domingo, 14 de agosto de 2022

210 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Quinto (Capítulos 33 - 39).

 

210
Hilário de Poitiers (315-368)
O Tratado da Santíssima Trindade
Livro Quinto (Capítulos 33 - 39)

 

Divisão do Tratado

O Tratado está dividido em 12 livros.

O livro I começa autobiografia. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral do trabalho.

O livro II é um resumo da doutrina da Trindade.

O livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.

No livro IV o autor apresenta a carta de Ário a Alexandre de Alexandria e demonstra a divindade de Filho a partir de citações tiradas do Antigo Testamento.

O livro V também cita o Antigo Testamento para demonstrar a divindade do Filho, que não é um outro Deus ao lado do Pai.

 

Capítulo 33.

1.      Talvez o Apóstolo, apropriando-se dos ditos proféticos sem o Espírito de profecia, se fizesse intérprete temerário da palavra alheia! Na verdade o Apóstolo tudo diz pela revelação de Cristo; mas os ditos de Isaías, ele os conhece pelas próprias palavras de Isaías.

2.      No início de seu discurso, em que diz que o Deus verdadeiro será abençoado por aqueles que o servem, e que por ele haverão de jurar, lê-se esta oração do Profeta: Jamais ouvimos nem viram nossos olhos um Deus além de ti, e as tuas obras que farás para os que aguardam tua misericórdia (Is 64,2).

3.      Isaías fala: ninguém teria visto a Deus além dele. Pois vira a glória de Deus, de quem prenunciara a encarnação pela Virgem. Se tu, herege, ignoras que naquela glória viu o Deus Unigênito, escuta o Evangelista João: Isto disse Isaías, quando viu sua glória e falou sobre Ele (Jo 12.41).

4.      Destes ditos apostólicos, evangélicos e proféticos, ó ímpio herege, tirarás a conclusão. Pois Isaías viu a Deus, e como está escrito: À Deus ninguém jamais viu, a não ser o Filho unigênito, que está no seio do Pai, este é que o deu a conhecer (Jo 1,18)?

5.      No entanto, o profeta viu a Deus, e contemplou sua glória a ponto de causar inveja pela dignidade profética, pois, por este motivo, foi condenado à morte pelos judeus.

 

Capítulo 34.

6.      Deus, a quem ninguém jamais viu, o Filho Unigênito que está no seio do Pai o deu a conhecer. Destrói a afirmação do Unigênito, ou então crê naquele que foi visto, que apareceu aos que não o conheciam, que se fez o próprio Deus dos povos que não o invocavam, que estendeu as mãos a um povo rebelde, de tal modo que aqueles que o serviam foram chamados por um nome novo.

7.      Na terra, o Deus verdadeiro é bendito e por Ele se jura. A Profecia fala, o Evangelho atesta, o Apóstolo interpreta, a Igreja confessa ser verdadeiro Deus Aquele que foi visto. No entanto ninguém afirma ter visto a Deus Pai.

8.      Por isso prorrompe a fúria insana e herética, por ser negado o que fingia confessar, pois nega, por novo e ímpio parecer, sua confissão e, com arte astuciosa, ao mentir se esquiva à fé, porque confessa um só Deus verdadeiro, único justo, único sábio, único imutável, único imortal, único poderoso, e submete-lhe também o Filho, de diferente substância, não nascido como Deus de Deus, mas, por criação, recebido como filho, não tendo o nome da natureza, mas agraciado com a designação de adotivo, e assim sendo, é forçoso que de todos os predicados divinos careça o Filho, pois são atribuídos como privilégio à solitária majestade do Pai.

 

Capítulo 35.

9.      A perversidade herética não sabe reconhecer e confessar o único Deus verdadeiro; a fé e a compreensão desta afirmação estão fora da idéia de impiedade.

10.  Primeiro, deve-se confessar o Pai e o Filho, para que se possa entender o único e verdadeiro Deus.

11.  Devem ser conhecidos os mistérios da salvação humana, que se realizam em nós pela virtude da regeneração para a vida, e, em seguida, devem ser aprendidos os mistérios da Lei e dos Profetas.

12.  A impiedade ignora a pregação evangélica e apostólica e não apreende nada do único Deus verdadeiro.

13.  A partir desta pregação, chegaremos à perfeitíssima profissão da verdadeira piedade e explicaremos, com base na doutrina dos Apóstolos e Evangelistas, como o Unigênito deve ser entendido, como pessoalmente subsistente e nascido do Pai, indiviso e inseparável, não pela pessoa, mas pela natureza.

14.  Por isso há um só Deus, porque é Deus pela natureza de Deus. Pelos ditos proféticos, deve-se construir a fé nesta perfeita unidade.

15.  Em seguida, são postos os fundamentos da edificação evangélica, para que, pela mesma natureza da única divindade, se entenda o único Deus, porque o Deus unigênito não é considerado um segundo Deus.

16.  Mantivemos em todo este livro a mesma ordem em que, no livro anterior,  explicamos que o Filho é Deus e agora mostramos que é Deus verdadeiro.

17.  Como espero, a conclusão de todos os ditos será que não se nega ser Ele o Deus verdadeiro. O discurso que se segue tem por objetivo demonstrar que Aquele que se entende ser o Deus verdadeiro não deve ser considerado um outro Deus, e que o que não se refere a outro deve ser entendido como unidade, de modo que não se destrua a subsistência pessoal do Filho, mas em Deus e Deus se conserve a natureza de um só Deus.

 

Capitulo 36.

18.  A verdade exige que se comece a conhecer estas coisas pelo ensinamento daquele por quem Deus começou a se manifestar ao mundo, isto é, Moisés, por cujos lábios o Deus unigênito declarou a respeito de si mesmo: Vede, vede, que eu sou Deus, e não há Deus além de mim (Dt 32,39).

19.  Mas, como talvez a herética impiedade refira a força deste dito ao Deus Pai inascível, o próprio sentido do dito e o Apóstolo como o intérprete respondem que todo este discurso deve ser interpretado como proferido em nome do Deus unigênito, como acima ensinamos.

20.  Ao dizer: Nações, exultai com seu povo, demostrou referir-se propriamente a Ele, ligando isso à afirmação seguinte: E será a raiz de Jessé que se erguerá a reger as nações, nele as nações esperarão.

21.  Moisés demonstrou ser Ele o que dissera: Não há Deus além de mim, por ter dito: Nações, exultai com Ele, e o Apóstolo entende o mesmo em relação a Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus Unigênito, no qual, quando aparece segundo a carne, erguendo-se da raiz de Jessé como rei, está a esperança das nações.

22.  É preciso agora estudar a razão destas palavras, pois, quando não há dúvida sobre as palavras, pode ser entendido o seu sentido.

 

Capítulo 37.

23.  O verdadeiro, absoluto e perfeito mistério de nossa fé consiste em confessar Deus de Deus e Deus em Deus, não de modo corpóreo, mas por força divina, não pela transfusão de natureza em natureza, mas pelo mistério e poder da natureza.

24.  Ele é Deus de Deus não por corte, extensão ou derivação, mas, em virtude da natureza, subsiste na mesma natureza pela natividade.

25.  Sobre este assunto, o livro seguinte falará, interpretando os ditos evangélicos e apostólicos. Por enquanto, temos de ensinar o que falamos e cremos pela Lei e os Profetas.

26.  O que nasce de Deus não pode deixar de ter aquela mesma natureza donde provém. Não existe como outro diferente de Deus, porque não subsiste vindo de outro, a não ser de Deus.

27.  É da mesma natureza, não porque o que gerou tenha nascido (pois como poderia ser Ele mesmo se fosse gerado?), mas porque o que foi gerado subsiste na mesma natureza na qual subsiste inteiramente Aquele que o gerou, porque Aquele que foi gerado não provém de nenhum outro princípio.

28.  O que subsiste como Um vindo do que é Um, para ser Um com Ele não se refere a outro e não é novo, em si, o que vive, vindo do que é vivo; nem está fora dele Aquele que o que é vivo gerou para ser vivo.

29.  Na geração do Filho, o Deus incorpóreo e imutável segue sua natureza, gerando o Deus incorpóreo e imutável, e o Filho perfeito, Deus incorpóreo e imutável, que procede de Deus incorpóreo e imutável, não altera sua natureza.

30.  Por este mistério do Deus subsistente, nascido de Deus, o Deus Unigênito, por intermédio do santo Moisés, atesta: Vede, vede, que eu sou o Senhor, e não há Deus além de mim (Dt 32,39), pois não há outra natureza de divindade para que, além dele, possa haver outro Deus.

31.  Sendo Ele mesmo Deus, também pela força da natureza, Deus está nele. Porque Ele é Deus e porque nele está Deus, não há Deus além dele, pois não lhe vem de nenhuma outra parte que seja Deus, e nele está Deus, tendo em si aquilo que Ele mesmo é e Aquele do qual Ele mesmo subsiste.

 

Capítulo 38.

32.  Confirma nossa verdadeira e salutar profissão da fé o mesmo e Uno Espírito de profecia, sem alterar, pelas sucessões e intervalos dos tempos, a pregação da doutrina religiosa.

33.  O que, por intermédio de Moisés, foi dito pela pessoa do Deus unigênito, iria ser confirmado mais plenamente por um acréscimo de compreensão. Para isso, de novo, o mesmo Espírito de profecia, pela palavra de Deus Pai, na pessoa dos homens de elevada estatura, mediante Isaías fala: Porque em ti está Deus, e não há Deus além de ti. Pois tu és Deus, e não o sabíamos, Deus de Israel, salvador (Is 45,14.15).

34.  Que se mostre a loucura desesperada da herética impiedade contra a confissão de que são inseparáveis pela natureza e o nome e despedace, se puder, com a raivosa boca de sua loucura, o que está unido pelas palavras e os fatos.

35.  Em Deus, Deus está, e além dele não há Deus. Separe a loucura herética Aquele que está em Deus e divida a compreensão deste mistério. Pois, ao dizer: Em ti está Deus, ensinou a verdade da natureza de Deus Pai no Deus Filho, já que se entende estar Deus em quem é Deus.

36.  E certamente ao acrescentar: E além de ti não há Deus, mostra não haver Deus além dele, porque nele está Deus. E mais ainda, ao dizer, pela terceira vez, Tu és Deus, e não o sabíamos, dá testemunho, para a inteligência humana, da profissão piedosa e fiel que, conhecidos os mistérios da natividade e do nome anunciado pelo Anjo a José, confessa: Tu és Deus e não o sabíamos, Deus de Israel, salvador, compreendendo estar nele a natureza de Deus, já que Deus está em Deus.

37.  Além dele, que é Deus, não há lugar para o erro de qualquer outro Deus. É Isaías que, profetizando, testifica esta indivisível e inseparável divindade do Pai e do Filho.

 

Capítulo 39.

38.  Jeremias, com não díspar força de profecia, ensinou que o Unigênito é Deus, de natureza não diferente da de Deus Pai, ao dizer: Este é o nosso Deus, e nenhum outro lhe é comparável. Ele achou todo o caminho da ciência e a deu a Jacó, seu servo, e a Israel, seu dileto. Depois de tais coisas, foi visto sobre a terra, e conviveu com os homens (Br 3,36-37).

39.  Que outro Deus, no Deus Filho, supões, ó herege? Aprende a compreender e a confessar um único Deus verdadeiro. Não se atribui a Cristo outra divindade, para que seja Deus, pois é Deus por natureza, pela natividade, vindo de Deus.

40.  Tem de Deus o ser Deus, não é outro Deus. Não se atribui a Ele ser outro Deus, porque há nele a verdade de Deus.

41.  Por que compões o verdadeiro com o não verdadeiro, o degenerado com o nobre, e unes o que é diverso por natureza numa religião inventada?

42.  O Pai é Deus, o Filho é Deus. Em Deus, está Deus; além dele não há Deus; não se imagina que nenhum outro, além dele, seja Deus.

43.  Se neles entenderes que Deus é Um e não solitário, estarás confessando a religião da Igreja, que afirma o Pai e o Filho. Se, ao contrário, ao dizer Um, lhe dás a significação de solitário, então, ignorante, foges do celeste mistério, estás fora do conhecimento de Deus, por não confessares que Deus está em Deus.

 

O que você destaca no texto e colo ele serve para sua espiritualidade?

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