarar ser um só o Deus verdadeiro pela mesma Lei, de modo que,
pela aceitação do único Deus verdadeiro, negam a natividade do Senhor Cristo,
porque só onde há nascimento há conhecimento da verdade.
23. Seguimos,
em nosso ensinamento, a mesma ordem que eles usaram para negar a verdade.
24. Não
pregamos dois deuses, nem um só Deus como solitário, mas o Pai, verdadeiro
Deus, tanto pela Lei como pelos Profetas, e não corrompemos a fé no único Deus
nem negamos a natividade.
25. Segundo
eles, o Senhor Jesus Cristo é criado, não gerado, por isso o nome de Deus lhe
foi imputado, mas não lhe pertence propriamente.
26. A
realidade da divindade é demonstrada de tal modo pelas autoridades proféticas
que nós, pregando ser Deus verdadeiro o Senhor Jesus Cristo, mostramos que a
verdade de sua divindade, que Ele possui por geração, é compatível com a
verdade de um só Deus.
Capítulo
25.
27. O
sexto livro põe às claras toda a fraudulência das afirmações heréticas. Para
que se desse crédito a suas odiosas afirmações, os hereges roubaram as pias
pregações da Igreja, para disfarçar suas ímpias doutrinas sob o manto da fé.
28. Condenando
as ideias e os vícios dos hereges, a saber, de Valentino e de Sabélio, de
Maniqueu e de Hieracas, abrandando suas palavras irreligiosas e moderando os
significados ambíguos a pretexto da condenação da impiedade, extinguiam a
doutrina da piedade.
29. Nós,
examinando cada uma das suas palavras e declarações, libertamos as santas
pregações da Igreja e não permitimos haver algo de comum com as condenadas
heresias.
30. Condenando
o que deve ser condenado, seguimos apenas o que deve ser venerado. Ensinamos
que o Senhor Jesus Cristo é Filho de Deus (o que por eles é principalmente
negado), como o Pai atesta sobre Ele, como a respeito de si mesmo o declara,
como os apóstolos pregam, como os religiosos creem, como os demônios gritam,
como os judeus confessam ao negarem, como os povos ignorantes compreendem, para
que não haja lugar para hesitação e nada fique ignorado.
Capítulo
26.
31. O
livro sétimo dá continuidade à discussão, propondo as normas da perfeita fé. Em
primeiro lugar, com uma sadia e incorrupta demonstração da fé inviolável, toma
parte na contenda entre Sabélio, Ebion e todos os que não pregavam Jesus como
verdadeiro Deus.
32. Sabélio
negava que subsistisse antes dos séculos Aquele que os outros confessavam ser
criatura. Sabélio ignorava o Filho subsistente, mas não duvidava de que o Deus
verdadeiro agisse, estando no corpo de Cristo.
33. Outros
negavam a natividade e afirmavam ser Ele criatura, por não entenderem que suas
obras eram obras do Deus verdadeiro.
34. Nossa
fé é o objeto de sua contenda. Pois, enquanto nega o Filho (e por isso erra),
Sabélio vence, porque foi o Deus verdadeiro (como bem prova) que agiu. A Igreja
vence aqueles que negam que Cristo seja verdadeiro Deus.
35. Os
outros, ao demonstrarem que Cristo subsiste antes dos séculos e que sempre
atua, triunfam conosco, condenando Sabélio, que conhece o verdadeiro Deus, mas
desconhece o Filho de Deus. Ebion é vencido por ambos, pois um (Ário) afirma
ser Ele subsistente antes dos séculos, e o outro (Sabélio) convence quanto ao
verdadeiro Deus que age.
36. Uns
e outros, todos vencem-se e são vencidos, porque a Igreja, não só contra
Sabélio e contra os que pregam ser Ele criatura, mas ainda contra Ebion, atesta
ser Deus verdadeiro de Deus verdadeiro o Senhor Jesus Cristo, nascido antes dos
séculos e depois gerado como Homem.
Capítulo
27.
37. Ninguém
duvida convir plenamente à doutrina sagrada que anunciemos primeiro o Filho de
Deus, com base na Lei e nos Profetas, depois, também o Deus Verdadeiro em
relação com o mistério da unidade (do Pai e do Filho).
38. Em
seguida, confirmando a Lei e os Profetas pelos Evangelhos, ensinaremos por meio
destes que Cristo é Filho de Deus e que é Deus verdadeiro.
39. Muitíssimo
justo foi, portanto, depois do nome do Filho, demonstrar sua verdade.
40. Aliás,
de acordo com o senso comum, dizer: Filho já indica a sua realidade. Mas, para
que não subsista ocasião de engano e de ilusão para os adversários da
verdadeira divindade do Deus Unigênito, apoiamos esta mesma fé (pela qual se
crê ser Ele o próprio Filho de Deus) na natureza da verdadeira divindade.
41. Ensinamos
ser Deus Aquele que não se nega ser Filho de Deus, provando por estes meios:
nome, natividade, natureza, poder, confissão, que não é diferente do nome que
lhe é dado, que o nome não deixa de fazer referência ao nascimento, que, pelo
nascimento, não perde sua natureza, que a natureza não perde seu poder e que o
poder não deixa de ser reconhecido na confissão consciente da verdade do seu
ser.
42. Baseamo-nos
nos argumentos tirados dos Evangelhos, segundo seus diversos gêneros, para
mostrar que sua confissão não ocultou seu poder, seu poder não ocultou a
natureza, a natureza é a que lhe corresponde pelo nascimento, e o nascimento
não deixa de ser o que corresponde ao nome de Filho.
43. Deste
modo, não há lugar para a ímpia calúnia, já que Nosso Senhor Jesus Cristo,
quando ensinou a verdade de sua natureza, demonstrou a divindade do Deus
verdadeiro que procede do Deus verdadeiro, pelo nome, nascimento, natureza e
poder.
O
que você destaca neste texto?
Como
ele serve para sua espiritualidade?
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