280
SÃO
BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA
(330-379)
Tratado sobre o Espírito Santo (Capítulos 47 - 51)
Solicitação do Tratado: Bispo
Anfilóquio de Icônio.
Basílio
escreve: “Há pouco, estava orando com o povo.
Glorificava a Deus Pai com ambas as formas de doxologia: ora com o Filho, com o
Espírito Santo; ora pelo Filho, no Espírito Santo. Alguns dos presentes nos acusaram de
empregar palavras estranhas e até contraditórias entre si. Tu, porém..., ...pediste
um ensinamento bem claro sobre o alcance destas sílabas”.
Capítulo 47.
1.
Quando, através de uma potência
iluminadora, fixamos o olhar na beleza da Imagem do Deus invisível, e por meio
dela, nos elevamos à visão belíssima do arquétipo, está de modo inseparável
presente o Espírito do conhecimento, oferecendo em si a força para se contemplar
a Imagem àqueles que gostam de ver a Verdade.
2.
Não faz a demonstração de fora, mas
fá-la reconhecível em si mesmo. Pois “ninguém conhece o Pai senão o Filho” (Mt
11,27), assim como “ninguém pode dizer: ‘Jesus é Senhor’ a não ser no Espírito Santo”
(1Cor 12,3).
3.
Com efeito, não foi dito: “pelo
Espírito”, e sim “no Espírito”. “Deus é Espírito, e aqueles que o adoram devem
adorá-lo em espírito, e verdade” (Jo 4,24). Conforme está escrito: “Em tua luz
nós vemos a luz” (Sl 36.9), isto é, com a iluminação do Espírito, veremos “a
luz verdadeira que, vindo ao mundo, ilumina todo homem” (Jo 1,9).
4.
Assim, em si ele mostra a glória do
Unigênito, e aos verdadeiros adoradores ele concede o conhecimento de Deus.
Ora, o caminho do conhecimento de Deus estende-se do Espírito que é um, pelo
Filho que é um, até o Pai que é um, e vice-versa, a bondade natural e a
santidade natural, e a dignidade real partem do Pai, pelo Filho, até o
Espírito.
5.
Assim também confessamos as hipóstases,
sem quebra da piedosa doutrina da monarquia.
6.
Os que, porém, afirmam estar a
“subenumeração” no dizer: “primeiro, segundo e terceiro” saibam que estão
introduzindo na teologia imaculada dos cristãos o politeísmo dos erros pagãos.
7.
Ora, o crime da “subenumeração” a outra
coisa não leva senão à confissão de que há Deus primeiro, segundo e terceiro. A
nós basta a ordem estabelecida pelo Senhor; transtorná-la não seria crime menor
que a impiedade deles. Foi dito bastante que nada, conforme seu engano, tem que
ver a comunhão segundo a natureza com esta opinião de “subenumeração”.
8.
Mas, concordemos com este contraditor estulto
e concedamos que o primeiro possa ser “subenumerado” ao segundo. Vejamos o resultado.
Diz o Apóstolo: “O primeiro homem, tirado da terra, é terrestre. O segundo
homem (o Senhor) vem do céu”, e em outro trecho: “Primeiro foi feito não o que
é espiritual, mas o que é psíquico; o que é espiritual, vem depois” (1Cor
15,46).
9.
Se, pois, o segundo deve ser
“subenumerado” relativamente ao primeiro, o “subenumerado” é menos honroso que
aquele sob o qual é enumerado; o “espiritual”, portanto, é segundo vossa opinião
menos honroso do que o psíquico, e o homem “celeste” do que o homem “terrestre”!
19. Contra
os que asseveram que não se deve glorificar o Espírito
Capítulo 48.
10. Seja, dizem eles. Mas não se deve absolutamente glorificar o
Espírito, exaltando-o com hinos de louvor. De onde, então, extrairemos provas
da dignidade do Espírito, se a comunhão com o Pai e o Filho não for testemunho
fidedigno de sua dignidade?
11. É lícito, porém, olhar de relance o sentido de seus nomes, a
grandeza de suas ações, a efusão de seus benefícios sobre nós, ou antes sobre
toda a criação, para perceber ao menos um pouco de sua natureza sublime, de seu
poder inacessível. Chama-se Espírito como “Deus é Espírito” (Jo 4,24) e “o
Espírito de nossa face, o Ungido do Senhor” (Lm 4,20).
12. É denominado “Santo”, como o Pai é santo, e santo é o Filho.
Quanto às criaturas, recebem de outrem a santificação, mas para o Espírito a
santidade é integrante de sua natureza. Por conseguinte, ele não é santificado,
mas santificador.
13. É “bom” como o Pai é bom, e bom aquele que foi gerado do
bom; tem a bondade por essência. É “Justo” (Sl 92.15), como o Senhor Deus é
reto; efetivamente, é em si mesmo verdade e justiça e não pode desviar-se, nem
vergar, sendo imutável por natureza. É chamado “Paráclito” da mesma forma que o
Unigênito, conforme este mesmo disse: “Rogarei ao Pai e ele vos dará outro
Paráclito” (Jo 14,16).
14. Por conseguinte, são comuns os nomes dados ao Pai, e ao
Filho e ao Espírito, que recebe tais denominações em vista da intimidade entre
eles, por natureza. Do contrário, como lhe sucederia isto? Recebe ainda as
denominações de “Espírito que governa”, e “Espírito de verdade”, “Espírito de
sabedoria”. “Foi o Espírito divino que me fez” (Jó 22,4, sg LXX).
15. E: “Deus encheu Beseleel com o Espírito divino em sabedoria,
habilidade e perícia” (Ex 31,3). São estes os nomes do Espírito, extraordinariamente
grandes, mas de forma alguma o exaltam em demasia.
Capítulo 49.
16. Como são as suas ações? É impossível narrar sua grandeza ou
contar a multidão delas. Como pensar no que é anterior aos séculos? Quais as
suas ações antes de existirem as criaturas inteligentes? Qual o número de seus
benefícios para com as criaturas, seu poder relativamente aos séculos futuros?
Pois, ele era, preexistia e estava presente antes dos séculos com o Pai e o
Filho.
17. Se pensares, portanto, em um ser que existisse antes dos
séculos, descobririas que é posterior ao Espírito. Refletes sobre a criação? As
potências dos céus foram consolidadas pelo Espírito, e tal consolidação, é
claro, consiste numa estabilidade nos bons hábitos. De fato, a intimidade com
Deus, a imutabilidade diante do mal, e a permanência na felicidade provêm da
fortaleza do Espírito. O Espírito precede a vinda de Cristo. É inseparável da
sua manifestação na carne.
18. Os milagres, o carisma
das curas, foram produzidos por ação do Espírito Santo. Os demônios foram expulsos
por meio do Espírito de Deus. A presença do Espírito venceu o diabo.
19. A remissão dos pecados realizou-se por graça do Espírito.
“Mas vós vos lavastes e fostes santificados em nome de nosso Senhor Jesus
Cristo e pelo Espírito Santo” (1Cor 6,11).
20. A familiaridade com Deus se mantém por obra do Espírito
Santo, pois “enviou Deus aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que
clama: ‘Abba, Pai!’ ” (Gl 4,6).
21. A ressurreição dos mortos se realiza por ação do Espírito.
“Envias teu Espírito e eles são criados e assim renovas a face da terra” (Sl 104.30).
Se interpretarmos essa criação como a revivescência de seres já corrompidos,
como não é possante a ação do Espírito que nos destina uma vida de
ressuscitados e readapta nossas almas a essa vida espiritual?
22. Se, porém, dermos o nome de criação à transformação para
melhor dos que haviam caído no pecado (é costume da Escritura exprimir-se
assim, por exemplo, como diz Paulo: “Se alguém está em Cristo, é nova criatura”
— 2Cor 5,17), se criação for a renovação realizada aqui na terra, e a mudança
de uma vida terrestre e passível em cidadania celeste, por obra do Espírito em
nós, isto provoca em nossa alma imensa admiração.
23. Diante disso, que faremos? Temer ultrapassar a medida do que
ele merece, honrando-o em demasia, ou, ao invés, diminuir o conceito que dele
formamos, também se o engrandecermos com os nomes mais belos formados pela
mente ou pelos lábios humanos?
24. Assim diz o Espírito Santo, como assim diz o Senhor: “Desce,
e vai com eles sem hesitação, porque fui eu que os enviei” (At 10-20). Seriam
estas expressões de alguém de condição humilde, paralisado de temor?
“Separai-me Barnabé e Saulo para a obra a que os destinei” (At 13,2). Acaso
fala assim um escravo?
25. “E agora o Senhor com o seu Espírito me enviou” (Is 48,16,
sg LXX), diz Isaías, e “o Espírito desceu de junto do Senhor, e os guiou”. Mas,
não consideres ser humilde serviço o de guiar, pois a própria Escritura atesta
constituir obra do Senhor: “Guiaste o teu povo como um rebanho” (Sl 77.20), e
também: “Guias a José como um rebanho” (Sl 80.1).
26. E ainda: “Guiou-os com segurança e não temeram” (Sl 78.53).
Mas, ao ouvires: “quando vier o Paráclito, ele vos recordará, e vos conduzirá à
verdade plena” (Jo 14,26; 16,13), concebe a ação de guiar conforme aprendeste e
não a calunies.
Capítulo 50.
27. Além disso, “ele intercede por nós”, diz o Apóstolo (Rm
8,26). Por conseguinte, o Espírito está tão abaixo de Deus em dignidade quanto
um suplicante dista de seu benfeitor. — Nunca ouviste dizer que o Unigênito
está à direita de Deus, e intercede por nós (Rm 8,34)?
28. Apesar de estar o Espírito em ti (se, de fato, está em ti) e
de nos ensinar a nós, cegos, a escolher o que for mais útil, não fique
prejudicada a doutrina pia e sagrada que temos a seu respeito. Seria o cúmulo
da insolência fazer do amor que aos homens dedica o benfeitor uma oportunidade
de manifestar ingratidão. “Não entristeçais o Espírito Santo” (Ef 4,30).
29. Ouvi o que dizia Estêvão, o primeiro mártir, ao censurar a indocilidade
e insubmissão do povo: “Vós sempre resistis ao Espírito Santo!” (At 7,51). E
Isaías: “Mas eles magoaram o seu Espírito Santo. Foi então que ele se
transformou em seu inimigo” (Is 63,10). E em outra passagem: “A casa de Jacó
irritou o Espírito do Senhor”. Tudo isso não assinala um poder soberano? Deixo
ao leitor julgar o que opinar diante desses trechos.
30. Referem-se a um instrumento, a um sujeito, a um ser que
mereça honra igual à de uma criatura, a um companheiro de servidão? Não seria
peso insuportável para os homens piedosos suportarem, ainda que somente em
palavras, tal blasfêmia? Afirmas que o Espírito é servo? “O servo não sabe o
que seu amo faz” (Jo 15,15). Ora, o Espírito conhece o que há em Deus como o
espírito do homem sabe o que há no homem (1Cor 2,11).
20. Contra
os que afirmam que o Espírito não é de condição servil, nem de condição
senhoril, e sim livre
Capítulo 51.
31.
O Espírito, dizem eles, não é escravo,
nem senhor, mas é livre. Espantosa insensibilidade, miserável temeridade dos
que assim falam! O que é neles mais lastimável: a estultícia ou a blasfêmia?
Insultam a doutrina teológica com exemplos tirados das realidades humanas, e
tentam aplicar à inefável natureza divina o costume terreno de diferenças em
dignidade.
32.
Não refletem que não existe homem algum
escravo por natureza. Uns foram reduzidos à escravidão por opressão como os
prisioneiros de guerra; outros devido à penúria, como os egípcios sob os
Faraós; ou ainda por um sábio e inexplicável desígnio, decidiria um pai que os
filhos menos dotados servissem aos irmãos mais prudentes e melhores, o que não
constituiria propriamente condenação, e sim benefício, diria um justo
observador.
33.
Efetivamente, é preferível para quem
carece de bom senso e domínio natural de seus atos, tornar-se possessão de
outro. Orientado pela razão do amo, assemelhe-se a um carro dirigido por um
cocheiro, a uma nave com um piloto ao leme.
34.
Assim, Jacó foi estabelecido senhor de
Esaú pela bênção do pai (Gn 27,29-40), a fim de que o insensato recebesse,
embora de má vontade, os benefícios do irmão prudente, uma vez que não era
capaz de cuidar de si. E: “Canaã seja, para seus irmãos, o último dos
escravos!” (Gn 9,25), porque ele ignorava a virtude, tendo tido um pai sem
inteligência, Cão. Isso relativamente aos escravos.
35.
São livres, ao invés, os isentos de
penúria ou guerra, ou de responderem por outrem. Se um recebe o nome de senhor,
outro de escravo, entretanto, somos todos companheiros de servidão, por merecer
igual respeito e ser possessão daquele que nos fez.
36.
Sendo assim, quem pode nos liberar da
escravidão? Simultaneamente com a criação estabelece-se a escravatura. Os seres
celestes não se combatem mutuamente, porque desconhecem a ambição de domínio,
mas todos se curvam diante de Deus, e lhe prestam a reverência que lhe compete
qual Senhor e dão-lhe a glória devida ao Criador. Pois “um filho honra o pai, um
servo o seu senhor”.
37.
Destas duas espécies de reverência,
Deus exige absolutamente uma delas: “Se eu sou pai, onde está a minha honra? Se
eu sou senhor, onde está o meu temor?” (Ml 1,6-7). De outro lado, seria
misérrima a vida que não estivesse sob o olhar do Senhor. Tal foi a sorte das
potências rebeldes que, erguendo a cerviz contra o Deus onipotente,
revoltaram-se contra a servidão, embora não fossem por natureza de outra condição,
mas por insubmissão relativamente ao seu autor.
38.
A quem chamas de homem livre? Aquele
que não tem rei? Aquele que não tem poder de governar e recusa ser governado?
Mas, não existe tal natureza entre as criaturas, e pensar isso acerca do Espírito
constitui impiedade evidente! Por conseguinte, se o Espírito é criado, sem dúvida
é escravo como as criaturas, pois diz a Escritura: “Todas as criaturas te
servem” (Sl 119.91). Mas, se o Espírito está acima da criação, ele participa da
realeza.
O que você destaca neste texto?
Como serve para a sua
espiritualidade?
Nenhum comentário:
Postar um comentário