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Hilário
de Poitiers (315-368)
O Tratado da Santíssima Trindade
Livro
Décimo Primeiro (Capítulos 01- 11)
25 de novembro de 2023
O livro XI fala da
diferença entre a humanidade e a divindade de Cristo e da glorificação da
humanidade de Cristo e nossa glorificação juntamente com Ele. São 49 capítulos.
LIVRO ONZE
Capítulo 1.
1.
O Apóstolo, ao explicar, de muitos
modos, o mistério total e absoluto da fé evangélica, entre outros preceitos da
ciência divina, declarou: Assim
como fostes chamados a uma só esperança da vossa vocação. Um só Senhor, uma só
fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de
todos e em todos (Ef 4,4-6).
2.
Não nos deixou perdidos em meio aos
ensinamentos ambíguos de uma doutrina incerta, nem permitiu que a mente humana
seguisse opiniões vagas e inseguras, mas estabeleceu limites à liberdade da
inteligência e da vontade, de modo a não nos deixar querer saber senão aquilo
que pregara, porque a definição clara da fé imutável não permite crer em coisas
que se contradizem.
3.
Pregando um só Senhor, afirma uma só
fé, em seguida, lembrando a única fé no único Senhor, mostra também que há um
só batismo, porque, se há uma só fé no único Senhor, também será um só o
batismo, por esta fé em um só Senhor.
4.
Todo o mistério do batismo e da fé se
fundamenta em um único Deus e um só Senhor.
5.
A profissão de fé em um só Deus leva à
plenitude a nossa esperança e, como há um único batismo e uma só fé em um só
Senhor, assim também deve haver um só batismo e uma só fé em um só Deus. Um e
outro são um só, não na unicidade de pessoa, mas em sua propriedade pessoal, pois
é próprio de cada um ser Um.
6.
É próprio do Pai ser Pai, e do Filho,
ser Filho. Ser cada um, em sua propriedade pessoal, constitui o mistério da sua
unidade recíproca. Porque o único Senhor Cristo não retira de Deus Pai que seja
Senhor, também o único Deus Pai não quer negar ao Senhor Cristo o ser Deus.
7.
Se, pelo fato de Deus ser Um, parece
não ser próprio a Cristo o ser Deus, é forçoso que se pense, por isso mesmo,
que, por ser Cristo um só Senhor, não corresponda a Deus ser Senhor.
8.
Assim seria, com efeito, se o ser Um não expressasse o mistério, mas sim a
unicidade pessoal. Portanto, há um só batismo e uma só fé em um só Senhor,
assim como em um só Deus Pai.
Capítulo 2.
9.
A fé já não é una, se não se mantém na
afirmação convicta de um só Senhor, como de um só Deus Pai. Pois, como poderá
confessar um só Senhor e um só Deus Pai uma fé que não seja una?
10. Em
tamanha diversidade de doutrinas, já não pode haver uma só fé: um crê que o
Senhor Jesus Cristo gemeu de dor, ao lhe cravarem os pregos nas palmas das mãos,
por causa de nossa fraqueza humana e, carecendo, por sua natureza, de coragem e
poder, sentiu terror diante da morte iminente, outro nega o mais importante, isto
é, que tenha nascido, e declara que foi criado, outro diz que é Deus com suas palavras, mas não pensa que
seja realmente Deus, outro pensa que falar de deuses é compatível com a
religião, mas considerá-lo Deus significa conhecer sua natureza divina.
11. Assim
sendo, o Senhor Cristo já não seria um só: se para um, sendo Deus, não sofre, para
outro, por ser fraco, tem medo; se, para um, é Deus por natureza, para outro,
só pelo nome; para um é Filho por geração, para outro, porque assim é chamado.
12. Nem
Deus Pai seria um, segundo a fé, se uns acreditam que é Pai pelo poder, outros
porque gerou o Filho, visto que Deus é Pai de todas as coisas.
13. Quem
duvidará estar separado da fé quem está fora da única fé? Porque na única fé há
um só Senhor Cristo e um só Pai. O Senhor Cristo é Um, não pelo nome, mas pela
fé, se é Filho, se é Deus, se é imutável, se nunca, em tempo algum, deixou de
ser Deus ou de ser Filho.
14. Quem
proclamar um Cristo diferente, um Cristo que não seja nem Filho nem Deus,
pregará outro Cristo e não estará na fé única do único batismo, porque, de
acordo com a doutrina do Apóstolo, a fé única do único batismo é a daquele para
a qual o único Senhor Cristo é Filho de Deus e é Deus.
Capítulo 3.
15. Já
não se pode negar que Cristo seja o Cristo, nem se pode deixar que o mundo o ignore.
Os livros proféticos o consignam, a plenitude dos tempos, progredindo cada dia,
o atesta, os sepulcros dos Apóstolos e dos Mártires o demonstram por meio dos
milagres, o poder de seu nome o prova, os espíritos imundos o confessam, os
rugidos dos demônios punidos o proclamam.
16. Em
todas estas coisas está a manifestação do seu poder e deve ser anunciado tal
qual é por nossa fé, para que não pelo nome, mas pela confissão, da única fé do
único batismo, seja para nós o único Senhor. Porque há Um só Deus Pai, do mesmo
modo que há Um só Senhor Cristo.
Capítulo 4.
17. Agora,
estes novos pregadores de Cristo, negando tudo o que é de Cristo, pregam outro
Cristo Senhor, bem como outro Deus Pai; porque Este não gerou, mas criou, e Aquele
não nasceu, mas foi criado.
18. Segundo
eles, Cristo não é Deus verdadeiro porque não lhe vem da natividade o ser Deus.
Sua fé não reconhece a Deus como Pai, pois não gerou o Filho. Louvam, com
razão, o que é digno de Deus Pai, isto é, sua natureza inacessível, invisível,
inviolável, inenarrável, infinita, providente, poderosa, benigna, ágil, que
tudo atravessa, móvel, imanente e transcendente, que deve ser considerado como tudo
e todas as coisas (cf. 1Cor 15,28), mas,
quando acrescentam à excelência do louvor: o único bom, único poderoso, único imortal,
quem não compreenderá que este piedoso louvor tem por objetivo excluir o Senhor
Jesus Cristo desta beatitude que, para honrá-lo, se atribui somente a Deus,
pois Cristo, para eles, não só é mortal, mas fraco e mau e só ao Pai pertencem
aqueles atributos?
19. Por
conseguinte, para negar que tenha, por força da geração, aquela felicidade que
pertence a Deus por natureza, nega-se o seu nascimento natural, de Deus Pai,
porque todo o que nasce tem de ter, por natureza, o poder daquele que gerou.
Capítulo 5.
20. Não
são instruídos pelas pregações apostólicas e evangélicas e querem engrandecer a
magnificência de Deus Pai, não pela fé religiosa, mas por artifícios da
impiedade. Para dar uma falsa aparência à sua ímpia profissão de fé, quando
proclamam que nada pode ser comparado à natureza do Pai, afirmam que, visto ser
impossível a comparação, o Deus Unigênito possui uma natureza degenerada e
fraca.
21. Dizem
que Deus, a imagem viva do Deus vivo, forma perfeita da bem-aventurada
natureza, Filho único da substância que não pode nascer, não pode possuir a
verdade da imagem do Pai se não tem a glória perfeita de sua bem-aventurança e
não reflete a expressão plena de sua natureza.
22. Porém,
se o Deus Unigênito é a imagem do Deus Inascível, nele habita a realidade plena
e total da sua natureza, pela qual é a imagem verdadeira do Pai.
23. O
Pai é poderoso; se o Filho é fraco, já não é a imagem do poderoso. O Pai é bom;
se o Filho possui uma natureza de gênero diferente, a natureza do mal não pode
reproduzir a imagem do que é bom. O Pai é incorpóreo; se o Filho, quanto à sua
divindade, está circunscrito a um corpo, o que é corpóreo não será forma do
incorpóreo. O Pai é inefável; se as palavras podem exprimir o Filho, a natureza
que pode ser descrita não pode ser imagem da que é indescritível. O Pai é
verdadeiro Deus; se o Filho é um deus falso, não é verdadeira imagem porque é falso.
24. O
Apóstolo não diz que seja uma imagem parcial nem que tenha uma forma de Deus,
em parte, mas afirma ser imagem do Deus invisível e forma de Deus (cf. Cl
1,15).
25. O
Apóstolo não poderia afirmar com maior clareza que a natureza da divindade está
no Filho de Deus, que quando diz que Cristo é a imagem do Deus invisível, no
que Deus tem de invisível porque, na substância do que pode ser visto, não se
pode obter uma imagem da natureza invisível.
Capítulo 6.
26. Como
ensinamos nos livros anteriores, servem-se da Economia do corpo assumido para
injuriar a divindade e se apoderam do mistério de nossa salvação para dar
ensejo à impiedade.
27. Se
fossem firmes na fé apostólica, entenderiam que Aquele que existe na forma de
Deus assumiu a forma de servo e não usariam a forma de servo para denegrir a forma
de Deus, pois a forma de Deus contém em si a plenitude de Deus, e se aproximariam
com piedade do que pertence ao tempo e do que pertence ao mistério, sem injúria
à divindade nem erro por causa da Economia.
28. Penso
que tudo já foi exaustivamente explicado e que, pela natividade do corpo
assumido, demonstrou-se a força da natureza divina. Não há mais lugar para
duvidar de que Aquele que é o Deus Unigênito e Homem tenha realizado tudo pelo
poder de Deus e que, no poder de Deus, tenha feito todas as coisas com a
realidade de sua natureza humana, tendo em si a natureza do Deus poderoso nas
ações, porque nasceu de Deus, e a plena realização do homem perfeito, porque
nasceu da Virgem.
29. Na
realidade do corpo, subsiste a natureza de Deus e, na natureza de Deus,
permanece a realidade do corpo.
Capítulo 7.
30. Embora
a nossa resposta tenha chegado até a tratar da morte gloriosa de Cristo, rebatendo
cada ímpia proposição com as doutrinas evangélicas e apostólicas, no entanto, depois
da glória da ressurreição, alguma coisa deve ser ainda demonstrada acerca da fraqueza
da natureza degenerada, que os ímpios ousaram atribuir-lhe.
31. Por
isso, devemos, agora, responder-lhes. Assim como anteriormente, vamos buscar o
sentido das palavras citadas por eles, para que a verdade se encontre ali mesmo
onde é negada.
32. É
preciso que o que foi dito com simplicidade e para esclarecimento da fé, por
inspiração divina, se diga com a mesma finalidade e se confirme por exemplos de
palavras não alheias nem fora de propósito.
Capítulo 8.
33. Entre
outras impiedades suas, os hereges costumam citar esta palavra do Senhor: Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso
Deus (Jo 20,17).
34. Dizem
que, pelo fato de ser o seu Pai o Pai deles, e o seu Deus o Deus deles, não tem
a natureza de Deus; porque afirma que Deus é Pai dos demais como é seu próprio
Pai. Assim se destrói o privilégio da sua comunhão pela natureza e a
natividade, pela qual nasceu como Deus e é Filho.
35. Apresentam
também o dito do Apóstolo: Pois
quando disser: “tudo está submetido”, evidentemente excluir-se-á aquele que
tudo lhe submeteu. Quando tudo lhe estiver submetido, então ele mesmo se
submeterá àquele que tudo lhe submeteu, para que Deus seja tudo em todos (1Cor
15,26-28).
36. A
submissão é considerada como o atestado de fraqueza da natureza, que não
participa da força da natureza paterna, visto que uma natureza fraca se submete
a uma natureza mais poderosa.
37. Que
eles tenham este argumento como o mais forte e inexpugnável, em defesa da sua
impiedade, a fim de abolir a realidade do nascimento, ou seja, a ideia de que,
pela submissão, Cristo não é Deus e de que, por ter o mesmo Deus e o mesmo Pai
que nós, está em comunhão com a criatura. Seria, então, antes criação de Deus
do que geração.
38. A
criação, porém, subsiste vinda do nada, porém o Filho tem, por nascimento, a
natureza do seu Pai.
Capítulo 9.
39. Toda
calúnia é desonesta, porque a falsidade contradiz a verdade, quando não é contida
pelo pudor. Por vezes, oculta-se sob o véu da ambiguidade, para, com dignidade,
defender aquilo que, sem escrúpulos, conserva em seu pensamento.
40. Porém,
naquilo que apresentam com impiedade para desmerecer a fé na divindade de nosso
Senhor, não há mais lugar para modéstia nem falsas desculpas, pois, cessando a
desculpa para a ignorância, apenas se revela o desejo de explicar as coisas de
modo contrário à fé.
41. Ainda
que por pouco tempo, devo adiar a explicação desta palavra do Apóstolo: É grande o mistério da piedade: ele foi manifestado
na carne, justificado no Espírito, contemplado pelos anjos, proclamado às
nações, acreditado no mundo, exaltado na glória (1Tm 3,16).
42. Haverá
ainda alguém com uma inteligência tão estreita, que entenda que a economia da
assunção da carne pelo Senhor não seja o mistério da piedade? Está excluído da
fé em Deus quem se afastar desta confissão, pois o Apóstolo não duvida de que
todos devem afirmar que o mistério de nossa salvação não é ofensa à divindade,
mas o mistério da grande piedade.
43. Nele
não há necessidade, mas misericórdia, não é fraqueza, mas sim mistério da
grande piedade, não mais oculto no segredo, mas sim manifestado na carne. Não é
mais fraco pela natureza da carne, mas justificado no Espírito, de tal modo
que, pela justificação do Espírito deve desaparecer totalmente de nossa fé a
ideia da fraqueza da carne.
44. O
Apóstolo manteve esta ordem na exposição da fé: havendo piedade, há mistério;
havendo mistério, se dá o conhecimento na carne; havendo conhecimento na carne,
há justificação no Espírito. Porque é mistério da piedade, que se manifesta na
carne; manifesta-se na carne pela justificação no Espírito, para que seja
verdadeiramente mistério. Para que não se ignore de que maneira a manifestação
na carne é justificação no Espírito, o mistério foi visto pelos Anjos, e pregado
aos Gentios, acreditado neste mundo e exaltado na glória.
45. Depois
de ter sido visto, foi pregado. A fé vem depois da pregação e tudo se completa
com a assunção na glória, porque a assunção na glória é o grande mistério da
piedade.
46. Por
esta fé na economia, nos preparamos para tornar-nos conformes a glória do
Senhor e ser nela recebidos. Portanto, o grande mistério da piedade é a
assunção da carne, porque, pela assunção da carne, o mistério é manifestado na
carne.
47. A
manifestação na carne não difere do mistério da grande piedade, porque sua
manifestação na carne é a justificação no Espírito e a exaltação da glória. Com
que esperança podemos crer que o mistério da manifestação da piedade seja a
fraqueza da divindade, quando se deve anunciar o mistério da grande piedade
pela assunção na glória? Não há a fraqueza, mas sim mistério, e não há
necessidade, mas piedade.
48. Agora,
será preciso indagar qual é o sentido da palavra do Evangelho, para que o
mistério de nossa salvação e glória não dê ensejo a uma ímpia pregação.
Capítulo 10.
49. Muito
importante é para ti, ó herege, e imperecível, a declaração do Senhor, acerca
de si mesmo: Subo
para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus (Jo 20,17); porque,
se para nós e para Ele há um só Pai e um só Deus, deve haver nele aquela
fraqueza que também é nossa.
50. Se,
pelo mesmo Pai, nos igualamos como filhos, também pelo mesmo Deus somos
igualados como servos. Se somos criação pela origem, e servos por natureza, se
temos em comum com Ele o mesmo Pai e o mesmo Deus, Ele é, como nós, criatura
por natureza, tendo em comum conosco a servidão.
51. É
esta a loucura da ímpia pregação, que ainda se serve deste outro dito
profético: Deus, o teu Deus, te ungiu
(Sl
44,8), para dizer que nele não há a força da natureza pela qual Deus age,
porque o fato de ter sido ungido por Deus faz com que o seu Deus seja superior a Ele.
Capítulo 11.
52. Aquele
que desconhece o Deus que nasceu, desconhece o Cristo Deus, pois nascer como
Deus não é diferente de ter a natureza de Deus. Nascer demonstra a origem do que nasce, não
indica que tenha uma natureza diferente daquela de quem lhe dá o ser.
53. Se
não tem uma natureza diferente, certamente deve o princípio do nascimento ao
que o gerou e não deixa de ter a natureza daquele de que se origina. É Filho de
Deus, não tem outra origem nem outra natureza. Se viesse de outra origem, já
não seria Filho; se tivesse outra natureza, já não seria Deus.
54. Como
Deus procede de Deus, o Pai é Deus para o Filho, pela natividade, e Deus, pela
natureza; porque o que nasce de Deus procede de Deus e nele está a natureza
pela qual é Deus.
O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?
O que você destaca na fala do seu irmão e irmã?
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