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Pais
da Igreja: Vida e Obra
Justino
Mártir (+165)
I Apologia. Capítulos 51-59
51. 1 O Espírito
profético, afim de fazer-nos entender que quem padece essas coisas é de origem
inexplicável e reina sobre seus inimigos, assim disse: "Quem explicará a
sua geração? De fato, sua vida é arrebatada da terra, pelas iniquidades deles
caminha para a morte.
2 Em lugar de
sua sepultura darei os mares e por sua morte os rios, porque ele não cometeu iniquidade
e nem se achou engano em sua boca e o Senhor quer purificá-lo do açoite.
3 Se
oferecerdes pelo pecado, vossa alma verá descendência duradoura.
4 O Senhor
quer afastar a alma dele da fadiga, mostrar-lhe luz, formá-lo na inteligência,
justificar o justo que serviu bem a muitos, e ele mesmo carregará os nossos
pecados.
5 Por isso,
herdará a muitos e repartirá os despojos dos fortes, porque sua alma foi entregue
à morte e por ter sido contado entre os iníquos, por ter carregado os pecados e
ter-se entregue pelas iniquidades deles".
6 Escutai como
foi profetizado que ele deveria subir ao céu.
7 Diz o
seguinte: "Levantai as portas dos céus; abri-vos, portas, para que entre o
rei da glória. Quem é esse rei da glória? O Senhor forte e o Senhor
poderoso"
8 Que ele
também há de vir dos céus com glória, escutai o que sobre isso foi dito pelo
profeta Jeremias.
9 Ele diz
assim: "Eis como um filho de homem vem sobre as nuvens do céu, e seus
anjos com ele.
A dupla vinda de Cristo
52. 1 Como
demonstramos que tudo o que aconteceu até agora foi previamente anunciado pelos
profetas, agora, como em tudo, é necessário também que creiamos no que foi
igualmente profetizado, mas que ainda vai acontecer.
2 Com efeito, do mesmo modo que o acontecido,
antecipadamente anunciado, por mais que não tivesse sido compreendido,
aconteceu; assim também o que ainda falta para ser cumprido, acontecerá, por
mais que não se compreenda nem se creia.
3 Assim é que
os profetas anunciaram duas vindas de Cristo: uma, já cumprida, como homem
desonrado e passível; a segunda, quando virá dos céus acompanhado de seu
exército de anjos, quando ressuscitará também os corpos de todos os homens que
existiram; revestirá de incorruptibilidade os que forem dignos, e enviará os
iníquos, com percepção eterna, ao fogo eterno, junto com os perversos demônios.
4 Vamos
mostrar como foi profetizado que isso deverá acontecer.
5 Foi o
profeta Ezequiel quem disse assim: "Unir-se- á juntura com juntura, osso
com osso, e as carnes voltarão a brotar.
6 E todo
joelho se dobrará diante do Senhor e toda língua o confessará".
7 Escutai o
que foi dito sobre a percepção e o tormento em que se encontrarão os injustos.
8 É o
seguinte: "Seu verme não descansará e seu fogo não se extinguirá".
9 Então eles
se arrependerão, quando de nada mais lhes valerá.
10Sobre o que
dirão e farão os povos dos judeus, quando o virem vir em glória, o profeta
Zacarias disse esta profecia: "Mandarei que os quatro ventos reúnam meus
filhos dispersos, ordenarei ao vento norte que os traga e ao vento sul que não
se oponha.
11Então haverá
grande choro em Jerusalém, não pranto de bocas e lábios, mas pranto de coração;
não rasgarão suas roupas, mas suas almas.
12Cada tribo
baterá no peito, olharão aquele que transpassaram e dirão: Por que, Senhor, nos
desviaste de teu caminho? A glória que nossos pais bendisseram converteu-se em
opróbrio para nós."
Profecia sobre a gentilidade
53. 1
Poderíamos mostrar muitas outras profecias. Entretanto, terminamos essa prova
por aqui, considerando que as citadas são suficientes para convencer aqueles
que têm ouvidos para ouvir e entender, e podem assim precaver-se que não somos
como os que inventam suas fábulas sobre os supostos filhos de Zeus, que nos
contentamos apenas com afirmar, sem termos provas para alegar.
2 De fato, por
que motivo haveríamos de crer que um homem crucificado é o primogênito do Deus
ingênito e que julgará todo o gênero humano, se não encontrássemos testemunhos
sobre ele, publicados antes de ele ter nascido como homem e não os víssemos
literalmente cumpridos:
3 a devastação
da terra dos judeus, homens de todas as raças que creem através do ensinamento
dos apóstolos e recusam seus antigos costumes em cujos erros se criaram e ainda
ao vermos que nós mesmos, procedentes das nações, somos mais numerosos e mais
sinceros cristãos do que os judeus e os samaritanos?
4 Deve-se
saber que o restante de todas as raças humanas são chamadas de nações pelo
Espírito profético; a casta dos judeus e samaritanos, porém, chama-se Israel e
Casa de Jacó.
5 Citarei para
vós a profecia que prediz que os crentes serão em maior número entre aqueles
que procedem da gentilidade do que entre os judeus e samaritamos. Diz assim:
"Alegra-te, estéril, tu que não concebes; rompe e grita de júbilo, tu que
não sofres dores de parto, porque são mais numerosos os filhos da abandonada do
que daquela que tem marido".
6 De fato,
todas as nações que cultuavam obras manufaturadas estavam abandonadas pelo
verdadeiro Deus; mas os judeus e samaritanos, que tinham a palavra de Deus
transmitida pelos profetas e estavam constantemente esperando Cristo, vindo
este, o desconheceram, exceto alguns poucos, dos quais o Espírito profético
havia predito, através de Isaías, que se salvariam.
7 Disse
pessoalmente sobre eles mesmos: "Se o Senhor não nos tivesse deixado
semente, nos teríamos tornado como Sodoma e Gomorra"
8 Moisés conta
que Sodoma e Gomorra foram cidades de homens ímpios que Deus destruiu,
queimando-as com fogo e enxofre, sem que nelas alguém se salvasse, a não ser um
estrangeiro, de origem caldéia, chamado Ló, juntamente com suas filhas.
9 Ainda hoje,
quem quiser, pode ver toda essa terra que continua deserta, calcinada e
estéril.
10 Que os cristãos da gentilidade seriam mais
sinceros e fiéis,
11eis o que
disse o profeta Isaías: "Israel é incircunciso de coração, as nações o são
de prepúcio".
12A
contemplação de tantos fatos pode bem levar razoavelmente à persuasão e à fé os
que amam a verdade, que não seguem a opinião, nem se deixam dominar por suas
paixões.
As fábulas pagãs
54. 1 Ao
contrário, os que ensinam os mitos inventados pelos poetas não podem oferecer
nenhuma prova aos jovens que os aprendem de cor. E nós demonstramos que foram
ditos por obra dos demônios perversos, para enganar e extraviar o gênero
humano.
2 Com efeito,
ouvindo os profetas anunciarem que Cristo viria e que os homens ímpios seriam
castigados através do fogo, colocaram na frente muitos que se disseram filhos
de Zeus, crendo que assim conseguiriam que os homens considerassem as coisas a
respeito de Cristo como um conto de fada, semelhante aos contados pelos poetas.
3 Tudo se
propagou principalmente entre os gregos e outras nações, onde mais os demônios
tinham ouvido, pelo anúncio dos profetas, que se deveria crerem Cristo.
4 Nós
colocaremos às claras que, embora ouvindo o que dizem os profetas, não o
entenderam exatamente, mas parodiaram como charlatães aquilo que se refere a
Cristo.
5 Como já
dissemos, o profeta Moisés é mais antigo do que todos os escritores e por ele,
como já indicamos, foi feita esta profecia: "Não faltará príncipe de Judá,
nem chefe de seus músculos, até que venha aquele a quem está reservado, e ele
será a esperança das nações, amarrando seu jumentinho na sua videira e lavando
sua roupa no sangue da uva".
6 ouvindo
essas palavras proféticas, os demônios disseram que Dioniso tinha sido filho de
Zeus, ensinaram que ele tinha inventado a vinha, introduziram o asno em seus
mistérios e propagaram que ele, depois de ter sido esquartejado, subiu ao céu.
7 Acontece,
porém, que na profecia de Moisés não aparecia com clareza se aquele que devia
nascer seria Filho de Deus, nem se aquele que deveria montar o jumentinho
permaneceria na terra ou subiria ao céu. Por outro lado, o nome de jumentinho,
originariamente pode tanto significar a cria do asno como do cavalo. Assim, não
sabendo se a profecia deveria ser tomada como símbolo de sua vinda montado num
jumentinho de asno ou num potro de cavalo, nem se seria filho de Deus, como
dissemos, ou de homem, os demônios inventaram que, Belerofonte, homem nascido
de homens, subiu ao céu montado no cavalo Pégaso.
8 Como também
ouviram por outro profeta, Isaías, que haveria de nascer de uma virgem e que
por sua própria virtude subiria ao céu, adiantaram-se com a lenda de Perseu.
9 Pela mesma
razão, conhecendo o que fora dito dele nas profecias anteriormente citadas:
"Forte como um gigante para percorrer seu caminho", inventaram um
Hércules forte, que andava peregrinando por toda a terra.
10 Por fim, ao
inteirarem-se que estava profetizado que ele curaria todas as enfermidades e
ressuscitaria mortos, nos trouxeram a fábula de Asclépio.
A cruz desconhecida pelos demônios
55. 1 Todavia,
em nenhum lugar e em nenhum dos supostos filhos de Zeus arremedaram a
crucifixão, por não tê-la entendido, pois, conforme dissemos antes, tudo o que
se refere à cruz foi dito de forma simbólica.
2 Ela é
justamente, como predisse o profeta, o maior símbolo de sua força e de seu
império, como se manifesta ainda pelas mesmas coisas que caem sob os nossos
olhos. Com efeito, considerai se tudo o que existe no mundo pode ser
administrado ou ter comunicação entre si sem essa figura.
3 De fato, não
é possível sulcar o mar se esse troféu de vitória, que aqui se chama vela, não
se mantém de pé no navio; sem ela não se ara a terra; também os cavadores e
artesãos não realizam o seu trabalho sem instrumentos que têm essa figura.
4 A própria
figura humana não se distingue em qualquer outra coisa dos animais irracionais,
senão por ser reta, poder abrir os braços e levar, partindo de frente,
proeminente, o chamado nariz, pelo qual se verifica a respiração do animal, e
que não mostra outra coisa que a forma da cruz.
5 E o profeta
falou desta maneira: "A respiração diante do nosso rosto, Cristo
Senhor".
6 E ainda as
vossas próprias insígnias deixam manifesta a força dessa figura, isto é, vossos
estandartes e troféus de vitória, com os quais em todo lugar realizais as
vossas marchas, mostrando os sinais do império e do poder, até quando o fazeis
sem vos dar conta deles.
7 As próprias
imagens de vossos imperadores, quando morrem, são consagradas por vós com essa
figura, e vós os chamais deuses em vossas inscrições.
8 Uma vez que
os exortamos pelo raciocínio e por uma figura patente, na medida de nossas
forças, daqui por diante nós não nos sentiremos irresponsáveis, mesmo que
continueis incrédulos, pois o que dependia de nós já foi feito e chegou ao fim.
Outra vez Simão mago
56. 1 Os maus
demônios, porém, não se contentaram em inventar antes da aparição de Cristo as
fábulas dos supostos filhos de Zeus. Pelo contrário, tendo aparecido e
conversado com os homens, ficaram sabendo que fora predito pelos profetas que
todos nele creriam e que seria esperado em todas as nações e, por isso, como
dissemos, lançaram outros, como Simão e Menandro, ambos de Samaria, os quais,
realizando prodígios mágicos, enganaram a muitos e ainda os mantêm enganados.
2 E, com
efeito, como já dissemos, estando Simão em Roma, a vossa cidade imperial, no
tempo de Cláudio César, de tal modo ele impressionou o sacro Senado e o povo
romano, que foi tido como deus e honrado com uma estátua como a dos outros que
vós considerais como deuses.
3 Por isso nós
vos suplicamos que o sacro Senado e o povo romano conheçam este nosso escrito,
a fim de que, se houver alguém que ainda esteja enganado pelos ensinamentos
dele, conheça a verdade e fuja do erro.
4 Quanto à
estátua, se quiserdes, derrubai-a.
Não tememos a morte
57. 1 Os
demônios não conseguem convencer que não haverá a conflagração para castigar os
ímpios, do mesmo modo que não conseguiram esconder a Cristo depois que ele
nasceu. A única coisa que conseguem é fazer que aqueles que vivem
irracionalmente e se desenvolvem em meio aos maus costumes, entregues às suas
paixões e seguindo a opinião vã, nos tirem a vida e nos odeiem. Nós, porém, não
só não os odiamos, mas, como é evidente, queremos, por pura compaixão que temos
por eles, persuadi-los a que se convertam.
2 Com efeito,
não tememos a morte quando reconhecemos que se deve absolutamente morrer e nada
de novo acontece nessa ordem de coisas, mas o mesmo de sempre. Se estas
produzem fartura aos que delas usufruem ainda que só por um ano, que prestem
atenção ao nosso ensinamento, para que estejam isentos de dor e de
necessidades.
3Contudo, se
acreditam que não existe nada depois da morte, afirmando que os que morrem
terminam em uma absoluta inconsciência, nesse caso fazem-nos um beneficio ao
livrar-nos dos sofrimentos e necessidades daqui. Mas eles se mostram maus,
inimigos dos homens e seguidores de opinião, pois não nos tiram a vida para nos
libertar, mas nos matam para privarnos da vida e do prazer.
Marcião, inspirado pelo demônio
58. 1 Como
dissemos antes, os maus demônios também lançaram à frente Marcião do Ponto, que
agora ensina a negar o Deus criador de tudo o que é celeste e terrestre, assim
como a Cristo, Filho de Deus, que foi anunciado pelos profetas, e prega não
sabemos qual outro deus fora do criador de todas as coisas, assim como outro
filho seu.
2 Muitos lhe
deram fé, como se ele fosse o único que conhece a verdade, e zombam de nós,
apesar de não terem nenhuma prova do que dizem, mas, sem qualquer razão, são
presa de doutrinas ímpias e dos demônios, como cordeiros arrebatados pelo lobo.
3 De fato, os
chamados demônios em nada despedem tanto empenho como em afastar os homens de
Deus Criador e de Cristo, seu primogênito. Para isso, àqueles que são capazes
de levantar da terra, eles os prenderam e continuam prendendo ao terreno e às
obras de mãos dos homens, e aos que se lançam à contemplação do divino, se não
possuem uma fala discreta e limpa e uma vida isenta de paixão, preparam-lhes a
armadilha para lançá-los à impiedade.
Platão, discípulo de Moisés
59. 1 De
nossos mestres também, isto é, do Verbo que falou pelos profetas, Platão tomou
o que disse sobre Deus ter criado o mundo, transformando uma matéria
informe.Para convencer-nos disso, escutai o que disse literalmente Moisés, o
primeiro dos profetas, anteriormente já citado, mais antigo do que os
escritores gregos. Por meio dele, dando-nos a entender de que maneira e com
quais elementos Deus fez o mundo no princípio, o Espírito profético assim
disse:
2 "No princípio, Deus fez o céu e a
terra.
3 A terra era
invisível e informe, as trevas ficavam por cima do abismo e o Espírito de Deus
pairava sobre as águas.
4 E Deus
disse: ‘Faça-se a luz'. E a luz foi feita" .
5 Consequentemente,
todo o mundo foi feito pela palavra de Deus a partir de elemento preexistente,
antes indicado por Moisés, coisa que tanto Platão como os que seguem as suas
doutrinas aprenderam, e também nós a aprendemos, e vós podeis persuadir-vos
disso.
6 E mesmo
aquilo que entre os poetas se chama "Érebo" ou abismo, sabemos que já
fora dito antes por Moisés.
O
que você deseja destacar no texto lido?
Como
o texto serviu para sua espiritualidade?