segunda-feira, 19 de maio de 2025

Estudo especial: I Concílio de Constantinopla (381)

 

ícone do Os 150 padres de Constantinopla


I Concílio de Constantinopla (381)

           

1.      Basílio Magno morreu em 379 e seu grande trabalho foi honrado e defendido por Gregório Nazianzo, seu amigo, dois depois de sua morte, no I Concílio de Constantinopla onde definitivamente o Espírito Santo foi reconhecido como Deus (foram 5 Concílios em Constantinopla).

2.      O Primeiro Concílio de Constantinopla, realizado entre maio e julho 381 dC (este ano, 2025, completa 1644) anos).

3.      Foi um concílio cristão que teve como principal objetivo debater a natureza divina de Jesus Cristo, principalmente em oposição à interpretação então defendida pela corrente cristã do arianismo. Sendo este o primeiro Concílio Ecumênico realizado em Constantinopla, foi convocado por Teodósio I (oriente) e Graciano (Ocidente) em 381.

4.      O concílio reuniu-se na Igreja de Santa Irene de maio a julho de 381. É reconhecido como o segundo concílio ecumênico pela Igreja de Cristo: Romana, Ortodoxa e Protestante.

 

Controvérsias e declarações

5.      Até cerca de 360, debates teológicos tratavam principalmente da divindade de Jesus, a segunda pessoa da Trindade. No entanto, o Concílio de Niceia não esclareceu a divindade do Espírito Santo, e a terceira pessoa da Santíssima Trindade (que se tornou um tema de debate), sendo que os macedonianos negavam a divindade do Espírito Santo.

6.      O concílio foi presidido sucessivamente por Timóteo de Alexandria, Manuel da Antioquia, Gregório Nazianzo e Nectario, arcebispo de Constantinopla.

7.      O concílio reconfirmou o Primeiro Concílio de Niceia, como uma verdadeira exposição de fé ortodoxa, e desenvolveu uma declaração de fé que incluía a linguagem de Niceia, mas ampliou a discussão sobre o Espírito Santo para combater a heresia dos macedonianos.

8.      É o chamado Credo niceno-constantinopolitano. Expandiu-se a menção do Espírito Santo no Credo Niceno, declarando-se que "é o Senhor, o Doador da vida que procede do Pai, com o Pai e o Filho é adorado e glorificado". Com isso ficou implicitamente estabelecido que o Espírito Santo deve ser do mesmo ser (ousia) que Deus Pai. Esta decisão do concílio sobre o Espírito Santo também deu apoio oficial para o conceito da Trindade.

9.      Não tinha originalmente a intenção de ser um concílio ecumênico, mas apenas regional, motivo pelo qual os bispos ocidentais e o Bispo de Roma Dâmaso I foram ignorados.

10.  Somente em 451, o Concílio de Calcedônia considerou o Primeiro Concílio de Constantinopla como ecumênico e só foi reconhecido pelo Ocidente no século VI pelo Papa Hormisda, e mesmo assim a validade do terceiro cânone (que deu ao bispo de Constantinopla a precedência sobres os bispos de Alexandria e Antioquia) não foi aceito pelos bispos latinos, argumentando-se que violava o cânon sexto do Concílio de Niceia, os direitos de Alexandria e Antioquia.

11.  Os 150 clérigos presentes no concílio são comemoradas no calendário de santos da Igreja Apostólica Armênia em 17 de fevereiro.

 

Resumo dos Cânones

12.  Foram emitidos sete cânones, quatro eram de caráter doutrinário e três disciplinares.

13.  O primeiro cânone é uma importante condenação dogmática do arianismo, e também de macedonianismo.

14.  O segundo cânone renova a legislação do Primeiro Concílio de Niceia impondo os bispos diocesanos a observância dos limites das dioceses.

15.  O terceiro cânone decreta a criação de prerrogativas de honra para Constantinopla: “O Bispo de Constantinopla, no entanto, deve ter a prerrogativa de honra, após o Bispo de Roma porque Constantinopla é Nova Roma”.

16.  Esse decreto deve-se ao fato que em 330 a capital do Império Romano foi transferida para Constantinopla, assim a cidade tornou-se um centro político e eclesiástico de grande importância.

 

17.  O quarto cânone declara a invalidade da consagração de Máximo I de Constantinopla, filósofo e rival de Gregório de Nazianzo, como Bispo de Constantinopla.

18.  O quinto cânone foi aprovado no ano seguinte em 382, e é em relação aos bispos ocidentais, e ao Papa Dâmaso I.

19.  O sexto cânone pode pertencer ao ano de 382, bem como, foi aprovado no Concílio de Trulo e fala sobre os bispos acusados de irregularidades.

20.  O sétimo cânone refere-se aos procedimentos para receber certos hereges na igreja.

 

Disputa relativa ao terceiro cânon

21.  O terceiro cânon foi um primeiro passo na crescente importância da nova capital imperial, Constantinopla, de apenas cinquenta anos, e foi notável por ter deposto os patriarcas de Antioquia e Alexandria. Jerusalém, por sua vez, como o local da primeira igreja, manteve o seu lugar de honra.

22.  Alguns gregos medievais afirmaram que o devido cânon não declarava uma supremacia do bispo de Roma, mas a primazia deste, ou seja; "o primeiro entre os iguais", semelhante como eles hoje vêem o bispo de Constantinopla.

23.  Quando o Primeiro Concílio de Constantinopla foi aprovado, Roma protestou pela forma de na ocasião ter colocado os aos bispos de Antioquia e Alexandria abaixo do de Constantinopla, status que os primeiros patriarcas orientais voltariam a ter restaurados a partir das ações dos legados pontifícios presentes no Concílio de Calcedônia.

24.  O Papa Leão, o Grande, declarou que este cânon nunca havia sido submetido a Roma e a tentativa de diminuir o status da cátedra de Pedro violava uma ordem do Concílio de Nicéia.

25.  O imperador Valentiniano III fez um decreto afirmando a primazia do bispo de Roma sobre toda a Igreja Ocidental em 445 d.C.

26.  No Quarto Concílio de Constantinopla, ocorrido em 869, os legados romanos afirmaram o lugar de honra do bispo de Roma sobre o bispo de Constantinopla.

27.  Após o Grande Cisma de 1054, em 1215, o IV Concílio de Latrão declarou, em seu quinto cânon, que a Igreja Romana "pela vontade de Deus mantém todas as outras preeminências do poder ordinário como mãe e amante de todos os fiéis".

28.  A supremacia romana sobre o mundo inteiro foi formalmente reivindicada pelo novo patriarca latino.

 

Sínodo de Dâmaso

29.  Tem sido afirmado por muitos que um sínodo foi realizado pelo Papa Dâmaso I no ano seguinte (382), o qual se opunha aos cânones disciplinares do Concílio de Constantinopla, especialmente o terceiro cânon que colocou o patriarcado de Constantinopla acima dos patriarcados de Alexandria e de Antioquia. O Sínodo protestou contra esse levantamento do bispo da nova capital imperial, de apenas cinquenta anos, para um status mais alto que o dos bispos de Alexandria e Antioquia, e afirmou que a primazia do patriarcado de Roma sobre os demais não havia sido estabelecida por uma reunião de bispos, mas sim pelo próprio Cristo.

 

Credo Niceno-Constantinopolitano

30.  O Credo Niceno-Constantinopolitano foi associado ao Concílio de Constantinopla de 381. O credo é aproximadamente equivalente ao Credo Niceno, mais dois artigos adicionais: um artigo sobre o Espírito Santo - descrevendo-o como "o Senhor, o Doador da Vida, que procede do Pai, que com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, e que falou através dos profetas "- e um artigo sobre a Igreja, o batismo e a ressurreição dos mortos.

31.  Em 451, o Concílio de Calcedônia se referiu a esse credo como "o credo ... dos 150 santos pais reunidos em Constantinopla", indicando que esse credo estava associado a Constantinopla (381) até o ano de 451.

 

 

Mudança de influência de Roma para Constantinopla

32.  Todos os três bispos que presidiram o concílio vieram do Oriente.

33.  Dâmaso I considerara Melécio e Gregório bispos ilegítimos de suas respectivas ordens e, no entanto, os bispos orientais não deram atenção às suas opiniões a esse respeito.

34.  O Concílio de Constantinopla de 381 foi a primeira aparição do termo "Nova Roma" em conexão com Constantinopla. O termo foi empregado como base para dar precedência à igreja relativamente jovem de Constantinopla sobre Alexandria e Antioquia ("porque é a Nova Roma").

 

Histórico

35.  No ano 380, os imperadores Graciano e Teodósio I decidiram convocar este concílio para combater os arianos e também para julgar o caso de Máximo, o Cínico, bispo de Constantinopla (conhecido pela sua postura cínica e pelo conflito com Gregório de Nazianzo. Ele uniu a fé cristã com a conduta de um filósofo cínico, o que lhe valeu inicialmente o respeito de alguns teólogos ortodoxos, mas também a oposição de outros.)

36.  O concílio se reuniu em maio do ano seguinte. Participaram 150 bispos, todos ortodoxos orientais, visto que o partido Pneumatomachi (combatentes contra o Espírito) havia se afastado desde o início.

37.  Após a condenação de Máximo, Melécio, bispo de Antioquia, nomeou Gregório de Nazianzo como bispo legítimo de Constantinopla e, a princípio, presidiu o concílio. Após a morte repentina de Melécio, Gregório assumiu o comando do concílio até a chegada de Acólio, que deveria apresentar as exigências do Papa Dâmaso: a saber, que Máximo fosse expulso como intruso e que a transladação de bispos fosse evitada.

38.  Mas, quando Timóteo, bispo de Alexandria, chegou, declarou a nomeação de Gregório inválida. Gregório renunciou ao episcopado e Nectário, após o batismo e a consagração, foi empossado bispo e presidiu o concílio até o seu encerramento.

39.  Nenhuma cópia das decisões doutrinárias do concílio, intituladas tomos kai anathematismos engraphos (registro do tomo e dos anátemas), sobreviveu.

40.  Portanto, o que se apresenta aqui é a carta sinodal do sínodo de Constantinopla, realizado em 382, ​​que expôs essas decisões doutrinárias, como testemunham os padres, de forma resumida: a saber, seguindo as linhas definidas pelo concílio de Niceia, a consubstancialidade e a coeternidade das três pessoas divinas contra os sabelianos, anomoeanos (“não similar”  -forma mais extrema do arianismoa), arianos e pneumatomacos, que pensavam que a divindade era dividida em várias naturezas; e a enantropese (tomada da humanidade) do Verbo, contra aqueles que supunham que o Verbo não havia de forma alguma tomado uma alma humana.

41.  Todos esses assuntos estavam em estreita concordância com o tomo que o Papa Dâmaso e um concílio romano, realizado provavelmente em 378, haviam enviado ao Oriente.

42.  O Concílio de Constantinopla simplesmente endossou a fé de Niceia, com alguns acréscimos sobre o Espírito Santo para refutar a heresia pneumatomáquica. Além disso, os dois primeiros artigos do chamado credo constantinopolitano diferem consideravelmente do credo niceno.

43.  O Concílio de Constantinopla promulgou quatro cânones disciplinares: contra a heresia ariana e suas seitas (cân. 1), sobre a limitação do poder dos bispos dentro de limites fixos (cân. 2), sobre a classificação da sé de Constantinopla como a segunda em honra e dignidade, depois de Roma (cân. 3), e sobre a condenação de Máximo e seus seguidores (cân. 4). Os cânones 2-4 visavam pôr fim ao engrandecimento da sé de Alexandria. Os dois cânones seguintes, 5 e 6, foram elaborados no sínodo que se reuniu em Constantinopla em 382. O 7º cânone é um extrato de uma carta que a Igreja de Constantinopla enviou a Martírio de Antioquia.

44.  O concílio terminou em 9 de julho de 381, e em 30 de julho do mesmo ano, a pedido dos padres conciliares, o imperador Teodósio ratificou seus decretos por edito.

45.  Já a partir de 382, ​​na carta sinodal do sínodo que se reuniu em Constantinopla, o concílio de Constantinopla recebeu o título de "ecumênico". A palavra denota um concílio geral e plenário.

46.  Mas o concílio de Constantinopla foi criticado e censurado por Gregório de Nazianzo. Nos anos subsequentes, quase nunca foi mencionado.

47.  No final, alcançou seu status especial quando o concílio de Calcedônia, em sua segunda sessão e em sua definição da fé, vinculou a forma do credo lido em Constantinopla à forma nicena, como sendo um testemunho completamente confiável da fé autêntica.

48.  Os padres de Calcedônia reconheceram a autoridade dos cânones — pelo menos no que diz respeito à Igreja oriental — em sua décima sexta sessão. A autoridade dogmática do concílio na igreja ocidental ficou clara pelas palavras do Papa Gregório I: “Confesso que aceito e venero os quatro concílios (Nicéia, Constantinopla, Éfeso e Calcedônia) da mesma forma que os quatro livros do santo Evangelho...”

49.  A aprovação do bispo de Roma não se estendeu aos cânones, pois eles nunca foram levados "ao conhecimento da sé apostólica".

 

A exposição dos 150 pais: o Símbolo

50.  Cremos em um só Deus Pai, todo-poderoso, criador do céu e da terra, e de todas as coisas visíveis e invisíveis. E em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai, por quem todas as coisas foram feitas. Por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus e se encarnou pelo Espírito Santo e na virgem Maria. Se fez homem e foi crucificado por nós sob Pôncio Pilatos. Ele sofreu, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Subiu aos céus e está sentado à direita do Pai. Ele vem novamente com glória para julgar os vivos e os mortos. Seu reino não terá fim. E no Espírito Santo, Soberano e Vivificador, procedente do Pai, adorado e glorificado com o Pai e o Filho, aquele que falou pelos profetas, na una, santa, católica e apostólica Igreja. Confessamos um só batismo para remissão dos pecados. Aguardamos a ressurreição dos mortos e a vida no mundo vindouro. Amém.

 

Uma carta dos bispos reunidos no Concílio de Constantinopla.

51.  Aos honradíssimos senhores e reverendíssimos irmãos e companheiros ministros, Dâmaso, Ambrósio, Bretanha, Valeriano, Acholius, Anemius, Basílio e os demais santos bispos que se reuniram na grande cidade de Roma: o sagrado sínodo dos bispos ortodoxos que se reuniram na grande cidade de Constantinopla envia saudações no Senhor.

52.  Talvez seja desnecessário instruir Vossa Reverência descrevendo os muitos sofrimentos que nos foram impostos sob o domínio ariano, como se já não soubéssemos. Tampouco imaginamos que Vossa piedade considere nossos assuntos tão triviais que precise saber o que deve estar sofrendo conosco. Nem foram as tempestades que nos assolaram tais que escaparam à Vossa atenção por serem insignificantes.

53.  O período de perseguição ainda é recente e garante que a memória permaneça viva não apenas entre aqueles que sofreram, mas também entre aqueles que, por amor, fizeram sua a sorte daqueles que sofreram. Foi apenas ontem ou anteontem que alguns foram libertados dos laços do exílio e retornaram às suas próprias igrejas através de mil tribulações. Os restos mortais de outros que morreram no exílio foram trazidos de volta.

54.  Mesmo após seu retorno do exílio, alguns experimentaram uma fermentação de ódio dos hereges e sofreram um destino mais cruel em sua própria terra do que no exterior, sendo apedrejados até a morte por eles à maneira do bem-aventurado Estêvão. Outros foram dilacerados por diversas torturas e ainda carregam em seus corpos as marcas das feridas e contusões de Cristo.

55.  Quem poderia enumerar as penalidades financeiras, as multas impostas às cidades, os confiscos de propriedades individuais, as conspirações, os ultrajes, as prisões? De fato, todas as nossas aflições aumentaram incontáveis: talvez porque estivéssemos pagando a justa pena pelos nossos pecados; talvez também porque um Deus amoroso nos disciplinava por meio da grande quantidade dos nossos sofrimentos.

56.  Portanto, graças a Deus por isso. Ele instruiu seus próprios servos através do peso de suas aflições e, de acordo com suas numerosas misericórdias, ele nos trouxe de volta a um lugar de refrigério.

57.  A restauração das igrejas exigiu atenção prolongada, muito tempo e trabalho árduo de nossa parte, se o corpo da igreja, que havia sido fraco por tanto tempo, quisesse ser curado completamente por meio de tratamento gradual e trazido de volta à sua solidez original na religião.

58.  Podemos parecer, no geral, livres de perseguições violentas e estar, no momento, recuperando as igrejas que há muito tempo estão sob o domínio dos hereges.

59.  Mas, na verdade, somos oprimidos por lobos que, mesmo após a expulsão do rebanho, continuam devastando os rebanhos para cima e para baixo, tornando-se tão ousados ​​a ponto de realizar assembleias rivais, ativando revoltas populares e não parando por nada que pudesse prejudicar as igrejas. Como dissemos, isso nos fez demorar mais tempo em nossos assuntos.

60.  Mas agora demonstrastes vosso amor fraternal por nós, convocando um sínodo em Roma, de acordo com a vontade de Deus, e convidando-nos para ele, por meio de uma carta do vosso mui amado imperador, como se fôssemos membros vossos, de modo que, enquanto no passado fomos condenados a sofrer sozinhos, agora não reinais isolados de nós, dado o pleno acordo dos imperadores em questões religiosas. Antes, segundo a palavra do apóstolo, reinamos convosco.

61.  Assim, era nossa intenção que, se possível, todos nós deixássemos nossas igrejas juntos e satisfez nossos desejos em vez de atender às suas necessidades. Mas quem nos dará asas como as de uma pomba, para que voemos e venhamos pousar convosco?

62.  Tal conduta deixaria as igrejas inteiramente expostas, justamente quando estão iniciando sua renovação; e isso está completamente fora de questão para a maioria. Como consequência da carta do ano passado enviada por Vossa Reverência, após o sínodo de Aquileia, ao nosso mui amado imperador Teodósio, reunimo-nos em Constantinopla.

63.  Estávamos equipados apenas para esta estadia em Constantinopla, e os bispos que permaneceram nas províncias deram seu consentimento apenas para este sínodo. Não previmos necessidade de uma ausência mais longa, nem ouvimos falar dela com antecedência, antes de nos reunirmos em Constantinopla. Além disso, a rigidez do cronograma proposto não nos permitiu preparar uma ausência mais longa, nem informar todos os bispos das províncias que estão em comunhão conosco e obter seu consentimento.

64.  Como essas considerações, e muitas outras, impediram a maioria de nós de vir, fizemos o melhor que podíamos para resolver as coisas e para que seu amor por nós fosse apreciado: conseguimos convencer nossos mais veneráveis ​​e reverendos irmãos e companheiros de ministério, Bispos Ciríaco, Eusébio e Prisciano, a se disporem a empreender a cansativa viagem até vocês.

65.  Por meio deles, desejamos mostrar que nossas intenções são pacíficas e têm a unidade como objetivo. Também queremos deixar claro que o que buscamos zelosamente é uma fé sólida.

66.  O que sofremos — perseguições, aflições, ameaças imperiais, crueldade de autoridades e qualquer outra provação nas mãos de hereges — suportamos por causa da fé evangélica estabelecida pelos 318 padres em Niceia, na Bitínia.

67.  Vocês, nós e todos os que não estão empenhados em subverter a palavra da verdadeira fé devem dar a nossa aprovação a este credo. É o mais antigo e é consistente com o nosso batismo. Ele nos diz como crer no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo: crendo também, é claro, que o Pai, o Filho e o Espírito Santo têm uma única Divindade, poder e substância, uma dignidade digna da mesma honra e uma soberania coeterna, em três hipóstases perfeitíssimas, ou três pessoas perfeitas.

68.  Portanto, não há lugar para a teoria doentia de Sabélio, na qual as hipóstases são confundidas e, portanto, suas características próprias destruídas. Nem que prevaleça a blasfêmia dos Eunomianos, Arianos e Pneumatomachi, com sua divisão de substância, natureza ou Divindade, e sua introdução de alguma natureza que foi produzida posteriormente, ou foi criada, ou era de substância diferente, na Trindade incriada, consubstancial e coeterna.

69.  E preservamos sem distorção os relatos da tomada da humanidade pelo Senhor, aceitando como aceitamos que a economia de sua carne não era desalmada, irracional ou imperfeita. Em resumo, sabemos que ele era antes dos séculos plenamente Deus, o Verbo, e que nos últimos dias se tornou plenamente homem para a nossa salvação.

 

70.  Em resumo, isso é tudo sobre a fé que pregamos abertamente. Você pode se animar ainda mais com essas questões se considerar oportuno consultar o tomo publicado em Antioquia pelo sínodo que se reuniu lá, bem como o publicado no ano passado em Constantinopla pelo sínodo ecumênico.

71.  Nesses documentos, confessamos a fé em termos mais amplos e emitimos uma condenação escrita das heresias que eclodiram recentemente.

72.  No que diz respeito às formas particulares de administração nas igrejas, o costume antigo, como sabeis, vigorou, juntamente com a regulamentação dos santos padres de Nicéia, de que em cada província os habitantes da província, e com eles — caso os primeiros assim o desejassem — seus vizinhos, realizassem as ordenações conforme a necessidade. Consequentemente, como sabeis, as demais igrejas são administradas, e os padres [= bispos] das igrejas mais proeminentes foram nomeados por nós.

73.  Por isso, no concílio ecumênico, de comum acordo e na presença do mui amado imperador Teodósio e de todo o clero, e com a aprovação de toda a cidade, ordenamos o mui venerável e mui amado Nectário como bispo da igreja recém-estabelecida, por assim dizer, em Constantinopla — uma igreja que, pela misericórdia de Deus, recentemente arrancamos da blasfêmia dos hereges como das mandíbulas do leão.

74.  Sobre a antiquíssima e verdadeiramente apostólica igreja de Antioquia, na Síria, onde pela primeira vez o precioso nome de "cristãos" entrou em uso, os bispos provinciais e os da diocese do Oriente se reuniram e ordenaram canonicamente o venerável e amado por Deus Flaviano como bispo, com o consentimento de toda a igreja, como se isso lhe conferisse a devida honra a uma só voz.

75.  O sínodo como um todo também aceitou que esta ordenação era legal. Gostaríamos de informar que o venerável e amado por Deus Cirilo é bispo da igreja em Jerusalém, a mãe de todas as igrejas. Ele foi ordenado canonicamente há algum tempo pelos da província e, em várias ocasiões, combateu bravamente os arianos.

76.  Exortamos a vossa reverência a juntar-se a nós na alegria pelo que legal e canonicamente promulgamos. Que o amor espiritual nos una, e que o temor do Senhor suprima todo preconceito humano e coloque a edificação das igrejas acima do apego ou favorecimento individual.

77.  Desta forma, com a prestação de contas da fé acordada entre nós e com o amor cristão estabelecido entre nós, deixaremos de declarar o que foi condenado pelos apóstolos: "Eu sou de Paulo, eu de Apolo, eu de Cefas"; mas seremos todos vistos como pertencentes a Cristo, que não foi dividido entre nós; e com a boa vontade de Deus, manteremos o corpo da igreja indiviso e compareceremos perante o tribunal do Senhor com confiança.

 

Cânones do Concílio de Constantinopla

Cânone 1

78.  A profissão de fé dos santos padres reunidos em Niceia, na Bitínia, não deve ser revogada, mas deve permanecer em vigor. Toda heresia deve ser anatematizada, em particular a dos eunomianos ou anomoeus, a dos arianos ou eudoxianos, a dos semiarianos ou pneumatomacos, a dos sabelianos, a dos marcelianos, a dos fotinianos e a dos apolinários.

 

Cânone 2

79.  Os bispos diocesanos não devem intrometer-se em igrejas além de suas próprias fronteiras, nem devem confundi-las: mas, de acordo com os cânones, o bispo de Alexandria deve administrar os assuntos apenas no Egito; os bispos do Oriente devem administrar apenas o Oriente (salvaguardando os privilégios concedidos à Igreja dos Antioquenos nos cânones nicenos); e os bispos da diocese asiática devem administrar apenas os assuntos asiáticos; e aqueles no Ponto, apenas os assuntos do Ponto; e aqueles na Trácia, apenas os assuntos da Trácia. A menos que os bispos convidados não devam sair de sua diocese para realizar uma ordenação ou qualquer outro assunto eclesiástico. Se a letra do cânone sobre dioceses for mantida, é claro que o sínodo provincial administrará os assuntos em cada província, como foi decretado em Nicéia. Mas as igrejas de Deus entre os povos bárbaros devem ser administradas de acordo com o costume em vigor na época dos Padres.

 

Cânone 3

80.  Por ser uma nova Roma, o bispo de Constantinopla deve desfrutar dos privilégios de honra depois do bispo de Roma.

 

Cânone 4

81.  Quanto a Máximo, o Cínico, e à desordem que o cercava em Constantinopla: ele nunca se tornou, nem é, bispo; nem aqueles por ele ordenados são clérigos de qualquer categoria. Tudo o que foi feito a ele e por ele deve ser considerado inválido.

 

Cânone 5

82.  Quanto ao Tomo dos Ocidentais (Este tomo não sobreviveu) reconhecemos também aqueles em Antioquia que confessam uma única Divindade do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

 

Cânone 6

83.  Há muitos que se empenham em confundir e subverter a boa ordem da Igreja e, assim, fabricam, por ódio e desejo de caluniar, certas acusações contra bispos ortodoxos responsáveis ​​por igrejas. Sua intenção não é outra senão denegrir a reputação dos padres e causar problemas entre os leigos amantes da paz. Por esta razão, o sagrado sínodo dos bispos reunidos em Constantinopla decidiu não admitir acusadores sem exame prévio e não permitir que todos apresentem acusações contra os administradores da Igreja — mas sem excluir todos. Portanto, se alguém apresentar uma queixa privada (ou seja, pessoal) contra o bispo, alegando que ele foi defraudado ou de alguma outra forma tratado injustamente por ele, no caso desse tipo de acusação, nem o caráter nem a religião do acusador estarão sujeitos a exame. É absolutamente essencial que o bispo tenha a consciência limpa e que aquele que alega ter sido injustiçado, qualquer que seja sua religião, obtenha justiça. Mas se a acusação contra o bispo for de natureza eclesiástica, então o caráter daqueles que a fazem deve ser examinado, em primeiro lugar, para impedir que hereges apresentem acusações contra bispos ortodoxos em questões de natureza eclesiástica. (Definimos "hereges" como aqueles que foram previamente banidos da Igreja e também aqueles posteriormente anatematizados por nós mesmos; e, além disso, aqueles que afirmam confessar uma fé sólida, mas que se separaram e realizam assembleias em rivalidade com os bispos que estão em comunhão conosco.) Em segundo lugar, pessoas previamente condenadas e expulsas da Igreja por qualquer motivo, ou aquelas excomungadas da categoria clerical ou leiga, não devem ser autorizadas a acusar um bispo até que tenham primeiro se livrado de seu próprio crime. Da mesma forma, aqueles que já são acusados ​​não têm permissão para acusar um bispo ou outros clérigos até que tenham provado sua própria inocência dos crimes dos quais são acusados. Mas se pessoas que não são hereges nem excomungados, nem aqueles que foram previamente condenados ou acusados ​​de alguma transgressão ou outra, alegam ter alguma acusação eclesiástica a fazer contra o bispo, o sagrado sínodo ordena que tais pessoas apresentem primeiro as acusações perante todos os bispos da província e provem perante eles os crimes cometidos pelo bispo no caso. Se se verificar que os bispos da província não são capazes de corrigir os crimes imputados ao bispo, então um sínodo superior dos bispos daquela diocese, convocado para ouvir este caso, deve ser abordado, e os acusadores não devem apresentar suas acusações perante ele até que tenham feito uma promessa por escrito de se submeterem a penas iguais caso sejam considerados culpados de fazer falsas acusações contra o bispo acusado, quando o assunto for investigado. Se alguém demonstrar desprezo pelas prescrições referentes aos assuntos acima e presumir incomodar os ouvidos do imperador ou das cortes das autoridades seculares, ou desonrar todos os bispos diocesanos e perturbar um sínodo ecumênico, não deve haver qualquer dúvida de permitir que tal pessoa apresente acusações, porque ela zombou dos cânones e violou a boa ordem da Igreja.

 

Cânone 7

84.  Aqueles que abraçam a ortodoxia e se juntam ao número daqueles que estão sendo salvos dos hereges, nós os recebemos da seguinte maneira regular e costumeira: Arianos, macedônios, sabatianos, novacianos, aqueles que se autodenominam cátaros e aristas, quartodecimanos ou tetraditas, apolinarianos — estes nós os recebemos quando entregam declarações e anatematizam toda heresia que não seja da mesma opinião que a santa, católica e apostólica Igreja de Deus. Eles são primeiro selados ou ungidos com o santo crisma na testa, olhos, narinas, boca e ouvidos. Ao selá-los, dizemos: "Selo do dom do Espírito Santo". Mas eunomianos, que são batizados em uma única imersão, montanistas (chamados aqui de frígios), sabelianos, que ensinam a identidade do Pai e do Filho e levantam certas outras dificuldades, e todas as outras seitas — visto que há muitas aqui, principalmente aquelas que se originam no país dos Gálatas — nós acolhemos todos os que desejam deixá-los e abraçar a ortodoxia como fazemos com os gregos. No primeiro dia, fazemos deles cristãos, no segundo, catecúmenos, no terceiro, exorcizamos-os soprando três vezes em seus rostos e ouvidos, e assim os catequizamos e os fazemos passar um tempo na igreja e ouvir as escrituras; e então os batizamos.

 

Conclusão:

85.  Este concílio foi uma bênção para a Igreja pois definiu a Santíssima Trindade, foi a vitória de Basílio Magno depois de sua morte, reafirmou a divindade de Jesus conforme Nicéia, afirmou a divindade do Espírito Santo. Além de declarar a Igreja como Una, Santa, Católica e Apostólica e construir o Credo de Nicéia (Niceno-constantipolitano).

 

 

Fonte: https://www.papalencyclicals.net/councils/ecum02.htm. Introdução e tradução retiradas de  Decretos dos Concílios Ecumênicos , ed. Norman P. Tanner

 

 

domingo, 18 de maio de 2025

280 - SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA (330-379) - Tratado sobre o Espírito Santo - (Capítulos 47 - 51)

 



280

SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA

(330-379)

Tratado sobre o Espírito Santo (Capítulos 47 - 51)

 

Solicitação do Tratado: Bispo Anfilóquio de Icônio.

 

Basílio escreve: “Há pouco, estava orando com o povo. Glorificava a Deus Pai com ambas as formas de doxologia: ora com o Filho, com o Espírito Santo; ora pelo Filho, no Espírito Santo. Alguns dos presentes nos acusaram de empregar palavras estranhas e até contraditórias entre si. Tu, porém..., ...pediste um ensinamento bem claro sobre o alcance destas sílabas”.

 

Capítulo 47.

1.     Quando, através de uma potência iluminadora, fixamos o olhar na beleza da Imagem do Deus invisível, e por meio dela, nos elevamos à visão belíssima do arquétipo, está de modo inseparável presente o Espírito do conhecimento, oferecendo em si a força para se contemplar a Imagem àqueles que gostam de ver a Verdade.

2.     Não faz a demonstração de fora, mas fá-la reconhecível em si mesmo. Pois “ninguém conhece o Pai senão o Filho” (Mt 11,27), assim como “ninguém pode dizer: ‘Jesus é Senhor’ a não ser no Espírito Santo” (1Cor 12,3).

3.     Com efeito, não foi dito: “pelo Espírito”, e sim “no Espírito”. “Deus é Espírito, e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito, e verdade” (Jo 4,24). Conforme está escrito: “Em tua luz nós vemos a luz” (Sl 36.9), isto é, com a iluminação do Espírito, veremos “a luz verdadeira que, vindo ao mundo, ilumina todo homem” (Jo 1,9).

4.     Assim, em si ele mostra a glória do Unigênito, e aos verdadeiros adoradores ele concede o conhecimento de Deus. Ora, o caminho do conhecimento de Deus estende-se do Espírito que é um, pelo Filho que é um, até o Pai que é um, e vice-versa, a bondade natural e a santidade natural, e a dignidade real partem do Pai, pelo Filho, até o Espírito.

5.     Assim também confessamos as hipóstases, sem quebra da piedosa doutrina da monarquia.

6.     Os que, porém, afirmam estar a “subenumeração” no dizer: “primeiro, segundo e terceiro” saibam que estão introduzindo na teologia imaculada dos cristãos o politeísmo dos erros pagãos.

7.     Ora, o crime da “subenumeração” a outra coisa não leva senão à confissão de que há Deus primeiro, segundo e terceiro. A nós basta a ordem estabelecida pelo Senhor; transtorná-la não seria crime menor que a impiedade deles. Foi dito bastante que nada, conforme seu engano, tem que ver a comunhão segundo a natureza com esta opinião de “subenumeração”.

8.     Mas, concordemos com este contraditor estulto e concedamos que o primeiro possa ser “subenumerado” ao segundo. Vejamos o resultado. Diz o Apóstolo: “O primeiro homem, tirado da terra, é terrestre. O segundo homem (o Senhor) vem do céu”, e em outro trecho: “Primeiro foi feito não o que é espiritual, mas o que é psíquico; o que é espiritual, vem depois” (1Cor 15,46).

9.     Se, pois, o segundo deve ser “subenumerado” relativamente ao primeiro, o “subenumerado” é menos honroso que aquele sob o qual é enumerado; o “espiritual”, portanto, é segundo vossa opinião menos honroso do que o psíquico, e o homem “celeste” do que o homem “terrestre”!

 

19. Contra os que asseveram que não se deve glorificar o Espírito

Capítulo 48.

10. Seja, dizem eles. Mas não se deve absolutamente glorificar o Espírito, exaltando-o com hinos de louvor. De onde, então, extrairemos provas da dignidade do Espírito, se a comunhão com o Pai e o Filho não for testemunho fidedigno de sua dignidade?

11. É lícito, porém, olhar de relance o sentido de seus nomes, a grandeza de suas ações, a efusão de seus benefícios sobre nós, ou antes sobre toda a criação, para perceber ao menos um pouco de sua natureza sublime, de seu poder inacessível. Chama-se Espírito como “Deus é Espírito” (Jo 4,24) e “o Espírito de nossa face, o Ungido do Senhor” (Lm 4,20).

12. É denominado “Santo”, como o Pai é santo, e santo é o Filho. Quanto às criaturas, recebem de outrem a santificação, mas para o Espírito a santidade é integrante de sua natureza. Por conseguinte, ele não é santificado, mas santificador.

13. É “bom” como o Pai é bom, e bom aquele que foi gerado do bom; tem a bondade por essência. É “Justo” (Sl 92.15), como o Senhor Deus é reto; efetivamente, é em si mesmo verdade e justiça e não pode desviar-se, nem vergar, sendo imutável por natureza. É chamado “Paráclito” da mesma forma que o Unigênito, conforme este mesmo disse: “Rogarei ao Pai e ele vos dará outro Paráclito” (Jo 14,16).

14. Por conseguinte, são comuns os nomes dados ao Pai, e ao Filho e ao Espírito, que recebe tais denominações em vista da intimidade entre eles, por natureza. Do contrário, como lhe sucederia isto? Recebe ainda as denominações de “Espírito que governa”, e “Espírito de verdade”, “Espírito de sabedoria”. “Foi o Espírito divino que me fez” (Jó 22,4, sg LXX).

15. E: “Deus encheu Beseleel com o Espírito divino em sabedoria, habilidade e perícia” (Ex 31,3). São estes os nomes do Espírito, extraordinariamente grandes, mas de forma alguma o exaltam em demasia.

 

Capítulo 49.

16. Como são as suas ações? É impossível narrar sua grandeza ou contar a multidão delas. Como pensar no que é anterior aos séculos? Quais as suas ações antes de existirem as criaturas inteligentes? Qual o número de seus benefícios para com as criaturas, seu poder relativamente aos séculos futuros? Pois, ele era, preexistia e estava presente antes dos séculos com o Pai e o Filho.

17. Se pensares, portanto, em um ser que existisse antes dos séculos, descobririas que é posterior ao Espírito. Refletes sobre a criação? As potências dos céus foram consolidadas pelo Espírito, e tal consolidação, é claro, consiste numa estabilidade nos bons hábitos. De fato, a intimidade com Deus, a imutabilidade diante do mal, e a permanência na felicidade provêm da fortaleza do Espírito. O Espírito precede a vinda de Cristo. É inseparável da sua manifestação na carne.

18.  Os milagres, o carisma das curas, foram produzidos por ação do Espírito Santo. Os demônios foram expulsos por meio do Espírito de Deus. A presença do Espírito venceu o diabo.

19. A remissão dos pecados realizou-se por graça do Espírito. “Mas vós vos lavastes e fostes santificados em nome de nosso Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito Santo” (1Cor 6,11).

20. A familiaridade com Deus se mantém por obra do Espírito Santo, pois “enviou Deus aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: ‘Abba, Pai!’ ” (Gl 4,6).

21. A ressurreição dos mortos se realiza por ação do Espírito. “Envias teu Espírito e eles são criados e assim renovas a face da terra” (Sl 104.30). Se interpretarmos essa criação como a revivescência de seres já corrompidos, como não é possante a ação do Espírito que nos destina uma vida de ressuscitados e readapta nossas almas a essa vida espiritual?

22. Se, porém, dermos o nome de criação à transformação para melhor dos que haviam caído no pecado (é costume da Escritura exprimir-se assim, por exemplo, como diz Paulo: “Se alguém está em Cristo, é nova criatura” — 2Cor 5,17), se criação for a renovação realizada aqui na terra, e a mudança de uma vida terrestre e passível em cidadania celeste, por obra do Espírito em nós, isto provoca em nossa alma imensa admiração.

23. Diante disso, que faremos? Temer ultrapassar a medida do que ele merece, honrando-o em demasia, ou, ao invés, diminuir o conceito que dele formamos, também se o engrandecermos com os nomes mais belos formados pela mente ou pelos lábios humanos?

24. Assim diz o Espírito Santo, como assim diz o Senhor: “Desce, e vai com eles sem hesitação, porque fui eu que os enviei” (At 10-20). Seriam estas expressões de alguém de condição humilde, paralisado de temor? “Separai-me Barnabé e Saulo para a obra a que os destinei” (At 13,2). Acaso fala assim um escravo?

25. “E agora o Senhor com o seu Espírito me enviou” (Is 48,16, sg LXX), diz Isaías, e “o Espírito desceu de junto do Senhor, e os guiou”. Mas, não consideres ser humilde serviço o de guiar, pois a própria Escritura atesta constituir obra do Senhor: “Guiaste o teu povo como um rebanho” (Sl 77.20), e também: “Guias a José como um rebanho” (Sl 80.1).

26. E ainda: “Guiou-os com segurança e não temeram” (Sl 78.53). Mas, ao ouvires: “quando vier o Paráclito, ele vos recordará, e vos conduzirá à verdade plena” (Jo 14,26; 16,13), concebe a ação de guiar conforme aprendeste e não a calunies.

 

Capítulo 50.

27. Além disso, “ele intercede por nós”, diz o Apóstolo (Rm 8,26). Por conseguinte, o Espírito está tão abaixo de Deus em dignidade quanto um suplicante dista de seu benfeitor. — Nunca ouviste dizer que o Unigênito está à direita de Deus, e intercede por nós (Rm 8,34)?

28. Apesar de estar o Espírito em ti (se, de fato, está em ti) e de nos ensinar a nós, cegos, a escolher o que for mais útil, não fique prejudicada a doutrina pia e sagrada que temos a seu respeito. Seria o cúmulo da insolência fazer do amor que aos homens dedica o benfeitor uma oportunidade de manifestar ingratidão. “Não entristeçais o Espírito Santo” (Ef 4,30).

29. Ouvi o que dizia Estêvão, o primeiro mártir, ao censurar a indocilidade e insubmissão do povo: “Vós sempre resistis ao Espírito Santo!” (At 7,51). E Isaías: “Mas eles magoaram o seu Espírito Santo. Foi então que ele se transformou em seu inimigo” (Is 63,10). E em outra passagem: “A casa de Jacó irritou o Espírito do Senhor”. Tudo isso não assinala um poder soberano? Deixo ao leitor julgar o que opinar diante desses trechos.

30. Referem-se a um instrumento, a um sujeito, a um ser que mereça honra igual à de uma criatura, a um companheiro de servidão? Não seria peso insuportável para os homens piedosos suportarem, ainda que somente em palavras, tal blasfêmia? Afirmas que o Espírito é servo? “O servo não sabe o que seu amo faz” (Jo 15,15). Ora, o Espírito conhece o que há em Deus como o espírito do homem sabe o que há no homem (1Cor 2,11).

 

20. Contra os que afirmam que o Espírito não é de condição servil, nem de condição

senhoril, e sim livre

 

Capítulo 51.

31.  O Espírito, dizem eles, não é escravo, nem senhor, mas é livre. Espantosa insensibilidade, miserável temeridade dos que assim falam! O que é neles mais lastimável: a estultícia ou a blasfêmia? Insultam a doutrina teológica com exemplos tirados das realidades humanas, e tentam aplicar à inefável natureza divina o costume terreno de diferenças em dignidade.

32.  Não refletem que não existe homem algum escravo por natureza. Uns foram reduzidos à escravidão por opressão como os prisioneiros de guerra; outros devido à penúria, como os egípcios sob os Faraós; ou ainda por um sábio e inexplicável desígnio, decidiria um pai que os filhos menos dotados servissem aos irmãos mais prudentes e melhores, o que não constituiria propriamente condenação, e sim benefício, diria um justo observador.

33.  Efetivamente, é preferível para quem carece de bom senso e domínio natural de seus atos, tornar-se possessão de outro. Orientado pela razão do amo, assemelhe-se a um carro dirigido por um cocheiro, a uma nave com um piloto ao leme.

34.  Assim, Jacó foi estabelecido senhor de Esaú pela bênção do pai (Gn 27,29-40), a fim de que o insensato recebesse, embora de má vontade, os benefícios do irmão prudente, uma vez que não era capaz de cuidar de si. E: “Canaã seja, para seus irmãos, o último dos escravos!” (Gn 9,25), porque ele ignorava a virtude, tendo tido um pai sem inteligência, Cão. Isso relativamente aos escravos.

35.  São livres, ao invés, os isentos de penúria ou guerra, ou de responderem por outrem. Se um recebe o nome de senhor, outro de escravo, entretanto, somos todos companheiros de servidão, por merecer igual respeito e ser possessão daquele que nos fez.

36.  Sendo assim, quem pode nos liberar da escravidão? Simultaneamente com a criação estabelece-se a escravatura. Os seres celestes não se combatem mutuamente, porque desconhecem a ambição de domínio, mas todos se curvam diante de Deus, e lhe prestam a reverência que lhe compete qual Senhor e dão-lhe a glória devida ao Criador. Pois “um filho honra o pai, um servo o seu senhor”.

37.  Destas duas espécies de reverência, Deus exige absolutamente uma delas: “Se eu sou pai, onde está a minha honra? Se eu sou senhor, onde está o meu temor?” (Ml 1,6-7). De outro lado, seria misérrima a vida que não estivesse sob o olhar do Senhor. Tal foi a sorte das potências rebeldes que, erguendo a cerviz contra o Deus onipotente, revoltaram-se contra a servidão, embora não fossem por natureza de outra condição, mas por insubmissão relativamente ao seu autor.

38.  A quem chamas de homem livre? Aquele que não tem rei? Aquele que não tem poder de governar e recusa ser governado? Mas, não existe tal natureza entre as criaturas, e pensar isso acerca do Espírito constitui impiedade evidente! Por conseguinte, se o Espírito é criado, sem dúvida é escravo como as criaturas, pois diz a Escritura: “Todas as criaturas te servem” (Sl 119.91). Mas, se o Espírito está acima da criação, ele participa da realeza.

 

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