SÃO BASÍLIO MAGNO, ou
de CESAREIA
(330-379)
Regra Monástica - Asketikon
As Regras Extensas (55
regras)
Questões 19 a 22
QUESTÃO 19
QUAL A MEDIDA DA CONTINÊNCIA (NA ALIMENTAÇÃO).
Resposta
1.
Em
relação aos vícios da alma, uma só é a medida da continência: a
total abstenção do que produz um prazer culpado.
2.
Quanto
aos alimentos, como diferem as necessidades de cada um, conforme a idade, o
gênero de vida e a saúde corporal, também a medida e o modo de empregá-los são
diversos.
3.
É,
portanto, impossível abranger numa só regra todos os que exercitam a piedade.
Permitimos aos responsáveis pela administração modificarem prudentemente a
medida estabelecida para os ascetas em gozo de boa saúde, adaptando-a às
condições de cada um.
4.
Não
é possível abarcar tudo nestas disposições, mas somente quanto depende de
princípios comuns e gerais. Quanto à alimentação, os superiores proporcionem
sempre o alívio conforme a necessidade aos enfermos, ou reconforto aos
fatigados de outro modo por trabalhos intensos, ou aos que vão enfrentar uma
fadiga, por exemplo, uma viagem ou outro árduo labor.
5.
Façam
o que foi dito: Dividia-se por todos segundo a necessidade de cada um (At
2,45). Não se pode determinar para todos a mesma hora, o mesmo modo, nem igual
medida para a alimentação.
6.
Mas
haja um só escopo: satisfazer às necessidades.
7.
Sobrecarregar
o estômago ou fartar-se de alimentos é digno de maldição, pois diz o Senhor: Ai
de vós os que agora estais fartos! (Lc 6,25).
8.
A
saciedade toma também o corpo incapaz para o trabalho, propenso ao sono e
predisposto aos distúrbios. A alimentação não tem por finalidade a satisfação
do paladar, mas é indispensável à vida, devendo ser contida a intemperança do
prazer.
9.
Servir
aos prazeres nada mais é do que fazer do ventre o seu deus.
10.
Desde
que nosso corpo continuamente se esvai e diflui, precisa de refeição; é por
isto que o apetite é natural.
11.
A
razão equilibrada exige o uso de alimentos sólidos ou líquidos para a
conservação do ser vivo, suprindo o que foi consumido.
12.
Assim
devemos proceder-se, com simplicidade, queremos atender às necessidades. Foi o
que o próprio Senhor demonstrou quando alimentou a multidão cansada, para não
desfalecer no caminho, conforme está escrito (Mt 15, 32).
13.
Embora
pudesse acentuar o milagre no deserto excogitando um lauto banquete,
preparou-lhes um alimento leve e frugal, isto é, pão de cevada, e, com o pão,
um pedaço de peixe (Jo 6,9).
14.
Não
mencionou a bebida, porque a água que brota naturalmente e basta para o
necessário está ao alcance de todos.
15.
A
menos que, por doença, esta bebida seja prejudicial; então dever-se-ia
evitá-la, como Paulo aconselha a Timóteo (lTm 5,23). Igualmente tudo quanto
certamente faz mal, seja recusado.
16.
Seria
incongruente tomar para sustentar o corpo um alimento que suscitasse incômodos
para o mesmo, obstaculizando-lhe o cumprimento dos mandamentos.
17.
Este
exemplo habitua a alma à fuga do que é prejudicial, mesmo se agradável.
18.
Em
todo o lugar, tenha preferência o que é mais fácil de se adquirir, a fim de
que, sob pretexto de temperança, não procuremos ansiosamente as coisas mais
caras e custosas, nem temperemos os alimentos com os mais apreciados
condimentos; mas, em cada região, seja preferido o que for mais fácil de obter,
mais vulgar e mais acessível a todos.
19.
Dentre
os alimentos importados usemos somente os mais indispensáveis à vida, como o
óleo e outros semelhantes, e o que for conveniente para alívio dos debilitados;
e que possa ser arranjado sem muito trabalho, perturbação e solicitude.
QUESTÃO 20
COMO HÁ DE SER A REFEIÇÃO DOS HÓSPEDES
Resposta
20.
A
vangloria, o desejo de agradar aos homens e a ostentação são completamente
proibidos ao cristão, em todos os seus atos.
21.
Quem
praticar o mandamento para ser visto e exaltado pelos homens, perderá a sua
recompensa.
22.
Aqueles
que abraçaram, por causa do mandamento do Senhor, toda a espécie de humildade,
fujam absolutamente de qualquer gênero de vangloria.
23.
Se
vemos os de fora envergonharem-se da humilhação da pobreza e ao receber um
hóspede porem com cuidado lauta e suntuosa mesa, receemos ser também nós,
sorrateiramente, atingidos de idêntico mal e venhamos a ser surpreendidos
corando da pobreza que Cristo chamou bem- aventurada (Mt 5,3).
24.
Como
não nos convém adquirir fora vasos de prata, véus de púrpura, leitos macios ou
vestes brilhantes, assim também não devemos excogitar alimentos muito em
desacordo com nosso regime de vida.
25.
Não
só é vergonhoso, e dissonante do fim que nos propusemos, correr à busca do
supérfluo, criado para um mísero prazer ou vangloria prejudicial, mas ainda
causa enorme prejuízo, se os que vivem nas delícias e limitam sua felicidade
aos prazeres do estômago, vêem-nos também voltados para os mesmos cuidados que
os apaixonam.
26.
Se
os deleites são ilícitos, temos de evitá-los e nunca aceitá-los. Nada do que foi
reprovado pode, em tempo algum, ser oportuno.
27.
A
Escritura condena os que vivem em delícias, que se untam com os melhores unguentos,
que bebem os vinhos mais finos (Am 6,6).
28.
Diz-se
que a viúva que vive em deleites, embora viva, está morta (lTm
5,6). O rico foi privado do paraíso por causa desses banquetes (Lc 16,22).
29.
Que
temos nós a ver com as mesas suntuosas? Chegou um hóspede? Se é um irmão e
segue a mesma vida, reconheça na nossa a sua própria mesa. Encontrará junto de
nós o que deixou em casa. Mas está cansado da viagem? Oferecer-lhe-emos quanto
for exigido para aliviar-lhe a fadiga.
30.
Veio
alguma pessoa de fora? Aprenda pelas obras aquilo a respeito de que por meio da
palavra não se conseguiu persuadi-la.
31.
Veja
o exemplo, o modelo da frugalidade. Guarde a lembrança da mesa dos cristãos e
da pobreza suportada sem rubor por causa de Cristo. Se não se impressiona com
isto e antes ridiculariza, não nos incomodará segunda vez.
32.
Quando
vemos alguns ricos que consideram como bens precípuos o gozo das delícias, lastimamo-los
muito, porque desperdiçam a vida em vaidades e divinizam os prazeres.
33.
Sem
o perceberem, recebem sua parte de bens nesta vida e pelas delícias presentes
precipitam-se no fogo ardente que lhes está preparado. Se tivermos
oportunidade, não hesitemos em dizê-lo a eles mesmos.
34.
Se,
porém, para nos pormos a sua altura, à medida de nossos meios, procurarmos as
iguarias e lhas prepararmos por ostentação, receio que estejamos a destruir o
que, na aparência, construímos, e sejamos condenados pelo que julgamos mal nos
outros.
35.
Constituiria
simulação em nossa vida, à qual damos variadas formas; a não ser que mudemos
também de hábito, quando vamos nos encontrar com os orgulhosos.
36.
Se
é vergonhoso agir assim, mais ainda o seria preparar diversamente nossa mesa por
causa dos glutões.
37.
A
vida do cristão é constante e igual a si mesma, porque tem um só escopo, a
glória de Deus; Quer comais, quer bebais, ou façais qualquer outra coisa,
fazei tudo para a glória de Deus (ICor 10,31), diz São Paulo, que
falava em Cristo. A vida dos de fora é multiforme e vária, passando de um a
outro estilo, ao sabor dos visitantes.
38.
Se
preparas com variedade e excessivo apuro os alimentos para dar prazer a teu
irmão, tu o acusas de apego às delícias e lhe exprobras a gula pelo que lhe
ofereces, censurando-lhe este prazer.
39.
Não
se pode, acaso, muitas vezes conjecturar quem é, ou como é, o visitante
esperado, só de lançar um olhar à apresentação e ao preparo da mesa?
40.
O
Senhor não elogiou a Marta, dispersa na contínua lida, mas disse: Andas
muito inquieta e te preocupas com muitas coisas (Lc 10,41.42); no
entanto, poucas ou antes uma só coisa é necessária. Poucas, refere-se ao
preparo; uma, ao fim, isto é, atender à necessidade.
41.
Ninguém
ignora qual alimento ofereceu o próprio Senhor aos cinco mil.
42.
E
Jacó fez a Deus o seguinte voto: Se der, disse, pão para
comer e roupa para vestir... (Gn 28,20). Não disse: Se me deres
delícias e suntuosidade.
43.
O
que diz o sábio Salomão? Não me dês nem pobreza, nem riqueza; concede-me
o pão que me é necessário, para que, saciado, eu não te renegue e não diga:
Quem me vê? Ou que, pobre, eu não roube e não per jure o nome de meu Deus (Pv
30,8-9). Chama riqueza à saciedade, e pobreza à penúria completa do
indispensável à vida.
44.
Indicou,
simultaneamente, que a suficiência não é nem indigência, nem superabundância do
necessário. O grau de suficiência difere de um a outro, conforme o estado de
saúde e a necessidade do momento.
45.
Um
precisa de alimento mais forte e em maior quantidade, devido ao labor; outro,
de mais fraco e mais leve, de acordo em tudo com a própria fraqueza; mas, em
geral, necessitam todos do mais simples e mais fácil de adquirir.
46.
Em
tudo, no entanto, é preciso cuidado e farta mesa sem que nunca se excedam os
limites da necessidade.
47.
A
norma da hospitalidade seja procurar atender às necessidades de cada um dos
recém-vindos. Diz-se: Os que usam deste mundo mas sem abuso (ICor
7,31). Abuso seria a prodigalidade, além da necessidade.
48.
Mas
se temos riquezas? Oxalá não as tenhamos. Mas não estão repletos os nossos
celeiros? Vivemos o dia-a-dia e o sustento provém do trabalho de nossas mãos.
49.
Por
que, então, desperdiçar em iguarias para os de paladar delicado o alimento que
Deus dá para os famintos? Pecaríamos duplamente, aumentando de um lado as
tribulações da miséria e, de outro, os incômodos da saciedade.
QUESTÃO 21
COMO NOS SENTAMOS OU NOS RECLINAMOS POR OCASIÃO DO
JANTAR OU DA CEIA
Resposta
50.
Uma
vez que o Senhor, para nos acostumar à humildade em toda a parte, ordenou que,
ao nos reclinarmos para o jantar, ocupássemos o último lugar (Lc 14,10), é
dever daquele que se empenha em fazer tudo de acordo com o mandamento não
desdenhar este preceito.
51.
Se
alguns seculares se reclinarem em nossa companhia, convém dar-lhes o exemplo de
não se ensoberbecerem, nem procurarem o primeiro lugar.
52.
Como
todos têm, de comum acordo, o escopo de darem sempre provas de humildade,
convém que, segundo o mandamento do Senhor, procure cada qual o último lugar:
no entanto, se houvesse rivalidade para obtê-lo, este modo de agir seria reprovável,
porque causaria desordem e agitação.
53.
Se
mutuamente não quisermos ceder e discutirmos por isso, assemelhar-nos-emos aos
que disputam o primeiro lugar.
54.
Eis
por que, discernindo e procurando prudentemente também nisso o que nos convém,
deixamos a ordem dos lugares a cargo do hospedeiro. O Senhor sugeriu dizendo
que cabe ao dono da casa.
55.
Portar-nos-emos
assim com caridade mútua, fazendo tudo com dignidade e ordem. Demonstraremos
que não é por ostentação na presença de muitos, nem para alcançar popularidade,
que buscamos a humildade com teimosia obstinada e veemente; antes será pela
obediência que exerceremos a humildade.
56.
Disputar
seria maior indício de orgulho do que aceitar o primeiro lugar quando nos
ordenarem que o tomemos.
QUESTÃO 22
QUAL A VESTE CONVENIENTE PARA O CRISTÃO
Resposta
57.
Acima
ficou demonstrado serem indispensáveis a humildade, a simplicidade, a aceitação
em tudo do que é barato, pouco dispendioso, para diminuirmos as ocasiões de nos
dispersarmos por causa das exigências do corpo. Assim convém seguir o mesmo em
relação às vestes.
58.
Se
devem todos procurar ser os últimos, também quanto ao vestuário é evidente ser
preferível o de pior qualidade.
59.
Os
que ambicionam a glória, andam à sua caça até pelas vestes e buscam atrair os
olhares e a consideração através da magnificência dos vestidos; por esta razão,
quem pela humildade reduziu sua vida a ínfima condição, também quanto a isto
deve aceitar o que é de qualidade inferior.
60.
Como
os coríntios, na ceia em comum (ICor 11,22), foram repreendidos porque
envergonhavam com sua suntuosidade os que nada tinham, assim, no emprego
habitual e externo das vestes, quem ultrapassar o modo de trajar vulgar, por
uma espécie de comparação, incute vergonha ao pobre.
61.
Diz
o Apóstolo: Não aspireis a coisas altas, mas acomodai-vos às humildes (Rm
12,16).
62.
Considere
cada um consigo mesmo se convém mais aos cristãos assemelharem- se aos que
vivem nos palácios dos reis e vestem roupas luxuosas ou ao anjo e arauto da
vinda do Senhor: Entre os filhos das mulheres não surgiu outro maior. Digo
João, o filho de Zacarias (Mt 11,8-11), cuja vestimenta era de
peles de camelo (Mt 3,4).
63.
Também
antigamente os santos andaram errantes, vestidos de peles de ovelhas e de cabra
(Hb 11,37).
64.
O
apóstolo indicou qual a finalidade das vestes, numa palavra: Tendo
alimento e vestuário, contentemo-nos com isto (lTm 6,8). Sugere ser
necessário apenas com que nos cobrirmos.
65.
Não
caiamos pois na vaidade proibida da variedade e dos adornos que dela se
originam, para não dizer coisa pior.
66.
Foram,
finalmente, algumas artes ociosas e vãs que as introduziram na vida. Conhece-se
quais foram as primeiras vestes dadas por Deus aos necessitados. Fez-lhes,
diz-se, Deus veste de peles (Gn 3,21).
67.
Para
cobrir as partes menos honrosas, bastavam essas túnicas. Mas como há
simultaneamente um outro fim, o de nos agasalharmos, forçoso foi aplicá-las
para ambas as finalidades: revestir as partes menos decentes e servir de
proteção contra as intempéries.
68.
E
se entre as vestes, umas são mais úteis e outras menos, prefiram-se as que
prestem maior número de serviços, sem lesar a pobreza.
69.
Não
devemos arranjar algumas para ostentação e outras para uso diário; nem umas
diurnas e outras noturnas. Mas procuremos uma roupa que sirva para tudo: manto
decente para o dia e coberta necessária para a noite. Assim teremos todos o
mesmo hábito.
70.
Dê-se
a conhecer o cristão por uma nota peculiar, até na maneira de vestir. Todos os
que visam o mesmo fim, têm em muitas coisas idêntico cunho.
71.
É
bom ainda que as vestes sejam características, porque servem de prévio anúncio
e atestado da profissão de viver para Deus. Assim, os que nos encontram
exigirão de nós ações condizentes com tal promessa.
72.
Difere
em grau o que é inconveniente ou vergonhoso num homem da plebe ou numa pessoa
de compromissos mais elevados.
73.
Um
homem do povo ou de origem obscura, se apanha ou bate em público, se diz
palavras inconvenientes, se frequenta tabernas ou pratica ações vergonhosas
semelhantes a essas, não chama logo a atenção, pois compreende-se que age de
maneira consequente com seu modo de viver.
74.
Mas, se o que professa perfeição negligenciar,
por mínimo que seja, suas obrigações, todos o observam e lançam-lhe em rosto
este opróbrio, fazendo conforme foi dito: Voltando-se contra vós, vos
despedacem (Mt 7,9).
75.
O
compromisso que o hábito constitui por si só é uma espécie de pedagogia para os
fracos, que os afasta dos vícios, mesmo contra a vontade.
76.
Como
a farda é própria do soldado, diversa é a veste do senador e outros usam roupa
característica da respectiva dignidade, assim é plausível e conveniente haver
uma veste peculiar ao cristão, que conserve o modo de trajar recomendado pelo
Apóstolo.
77.
Determinou
que o bispo ande bem arranjado (lTm 3,2), que a roupa das mulheres seja
adornada (lTm 2,9), de modo que se entenda a palavra ornato segundo o sentido
próprio no cristianismo.
78.
O
mesmo digo dos sapatos; sempre se prefira o menos extravagante, mais barato e
que satisfaça à necessidade.
Quais as partes você
destaca no texto? Por que?
Como serve para sua
espiritualidade?
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