sábado, 23 de abril de 2016

Estudo Especial: João da Cruz


João da Cruz

Nasceu em Fontiveros, na Espanha, em 1542. Seus pais, Gonçalo e Catarina, eram pobres tecelões. Gonçalo morreu cedo e a viúva teve de passar por dificuldades enormes para sustentar os três filhos: Francisco, João e Luís, sendo que este último morreu quando ainda era criança. Como João de Yepes (era este o seu nome de batismo) mostrou-se inclinado para os estudos, a mãe o enviou para o Colégio da Doutrina. Em 1551, os padres jesuítas fundaram um colégio em Medina (centro comercial de Castela). Nele, esse grande santo estudou Ciências Humanas.
Com 21 anos, sentiu o chamado à vida religiosa e entrou na Ordem Carmelita, na qual pediu o hábito. Nos tempos livres, gostava de visitar os doentes nos hospitais, servindo-os como enfermeiro. Ocasião em que passou a ser chamado de João de Santa Maria. Devido ao talento e à virtude, rapidamente foi destinado para o colégio de Santo André, pertencente à Ordem, em Salamanca, ao lado da famosa Universidade. Ali estudou Artes e Teologia. Foi nesse colégio nomeado de “prefeito dos estudantes”, o que indica o seu bom aproveitamento e a estima que os demais tinham por ele. Em 1567 foi ordenado sacerdote.
Desejando uma disciplina mais rígida, João da Cruz quase saiu da Ordem para ir ingressar na Ordem dos Cartuxos, mas, felizmente, encontrou-se com a reformadora dos Carmelos, Teresa D’Ávila, a qual havia recebido autorização para a reforma dos conventos masculinos.
João, empenhado na reforma, conheceu o sofrimento, as perseguições e tantas outras resistências. Chegou a ficar nove meses preso num convento em Toledo, até que conseguiu fugir. Dessa forma, ele transformou, em Deus e por Deus, todas as cruzes num meio de santificação para si e para os irmãos.
 Três coisas pediu e acabou recebendo de Deus: primeiro: força para trabalhar e sofrer muito; segundo: não sair deste mundo como superior de uma comunidade; e terceiro: morrer desprezado e escarnecido pelos homens.
Pregador, místico, escritor e poeta, esse grande santo da Igreja faleceu após uma penosíssima enfermidade, em 1591, com 49 anos de idade. Foi canonizado no ano de 1726 e, em 1926, o Papa Pio XI o declarou Doutor da Igreja.
Escreveu obras bem conhecidas como: Subida do Monte Carmelo; Noite escura da alma (estas duas fazem parte de um todo, que ficou inacabado); Cântico espiritual e Chama viva de amor. 
Assista este curto filme sobre João da Cruz. 





POEMAS MAIORES DE JOÃO DA CRUZ
Cântico espiritual – poesia

I

Onde é que te escondeste,
Amado, e me deixaste com gemido?
Como o cervo fugiste,
Havendo‑me ferido;
Saí, por ti clamando, e eras já ido.

II

Pastores que subirdes
Além, pelas malhadas, ao Outeiro,
Se, porventura, virdes
Aquele a quem mais quero,
Dizei‑lhe: que adoeço, peno, e morro.
III

Buscando meus amores,
irei por estes montes e ribeiras;
Não colherei as flores,
nem temerei as feras,
E passarei os fortes e fronteiras.

PERGUNTA ÀS CRIATURAS

IV
0 bosques e espessuras,
Plantados pela mão de meu Amado!
ó prado de verduras,
De flores esmaltado,
Dizei‑me se por vós ele há passado!

RESPOSTA DAS CRIATURAS
V

Mil graças derramando,
Passou por estes soutos com presteza,
E, enquanto os ia olhando,
Só com sua figura
A todos revestiu de formosura.


ESPOSA

VI

Quem poderá curar‑me?!
Acaba de entregar‑te já deveras;
Não queiras enviar‑me
Mais mensageiro algum,
Pois não sabem dizer‑me o que desejo.

VII

E todos quantos vagam,
De ti me vão mil graças relatando,
E todos mais me chagam;
E deixa‑me morrendo
Um "não sei quê", que ficam balbuciando.

VIII

Mas como perseveras,
Ó vida, não vivendo onde já vives?
Se fazem com que morras
As flechas que recebes
Daquilo que do Amado em ti concebes?

IX

Por que, pois, hás chagado
Este meu coração, o não saraste?
E, já que mo hás roubado,
Por que assim o deixaste
E não tomas o roubo que roubaste?

X

Extingue os meus anseios,
Porque ninguém os pode desfazer;
E vejam‑te meus olhos,
Pois deles és a luz,
E para ti somente os quero ter.

XI

Mostra tua presença!
Mate‑me a tua vista e formosura;
Olha que esta doença
De amor jamais se cura,
A não ser com a presença e com a figura.

XII

0 cristalina fonte,
Se nesses teus semblantes prateados
Formasses de repente
Os olhos desejados
Que tenho nas entranhas debuxados!

XIII

Aparta‑os, meu Amado,
Que eu alço o vôo.

ESPOSO

Oh! volve‑te, columba,
Que o cervo vulnerado
No alto do outeiro assoma,
Ao sopro de teu vôo, e fresco toma.

ESPOSA

No Amado acho as montanhas,
Os vales solitários, nemorosos,
As ilhas mais estranhas,
Os rios rumorosos,
E o sussurro dos ares amorosos;

XV

A noite sossegada,
Quase aos levantes do raiar da aurora;
A música calada,
A solidão sonora,
A ceia que recreia e que enamora.

XVI

Caçai‑nos as raposas,
Que está já toda em flor a nossa vinha;
Enquanto estas rosas
Faremos uma pinha,
E ninguém apareça na colina!

XVII

Detém‑te, Aquilão morto!
Vem, Austro, que despertas os amores:
Aspira por meu horto,
E corram seus olores,
E o Amado pascerá por entre as flores.

XVIII

0 ninfas da Judéia,
Enquanto pelas flores e rosais
Vai recendendo o âmbar,
Ficai nos arrabaldes
E não ouseis tocar nossos umbrais.

XIX

Esconde‑te, Querido!
Voltando tua face, olha as montanhas;
E não queiras dizê‑lo,
Mas olha as companheiras
Da que vai pelas ilhas mais estranhas.

ESPOSO

XX

A vós, aves ligeiras,
Leões, cervos e gamos saltadores,
Montes, vales, ribeiras,
Águas, ventos, ardores,
E, das noites, os medos veladores:


XXI

Pelas amenas liras
E cantos de sereias, vos conjuro
Que cessem vossas iras,
E não toqueis no muro,
Para a Esposa dormir sono seguro.

XXII

Entrou, enfim, a Esposa
No horto ameno por ela desejado;
E a seu sabor repousa,
0 colo reclinado
Sobre os braços dulcíssimos do Amado.

XXIII

Sob o pé da macieira,
Ali, comigo foste desposada;
Ali te dei a mão,
E foste renovada
Onde a primeira mãe foi violada.

ESPOSA

XXIV

Nosso leito é florido,
De covas de leões entrelaçado,
Em púrpura estendido,
De paz edificado, 
De mil escudos de ouro coroado.

XXV

Após tuas pisadas
Vão discorrendo as jovens no caminho,
Ao toque de centelha,
Ao temperado vinho,
Dando emissões de bálsamo divino.

ESPOSA

XXVI

Na interior adega
Do Amado meu, bebi; quando saía,
Por toda aquela várzea
já nada mais sabia,
E o rebanho perdi que antes seguia.

XXVII

Ali me abriu seu peito
E ciência me ensinou mui deleitosa;
E a ele, em dom perfeito,
Me dei, sem deixar coisa,
E então lhe prometi ser sua esposa.

XXVIII

Minha alma se há votado,
Com meu cabedal todo, a seu serviço;
já não guardo mais gado,
Nem mais tenho outro ofício,
Que só amar é já meu exercício.

XXIX

Se agora, em meio à praça,
já não for mais eu vista, nem achada,
Direis que me hei perdido,
E, andando enamorada,
Perdidiça me fiz e fui ganhada.


XXX

De flores e esmeraldas,
Pelas frescas manhãs bem escolhidas
Faremos as grinaldas
Em teu amor floridas,
E num cabelo meu entretecidas.

XXXI

Só naquele cabelo
Que em meu colo a voar consideraste,
‑ Ao vê‑lo no meu colo,
Nele preso ficaste,
E num só de meus olhos te chagaste.

XXXII

Quando tu me fitavas,
Teus olhos sua graça me infundiam;
E assim me sobreamavas,
E nisso mereciam
Meus olhos adorar o que em ti viam.

XXXIII

Não queiras desprezar‑me,
Porque, se cor trigueira em mim achaste,
já podes ver‑me agora,
Pois, desde que me olhaste,
A graça e a formosura em mim deixaste.

XXXIV

Eis que a branca pombinha
Para a arca, com seu ramo, regressou;
E, feliz, a rolinha
0 par tão desejado
já nas ribeiras verdes encontrou.


XXXV

Em solidão vivia,
Em solidão seu ninho há já construído;
E em solidão a guia,
A sós, o seu Querido,
Também na solidão, de amor ferido.

XXXVI

Gozemo‑nos, Amado!
Vamo‑nos ver em tua formosura,
No monte e na colina,
Onde brota a água pura;
Entremos mais adentro na espessura.

XXXVII

E, logo, as mais subidas
Cavernas que há na pedra, buscaremos;
Estão bem escondidas;
E juntos entraremos,
E das romãs o mosto sorveremos.

XXXVIII

Ali me mostrarias
Aquilo que minha alma pretendia,
E logo me darias,
Ali, tu, vida minha,
Aquilo que me deste no outro dia.

XXXIX

E o aspirar da brisa,
Do doce rouxinol a voz amena,
0 souto e seu encanto,
Pela noite serena,
Com chama que consuma sem dar pena.

XL

Ali ninguém olhava;
Aminadab tampouco aparecia;
0 cerco sossegava;
Mesmo a cavalaria,
Só à vista das águias, já descia.


NOITE ESCURA - POESIA

1. Em uma noite escura,
De amor em vivas ânsias inflamadas,
Oh! ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Já minha casa estando sossegada.

2. Na escuridão, segura,
Pela secreta escada, disfarçada,
Oh! ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Já minha casa estando sossegada.

3. Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa,
Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.

4. Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio-dia
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em sítio onde ninguém aparecia.

5. Oh! noite que me guiaste,
Oh! noite mais amável que a alvorada!
Oh! noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!

6. Em meu peito florido
Que, inteiro, para ele só guardava,
Quedou-se adormecido,
E eu, terna, o regalava,
E dos cedros o leque o refrescava.

7. Da ameia a brisa amena,
Quando eu os seus cabelos afagava,
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava,

8. Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me,
Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado.


Chama viva de amor - poesia

“Oh! Chama de amor viva
que ternamente feres
De minha alma no mais profundo centro!
Pois não és mais esquiva,
Acaba já, se queres,
Ah! Rompe a tela deste doce encontro.

Oh! Cautério suave!
Oh! Regalada chaga!
Oh! Branda mão! Oh! Toque delicado
Que a vida eterna sabe, 
E paga toda dívida!
Matando, a morte em vida me hás trocado.

Oh! Lâmpadas de fogo
Em cujos resplendores
As profundas cavernas do sentido,
- que estava escuro e cego, -
Com estranhos primores
Calor e luz dão junto a seu Querido!

Oh! Quão manso e amoroso
Despertas em meu seio
Onde tu só secretamente moras:
Nesse aspirar gostoso,
De bens e glória cheio,
Quão delicadamente me enamoras!”

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