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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Justino Mártir (†165)
I Apologia:
Capítulos 21 ao 31
21. 1 Também
quando dizemos que o Verbo, primeiro rebento de Deus, nasceu sem relação
carnal, isto é, Jesus Cristo, nosso Mestre, e que ele foi crucificado, morreu
e, depois de ressuscitado, subiu ao céu, não apresentamos nada de novo se se
levam em conta os que chamais de filhos de Zeus. 2 De fato, sabeis bem a
quantidade de filhos que os vossos estimados escritores atribuem a Zeus:
Hermes, o Verbo intérprete e mestre de todos; Asclépio, que foi médico e que,
depois de ter sido fulminado, subiu ao céu; Dioniso, depois que foi
esquartejado; Héracles, depois de se atirar ao fogo para fugir dos trabalhos;
os Dióscoros, filhos de Sibila é a personificação da divindade e nome dado às
profetizas por causa da grande reputação de uma sacerdotisa de Apoio chamada
Sibbylla. Leda, Perseu de Dânae e Belerofonte, nascido de homens, sobre o
cavalo Pégaso. 3 Para que ainda falar de Ariadne e dos que, semelhante a ela,
se diz que são colocados nas estrelas? Passo por alto também vossos imperadores
mortos, aos quais tendes sempre como dignos da imortalidade e nos apresentais
algum infeliz que jura ter visto César incinerado subir da pira ao céu. 4
Também não é necessário repetir aqui as ações que se contam de cada um dos
supostos filhos de Zeus, pois vós as conheceis perfeitamente. E suficiente
dizer que isso foi escrito para utilidade e encorajamento dos que se educam,
pois todos consideram belo ser imitadores dos deuses. 5 Todavia, esteja longe
de toda alma sensata pensar sobre os deuses, da mesma forma que sobre que,
segundo eles, Zeus é o principal e pai de todos os outros, pensar que ele tenha
sido parricida, nascido de parricida e, vencido pelos baixos e vergonhosos
prazeres do amor, tenha ido até Ganimedes e numerosas mulheres com as quais se
uniu, e aceitar que seus filhos praticassem ações semelhantes. 6 A verdade é
que, como já dissemos, foram os demônios malvados que fizeram tais coisas.
Quanto a alcançar a imortalidade, nos foi ensinado que só a alcançam aqueles
que vivem santa e virtuosamente perto de Deus, assim como cremos que serão
castigados com fogo eterno aqueles que viveram injustamente e não se
converteram. Jesus, Filho de Deus
22.
1 Quanto ao Filho de Deus, que se chama Jesus, ainda que parecesse homem de
modo comum, por sua sabedoria mereceria chamar-se filho de Deus, pois todos os
escritores chamam o Deus supremo de pai de homens e de deuses. 2 Afirmamos que
ele, de modo especial e fora do nascimento comum, como já dissemos, nasceu de Deus
como Verbo de Deus, embora isso coincida com o que afirmais sobre Hermes, a
quem chamais de Verbo anunciador ou mensageiro de Deus. 3 Se nos lançam em
rosto que ele foi crucificado, também isso é comum com os antes citados filhos
de Zeus, que admitis terem sofrido. 4 Com efeito, conta-se que eles não
sofreram um mesmo gênero de morte, mas diferentes, de modo que nem no fato de
ter sofrido uma paixão particular fica-se atrás em relação a eles. Ao
contrário, prosseguindo o discurso, demonstraremos que lhes é muito superior
ou, melhor dizendo, já está demonstrado, pois aquele que é superior
manifesta-se por suas obras. 5 Nós anunciamos que ele nasceu de uma virgem, mas
isso para vós pode ser semelhante a Perseu. 6 Por fim, que ele curasse coxos,
paralíticos e enfermos de nascimento e ressuscitasse dos mortos, também nisso
parecerá que dizemos coisas semelhantes ao que se conta ter feito Asclépio.
23. 1 E para que se torne evidente para vós,
vamos apresentar-vos a prova de que aquilo que dizemos, por tê-lo aprendido de
Cristo e dos profetas que os precederam, é a única verdade e a mais antiga do
que todos os escritores que existiram. Não pedimos que se aceite a nossa
doutrina por coincidir com eles, mas porque dizemos a verdade. 2 Demonstraremos
também que Jesus Cristo é propriamente o único Filho nascido de Deus, como seu
Verbo, seu Primogênito e sua Potência. Feito homem pelo seu desígnio, ele nos ensinou
essas verdades para a transformação e condução do gênero humano. 3 Por fim,
antes de tornar-se homem entre os homens, houve alguns, digo, os demônios
malvados, antes mencionados, que se adiantaram a dizer, por meio dos poetas,
terem acontecido os mitos que inventaram. De modo que também foram eles que
fizeram as obras vergonhosas e ímpias que disseram contra nós, sem que para
isso haja qualquer testemunha ou demonstração. Provas a) Odeiam-se apenas aos
cristãos
.
24.
1 A primeira prova é que, quando dizemos tais coisas aos gregos, somos os
únicos a serem odiados pelo nome de Cristo e nos tiram a vida, sem termos
cometido crime algum, como se fôssemos pecadores. E tendes alguns aqui e outros
ali que cultuam árvores, rios, ratos, gatos, crocodilos e uma multidão de
animais irracionais. O interessante é que nem todos cultuam os mesmos, mas uns
são honrados num lugar, outros em outro, de modo que todos são ímpios entre si,
por não ter a mesma religião. 2 Esta é a única coisa que podeis nos recriminar:
não veneramos os mesmos deuses que vós e não oferecemos libações e gorduras aos
mortos, não colocamos coroas nos sepulcros, nem celebramos sacrifícios sobre
eles. 3 No entanto, sabeis perfeitamente que os mesmos animais, por alguns são
considerados deuses, por outros feras e por outras vítimas para sacrifícios. b)
A transformação por Cristo
25.
1 Em segundo lugar, porque homens de toda raça, que antes cultuávamos a
Dioniso, filho de Sêmele, e Apolo, filho de Leto, deuses que por seus amores
perversos fizeram coisas que, por decoro, nem se podem nomear; os que dentre
nós adoravam a Perséfone e Afrodite, que foram aguilhoados de amor por Adônis e
cujos mistérios ainda celebrais, ou Asclépio, ou algum outro dos chamados
deuses, agora, apesar de sermos ameaçados com a morte, desprezamos a todos eles
por amor a Jesus Cristo. 2 Consagramo-nos ao Deus ingênito e alheio a toda
paixão. O Deus em quem acreditamos não se dirigirá, aguilhoado de amor, a uma
Antíope, nem a outros do mesmo estilo, nem a Ganimedes, nem terá que ser
desatado, com a ajuda de Tétis, por aquele famoso centimano, nem de se
preocupar para apagar esse favor com Aquiles, filho de Tétis, e perder uma
multidão de gregos em troca da concubina Briseida. 3 O que fazemos é nos
compadecer daqueles que praticam tais coisas e sabemos bem que os responsáveis
por eles são os demônios. c) Os hereges não são perseguidos.
26.
1 Em terceiro lugar, porque, mesmo depois da ascensão de Cristo ao céu, os
demônios levaram certos homens a dizer que eles eram deuses e estes não só não
foram perseguidos por vós, mas chegastes até a decretar-lhes honras. 2 Dessa
forma, certo Simão, samaritano originário de uma aldeia chamada Giton, tendo
feito, no tempo de Cláudio César, prodígios mágicos, por obra dos demônios que
nele agiam em vossa cidade imperial de Roma, foi considerado deus e como deus
foi por vós honrado com uma estátua, levantada junto ao rio Tibre, entre as
duas pontes, com esta inscrição latina: A SIMÃO, DEUS SANTO. 3 E quase todos os
samaritanos, embora pouco numerosos nas outras nações, o adoram, considerando-o
como Deus primordial. Também uma certa Helena, que naquele tempo o acompanhou
em suas peregrinações e que antes estivera no prostíbulo, é chamada de primeiro
pensamento nascido dele. 4 Sabemos também que certo Menandro, igualmente
samaritano, natural da aldeia de Carapatéia, discípulo de Simão, possuído
também pelos demônios, apareceu em Antioquia e enganou muitos com suas artes
mágicas, chegando a persuadir seus seguidores de que jamais iriam morrer. E
existem ainda alguns de sua escola que continuam crendo nele. 5 Por fim, um tal
Marcião, natural do Ponto, está agora mesmo ensinando seus seguidores a crer
num Deus superior ao Criador e, com a ajuda dos demônios, fez com que muitos,
pertencentes a todo tipo de homens, proferissem blasfêmias e negassem o Deus
Criador do universo, admitindo, em troca, não sabemos que outro Deus, ao qual,
supondo maior, se atribuem obras maiores do que àquele. 6 Todos os que procedem
destes, como dissemos, são chamados cristãos, da mesma forma que aqueles que
não participam das mesmas doutrinas entre os filósofos recebem da filosofia o
nome comum com que são conhecidos. 7 Ora, se também eles praticam todas essas
vergonhosas obras que se propalam contra nós, isto é, jogar por terra o
castiçal, unirmo-nos promiscuamente e alimentarmo-nos de carnes humanas, não o
sabemos. Todavia, estamos certos de que não são perseguidos, nem condenados por
vós, ao menos por causa de suas doutrinas. 8 Além disso, nós mesmos compusemos
uma obra contra todas as heresias que existiram até o presente. Se quiserdes
lê-Ia, nós a colocaremos em vossas mãos. A pureza da vida cristã
27.
1 Nós, por outro lado, a fim de não cometer pecado ou impiedade, professamos a
doutrina de que expor os recém-nascidos é obra de perversos. Primeiro, porque
vemos que quase todos vão acabar na dissolução, não só as meninas, mas também
os meninos. Do mesmo modo como se conta que os antigos mantinham rebanhos de
bois, cabras, ovelhas ou cavalos de pasto, assim se reúnem agora rebanhos de
crianças com a única finalidade de usar torpemente delas, e toda uma multidão,
tanto de mulheres como de andróginos e pervertidos, está preparada em cada
província para semelhante abominação. 2 Para isso recolheis taxas,
contribuições e tributos, ao passo que o vosso dever seria o de arrancá-las
pela raiz do vosso império. 3 Quando se abusa de tais seres, além de tratar de
uma união própria de pessoas sem Deus, ímpia e torpe, não faltará quem se una,
conforme a circunstância, com um filho, um parente ou um irmão. 4 Há também
aqueles que prostituem seus próprios filhos e mulheres; outros mutilam-se
publicamente para a torpeza e referem esses mistérios à mãe dos deuses.
Finalmente, em todos aqueles que considerais como deuses, a serpente se pinta
como símbolo e grande mistério. 5 E aquilo mesmo que vós praticais e honrais
publicamente, vós o atribuís a nós, como se tivéssemos decaído e a luz divina
não nos assistisse. Todavia, como estamos livres por não praticar nada disso,
vossas calúnias não nos causam nenhum dano; ao contrário, danificam aqueles que
cometem essas torpezas e ainda levantam falso testemunho contra nós. O homem é
racional e livre
28.
1 Entre nós, o príncipe dos maus demônios se chama serpente, satanás, diabo ou
caluniador, como podeis ver, caso desejardes averiguar isso, através de nossas
Escrituras. Ele e todo o seu exército, juntamente com os homens que o seguem,
será enviado ao fogo para ser castigado pela eternidade sem fim, coisa que foi
de antemão anunciada por Cristo. 2 Na verdade, a paciência que Deus mostra em
não fazê- lo imediatamente, tem como causa o seu amor pelo gênero humano, pois
ele prevê que alguns se salvarão pela penitência, entre os quais alguns que
talvez ainda não tenham nascido. 3 No princípio, ele criou o gênero humano
racional, capaz de escolher a verdade e praticar o bem, de modo que não existe
homem que tenha desculpa diante de Deus, pois todos foram criados racionais e
capazes de contemplar a verdade. 4 Se alguém não crê que Deus se preocupe com
essas coisas, ou terá que confessar com sofismas que não existe, ou existindo,
se compraza com a maldade ou permaneça insensível como uma pedra. Virtude e
vicio seriam puros nomes e os homens considerariam as coisas como boas ou más
unicamente por sua opinião, o que é a maior impiedade e iniquidade.
A castidade cristã
29.
1 Também evitamos a exposição das crianças, pois tememos que algumas delas, não
sendo recolhidas, venham a morrer e sejamos réus de homicídio. Nós, ou nos
casamos desde o princípio para a única finalidade de gerar filhos, ou
renunciamos ao matrimônio, permanecendo absolutamente castos. 2 Para vos
mostrar que a união promíscua não é um mistério que celebramos, houve o caso
que um dos nossos apresentou um memorial ao prefeito Félix em Alexandria,
pedindo-lhe que autorizasse seu médico para cortar-lhe os testículos, pois os
médicos daquele lugar diziam que tal operação não podia ser feita sem permissão
do governador. 3 Félix negou-se absolutamente a assinar o pedido e o jovem
permaneceu solteiro, contentando-se com o testemunho de sua consciência e o de
seus companheiros na fé. 4 Cremos que não estaria fora de lugar recordar aqui
Antínoo, que viveu nesses tempos, a quem todos, por medo, se prostraram para
honrar como deus, apesar de saber muito bem quem ele era e de onde vinha. A
profecia é a prova máxima
30.
1 Poderiam nos objetar: "Que inconveniente há em que esse que nós chamamos
Cristo seja um homem que vem de outros homens e que, por arte mágica, fez os
prodígios que dizemos e, por isso, pareceu ser filho de Deus?” Apresentaremos,
pois, a demonstração, não dando fé àqueles que nos contam os fatos, mas crendo
por necessidade naqueles que os profetizaram antes de acontecer, da forma que
os vemos cumpridos ou que estão se cumprindo diante dos nossos olhos, tal como
foram profetizados - demonstração que acreditamos que parecerá a vós mesmos a
mais forte e a mais verdadeira. A versão dos Setenta
31.
1 Entre os judeus, houve profetas de Deus, através dos quais o Espírito
profético anunciou antecipadamente os acontecimentos futuros, e os reis, que
segundo os tempos se sucederam entre os judeus, apropriando-se de tais
profecias, guardaram-nas cuidadosamente tal como foram ditas e tal como os
próprios profetas as consignaram em seus livros, escritos em sua própria língua
hebraica. 2 Quando Ptolomeu, rei do Egito, se preocupou em formar uma
biblioteca e nela reunir os escritos de todo o mundo, tendo tido notícia dessas
profecias, mandou uma embaixada a Herodes, que então era rei dos judeus,
pedindo-lhe que mandasse os livros deles. 3 O rei Herodes mandou os livros,
como dissemos, em sua língua hebraica. 4 Todavia, como seu conteúdo não podia
ser entendido pelos egípcios, Ptolomeu pediu, por meio de uma nova embaixada,
que Herodes enviasse homens para os verter para a língua grega. 5 Depois disso,
os livros permaneceram entre os egípcios até o presente e os judeus os usam no
mundo inteiro. Estes, porém, ao lê-los, não entendem o que está escrito, mas
considerando-nos inimigos e adversários, matam-nos, como vós o fazeis, e
atormentam-nos sempre que podem fazê-lo, como podeis facilmente verificar. 6
Com efeito, na guerra dos judeus agora terminada, Bar Kókeba, o cabeça da
rebelião, mandava submeter a terríveis torturas somente os cristãos, caso estes
não negassem e blasfemassem Jesus Cristo[1].
Profecias sobre Jesus
7
Nos livros dos profetas já encontramos anunciado que Jesus, nosso Cristo,
deveria vir nascido de uma virgem; que ele chegaria à idade adulta, curaria
toda doença, toda fraqueza e ressuscitaria dos mortos; que seria invejado,
desconhecido e crucificado; que morreria, ressuscitaria e subiria aos céus; que
ele é e se chama Filho de Deus; que ele enviaria alguns para proclamar essas
coisas a todo o gênero humano e seriam os homens das nações aqueles que mais
creriam nele. 8 E essas profecias foram feitas umas cinco, outras três, outras
dois mil e outras mil e oitocentos anos antes que ele aparecesse no mundo. Com
efeito, é sabido que os profetas se sucederam uns aos outros, de geração em
geração.
O
que você deseja destacar no texto lido?
Como
o texto serviu para sua espiritualidade?
[1]
Justino alude ao que
conhecemos como "versão dos Setenta". Isso ocorreu no reinado de
Ptolomeu Filadelfo, entre os anos 285-247 a.C. Há, portanto, aqui, um engano de
Justino.
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