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Cirilo de Jerusalém (315-386)
Catequese Mistagógico
Primeira
Catequese Mistagógica
Os
recém-iluminados e leitura da primeira epístola católica de São Pedro desde:
«Estai alerta e vigia» até o final da epístola 1, do mesmo Cirilo e do bispo
João.
I.
Finalidade destas catequeses
1.
Desde há muito
tempo desejava falar-vos, filhos legítimos e muito amados da Igreja, sobre
estes espirituais e celestes mistérios.
2. Mas como sei bem que a vista é mais fiel que o
ouvido, esperei a ocasião presente, para encontrar-vos, depois desta grande noite,
mais preparados para compreender o que se vos fala e levar-vos pelas mãos ao
prado luminoso e fragrante deste paraíso.
3. Além disso, já estais melhor preparados para
apreender os mistérios todo divinos que se referem ao divino e vivificante
batismo.
4. Uma vez, pois, que vos proporemos uma mesa com
doutrinas de iniciação perfeita, é necessário ensinar-vos com precisão, para
penetrardes o sentido do que se passou convosco nesta noite batismal.
5. Entrastes primeiro no adro do batistério. Depois
vos voltastes para o Ocidente[1] e atentos escutastes.
Recebestes então a ordem de estender a mão, e renunciastes a satanás como se
estivesse ali presente. É preciso que saibais que na história antiga há uma
figura deste gesto.
6. Quando o faraó, o mais inumano e cruel tirano,
oprimia o povo livre e nobre dos hebreus, Deus enviou Moisés a tirá-los desta
penosa escravidão dos egípcios.
7. Com sangue de cordeiro eram ungidas as ombreiras
das portas, a fim de que o exterminador passasse pelas casas que ostentassem o
sinal do sangue. Assim, o povo dos hebreus foi admiravelmente libertado.
8. Quando, depois da libertação, faraó os perseguiu e
viu o mar abrir-se maravilhosamente diante deles, avançou mesmo assim ao
encalço deles e, submerso instantaneamente, foi engolido pelo Mar Vermelho.
9. Passai agora comigo das coisas antigas às novas, da
figura à realidade. Lá Moisés foi enviado por Deus ao Egito; aqui Cristo, do
seio do Pai, foi enviado ao mundo.
10. Aquele para tirar o povo oprimido do Egito; Cristo
para livrar os que no mundo são acabrunhados pelo pecado. Lá o sangue do
cordeiro afastou o anjo exterminador; aqui o sangue do Cordeiro Imaculado,
Jesus Cristo, constitui um refúgio contra os demônios.
11. Aquele tirano perseguiu até o mar este povo antigo;
e a ti, o demônio atrevido, impudente e príncipe do mal, te segue até as fontes
mesmas da salvação. Aquele afogou-se no mar; este desaparece na água da
salvação.
12. Entretanto, ouves, com a mão estendida, dizer como
a um presente: «Eu renuncio a ti, satanás». Quero também falar-vos porque
estais voltados para o Ocidente, pois é necessário.
13. O Ocidente é o lugar das trevas visíveis e como
aquele [satã] é trevas, tem o seu poder nas trevas. Por essa razão,
simbolicamente olhais para o Ocidente e renunciais a este príncipe tenebroso e
sombrio.
14. O que então cada um de vós, de pé, dizia? Renuncio
a ti, satanás, a ti mau e crudelíssimo tirano: já não temo, dizias, a tua
força.
15. Pois Cristo a destruiu, fazendo-me participe de seu
sangue e de sua carne, a fim de abolir a morte pela morte e eu não estar
eternamente sujeito à escravidão. Renuncio a ti, serpente astuta e capaz de
todo mal. Renuncio a ti, que armas insídias e, simulando amizade, praticaste
toda sorte de iniquidade e sugeriste a nossos primeiros pais a apostasia. Renuncio
a ti, satanás, artífice e cúmplice de todo mal.
16. Em seguida, numa segunda fórmula, és ensinado a
dizer: «E a todas as tuas obras».
17. Obras de satanás são todos os pecados, aos quais é
necessário renunciar, assim como quem foge de um tirano atira para longe de si
todas as armas dele.
18. Todo o gênero de pecado está, pois, incluído nas
obras do diabo. Aliás, sabes que tudo quanto dizes naquela hora tremente está
inscrito nos livros invisíveis de Deus.
19. Se, pois, fores surpreendido fazendo algo contrário
a estes, serás julgado como transgressor. Renuncias, portanto, às obras de
satanás, isto é, a todas as ações e pensamentos contrários à promessa.
20. Depois dizes: «E a toda a sua pompa». Pompa do
diabo é a mania do teatro, das corridas de cavalo, da caça e de toda vaidade
desta espécie.
21. Dela pede o santo ser livrado, dizendo a Deus: «Não
permitais que meus olhos vejam a vaidade». Não te entregues desenfreadamente à
mania do teatro, onde se encontram os espetáculos obscenos dos atores,
executados com insolências e com toda sorte de indecências, e com danças
furiosas de homens efeminados.
22. Nem tampouco sejas daqueles que na caça se expõem a
si mesmos às feras, para contentar o infeliz ventre, os quais, querendo regalar
o estômago com petiscos, se tornam alimentos dos animais selvagens.
23. Exprimindo-me melhor, por causa deste seu deus, o
ventre, arriscam sua vida em combate singular. Foge também das corridas de
cavalos, espetáculo insano que leva as almas à perdição. Porque tudo isto é
pompa do diabo.
24. Mas ainda tudo o que é exposto nos templos dos
ídolos e nas suas festas, quer sejam carnes ou pães ou coisas semelhantes,
inquinados pela invocação dos demônios infames, são contados como pompa do
diabo.
25. Pois, assim como o pão e o vinho da eucaristia, antes
da santa epíclese[2]
da adorável Trindade, eram simplesmente pão e vinho, mas depois da epíclese o
pão se torna corpo de Cristo e o vinho sangue de Cristo, da mesma maneira estes
alimentos que pertencem à pompa de satanás, por sua própria natureza simples,
tornam-se, pela invocação dos demônios, impuros.
26. Depois disto tu dizes: «E a teu culto». Culto do
diabo é a prece feita nos templos dos ídolos, tudo que se faz em honra dos
simulacros inanimados: acender luzes ou queimar incenso perto de fontes e rios,
como fazem alguns que, enganados por sonhos e demônios, chegam a isso, crendo
que encontram a cura de doenças corporais.
27. Não vás atrás destas coisas. Augúrios, adivinhação,
agouros, amuletos, inscrições em lâminas, magias ou outras artes más são culto
do diabo.
28. Foge, portanto, de tudo isto. Se a eles sucumbes,
depois de teres renunciado a satanás e aderido a Cristo, experimentarás um
tirano mais cruel.
29. Aquele que antes te tratou talvez como familiar e
te libertou da dura escravidão, agora está fortemente irritado contra ti. De
Cristo serás privado e experimentarás àquele [satanás]. Não ouviste o que a
antiga história nos conta de Ló e suas filhas?
30. Não se salvou ele com as filhas, tendo alcançado a
montanha, enquanto sua mulher se transformou em estátua de sal para sempre,
constituindo uma recordação de sua má vontade e de seu olhar curioso para trás?
31. Cuida, pois, de ti mesmo e não te voltes novamente
para trás, depois de teres posto a mão no arado, para a prática amarga desta
vida. Foge antes para a montanha para junto de Jesus Cristo, a pedra talhada
não por mãos e que encheu a terra.
32. Quando, então, renuncias a satanás, rompendo todo
pacto com ele, quebras as velhas alianças com o inferno. Abre-se para ti o
paraíso de Deus, que ele plantou para o lado do oriente, donde por sua
transgressão foi expulso nosso primeiro pai. Disto é símbolo o te voltares do
Ocidente para o Oriente, lugar da luz.
33. Então te foi ordenado que dissesses: «Creio no Pai
e no Filho e no Espírito Santo e no único batismo de penitência». Disto vos
falamos extensamente, nas catequeses anteriores, como no-lo permitiu a graça de
Deus.
34. Fortalecido por estas palavras, vigia. Pois nosso
adversário o diabo, como foi lido, anda ao redor, buscando a quem devorar.
Deveras, nos tempos anteriores a este, a morte devorava, poderosa.
35. Depois do batismo sagrado da regeneração, Deus
enxugou toda lágrima de todas as faces. Com efeito, já não choras por teres te
despido do velho homem, mas estás em festa porque te revestiste com a
vestimenta da salvação, Jesus Cristo.
36. Tudo isto se realizou no edifício exterior. Se
aprouver a Deus, quando nas Catequeses Mistagógicas seguintes entrarmos no
Santo dos Santos, conheceremos, então, os símbolos das coisas que lá se
realizam.
37. A Deus glória, poder e magnificência, com o Filho e
o Espírito Santo pelos séculos dos séculos. Amém.
O
que você destaca no texto?
Como
ele serve para a espiritualidade da Igreja atual?
Como
serve para a sua própria espiritualidade?
[1] “Pois
assim como o relâmpago parte do oriente e brilha até o poente, assim será a
vinda do Filho do Homem” (Mateus 24, 27).
[2] A epíclese é uma invocação a Deus para que envie o seu
Espírito Santo e transforme as coisas ou as pessoas. O termo vem do grego
epi-kaleo (chamar sobre) e, em latim, in-vocare.
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