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Hilário de
Poitiers (315-368)
O Tratado da Santíssima Trindade
Livro Quinto
(Capítulos 33 - 39)
Divisão do Tratado
O Tratado está dividido em 12
livros.
O livro I começa autobiografia. Refere-se
às heresias e apresenta um plano geral do trabalho.
O livro II é um resumo da
doutrina da Trindade.
O livro III trata do mistério da
distinção e unidade do Pai e do Filho.
No livro IV o autor apresenta a carta de Ário a Alexandre de Alexandria
e demonstra a divindade de Filho a partir de citações tiradas do Antigo
Testamento.
O livro V também cita o Antigo Testamento para demonstrar a divindade
do Filho, que não é um outro Deus ao lado do Pai.
1.
Talvez o Apóstolo, apropriando-se dos
ditos proféticos sem o Espírito de profecia, se fizesse intérprete temerário da
palavra alheia! Na verdade o Apóstolo tudo diz pela revelação de Cristo; mas os
ditos de Isaías, ele os conhece pelas próprias palavras de Isaías.
2.
No início de seu discurso, em que diz
que o Deus verdadeiro será abençoado por aqueles que o servem, e que por ele
haverão de jurar, lê-se esta oração do Profeta: Jamais ouvimos nem viram
nossos olhos um Deus além de ti, e as tuas obras que farás para os que aguardam
tua misericórdia (Is 64,2).
3.
Isaías fala: ninguém teria visto a Deus
além dele. Pois vira a glória de Deus, de quem prenunciara a encarnação pela
Virgem. Se tu, herege, ignoras que naquela glória viu o Deus Unigênito, escuta
o Evangelista João: Isto disse Isaías, quando viu sua glória e falou sobre
Ele (Jo 12.41).
4.
Destes ditos apostólicos, evangélicos e
proféticos, ó ímpio herege, tirarás a conclusão. Pois Isaías viu a Deus, e como
está escrito: À Deus ninguém jamais viu, a não ser o Filho unigênito, que
está no seio do Pai, este é que o deu a conhecer (Jo 1,18)?
5.
No entanto, o profeta viu a Deus, e
contemplou sua glória a ponto de causar inveja pela dignidade profética, pois,
por este motivo, foi condenado à morte pelos judeus.
Capítulo 34.
6.
Deus, a quem ninguém jamais viu, o
Filho Unigênito que está no seio do Pai o deu a conhecer. Destrói a afirmação
do Unigênito, ou então crê naquele que foi visto, que apareceu aos que não o
conheciam, que se fez o próprio Deus dos povos que não o invocavam, que
estendeu as mãos a um povo rebelde, de tal modo que aqueles que o serviam foram
chamados por um nome novo.
7.
Na terra, o Deus verdadeiro é bendito e
por Ele se jura. A Profecia fala, o Evangelho atesta, o Apóstolo interpreta, a
Igreja confessa ser verdadeiro Deus Aquele que foi visto. No entanto ninguém
afirma ter visto a Deus Pai.
8.
Por isso prorrompe a fúria insana e
herética, por ser negado o que fingia confessar, pois nega, por novo e ímpio
parecer, sua confissão e, com arte astuciosa, ao mentir se esquiva à fé, porque
confessa um só Deus verdadeiro, único justo, único sábio, único imutável, único
imortal, único poderoso, e submete-lhe também o Filho, de diferente substância,
não nascido como Deus de Deus, mas, por criação, recebido como filho, não tendo
o nome da natureza, mas agraciado com a designação de adotivo, e assim sendo, é
forçoso que de todos os predicados divinos careça o Filho, pois são atribuídos
como privilégio à solitária majestade do Pai.
Capítulo 35.
9.
A perversidade herética não sabe
reconhecer e confessar o único Deus verdadeiro; a fé e a compreensão desta
afirmação estão fora da idéia de impiedade.
10. Primeiro,
deve-se confessar o Pai e o Filho, para que se possa entender o único e
verdadeiro Deus.
11. Devem ser
conhecidos os mistérios da salvação humana, que se realizam em nós pela virtude
da regeneração para a vida, e, em seguida, devem ser aprendidos os mistérios da
Lei e dos Profetas.
12. A
impiedade ignora a pregação evangélica e apostólica e não apreende nada do único
Deus verdadeiro.
13. A
partir desta pregação, chegaremos à perfeitíssima profissão da verdadeira
piedade e explicaremos, com base na doutrina dos Apóstolos e Evangelistas, como
o Unigênito deve ser entendido, como pessoalmente subsistente e nascido do Pai,
indiviso e inseparável, não pela pessoa, mas pela natureza.
14. Por
isso há um só Deus, porque é Deus pela natureza de Deus. Pelos ditos
proféticos, deve-se construir a fé nesta perfeita unidade.
15. Em
seguida, são postos os fundamentos da edificação evangélica, para que, pela
mesma natureza da única divindade, se entenda o único Deus, porque o Deus unigênito
não é considerado um segundo Deus.
16. Mantivemos
em todo este livro a mesma ordem em que, no livro anterior, explicamos que o Filho é Deus e agora
mostramos que é Deus verdadeiro.
17. Como
espero, a conclusão de todos os ditos será que não se nega ser Ele o Deus
verdadeiro. O discurso que se segue tem por objetivo demonstrar que Aquele que
se entende ser o Deus verdadeiro não deve ser considerado um outro Deus, e que
o que não se refere a outro deve ser entendido como unidade, de modo que não se
destrua a subsistência pessoal do Filho, mas em Deus e Deus se conserve a
natureza de um só Deus.
Capitulo 36.
18. A
verdade exige que se comece a conhecer estas coisas pelo ensinamento daquele
por quem Deus começou a se manifestar ao mundo, isto é, Moisés, por cujos
lábios o Deus unigênito declarou a respeito de si mesmo: Vede, vede, que eu
sou Deus, e não há Deus além de mim (Dt 32,39).
19. Mas,
como talvez a herética impiedade refira a força deste dito ao Deus Pai
inascível, o próprio sentido do dito e o Apóstolo como o intérprete respondem
que todo este discurso deve ser interpretado como proferido em nome do Deus
unigênito, como acima ensinamos.
20. Ao
dizer: Nações, exultai com seu povo, demostrou referir-se propriamente a
Ele, ligando isso à afirmação seguinte: E será a raiz de Jessé que se
erguerá a reger as nações, nele as nações esperarão.
21. Moisés
demonstrou ser Ele o que dissera: Não há Deus além de mim, por ter dito:
Nações, exultai com Ele, e o Apóstolo entende o mesmo em relação a Nosso
Senhor Jesus Cristo, Deus Unigênito, no qual, quando aparece segundo a carne,
erguendo-se da raiz de Jessé como rei, está a esperança das nações.
22. É
preciso agora estudar a razão destas palavras, pois, quando não há dúvida sobre
as palavras, pode ser entendido o seu sentido.
Capítulo 37.
23. O
verdadeiro, absoluto e perfeito mistério de nossa fé consiste em confessar Deus
de Deus e Deus em Deus, não de modo corpóreo, mas por força divina, não pela
transfusão de natureza em natureza, mas pelo mistério e poder da natureza.
24. Ele é
Deus de Deus não por corte, extensão ou derivação, mas, em virtude da natureza,
subsiste na mesma natureza pela natividade.
25. Sobre
este assunto, o livro seguinte falará, interpretando os ditos evangélicos e
apostólicos. Por enquanto, temos de ensinar o que falamos e cremos pela Lei e
os Profetas.
26. O que
nasce de Deus não pode deixar de ter aquela mesma natureza donde provém. Não
existe como outro diferente de Deus, porque não subsiste vindo de outro, a não
ser de Deus.
27. É da
mesma natureza, não porque o que gerou tenha nascido (pois como poderia ser Ele
mesmo se fosse gerado?), mas porque o que foi gerado subsiste na mesma natureza
na qual subsiste inteiramente Aquele que o gerou, porque Aquele que foi gerado
não provém de nenhum outro princípio.
28. O que
subsiste como Um vindo do que é Um, para ser Um com Ele não se refere a outro e
não é novo, em si, o que vive, vindo do que é vivo; nem está fora dele Aquele
que o que é vivo gerou para ser vivo.
29. Na
geração do Filho, o Deus incorpóreo e imutável segue sua natureza, gerando o
Deus incorpóreo e imutável, e o Filho perfeito, Deus incorpóreo e imutável, que
procede de Deus incorpóreo e imutável, não altera sua natureza.
30. Por
este mistério do Deus subsistente, nascido de Deus, o Deus Unigênito, por
intermédio do santo Moisés, atesta: Vede, vede, que eu sou o Senhor, e não
há Deus além de mim (Dt 32,39), pois não há outra natureza de divindade
para que, além dele, possa haver outro Deus.
31. Sendo Ele
mesmo Deus, também pela força da natureza, Deus está nele. Porque Ele é Deus e porque
nele está Deus, não há Deus além dele, pois não lhe vem de nenhuma outra parte que
seja Deus, e nele está Deus, tendo em si aquilo que Ele mesmo é e Aquele do
qual Ele mesmo subsiste.
Capítulo 38.
32. Confirma
nossa verdadeira e salutar profissão da fé o mesmo e Uno Espírito de profecia,
sem alterar, pelas sucessões e intervalos dos tempos, a pregação da doutrina religiosa.
33. O que,
por intermédio de Moisés, foi dito pela pessoa do Deus unigênito, iria ser
confirmado mais plenamente por um acréscimo de compreensão. Para isso, de novo,
o mesmo Espírito de profecia, pela palavra de Deus Pai, na pessoa dos homens de
elevada estatura, mediante Isaías fala: Porque em ti está Deus, e não há
Deus além de ti. Pois tu és Deus, e não o sabíamos, Deus de Israel, salvador (Is
45,14.15).
34. Que se
mostre a loucura desesperada da herética impiedade contra a confissão de que
são inseparáveis pela natureza e o nome e despedace, se puder, com a raivosa
boca de sua loucura, o que está unido pelas palavras e os fatos.
35. Em
Deus, Deus está, e além dele não há Deus. Separe a loucura herética Aquele que
está em Deus e divida a compreensão deste mistério. Pois, ao dizer: Em ti
está Deus, ensinou a verdade da natureza de Deus Pai no Deus Filho, já que
se entende estar Deus em quem é Deus.
36. E
certamente ao acrescentar: E além de ti não há Deus, mostra não haver
Deus além dele, porque nele está Deus. E mais ainda, ao dizer, pela terceira
vez, Tu és Deus, e não o sabíamos, dá testemunho, para a inteligência
humana, da profissão piedosa e fiel que, conhecidos os mistérios da natividade
e do nome anunciado pelo Anjo a José, confessa: Tu és Deus e não o sabíamos,
Deus de Israel, salvador, compreendendo estar nele a natureza de Deus, já
que Deus está em Deus.
37. Além
dele, que é Deus, não há lugar para o erro de qualquer outro Deus. É Isaías
que, profetizando, testifica esta indivisível e inseparável divindade do Pai e
do Filho.
Capítulo 39.
38. Jeremias,
com não díspar força de profecia, ensinou que o Unigênito é Deus, de natureza
não diferente da de Deus Pai, ao dizer: Este é o nosso Deus, e nenhum outro lhe
é comparável. Ele achou todo o caminho da ciência e a deu a Jacó, seu servo, e
a Israel, seu dileto. Depois de tais coisas, foi visto sobre a terra, e
conviveu com os homens (Br 3,36-37).
39. Que
outro Deus, no Deus Filho, supões, ó herege? Aprende a compreender e a
confessar um único Deus verdadeiro. Não se atribui a Cristo outra divindade,
para que seja Deus, pois é Deus por natureza, pela natividade, vindo de Deus.
40. Tem de
Deus o ser Deus, não é outro Deus. Não se atribui a Ele ser outro Deus, porque há
nele a verdade de Deus.
41. Por
que compões o verdadeiro com o não verdadeiro, o degenerado com o nobre, e unes
o que é diverso por natureza numa religião inventada?
42. O Pai
é Deus, o Filho é Deus. Em Deus, está Deus; além dele não há Deus; não se imagina
que nenhum outro, além dele, seja Deus.
43. Se
neles entenderes que Deus é Um e não solitário, estarás confessando a religião
da Igreja, que afirma o Pai e o Filho. Se, ao contrário, ao dizer Um,
lhe dás a significação de solitário, então, ignorante, foges do celeste
mistério, estás fora do conhecimento de Deus, por não confessares que Deus está
em Deus.
O que você destaca no texto e colo ele serve para sua
espiritualidade?
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