quinta-feira, 3 de julho de 2025

284 - SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA (330-379) - Tratado sobre o Espírito Santo - (Capítulos 52 - 56).

 


284

SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA

(330-379)

Tratado sobre o Espírito Santo (Capítulos 52 - 56)

 

Solicitação do Tratado: Bispo Anfilóquio de Icônio.

 

Basílio escreve: “Há pouco, estava orando com o povo. Glorificava a Deus Pai com ambas as formas de doxologia: ora com o Filho, com o Espírito Santo; ora pelo Filho, no Espírito Santo. Alguns dos presentes nos acusaram de empregar palavras estranhas e até contraditórias entre si. Tu, porém..., ...pediste um ensinamento bem claro sobre o alcance destas sílabas”.

 

21. Testemunhos das Escrituras que permitem dar ao Espírito a denominação de “Senhor”

 

Capítulo 52.

1.     Mas, que vale combater por meio de humilde argumentação, obtendo uma vitória inglória para a doutrina, quando é possível apresentar exemplos mais honrosos para demonstrar a excelência irrefutável da glória do Espírito?

2.     Se repetimos o que aprendemos da Escritura, talvez logo os adversários do Espírito comecem a clamar com intensidade e veemência, tapem os ouvidos, apanhem pedras ou o que estiver a seu alcance, e cada qual, fabricando as próprias armas, nos atacará.

3.     A segurança, contudo, não é preferível à verdade. Efetivamente, encontramos nos escritos do Apóstolo: “Que o Senhor conduza os vossos corações para o amor de Deus e a constância de Cristo nas tribulações” (2Ts 3,5).

4.     Quem é este “Senhor” que conduz “para o amor de Deus e a constância de Cristo nas tribulações”? Respondam-nos os que rebaixam o Espírito à condição de escravo.

5.     Se a locução se referisse ao Pai, ter-se-ia dito, absolutamente: “Que o Senhor vos conduza em seu amor”. Se fosse atinente ao Filho, ter-se-ia acrescentado: “em sua constância”.  Que eles procurem, então, quem será esta outra Pessoa, digna de ser honrada com o título de Senhor.

6.     Assemelha-se a esta a seguinte passagem: “A vós, porém, o Senhor faça crescer e ser ricos em amor mútuo e para com todos os homens, a exemplo do amor que nós vos temos.

7.     Queira ele confirmar os vossos corações numa santidade irrepreensível, aos olhos de Deus, nosso Pai, por ocasião da vinda de nosso Senhor Jesus Cristo com todos os santos” (1Ts 3,12-13).

8.     A qual “Senhor” pede o Apóstolo “queira confirmar o coração” dos fiéis de Tessalônica “numa santidade irrepreensível, aos olhos de Deus, nosso Pai, por ocasião da vinda de nosso Senhor?” Respondam-nos os que põem o Espírito Santo entre os “espíritos servidores, enviados a serviço” (Hb 1,14).

9.     Ora, eles nada podem replicar. Por isso, escutem também outro testemunho claro, que dá ao Espírito o nome de “Senhor”: “Pois o Senhor é Espírito” (2Cor 3,17).

10. E ainda: “Pela ação do Senhor, que é Espírito” (2Cor 3,18). Tendo em vista não dar oportunidade alguma de contradição, repito a passagem do Apóstolo: “Sim; até hoje, todas as vezes que leem o Antigo Testamento, este mesmo véu permanece.

11. Não é retirado, porque é em Cristo que ele desaparece… É somente pela conversão ao Senhor que o véu cai. Pois o Senhor é o Espírito” (2Cor 3,14.16-17).

12. Por que razão assim se exprime? Porque aquele que se apega à letra, e se limita às prescrições legais, tem o coração de certo modo velado por uma interpretação literal, à semelhança dos judeus.

13. Assim acontece devido à ignorância de que a observância material da Lei foi abolida por ocasião da vinda de Cristo, e enfim, que os tipos agora se transformaram em realidade.

14. As lâmpadas são desnecessárias quando aparece o sol; e a Lei é obsoleta, as profecias silenciam, ao manifestar-se a realidade.

15. Quem, contudo, for capaz de perscrutar o sentido profundo das prescrições legais, de retirar esta espécie de véu, a obscuridade da letra, e puder penetrar nestes mistérios, esse imita Moisés, que tira o véu para falar com Deus, retornando também ele da letra ao espírito.

16. Assim, a obscuridade dos ensinamentos da Lei é análoga ao véu que cobria a face de Moisés, e a ação de voltar-se para o Senhor corresponde à contemplação espiritual. Aquele que, na leitura da Lei contorna a letra, volta-se para o Senhor (aqui é o Espírito que recebe o nome de Senhor), e assemelha-se a Moisés, cuja face resplandecia diante da manifestação de Deus.

17. Os seres postos perto de cores brilhantes ficam também coloridos pelo fulgor que elas emitem; assim igualmente se alguém fixa intensamente o olhar no Espírito, a glória deste o transforma em algo de mais resplandecente, porque a verdade provinda do Espírito de certa maneira ilumina de cima o coração.

18. Nisto consiste ser transfigurado pela glória do Espírito em sua própria glória (Ex 34,34), não com parcimônia, nem imperceptivelmente, mas à medida que é capaz aquele que o Espírito ilumina.

19. Não te perturbes, ó homem, com a palavra do Apóstolo: “Sois o templo de Deus e o Espírito de Deus habita em vós” (1Cor 3,16). Por acaso, a habitação de um escravo foi honrada com o título de templo? Por que razão aquele que declara ter sido a Escritura “inspirada por Deus”, por ter sido escrita sob o sopro do Espírito Santo (2Tm 3,16), não emprega uma linguagem que o ultraje e rebaixe?

 

22. Prova-se possuir o Espírito comunhão de natureza com o Pai e o Filho, por ser tão difícil contemplá-lo quanto ao Pai e ao Filho.

 

Capítulo 53.

20. A superioridade de natureza do Espírito é cognoscível não apenas pelo fato de receber ele as mesmas denominações que o Pai e o Filho, mas ainda por ser igualmente tão difícil contemplá-lo.

21. Efetivamente, tendo sido dito acerca do Pai que ele ultrapassa toda compreensão humana, e do Filho também a mesma coisa, o Senhor fala de maneira idêntica sobre o Espírito Santo. “Pai justo, diz-se, o mundo não te conheceu” (Jo 17,25).

22. Aqui não se dá o nome de mundo ao universo, o céu e a terra, mas a esta vida perecível, sujeita a inúmeras mudanças. Sobre si mesmo, ele declara: “Ainda um pouco e o mundo não mais me verá, mas vós me vereis” (Jo 14,19).

23. Aqui ainda ele chama de mundo a todos os que se acham apegados à vida material e carnal, que só acreditam no que seus olhos veem, e que por falta de fé na ressurreição de forma alguma hão de ver o Senhor com os olhos do coração.

24. Ele se referiu ao Espírito nos mesmos termos: “O Espírito de verdade, que o mundo não pode acolher, porque não o vê nem o conhece. Vós o conheceis, porque permanece convosco” (Jo 14,17).

25. O homem carnal, porém, não tendo o espírito exercitado na contemplação, ou antes inteiramente sepultado num lamaçal, os pensamentos e as inclinações carnais (cf. Rm 8,6), não consegue erguer os olhos para a luz espiritual da verdade.

26. Por isso, o mundo, isto é, a vida sujeita às paixões carnais, não acolhe a graça do Espírito, assim como um olho doente não aceita a luz de raios do sol. Ao contrário, aos seus discípulos, o Senhor, após atestar terem eles a vida purificada por meio de seus ensinamentos, desde agora fá-los alcançar a contemplação dos mais altos mistérios do Espírito.

27. “Vós já estais puros, por causa da palavra que vos fiz ouvir” (Jo 15,3). Ora, “o mundo não o pode acolher, porque não o vê. Vós o conheceis, porque permanece convosco” (Jo 14,17). O mesmo diz Isaías: “Firmou a terra e tudo o que dela brota, deu o alento aos que a povoam, e o Espírito aos que a calcam aos pés” (Is 42,5).

28. Com efeito, os que calcam aos pés as coisas terrestres e se elevam acima delas, são dignos das dádivas do Espírito Santo, conforme atesta a Escritura. Que pensar ou que honras tributar àquele que o mundo não pode conter, e que somente os santos, devido à pureza do próprio coração, podem contemplar?

 

23. Enumerar as denominações do Espírito é também glorificá-lo

 

Capítulo 54.

29. Acredita-se que, das outras potências, cada qual se encontra em determinado lugar. Pois o anjo que apareceu a Cornélio não se achava simultaneamente junto de Filipe (At 8,26; 10,3), nem o que falava junto do altar com Zacarias (Lc 1,11ss) ocupava no mesmo instante seu lugar no céu. Quanto ao Espírito, ao contrário, acredita-se que simultaneamente agia a favor de Habacuc e de Daniel em Babilônia (Dn 14,33) e que estava junto à grade levadiça com Jeremias (Jr 20,2) e com Ezequiel às margens do Cobar (Ez 1,1).

30. Pois “o Espírito do Senhor enche o universo” (Sb 1,7), e: “Para onde ir, longe do teu Espírito? Para onde fugir, longe da tua presença?” (Sl 138,7). E o profeta: “Porque eu estou convosco — oráculo do Senhor — e o meu Espírito permanecerá entre vós” (Ag 2,5-6).

31. Mas, de que natureza cremos ser aquele que se acha em toda a parte, e está sempre com Deus? De uma natureza que envolve todas as coisas, ou de uma natureza circunscrita a algum lugar, como a Palavra de Deus nos mostra ser a dos anjos? Quem afirmaria tal coisa? Não haveremos de engrandecer, de glorificar aquele que é divino por natureza, ilimitado em grandeza, poderoso em obras, bom em seus benefícios?

32. A meu ver, glorificar não é outra coisa senão enumerar suas admiráveis denominações. Consequentemente, se eles nos constrangerem a não relembrar os benefícios do Espírito, ou efetivamente a não aludir a seus títulos, isso constituirá o mais acabado louvor. De fato, não podemos glorificar a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, e a seu Filho Unigênito de outra forma a não ser, na medida de nossas forças, narrando minuciosamente as maravilhas do Espí rito.

 

24. Refutação do absurdo daqueles que não louvam o Espírito, e o equiparam a criaturas que foram glorificadas.

Capítulo 55.

33. O homem, em geral, é “coroado de glória e de honra” (Sl 8,6), e “glória, honra e paz são para todo aquele que pratica o bem” (Rm 2,10).Existe, porém, uma glória peculiar a Israel”, a quem, diz o Apóstolo, pertencem “a adoção filial, a glória e o culto” (Rm 9,4).

34. O salmista fala de sua própria glória: “Por isso minha glória canta a ti” (Sl 29,13) e: “Vamos, glória minha” (Sl 107,2). “Uma é a glória do sol, outra a glória da lua, e outra a glória das estrelas” (1Cor 15,41) e de acordo com o Apóstolo, também “o ministério da condenação foi glorioso” (2Cor 3,9).

35. Se são tantos os seres glorificados, queres que  somente o Espírito careça de glória? No entanto, diz o Apóstolo: “Será glorioso o ministério do Espírito” (2Cor 3,9). Então o Espírito não é digno de ser glorificado? Segundo o salmista, é grande a glória do justo (Sl 20,6).

36. Em tua opinião, seria nula a glória do Espírito? Então, não será certo o perigo de contrairmos com tais palavras o pecado irremissível? Se o homem salvo por meio de obras de justiça, glorifica até mesmo os homens tementes ao Senhor, com maior razão não pode recusar ao Espírito a glória que lhe cabe. — Está bem, respondem eles, seja glorificado, não, porém, com o Pai e o Filho. Que motivo têm eles para imaginar outra colocação para o Espírito, deixando de lado a determinada pelo Senhor?

37. Qual a razão de privar da glória comum quem se acha unido à divindade em tudo: profissão da fé, batismo da redenção, realização dos milagres, inabitação na alma dos santos, e graças outorgadas aos dóceis? Efetivamente, não provém à criatura dom algum a não ser do Espírito, porque, a não ser que coopere o Espírito, nem mesmo uma simples palavra a favor de Cristo pode ser proferida, conforme nos evangelhos (Mt 10,20; Lc 12,11-12) nosso Senhor e Salvador nos ensinou.

38. Não me consta ter a aprovação daqueles que “receberam o Espírito Santo” (Hb 6,4) quem menospreza tudo isto, e esquecido da comunhão integral do Espírito, separa-se do Pai e do Filho. Onde, então, o poremos? Entre as criaturas?

39. Mas, elas todas são servas, enquanto o Espírito liberta da escravidão, porque “onde se acha o Espírito do Senhor, aí está a liberdade” (2Cor 3,17). Seria possível falar ainda longamente a fim de demonstrar que não convém contar o Espírito Santo entre as naturezas criadas. Adio no momento discorrer sobre o problema.

40. Se fosse preciso, diante da importância da questão, apresentar provas, e solucionar as objeções dos adversários, teríamos de fazer muitas exposições e cansaríamos os leitores com a extensão do livro. Por isso, reservando exclusivamente para tal outra obra, prossigamos tratando de nosso assunto.

 

Capítulo 56.

41. Examinemos cada coisa por si. O Espírito por natureza é bom, como bom é o Pai, e bom é o Filho. A criatura, porém, optando pelo bem, participa daquela bondade. O Espírito conhece as profundezas de Deus, enquanto a criatura recebe pelo Espírito a revelação dos mistérios.

42. Ele vivifica, juntamente com Deus, que dá vida a todo ser vivo e com o Filho, que comunica a vida, pois, como diz o Apóstolo: “Aquele que ressuscitou Cristo dentre os mortos dará vida também a vossos corpos mortais, mediante o seu Espírito, que habita em vós” (Rm 8,11).

43. Diz a Escritura: “Minhas ovelhas escutam a minha voz… e eu lhes dou a vida eterna” (Jo 10,27.28). E ainda: “O Espírito é que vivifica” (Jo 6,63). E o Apóstolo: “Mas, o Espírito é vida, pela justiça” (Rm 8,10). Também o Senhor atesta que o Espírito é vivificador: “A carne para nada serve” (Jo 6,63).

44. Como, então, retirar do Espírito o poder vivificador, equiparando-o à natureza carente de vida? Quem é a tal ponto contestador, tão alheio ao dom celeste, tão sem gosto pelas belas palavras de Deus, de tal modo privado das esperanças eternas que alinhe o Espírito com a criatura, arrancando-o da divindade?

 

Capítulo 57.

45. Afirmam os adversários: — O Espírito está em nós, como um dom da parte de Deus. Sem dúvida, não se prestam ao dom as mesmas honras que ao doador. — Certamente, o Espírito é dom de Deus, mas é dom de vida, considerando-se que, conforme afirma o Apóstolo, “a Lei do Espírito da vida nos libertou” (Rm 8,2).

46. É também dom de fortaleza, pois “o Espírito Santo descerá sobre vós e dele recebereis força” (At 1,8). Seria desprezível por isso? Deus não doou também o Filho aos homens? De fato, diz o Apóstolo: “Quem não poupou o seu próprio Filho e o entregou por todos nós, como não nos haverá de agraciar em tudo com ele?” (Rm 8,32).

47. E em outra passagem: “A fim de que conheçamos os dons da graça de Deus” (1Cor 2,12). Assim fala, referindo-se ao mistério da encarnação. Como não ver que aqueles que se exprimem desta maneira suplantam os judeus em ingratidão, visto que a excessiva bondade de Deus lhes fornece ocasião de blasfêmia? Acusam o Espírito de nos dar a ousadia de chamar a Deus de Pai. Com efeito, “enviou Deus aos nossos corações o Espírito do seu Filho que clama: ‘Abba, Pai’ ” (Gl 4,6), a fim de que a voz do Espírito se torne a voz daqueles que o receberam.

 

25. A Escritura substitui às vezes em por com. A partícula em tem sentido idêntico à

partícula com

 

Capítulo 58.

48. Por que razão, dizem eles, a Escritura jamais ensinou que o Espírito deve ser glorificado com o Pai e o Filho? Por que motivo cuidadosamente evita dizer: com o Espírito? Por que prefere, como sendo mais conveniente, glorificar sempre dizendo: no Espírito? Não ouso, porém, assegurar que a partícula no terá sentido menos honroso; mas, ao invés, sendo retamente entendida, eleva o pensamento de modo sublime.

49. Observamos também que é muitas vezes empregada em lugar da preposição com. Assim acontece na passagem: “Entrarei em tua casa em holocaustos”, em vez de: “com holocaustos” (Sl 65,13). E: “Fê-los sair em ouro e prata”, isto é, “com ouro e prata” (Sl 104,37). Também: “Já não sais em nossos exércitos”, a saber, “com nossos exércitos” (Sl 43,10) e uma porção de frases semelhantes. Enfim, gostaria de aprender desta nova sabedoria em que doxologia o Apóstolo usa a partícula em, de acordo com a norma que eles agora estabelecem como provinda da Escritura. Jamais encontrei formulado: “A ti, ó Pai, a honra e a glória, por teu Filho Unigênito, no Santo Espírito”, conforme agora, diz se, lhes é mais habitual do que a respiração.

50. Encontra-se, de fato, cada uma dessas preposições isoladas, mas eles não podem de forma alguma apresentá-las juntas, naquela ordem. Por conseguinte, se eles falam exatamente como está escrito, que nos apresentem as passagens em que se baseiam. Mas se seguem apenas um costume, não nos impeçam de fazer o mesmo.

 

Capítulo 59.

51. Ora, nós encontramos as duas fórmulas em uso entre os fiéis, e empregamos a ambas. Acreditamos prestar com elas igualmente glória ao Espírito e fechar a boca dos que prejudicam a verdade mais facilmente com o uso da palavra com. Esta exprime melhor o sentido das Escrituras, presta-se menos aos ataques dos adversários (é ela que é controvertida) e substitui a conjunção e. É indiferente empregar: “Paulo e Silvano e Timóteo” ou: “Paulo com Timóteo e Silvano”.

52. A ligação entre os nomes salva-se igualmente em ambas as expressões. Se, portanto, o Senhor nos diz: Pai e Filho e Espírito Santo, se eu disser: “Pai e Filho com o Espírito Santo” terei dito algo de sentido diverso? Inúmeros são os testemunhos em que esses nomes são ligados pela conjunção e. Diz o Apóstolo: “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo” (2Cor 13,13).

53. E em outro lugar: “Eu vos peço por nosso Senhor Jesus Cristo e pelo amor do Espírito” (Rm 15,30). Se em lugar da conjunção e quiséssemos usar a partícula com, que diferença haveria?

54. De minha parte, não vejo, a menos que as frias regras gramaticais prefiram a conjunção copulativa, como se produzisse maior união, e rejeite a preposição, como não tendo a mesma força. Mas, se tivéssemos de prestar contas a este respeito, sem dúvida não necessitaríamos de longa defesa. Com efeito, não se trata de discussão acerca de sílabas, nem de tal e tal som, e sim de questões diversas, quanto ao sentido e à realidade.

55. Por isso, embora seja indiferente o uso destas partículas, nossos adversários se empenham por fazer com que a Igreja adote oficialmente umas e exclua outras. Quanto a mim, apresentarei o motivo por que nossos Pais razoavelmente e em comum adotaram o uso desta preposição, embora logo se torne evidente a sua utilidade.

56. Pois, se esta preposição com refuta o erro de Sabélio com tanta força como a conjunção e, se de maneira semelhante apresenta a particularidade das hipóstases, como acontece na seguinte passagem: “E a ele viremos” eu e o Pai (Jo 14,23) e: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30), ela atesta de maneira extraordinária a comunhão eterna e a união sem fim. Efetivamente, quem declara que o Filho é com o Pai, assinala simultaneamente a propriedade das hipóstases e sua inseparável comunhão. Mesmo nas realidades humanas verifica-se isto.

57. A conjunção e indica ação comum, enquanto a preposição com também marca uma espécie de sociedade.  Por exemplo: “Paulo e Timóteo navegaram para a Macedônia, mas Tíquico e Onésimo foram enviados a Colossas”.  Ficamos assim cientes de que eles fizeram a mesma coisa. Se, porém, ouvimos dizer que navegaram um com o outro e que foram enviados um com o outro, ficaríamos sabendo que haviam juntos realizado tal ação.

58. Desta forma, eliminando, como nenhuma outra palavra o faria, o erro de Sabélio, a preposição ainda destrói a impiedade diametralmente oposta. Refiro-me à que introduz separação temporal entre o Filho e o Pai, e entre o Espírito Santo e o Filho.

 

Capítulo 60.

59. Afinal, a partícula com diferencia-se de em principalmente por indicar união mútua de seres que vivem em comum, por exemplo, que juntos navegam, que habitam unidos, que fazem em conjunto qualquer obra que executem. Ao invés, em indica a relação existente entre os que agem e o lugar onde se encontram. Ao ouvirmos dizer: “Navegam em” e “habitam em”, logo se pensa num barco ou numa casa. Tal é, na linguagem comum, a diferença entre essas partículas, mas os estudiosos poderão descobrir maior diversidade.

60. Quanto a mim, não tenho tempo para examinar a fundo essas partículas. Uma vez, portanto, que foi demonstrado conter a partícula com o conceito de união, de maneira muito significativa, con cedei-nos, por favor, uma trégua e cessai a implacável e penosa guerra contra ela. Por conseguinte, apesar de ser um termo bem empregado, se aprouver a alguém unir os nomes pela partícula e na Doxologia e glorificar o Pai e o Filho e o Espírito Santo, como o evangelho nos ensina acerca do batismo, ninguém o contradirá.

61.  Acerca disso, se lhe aprouver, concordemos. Mas, eles prefeririam arrancar  a língua do que aceitar esta palavra. Aí está o que os incita a uma guerra implacável e sem tréguas. É “no Espírito Santo”, afirmam eles, que se há de formular a Doxologia a Deus, e não: “E ao Espírito”. Apegando-se ardorosamente a esta palavra, como rebaixam eles o Espírito!

62. Por isso, não é ocioso fazer a esse respeito discurso mais longo. Se eles ouvirem o que expusemos, ficaríamos surpresos se eles não considerassem traição abandonar esta

expressão, para darem glória ao Espírito.

 

O que você destaca neste texto?

Como serve para a sua espiritualidade?