domingo, 15 de outubro de 2023

241 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Décimo (Capítulos 47- 55)

Grupo de Estudo na Formação do dia 21 de outubro de 2023.

 



241

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Décimo (Capítulos  47- 55)

21 de outubro de 2023

 


O livro X apresenta uma interpretação original do problema do sofrimento de Cristo e da morte de Jesus por nós. São 71 capítulos.

 

Capítulo 47.

1.      O Deus Unigênito suportou em si mesmo todo o nosso sofrimento, que se abateu sobre Ele; mas sofreu com o poder de sua natureza, como nasceu pelo poder de sua natureza.

2.      Quando nasceu, conservou, no nascimento, a natureza de sua onipotência. Nasceu como nascem os homens, mas não foi concebido como os homens. Pelo seu nascimento tem o modo de ser da condição humana, mas por causa de sua origem, está livre dos condicionamentos próprios da condição humana.

3.      Por isso sofreu, no seu corpo, como padece o nosso corpo frágil, mas de tal modo que os sofrimentos de nosso corpo foram assumidos pela força de seu corpo.

4.      Desta nossa fé, também a palavra profética dá testemunho, ao dizer: Ele levava sobre si as nossas enfermidades, e nossas dores Ele as carregava; e nós o reputávamos como um ferido, chagado e humilhado. Mas foi ferido por causa de nossas iniquidades, e esmagado pelos nossos pecados (Is 53,4-5).

5.      Engana-se, portanto, a opinião humana, quando julga que sentiu dor ao padecer. Pois, carregando nossos pecados, isto é, assumindo o corpo do nosso pecado, Ele mesmo não peca. Pois foi enviado à semelhança da carne do pecado (cf. Rm 8,3) e, certamente, carregava, na carne, os pecados, mas os nossos.

6.      Sofre por nós, mas não sente como nós sentimos, porque, sendo reconhecido como Homem (cf. Fl 2,7), tinha um corpo submetido à dor, mas sem ter a natureza capaz de sofrer, porquanto sua condição é de Homem, mas não a sua origem, visto que nasceu pela concepção do Espírito Santo.

7.      Por isso se considerou que sofria com as dores, as chagas e as humilhações. Assumiu a forma de servo e, nascido como Homem, da Virgem, deixou-nos a impressão de que a dor de sua Paixão foi natural. Ele foi ferido, mas por causa de nossas iniquidades (Is 53,5).

8.      Embora tenha sido ferido, a chaga não é a de sua iniquidade, e tudo o que sofre, não o sofre para si. Pois não nasceu como Homem para si, nem por si é iníquo. O Apóstolo declara a causa desta disposição divina, dizendo: Por Cristo nós vos rogamos, reconciliai-vos com Deus. Aquele que não conhecia pecado, Deus o fez pecado por nós (2Cor 5,20).

9.      Aquele que iria condenar o pecado na carne por meio do pecado, embora não tivesse pecado, foi feito pecado e, condenando o pecado por meio da carne, sem conhecer a carne, se fez carne por nós e, por causa de nossas iniquidades, foi ferido.

 

Capítulo 48.

10.  Além disso, o Apóstolo não vê em Cristo o medo da dor. Pois, falando da economia da paixão, anunciou-a no mistério da divindade, dizendo: Ele nos perdoou todas as nossas faltas: destruiu em detrimento das ordens legais o quirógrafo da sentença contra nós e o suprimiu pregando-o na Cruz, na qual Ele despojou os principados e as potestades, exibindo-as em espetáculo, levando-as em cortejo triunfal e delas triunfando em si mesmo (Cl 2,13-15).

11.  Parece-te então que este poder sucumbiu à ferida do cravo e ficou apavorado com o golpe doloroso, transformando-se sua natureza na do que sofre? O Apóstolo nos diz que nele Cristo fala (cf. 2Cor 13,3) e, lembrando a obra de nossa salvação realizada pelo Senhor, assim explica a morte de Cristo: despoja-se da carne, e, com segurança, desonra as Potestades e delas triunfa em si mesmo.

12.  Se houve, em sua paixão, alguma necessidade e não o dom de tua salvação, se a cruz significa a dor do que está crucificado e não a crucifixão do decreto em que está escrita a tua condenação à morte, se na sua morte está a força da morte, e não o seu despojamento das vestes de carne, pelo poder de Deus, se finalmente a morte não representa a desonra dos poderosos, a confiança e o triunfo, se nela há necessidade da natureza, se nela há violência, desconfiança e desonra, deves atribuí-la à sua fraqueza.

13.  Se, porém, o contrário de tudo isso é proclamado pelo mistério da Paixão, que loucura é esta, pergunto eu, que modifica o significado do que cremos, repudia a doutrina apostólica, toma como injúria de uma natureza covarde o que é amor e mistério, o que é poder, confiança e triunfo?

14.  Trata-se evidentemente de um triunfo que, ao ser procurado para ser conduzido à cruz não se suporte sua presença quando ela é oferecida, que se submeta à sentença de morte e, em seguida, se assente à direita do Poder, que seja pregado à cruz pelos cravos e ore pelos perseguidores, que beba o vinagre, mas consume o mistério da salvação, que seja contado entre os iníquos, mas ofereça a dádiva do paraíso, que seja levantado no lenho, mas faça tremer a terra, que fique suspenso da cruz, mas obscureça o sol e o dia, que saia do corpo, mas faça voltar as almas aos corpos, que seja enterrado como morto, mas ressurja como Deus, que, como Homem, sofra por nós todas as fraquezas, mas, como Deus, triunfe em tudo isso.

 

Capítulo 49.

15.  Ainda resta, segundo a opinião dos hereges, um importante atestado de fraqueza, principalmente por ter sido apresentado pela voz do Senhor, que clamou: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? (Mt 27,46).

16.  Esta queixa se apresenta como o maior motivo de dúvida: queixar-se de ser abandonado e sujeito à debilidade.

17.  Esta é uma presunção forçada da inteligência ímpia, que se opõe a todas as palavras do Senhor, como se Aquele que se apressava para a morte, pela qual seria glorificado e que, depois, se assentaria à direita do poder, tivesse medo de morrer e, com tantos motivos de felicidade, pudesse queixar-se de ser abandonado por Deus à necessidade de morrer, quando, passando pela morte, iria permanecer nestas alegrias!

 

Capítulo 50.

18.  Os artifícios heréticos avançam por este caminho como se tivesse sido preparado para sua impiedade. Afirmam que o Deus Verbo deixou de existir totalmente na alma de seu corpo e, por isso, o Filho do Homem e o Filho de Deus não são o mesmo Jesus Cristo, ou o Deus Verbo deixou de ser Ele mesmo quando vivificou o corpo, com sua função de alma, ou que o Cristo, absolutamente, não nasceu como Homem, porque nele o Verbo de Deus habitou como espírito profético.

19.  Mas o erro dessa ridícula perversidade ainda vai além. Com maior e mais audaciosa impiedade afirmam que Jesus Cristo, antes de haver nascido de Maria, não era Cristo, de tal modo que Aquele que nasceu não existia antes, mas só começou a existir quando nasceu da Virgem.

20.  Por isso também se acrescenta outro absurdo: que Deus Verbo, como certa parte do poder de Deus, estendendo-se em certa continuidade, habitou naquele Homem que começou a existir por Maria e recebeu os poderes próprios da divina operação, mas vive pelo movimento e natureza de sua alma.

 

Capítulo 51.

21.  Por esta sutil e pestífera doutrina são levados ao erro de afirmar que, ou o Deus Verbo se converteu em alma do corpo, por uma alteração da natureza, tornando-se fraco, e o Verbo, deixou de ser Deus, ou que o Homem foi animado somente pela vida da alma que o move e que o Verbo de Deus habitou nele como o poder da palavra que se propaga.

22.  Assim se dá lugar a toda espécie de interpretações ímpias, de modo que, ou o Deus Verbo se converteu em alma e deixou de ser Deus Verbo, ou então Cristo absolutamente não existiu antes do parto de Maria, porque, sendo apenas um homem como os outros, teria somente a alma e o corpo comuns aos homens, tendo começado a existir somente quando começou a ser Homem e um poder extrínseco da palavra estendida até Ele lhe deu força para agir.

23.  Ao ser abandonado pelo Verbo de Deus, porque o prolongamento desta força estendida até Ele se retirou, clamou: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? – ou então, Aquele que tivera mudada a natureza do Deus Verbo, para ser a alma do corpo, e tivera em tudo o auxílio paterno, desamparado e à mercê da morte, queixou-se de sua solidão e o censurou por ter sido abandonado.

24.  Tudo isso oferece um perigo mortal para a fé, iludida, quando se julga haver no Deus Verbo a fraqueza da natureza por causa da sua queixa, ou quando se diz que, de modo nenhum, se trata do Deus Verbo, já que o Cristo Jesus deve seu início unicamente ao parto de Maria.

 

Capítulo 52.

25.  Entre estas sentenças ímpias e inconsistentes, a fé da Igreja, imbuída das doutrinas dos Apóstolos, afirma o nascimento de Cristo, mas desconhece seu início.

26.  Conhece a economia da Encarnação, mas desconhece a divisão.

27.  Não suporta que haja em Cristo Jesus uma divisão, de tal modo que Jesus não seja o Cristo, nem separa o Filho do Homem do Filho de Deus, de modo a se entender que o Filho de Deus não seja Filho do Homem.

28.  Não permite que o Filho de Deus seja absorvido pelo Filho do Homem, nem divide em três partes a Cristo, cuja túnica inconsútil não foi cortada (cf. Jo 19,23).

29.  Em Jesus Cristo não separa o Verbo, a alma e o corpo. Nem dilui o Deus Verbo em alma e corpo. Para a fé, Ele é inteiramente Deus e Verbo e inteiramente o Homem Cristo. Mantém esta unidade no mistério que professa, sem crer que Cristo seja diferente de Jesus, e sem anunciar outro Jesus além de Cristo.

 

Capítulo 53.

30.  Não ignoro quanto a magnificência do mistério celeste representa um impedimento à debilidade da inteligência humana, de tal modo que não é fácil dizer com palavras, discernir com a razão, ou abarcar com a mente tais realidades.

31.  O Apóstolo sabia quão árduo e difícil é para nosso juízo entender o modo de agir divino. Se assim não fosse, nosso modo de julgar seria mais arguto para entender a Deus do que Deus é poderoso para agir.

32.  Por isso, àquele seu filho legítimo segundo a fé, que, desde a infância, conhece as Sagradas Escrituras, assim escreve: Se eu te recomendei permanecer em Éfeso, quando estava de viagem para a Macedônia, foi para admoestares alguns a não ensinarem outra doutrina, nem se ocuparem com fábulas e genealogias sem fim, as quais favorecem mais as discussões do que a edificação de Deus que se realiza na fé (1Tm 1,3-4).

33.  Proíbe tratar de questões de genealogias e tocar em fábulas que provocam disputas intermináveis. Mas ensina que aquilo que serve à edificação de Deus se realiza na fé, para que o modo de exercer a reverência humana se limite a adorar, com fé, a onipotência de Deus, sem que se estenda nossa fraqueza até perscrutar aquilo que embota a natureza do que perscruta.

34.  Porque, se a claridade do sol ofusca, nos que a contemplam, a capacidade de ver a luz e quando, com intensa curiosidade, se procura contemplar a luz irradiante, fica amortecido o sentido da visão e acontece que, quanto mais te esforças por ver, menos vês, que se poderá esperar, então, em relação às coisas de Deus e ao sol de justiça?

35.  Não correm perigo de se tornar estultos aqueles que desejam saber mais do que podem? A aguda luz da inteligência não será vencida pelo estupor da insipiência embrutecida?

36.  A natureza inferior não compreende a razão de ser da natureza superior, nem está ao alcance do pensamento humano o desígnio celeste, pois é limitado pela fraqueza tudo aquilo que pode ser conhecido por quem é fraco.

37.  O poder de Deus ultrapassa a capacidade da mente humana. Se a fraqueza pretender elevar-se até Ele, mais fraca se tornará, já que perde mesmo o poder que tem e que a natureza mais forte das coisas celestes é capaz de debilitar, porque toda a teimosia em querer alcançá-la é vencida pela sua imensidão.

38.  Se o sol deve ser visto à medida que nos é possível suportá-lo, se devemos receber sua luz na medida justa para que não aconteça que, desejando contemplar mais, menos o consigamos, do mesmo modo as coisas celestes só poderão ser entendidas à medida que elas o permitirem.

39.  Só devemos esperar compreendê-las enquanto consentem em ser apreendidas, porque, se não nos contentarmos com a moderação exigida, perderemos o que foi concedido por indulgência.

40.  Há em Deus algo que podes perceber, se quiseres conhecer apenas o que estiver a teu alcance. Assim como podes ver alguma coisa do sol, se queres ver o que podes e perderás o que não podes ver, se te esforças por ver o que não podes, do mesmo modo, nas coisas de Deus, há algo que podes entender, se quiseres entender o que podes. Porém, se esperas além do que podes, não poderás nem mesmo aquilo que poderias.

 

Capítulo 54.

41.  Ainda não me referirei ao mistério de seu nascimento fora do tempo. No devido lugar tratarei dele. No momento falarei sobre o mistério da assunção da carne.

42.  Consulto agora aqueles perscrutadores dos arcanos celestes para que expliquem o mistério do Cristo nascido da Virgem, segundo sua natureza.

43.  Donde dizem provir a concepção da Virgem? Donde o parto da Virgem? Qual é a origem de sua fecundidade e o que foi que se formou no íntimo do seio materno? Donde vem o corpo? E o Homem? Depois disto tudo, que significa que o Filho do Homem tenha descido do céu permanecendo no céu? Pois não é a mesma coisa, de acordo com a natureza dos corpos, descer e permanecer.

44.  Uma coisa é a mudança que supõe a partida, outra coisa é permanecer imperturbável.

45.  Chora a criancinha, mas está no céu, o menino cresce, mas permanece o Deus da plenitude. Subir para onde estava antes, e descer o que permanece, que sentido tem isso para a capacidade da inteligência humana?

46.  Pois diz o Senhor: E se vísseis o Filho do Homem subir para onde estava antes? (Jo 6,63). O Filho do Homem sobe para onde estava antes. Que lógica pode entender? Desce do céu o Filho do Homem que está no céu. Que razão o explicará? O Verbo se fez carne. Que palavras o expressarão? O Verbo se faz carne, isto é, Deus se faz Homem.

47.  Quem é Homem, está no céu, quem é Deus vem do céu. Sobe o que desce, mas desce sem descer. É o que era, mas não era o que é. Percorremos as causas, e a razão nos escapa; vemos a razão e não entendemos a causa. Entendendo assim a Cristo Jesus, nós o conheceremos, porém, julgando compreender mais, ficaremos na ignorância.

 

Capítulo 55.

48.  Como é grande, nas palavras e nos fatos, aquele mistério do pranto de Cristo, e das lágrimas que lhe correm dos olhos por causa da angústia da alma! (Cf. Lc 19,4.)

49.  De onde provém esta falha de sua alma, para que a dor da tristeza arranque lágrimas do corpo? Que amargura e dor intoleráveis fazem o Filho do Homem, que desceu do céu, se desfazer em lágrimas? Que foi então o que nele chorou? O Deus Verbo ou a alma de seu corpo?

50.  Pois, embora as lágrimas pertençam ao corpo, é a angústia da alma que faz brotar o seu pranto por intermédio do corpo.

51.  Qual foi a causa do seu pranto? A ímpia e parricida Jerusalém, que não iria sofrer pelo assassínio de tão grandes Profetas e Apóstolos e a morte do próprio Senhor, teria merecido dele a honra das lágrimas?

52.  Acaso se condói com a queda desta perdida e desesperada gente, como se lamentam as calamidades que causam as mortes humanas? Qual é, pergunto eu, o mistério destas lágrimas?

53.  A alma, que está triste, chora. Mas acaso não foi ela que enviou os profetas? Não foi ela que desejou tantas vezes reunir seus pintainhos à sombra de suas asas (cf. Mt 23,27)?

54.  Não pertence ao Deus Verbo entristecer-se, nem as lágrimas pertencem ao Espírito. Mas também não é próprio da alma fazer algo antes do corpo. E, contudo, Jesus Cristo realmente chorou, sem dúvida alguma.

 

 

1.      O que você destaca na fala do seu irmão/ã?

2.      O que você destaca no texto?

3.      Como ele é útil para sua espiritualidade?

 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário