terça-feira, 26 de junho de 2018

53 - Teófilo de Antioquia (†181) Segundo Livro a Autólico (Capítulo 18 - 22)


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53
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Teófilo de Antioquia (†181)
Segundo Livro a Autólico (Capítulo 18 - 22)


Capítulo XVIII – O ensinamento dos autores sacros sobre antropologia
Quanto à criação do homem, não há palavra humana que possa expressar a sua grandeza, ainda que a narração da Escritura divina seja tão breve. Com efeito, o fato de que Deus diga: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” dá, antes de tudo, a entender a dignidade do homem. De fato, tendo Deus feito o universo por sua palavra, considerou tudo como coisa acessória e julgou como obra eterna digna de sua criação somente a criação do homem. Além disso, Deus se apresenta como se precisasse de ajuda, pois diz: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”, mas não diz a ninguém essa palavra “Façamos”, a não ser a seu próprio Verbo e à sua Sabedoria.
Tendo feito o homem e tendo-o abençoado para que se multiplicasse e enchesse a terra, submeteu a ele todas as coisas para que o servisse, ordenou que desde o princípio se alimentasse com os frutos da terra, sementes, ervas e árvores e que os animais fossem seus comensais, os quais também deveriam comer todas as sementes da terra.

Capítulo XIX – O ensinamento dos autores sacros sobre antropologia (cont.)
19. Tendo Deus terminado, no sexto dia, o céu, a terra, o mar e tudo o que nele existe, no sétimo dia descansou de todas as obras que fizera. Em seguida, a divina Escritura recapitula assim: “Este é o livro da origem do céu e da terra, quando existiu o dia em que Deus fez o céu e a terra, toda verdura do campo antes de nascer, toda erva do campo antes de brotar, pois Deus não havia feito chover sobre a terra e não havia homem para cultivar a terra”. Com essas palavras nos dá a entender que, naquele tempo, toda a terra era rega da por uma fonte divina e o homem não tinha necessidade de cultivá-Ia, pois, por mandamento de Deus, ela brotava espontaneamente, a fim de que o homem não se fatigasse trabalhando-a.
Para mostrar-nos a formação do homem e para que não parecesse um problema insolúvel aos homens Deus ter dito: “Façamos o homem” e não nos ter mostrado sua criação, a Escritura nos ensina, dizendo: “E uma fonte subia da terra e regava toda a face da terra, e Deus formou o homem do pó da terra, e lhe insuflou alento de vida em seu rosto, e o homem foi feito alma vivente. É por isso que a alma é chamada imortal. Depois de ter formado o homem, Deus escolheu um lugar pelas bandas do Oriente, excelente por sua luz, iluminado por um ar mais brilhante, adornado com as mais belas plantas, e aí Deus colocou o homem.

Capítulo XX – Descrição do paraíso / Criação da mulher
Este é o relato da história sagrada, conforme a Escritura: “Deus plantou um jardim no Éden, no Oriente, e aí colocou o homem que formara. E Deus fez brotar da terra toda árvore formosa à vista e saborosa ao paladar, e a árvore da vida no meio do paraíso, e a árvore da ciência do bem e do mal. Do Éden saía um rio para regar o jardim e a partir daí se dividia em quatro braços. Um se chamava Fison e é este aquele que rodeia toda a terra de Hévila, onde existe o ouro. O ouro dessa terra é bom, e aí também se encontra o carvão e a pedra ônix. O segundo rio se chama Geon e é aquele que rodeia toda a terra da Etiópia. O terceiro rio é o Tigre, que corre diante dos assírios. O quarto rio é o Eufrates. E o Senhor Deus tomou o homem a quem formara e o colocou no jardim para que o cultivasse: ‘Comerás de toda árvore do jardim, mas não comerás da árvore da ciência do bem e do mal, pois no dia em que dela comerdes, morrereis de morte’. E o Senhor Deus disse: ‘Não é bom que o homem esteja só; façamos para ele uma ajuda que lhe seja semelhante’. E Deus plasmou então da terra todas as feras do campo e todas as aves do céu e as apascentou diante de Adão. O nome com que Adão chamou a toda alma vivente, esse é o seu nome. E Adão pôs nomes em todos os animais, em todas as aves do céu e em todas as feras do campo; mas não se achou para Adão ajuda que lhe fosse semelhante. Então Deus fez cair sobre Adão um êxtase e um sono profundo, tomou uma de suas costelas e preencheu de carne o lugar vazio. E o Senhor Deus construiu a costela tirada de Adão em forma de mulher e a apresentou a Adão. Adão disse: ‘Isto sim é osso de meus ossos e carne de minha carne; esta se chama mulher, porque foi tirada do homem. Por isso, o homem abandonará seu pai e sua mãe, juntar-se-á com sua mulher e serão dois em uma só carne’. E os dois, Adão e sua mulher, estavam nus e não se envergonhavam.

Capítulo XXI – Retomada de Gênesis sobre a tentação e queda de Adão e Eva
A serpente, porém, era a mais astuta de todas as feras sobre a terra que o Senhor Deus fizera. A serpente disse à mulher: ‘Como é que Deus disse: Não comas de toda árvore do jardim?’ A mulher disse à serpente: ‘Nós comemos de toda árvore do jardim; mas a respeito do fruto da árvore que está no meio do paraíso, Deus nos disse: Não comais dele, nem o toqueis para que não morrais’. A serpente disse à mulher: ‘Não morrereis de morte. É que Deus sabia que no dia em que dele comerdes vossos olhos se abrirão e sereis como deuses, conhecendo o bem e o mal.’ E a mulher viu que a árvore era boa para comer, agradável aos olhos para ver e preciosa para entender; então, tomando de seu fruto, comeu e deu também a seu marido; eles comeram e os olhos de ambos se abriram, perceberam que estavam nus, colheram folhas de figueira e fizeram cinturões para si. Então ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim depois do meio-dia, e Adão e sua mulher se esconderam da face de Deus no meio da árvore do paraíso. O Senhor Deus chamou Adão e lhe disse: ‘Onde estás?’ Adão respondeu: ‘Ouvi tua voz no jardim e temi, pois estava nu, e me escondi’. Deus disse: ‘Quem te disse que estavas nu, senão que comeste da única árvore que te mandei não comeres?’ Adão disse: ‘A mulher que me destes, foi ela que me deu da árvore e eu comi’. Então Deus disse à mulher: ‘Por que fizeste isso?’ A mulher respondeu: ‘A serpente me enganou e eu comi’. O Senhor Deus disse à serpente: ‘Porque fizeste isso serás maldita entre todas as feras da terra. Caminharás sobre teu peito e sobre teu ventre, e comerás terra todos os dias de tua vida. Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela: ela esmagará a tua cabeça e tu lhe morderás o calcanhar’. E disse à mulher: ‘Multiplicarei muito as tuas tristezas e o teu gemido; darás à luz a teus filhos na dor, estarás voltada para teu marido e ele te dominará’. E disse a Adão: ‘Porque ouviste a voz de tua mulher e comeste da única árvore que te mandei não comer, a terra será maldita em teus trabalhos, a cultivarás na tristeza todos os dias de tua vida; ela produzirá espinhos e cardos para ti e comerás a erva do campo. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto até que voltes para a terra de onde foste tirado, porque és terra e à terra retornarás”. Esse é o relato da santa Escritura sobre a história do homem e do jardim.

Capítulo XXII – Retomada de Gênesis sobre a tentação e queda de Adão e Eva (cont.)
Agora me dirás: “Tu dizes que Deus não deve estar circunscrito a nenhum lugar. Como agora dizes que Deus passeava no jardim?” Ouve minha resposta. Deus, o Pai do universo, é imenso e não está limitado a um lugar, pois não existe lugar para seu descanso. O seu Verbo, porém, pelo qual ele fez todas as coisas, sendo sua potência e sabedoria, tomando a figura do Pai e Senhor do universo, foi ele que se apresentou no jardim em figura de Deus e conversava com Adão. De fato, a própria divina Escritura nos ensina que Adão disse ter ouvido a sua voz. Que outra coisa é essa voz senão o Verbo de Deus, que é também seu Filho? Filho não à maneira como poetas e mitógrafos dizem que nascem filhos dos deuses por união carnal, mas como a verdade explica que o Verbo de Deus está sempre imamente no coração de Deus. Porque antes de criar alguma coisa, o tinha por conselheiro, pois era sua mente e pensamento. E quando Deus quis fazer tudo o que havia deliberado, gerou esse Verbo proferido, como primogênito de toda criação, não esvaziando-se de seu Verbo, mas gerando o Verbo e conversando sempre com ele. Por isso, as santas Escrituras e todos os portadores do espírito nos ensinam, dentre as quais João diz: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus”, dando a entender que no princípio existia apenas Deus e nele o seu Verbo. Depois diz: “E Deus era o Verbo. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito.” Portanto, sendo o Verbo Deus e nascido de Deus, quando o Pai do universo quer, ele o envia a algum lugar e, chegando aí, ele é ouvido e visto, pois é enviado por ele e se encontra em algum lugar.


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terça-feira, 19 de junho de 2018

52 - Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra Teófilo de Antioquia (†181)


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52
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Teófilo de Antioquia (†181)
Segundo Livro a Autólico (Capítulo 12 – 17)


Capítulo XII – Cosmologia bíblica
Ninguém pode explicar de modo digno a obra dos seis dias, nem traçar sua economia completa, mesmo que tivesse mil bocas e mil línguas; mesmo que vivesse mil anos na presente vida, nem assim seria capaz de dizer algo digno dela, por causa da soberana grandeza e riqueza da sabedoria de Deus, que estão contidas nesta descrição da obra de seis dias. Certamente muitos escritores a imitaram e quiseram dar-lhe uma explicação; contudo, mesmo tomando esse ponto de partida, eles não exprimiram senão uma centelha digna da verdade, seja a respeito do mundo, seja sobre a natureza do homem. As explicações dos filósofos, historiadores e poetas parecem dignas de crédito porque estão adornadas de bela expressão; contudo, no fundo, vê-se que são néscias e vazias, pois contêm apenas uma multidão de bobagens e nelas não é dito nem sequer uma sombra de verdade. E se parece que dizem algo de verdadeiro, acha-se misturado com o erro. Como um veneno mortal, ao qual se mistura mel, vinho ou qualquer outra coisa, torna tudo prejudicial e inútil, assim também se percebe que a verbosidade deles é pura inanidade, ou melhor, prejuízo para aqueles que nela crêem.
Alguma coisa ainda sobre o sétimo dia, sobre o qual todos os homens falam, mas cuja razão a maior parte desconhece. De fato, o que os hebreus chamam de sábado significa em grego sétimo dia, nome que todo o gênero humano lhe dá, sem saber, porém, por que assim é chamado. O que o poeta Hesíodo diz, afirmando que do Caos nasceu o Érebo, a Terra e o Amor, que domina, segundo ele, a todos, seja deuses, seja homens, é dito de maneira vazia e fria e totalmente alheia à verdade. Com efeito, Deus não deve se deixar vencer pelo prazer, quando até os homens temperantes se abstêm de todo prazer vergonhoso e de todo mau desejo.

Capítulo XIII – Cosmologia bíblica (cont.)
Além disso, ao começar o relato da criação pelas coisas da terra, aqui de baixo, Hesíodo tem pensamento puramente humano, baixo, fraco para ser aplicado a Deus. É o homem que, sendo daqui de baixo, começa a construir pela terra, e logicamente não pode pôr o telhado antes de ter assentado os alicerces. O poder de Deus, porém, se manifesta antes de tudo em fazer as coisas do nada e depois fazer como quiser. De fato, o que é impossível para os homens é possível para Deus. Por isso, o profeta diz que antes foi criado o céu, que tem forma de teto, dizendo: “No princípio, Deus fez o céu”, isto é, que o céu foi feito pelo Princípio, conforme dissemos antes. De certo modo, chama a terra de solo e alicerce, e de abismo à imensidão das águas, e também de trevas, porque o céu, criado por Deus, cobria como uma tampa tanto as águas como a terra. O espírito, que se mantinha sobre a água, o qual Deus deu para animação da criação, como deu a alma ao homem, misturando o sutil com o sutil- pois o espírito é sutil e a água também o é -, para que o espírito alimente a água, e a água, com o espírito, alimente a criação, penetrando-a por todas as partes. Esse único espírito, ocupando o lugar da luz, se mantinha entre a água e o céu, a fim de que, de certa maneira, as trevas não se comunicassem com o céu, que está mais próximo de Deus, antes que Deus dissesse: “Faça-se a luz”. Assim, o céu, como uma abóbada, continha a matéria, semelhante a uma bola. Com efeito, outro profeta, chamado Isaías, falando a respeito do céu, disse: “Este é o Deus que fez o céu como uma abóbada e o estendeu como uma tenda para nele habitar”.
Assim, a ordenação de Deus, isto é, seu Verbo, brilhando como uma lâmpada em casa fechada, iluminou a terra subceleste por uma criação fora do mundo. E Deus chamou à luz dia e à noite trevas, pois o homem certamente não teria sabido chamar à luz dia, nem à noite trevas, como também não saberia dar nome às demais coisas, se não tivessem recebido seus nomes de Deus, que as criou. No começo da história e da criação, a Escritura santa não falou desse firmamento que vemos, e sim de outro céu invisível para nós; só depois o nosso céu visível se chamou firmamento. Nele está recolhida metade das águas, para fornecer à humanidade chuvas, tempestades e orvalhos; a outra metade foi deixada na terra para os rios, fontes e mares. Assim, quando a água ainda cobria a terra, principalmente nos lugares baixos, Deus fez, através de seu Verbo, com que a água se reunisse em um só lugar e que a parte seca se tornasse visível, pois no princípio era invisível. A terra tornada visível estava ainda informe. Deus lhe deu forma e a adornou com toda espécie de ervas, sementes e plantas.

Capítulo XIV – Cosmologia bíblica (cont.)
Além disso, considera a diversidade que há nessas coisas, sua variada beleza e multidão, e como, através deles, se nos manifesta a ressurreição, sendo prova daquela que um dia se realizará em todos os homens. De fato, se refletes bem, quem não se admirará que de uma semente minúscula de figo se forme uma figueira e que de outras peque ninas sementes nasçam árvores enormes?
O mundo também nos oferece semelhança com ornar. Assim como o mar teria secado há muito tempo por causa de seu sal se não houvesse afluência dos rios e fontes que lhe fornecem alimento, de modo semelhante o mundo, se não tivesse recebido a lei de Deus e os profetas, que fazem correr para ele fontes de doçura, misericórdia e justiça e mantêm o ensinamento dos santos mandamentos de Deus, também já teria perecido por causa da maldade e do pecado que nele se multiplica. Do mesmo modo que no mar existem ilhas habitáveis, com água e vegetação, enseadas e portos para refúgio durante as tempestades, assim Deus deu ao mundo, em meio às tormentas e ondas de pecados, os lugares de reunião, as chamadas igrejas santas, nas quais, como nas ilhas de portos acolhedores, se encontramos ensinamentos da verdade, nas quais se refugiam os que querem salvar-se, tornados amantes da verdade e decididos a fugir da cólera e do julgamento de Deus. Há, porém, outras ilhas rochosas, sem água nem vegetação, repletas de feras, inabitáveis, para dano dos navegantes e náufragos, onde os navios atracam e perecem os que e elas descem; do mesmo modo, há também doutrinas que extraviam, isto é, as das heresias, que levam à perdição aqueles que aderem a elas. Porque não se guiam pelo Verbo da verdade, mas à maneira dos piratas que, enchendo os navios, os atracam em recifes para arruiná-las. Assim acontece com aqueles que se extraviam da verdade, que acabam perecendo por causa do erro.

Capítulo XV – Cosmologia bíblica (cont.)
No quarto dia foram criados os luzeiros. Deus, que sabe tudo de antemão, sabia as bobagens que os vãos filósofos iriam dizer, com intenção de eliminar a Deus: que tudo quanto nasce na terra se deve ao influxo dos elementos. Por isso, para que a verdade ficasse clara, as plantas e as sementes foram criadas antes dos elementos, pois o posterior não pode produzir o que é anterior.
Os luzeiros contêm o exemplo e símbolo de um grande mistério, pois o sol é símbolo de Deus e a lua o é do homem. Como o sol difere muito da lua em poder e glória, assim Deus é muito diferente da humanidade; como o sol permanece sempre cheio e não diminui, assim Deus permanece sempre perfeito, repleto de poder, inteligência, sabedoria, imortalidade e de todos os bens. Em troca, a lua perece cada mês, e de certo modo, morre, e é símbolo de como é o homem; depois torna a nascer e cresce, para demonstrar a ressurreição futura.
Igualmente os três dias que precedem a criação dos luzeiros são símbolo da Trindade, de Deus, de seu Verbo e de sua Sabedoria. No quarto símbolo está o homem, que necessita de luz. Assim temos: Deus, Verbo, Sabedoria, Homem. É também por isso que os luzeiros foram criados no quarto dia.
Por outro lado, a disposição dos astros representa a economia e a ordem dos justos e piedosos, que guardam a lei e os mandamentos de Deus. Com efeito, os astros mais visíveis e brilhantes representam os profetas; por isso permanecem fixos, não mudando de um lugar para outro. Aqueles que ocupam o segundo grau de brilho são tipo do povo dos justos; por fim, os que mudam e passam de um lugar para outro, os chamados planetas, são símbolo dos homens que se afastam de Deus, abandonando sua lei e seus mandamentos.

Capítulo XVI – Cosmologia bíblica (cont.)
No quinto dia foram criados os animais que procedem das águas, pelas quais e nas quais se mostra a multiforme sabedoria de Deus. De fato, quem seria capaz de enumerar sua quantidade e a variedade de suas variadíssimas espécies? Além disso, o que foi criado das águas por Deus foi abençoado por ele, para que isso servisse de prova sobre o que os homens deveriam receber: penitência e remissão dos pecados através da água e banho de regeneração, todos os que se aproximam da verdade, renascem e recebem a bênção de Deus.
Os monstros marinhos e as aves carnívoras são símbolo dos avarentos e transgressores. De fato os animais aquáticos e aves, embora sendo de uma única natureza, alguns permanecem no que é conforme a natureza, sem prejudicar aos mais fracos, guardam a lei de Deus e se alimentam das sementes da terra; outros transgridem a lei de Deus, comendo carne, e prejudicam os mais fracos. De modo semelhante, os justos, guardando a lei de Deus, não mordem nem causam dano a ninguém, vivendo santa ejustamente; mas os ladrões, assassinos e ateus assemelham-se aos monstros marinhos, às feras e aves carnívoras, pois de certo modo engolem os mais fracos.

Capítulo XVII – Cosmologia bíblica (cont.)
No sexto dia, Deus fez os quadrúpedes, as feras e os répteis da terra, mas não se fala da bênção correspondente, guardando-a para o homem, que criaria no mesmo sexto dia. Assim, os quadrúpedes e feras se tornaram tipo de alguns homens que desconhecem a Deus, que são ímpios e não fazem penitência. De fato, os que se convertem de suas iniqüidades e vivem justamente voam como aves em sua alma, sentindo as coisas de cima e agradando à vontade de Deus; mas os que desconhecem a Deus e vivem de modo ímpio são parecidos com essas aves, que tem asas e não podem voar, nem subir até a altura da divindade. De modo semelhante, estes se chamam homens, mas sentem o que é baixo e terreno, pois estão pesados por causa de seus pecados. Quanto às feras, elas se chamam assim por causa da sua ferocidade, não porque desde o princípio fossem más ou venenosas, pois nada do que é mau foi criado por Deus desde o princípio; ao contrário, tudo era bom e até muito bom, mas o pecado do homem as tornou más. Quando o homem se tornou transgressor, elas também transgrediram. É como numa casa: se o senhor se comporta bem, os domésticos não têm outro remédio a não ser comportar-se bem; contudo, se o senhor peca, os servidores pecam junto com ele. Da mesma forma, quando o homem, que é o senhor, pecou, também os animais, seus escravos, pecaram com ele. Portanto, quando o homem voltar a viver conforme a natureza e não agir mal, também os animais serão estabelecidos em sua mansidão original.

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sexta-feira, 8 de junho de 2018

IX Reunião da OSFE - Biografia de Francisco de Assis Tomás de Celano 1 Celano - Segundo Livro - Capítulos 1 - 3


IX Reunião da OFSE

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Biografia de Francisco de Assis
Tomás de Celano
1Celano -  Segundo Livro - Capítulos 1 - 3



Breve Cronologia de Francisco de Assis

1181/82 - Nascimento de Giovanni di Pietro (Pai) di Bernardone (avô).
1202 - Guerra entre Perusa e Assis.
1204 - Longa doença.
1205 - parte para a guerra na Apúlia, no sul.Volta após visão e mensagem de Espoleto.
1205 - mensagem do crucifixo de São Damião.
1206 – questão perante o bispo Dom Guido II. Em Gúbio, perto de Assis, cuida dos leprosos.
1208 - 24 de fevereiro: ouve o evangelho da missa de São Matias, na Porciúncula, sobre a missão Apostólica.
1209 - Francisco escreve a “forma de vida” a regra que o Senhor o havia inspirado. Na primavera, viaja a Roma com seus onze companheiros, e o papa Inocêncio III, aprova de forma verbal seu modo de vida. Regressam a Assis e permanecem em Rio Torto. Mudam-se depois  para a Porciúncula
1212 –na noite do domingo de Ramos, a nobre jovem Clara di Favarone foge de casa e é recebida na Porciúncula.
1220 - O Cardeal Hugolino é nomeado o protetor da Ordem.
1220 –Francisco entrega o governo da Ordem a Frei Pedro Cattani, como seu vigário.
1223 – 29 de novembro : Honório III aprova, com bula papal, a Regra definitiva, ainda hoje em vigor.
24/25 de dezembro: na noite de Natal, Francisco celebra a festa em Greccio, junto a um presépio.
1224 – 15 de agosto a 29 de setembro: Francisco, com Frei Leão e Frei Rufino, passa no Alverne, preparando-se com uma quaresma de oração e jejum. Em setembro, tem a visão do Serafim alado e recebe os estigmas.
1225 - Recebe a promessa de vida eterna. Depois de uma noite dolorosa, atormentado pela dor e por ratos, compõe o Cântico do Irmão Sol.
1226 – 3 de outubro, à tarde : Francisco cantando “mortem suscepit” (morreu cantando).

Começa o segundo livro, que narra apenas os dois últimos anos e a morte feliz de nosso bem-aventurado
Pai.

CAPÍTULO 1. Teor desta parte. Morte ditosa do Santo. Seu exemplo de perfeição.

88. Na primeira parte de nossa obra, que com a graça de Deus levamos a bom termo, escrevemos tudo que pudemos para narrar a vida e os atos de nosso bem-aventurado pai São Francisco até o décimo oitavo ano de sua conversão.
Nesta parte, consignaremos com brevidade os outros fatos dos últimos dois anos de sua vida, conforme nos foi possível averiguar. Queremos anotar só os pontos mais necessários, para que os outros que desejem contar alguma coisa tenham sempre a possibilidade de fazê-lo.
No ano de 1226 da Encarnação do Senhor, domingo, dia 4 de outubro, em Assis, sua terra, e na Porciúncula, onde fundara a Ordem dos Frades Menores, tendo completado vinte anos de perfeita adesão a Cristo e de seguimento da vida apostólica, nosso bem aventurado pai Francisco saiu do cárcere do corpo e voou todo feliz para as habitações dos espíritos celestiais, terminando com perfeição o que tinha empreendido.
Seu santo corpo foi exposto e reverentemente sepultado com hinos de louvor nessa mesma cidade, onde brilha em seus milagres para a glória do Todo-Poderoso. Amém.

89. Tendo recebido pouca ou nenhuma instrução no caminho do Senhor e em seu conhecimento desde a adolescência, passou algum tempo na ignorância natural e no ardor das paixões, mas foi justificado de seu pecado por uma intervenção da mão de Deus, e pela graça e virtude do Altíssimo foi cumulado com a sabedoria de Deus mais do que todos os homens que viveram em seu tempo.
Em meio do aviltamento não parcial mas geral em que jazia a pregação do Evangelho por causa dos costumes daqueles que o pregavam, ele foi enviado por Deus como os apóstolos, para dar testemunho da verdade em todo o mundo. E foi assim que o seu ensinamento mostrou com evidência que a sabedoria do mundo era loucura, e em pouco tempo, sob a orientação de Cristo, mudou os homens para a sabedoria de Deus pela simplicidade de sua pregação.
Como um dos rios do paraíso, este novo evangelista dos últimos tempos irrigou o mundo inteiro com as fontes do Evangelho e pregou com o exemplo o caminho do Filho de Deus e a doutrina da verdade. Nele e por ele, o mundo conheceu uma alegria inesperada e uma santa novidade: a velha árvore da religião viu reflorir seus ramos nodosos e raquíticos. Um espírito novo reanimou o coração dos escolhidos e neles derramou a unção de salvação ao surgir o servo de Cristo como um astro no firmamento, irradiando santidade nova e prodígios inauditos.
Por ele renovaram-se os antigos milagres, quando foi plantada no deserto deste mundo, com um sistema novo mas à maneira antiga, a videira frutífera, que dá flores com o suave perfume das santas virtudes e estende por toda parte os ramos da santa religiosidade.

90. Embora fraco como qualquer um de nós, Francisco não se contentou com a observância dos preceitos comuns, mas, cheio de ardente caridade, partiu pelo caminho da perfeição, atingiu o cume da santidade e contemplou o termo de toda realização.
É por isso que todas as classes, sexos e idades têm nele uma prova evidente da doutrina salutar e também um exemplo preclaro de todas as boas obras. Os que pretendem empreender coisas de valor e aspiram aos carismas melhores do caminho da perfeição podem olhar no espelho de sua vida e aprender tudo que é melhor. Os que pretendem coisas mais humildes e simples, com medo das dificuldades e da montanha, também podem encontrar nele conselhos adaptados ao seu nível. Mesmo os que desejam apenas sinais e milagres podem buscar sua santidade e alcançarão o que desejam.
Sua vida gloriosa faz brilhar a santidade dos santos antigos com uma luz mais clara. Prova cabal é seu amor à paixão de Jesus Cristo e a sua cruz. De fato, nosso pai venerável foi marcado nas cinco partes do corpo pelo sinal da paixão e da cruz, como se tivesse sido pregado na cruz com o Filho de Deus. Este sacramento é grande e indica a grandeza de seu particular amor. Mas acreditamos que exista nesse fato um plano oculto, um mistério escondido, que só Deus conhece e que o próprio santo só revelou a uma pessoa, e em parte. Por isso, não adianta insistir muito em elogios, porque seu louvor vem daquele que é o louvor de todas as coisas, fonte de toda glória e que concede os prêmios da luz. Bendigamos a Deus que é santo, verdadeiro e glorioso, e continuemos a história.

CAPÍTULO 2. O maior desejo de São Francisco. Compreende a vontade de Deus a seu respeito ao abrir o livro

91. Certa ocasião, o bem-aventurado e venerável pai São Francisco afastou-se das multidões que todos os dias acorriam cheias de devoção para vê-lo e ouvi-lo e procurou um lugar calmo, secreto e solitário para poder se entregar a Deus e limpar o pó que pudesse ter adquirido no contacto com as pessoas.
Costumava dividir o tempo que tinha recebido para merecer a graça de Deus e, conforme a oportunidade, consagrar uma parte ao auxílio do próximo e outra à contemplação no retiro.
Por isso levou consigo muito poucos companheiros, os que melhor conheciam sua vida santa, para que o protegessem da invasão e da perturbação das pessoas, e para que preservassem com amor o seu recolhimento.
Passado algum tempo nesse lugar e tendo conseguido, por uma oração contínua e uma contemplação frequente, uma inefável familiaridade com Deus, teve vontade de saber o que o Rei eterno mais queria ou podia querer dele. Buscava com afã e desejava com devoção saber de que modo, por que caminho e com que desejos poderia aderir com maior perfeição ao Senhor Deus segundo a inspiração e o beneplácito de sua vontade. Essa foi sempre a sua mais alta filosofia, seu maior desejo, em que ardeu enquanto durou sua vida: gostava de perguntar aos simples e aos sábios, aos perfeitos e aos imperfeitos como poderia chegar ao caminho da verdade e atingir metas cada vez mais elevadas.

92. Embora fosse perfeitíssimo entre os mais perfeitos, não o reconhecia e se julgava absolutamente imperfeito. Já tinha provado e visto como é doce, suave e bom o Deus de Israel para os que são retos de coração e o procuram na verdadeira simplicidade.
Doçura e suavidade, que a tão poucos são dadas mas que a ele tinham sido infundidas do alto, arrancavam-no de si mesmo e lhe davam tanto prazer que desejava de qualquer maneira passar de uma vez para o lugar onde uma parte dele já estava vivendo.
Possuindo o espírito de Deus, estava pronto a suportar todas as angústias, a tolerar todas as paixões, contanto que lhe fosse dada a possibilidade de cumprir-se nele, misericordiosamente, a vontade do Pai celestial.
Dirigiu-se um dia ao altar construído na ermida em que estava e, com toda a reverência, depositou sobre ele o livro dos Evangelhos.
Depois, prostrado em oração, não menos com o coração do que com o corpo, pediu humildemente que o Deus de bondade, Pai das misericórdias e Deus de toda consolação, se dignasse mostrar-lhe sua vontade. E para poder levar a termo perfeito o que tinha começado com simplicidade e devoção, suplicou a Deus que lhe indicasse o que era mais oportuno fazer logo que abrisse o livro pela primeira vez. Imitava, assim, o exemplo de outros homens santos e perfeitos que, conforme lemos, levados por sua devoção no desejo da santidade, tinham procedido semelhantemente.

93. Terminada a oração, levantou-se com espírito humilde e ânimo contrito, fez o sinal da santa cruz, tomou o livro do altar e o abriu com reverência e temor. A primeira coisa que se lhe deparou ao abrir o livro foi a paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, no ponto que anunciava as tribulações por que deveria passar. Mas, para que ninguém pudesse suspeitar de que isso tivesse acontecido por acaso, abriu o livro mais duas vezes, e encontrou a mesma coisa ou algo parecido. Cheio do Espírito Santo, compreendeu que deveria entrar no reino de Deus depois de passar por muitas tribulações, muitas angústias e muitas lutas.
Mas o valente soldado não se perturbou com a guerra iminente nem desanimou de enfrentar os combates do Senhor nas fortalezas deste mundo. Não temeu sucumbir ao inimigo, ele que não cedia nem a si mesmo, apesar de ter sustentado por muito tempo fadigas superiores a todas as forças humanas. Estava cheio de fervor e, se houve no passado alguém que o igualasse nos bons propósitos, ainda não se encontrou ninguém que o igualasse no desejo. Porque também tinha mais facilidade para fazer as coisas perfeitas do que para louvá-las, e empenhou esforço e ação nas boas obras, não apenas nas palavras. Por isso estava sempre alegre e tranquilo, entoando no coração cânticos de júbilo para si mesmo e para Deus.
Também mereceu uma revelação maior, ele que tanto se alegrara com coisas bem menores, como o servo fiel nas coisas pequenas que foi colocado acima de outras maiores.

CAPÍTULO 3. Aparição do Serafim crucificado

94. Dois anos antes de entregar sua alma ao céu, estando no eremitério que, por sua localização, tem o nome de Alverne, Deus lhe deu a visão de um homem com a forma de um Serafim de seis asas, que pairou acima dele com os braços abertos e os pés juntos, pregado numa cruz. Duas asas elevavam-se sobre a cabeça, duas abriam-se para voar e duas cobriam o corpo inteiro.
Ao ver isso, o servo do Altíssimo se encheu da mais infinita admiração, mas não compreendia o sentido. Experimentava um grande prazer e uma alegria enorme pelo olhar bondoso e amável com que o Serafim o envolvia. Sua beleza era indizível, mas o fato de estar pregado na cruz e a crueldade de sua paixão atormentavam-no profundamente.
Levantou-se triste e alegre ao mesmo tempo, se isso se pode dizer, alternando em seu espírito sentimentos de gozo e de padecimento.
Tentava descobrir o significado da visão e seu espírito estava muito ansioso para compreender o seu sentido. Estava nessa situação, com a inteligência sem entender coisa alguma e o coração avassalado pela visão extraordinária, quando começaram a aparecer-lhe nas mãos e nos pés as marcas dos quatro cravos, do jeito que as vira pouco antes no crucificado.

95. Suas mãos e seus pés pareciam atravessados bem no meio pelos cravos, sobressaindo as cabeças no interior das mãos e em cima dos pés, e as pontas do outro lado. Os sinais eram redondos nas palmas das mãos e longos no lado de fora, deixando ver um pedaço de carne como se fossem pontas de cravo entortadas e rebatidas, saindo para fora da carne. Havia marcas dos cravos também nos pés, ressaltadas na carne. No lado direito, que parecia atravessado por uma lança, estendia-se uma cicatriz que frequentemente soltava sangue, de maneira que sua túnica e suas calças estavam muitas vezes banhadas naquele sangue bendito.
Infelizmente, foram muito poucos os que mereceram ver a ferida sagrada do seu peito, enquanto viveu crucificado o servo do Senhor crucificado!
Feliz foi Frei Elias, que teve algum jeito de vê-la durante a vida do santo. Não menos afortunado foi Frei Rufino, que a tocou com suas próprias mãos. Porque, num dia em que lhe friccionava o peito, sua mão escorregou casualmente para o lado direito e tocou a preciosa cicatriz. A dor que o santo sentiu foi tão grande que afastou a mão e gritou pedindo a Deus que o poupasse.
Pois tinha muito cuidado em esconder essas coisas dos estranhos, e ocultava-as mesmo dos mais chegados, de maneira que até os irmãos que eram seus companheiros e seguidores mais devotados não souberam delas por muito tempo.
E o servo e amigo do Altíssimo, embora se visse ornado com joias tão importantes como pedras preciosíssimas e assim destacado espetacularmente acima da glória e da honra de todos os homens, não se desvaneceu em seu coração nem procurou por causa disso comprazer-se em alguma vanglória. Pelo contrário, para que o favor humano não lhe roubasse a graça recebida, procurou escondê-la de todos os modos possíveis.

96. Tinha decidido não revelar a quase ninguém o seu segredo extraordinário, temendo que, como costumam fazer os privilegiados, contassem a outros para mostrar como eram amigos, e isso resultasse em detrimento da graça que tinha recebido. Por isso guardava sempre em seu coração e repetia aquela frase do profeta: "Escondi tuas palavras em meu coração, para não pecar contra ti".
Tinha até combinado um sinal com seus irmãos e filhos: quando queria interromper a conversa de pessoas de fora que o visitavam, recitava aquele versículo e eles tratavam de despedi-las delicadamente.
Sabia por experiência como fazia mal contar tudo a todos e que não pode ser homem espiritual quem não possui em seu coração outros segredos, mais profundos do que os que podem ser lidos no rosto e julgados por qualquer pessoa. Tinha percebido que algumas pessoas concordavam com ele por fora e discordavam por dentro, aplaudiam na frente e riam-se por trás, levando-o a julgar os outros e até a suspeitar de pessoas irrepreensíveis.
Infelizmente, muitas vezes deixamos de acreditar na sinceridade de poucos porque a maldade procura denegrir o que é puro e porque a mentira se tornou natural para a maioria.

CAPÍTULO 4. Fervor de São Francisco. Sua doença dos olhos.

97. Por esse tempo, seu corpo começou a padecer diversas doenças, mais graves do que as que já sofrera. Ele sempre tivera alguma enfermidade, pois tinha castigado duramente o corpo, por muitos anos, para reduzi-lo à servidão. Durante dezoito anos completos, seu corpo não tivera quase nenhum descanso, pois tinha andado por várias e extensas regiões, lançando por toda parte as sementes da palavra de Deus com aquele espírito decidido, devoto e fervente que nele residia. Tinha enchido a terra inteira com o Evangelho de Cristo: num só dia chegava a passar por quatro ou cinco povoados, ou mesmo cidades, anunciando a todos o Reino de Deus, e edificando os ouvintes tanto pela palavra como pelo exemplo, pois toda a sua pessoa era uma língua que pregava.
Sua carne estava tão de acordo e obedecia de tal forma ao seu espírito que, enquanto ele procurava atingir a santidade, o corpo não só não impedia mas até corria na frente, de acordo com o que está escrito: "Minha alma teve sede de vós, e o meu corpo mais ainda". A sujeição já era tão costumeira que se tornara voluntária, e pela humilhação diária tinha conquistado toda essa virtude, porque muitas vezes o hábito passa a ser uma segunda natureza.

98. Mas, como é uma lei inelutável da natureza e da condição humana que o homem exterior vá perecendo cada dia, enquanto a interioridade se renova sem cessar, aquele vaso preciosíssimo, em que estava o tesouro escondido, começou a ceder por todos os lados e a se ressentir da perda de forças. Entretanto, "quando o homem crê estar no fim, é então que começa", seu espírito se tornava mais disposto na medida em que a carne estava mais fraca.

 Tão vivo era seu zelo pela salvação das almas e tão grande sua sede pelo bem do próximo que, quando não podia mais andar, percorria as terras montado num jumento.
Os frades lhe pediam constantemente que desse um pouco de alívio ao corpo enfermo e tão debilitado, recorrendo ao auxílio dos médicos. Mas ele, com seu nobre espírito voltado para o céu, desejando apenas dissolver-se para estar com Cristo, recusava-se terminantemente a isso. Entretanto, como não tinha completado em sua carne o que faltava na paixão de Cristo, embora carregasse no corpo os seus estigmas, teve uma grave moléstia dos olhos, como se nele Deus quisesse multiplicar sua misericórdia.
A doença crescia cada vez mais e parecia aumentar dia a dia pela falta de cuidado. Frei Elias, a quem escolhera como sua mãe e colocara como pai dos outros frades, acabou obrigando-o a aceitar o remédio pelo nome do Filho de Deus, por quem tinha sido criado, de acordo com o que está escrito: "O Senhor fez sair da terra os remédios, e o homem sensato não os rejeita". Então o santo pai acedeu de bom grado e obedeceu com humildade aos que o aconselhavam.

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Santuário do Monte Alverne - Lugar dos Estigmas.

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segunda-feira, 4 de junho de 2018

51 - Teófilo de Antioquia (†181) Segundo Livro a Autólico (Capítulo 8 - 13)


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51
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Teófilo de Antioquia (†181)
Segundo Livro a Autólico (Capítulo 8 - 11)



Capítulo VIII – As contradições dos escritores profanos (cont.)
Para que prosseguir enumerando a multidão dessas denominações e genealogias? Concluindo, todos os chamados historiadores, poetas e filósofos se enganam de todos os modos, e o mesmo acontece com aqueles que lhes dão atenção. Com efeito, escreveram apenas contos, ou melhor, tolices sobre seus deuses. Não demonstraram que são deuses, mas homens, alguns bêbados, outros dissolutos e assassinos.
Da mesma forma, o que disseram sobre a origem do mundo é contraditório e sem valor. Em primeiro lugar, alguns afirmaram que o mundo é incriado, corno antes notamos, e os que disseram que o mundo é incriado e que a natureza é eterna estão em contradição com aqueles que têm por dogma a criação. Com efeito, falaram tudo isso por conjecturas e imaginação humana, e não conforme a verdade. Uns disseram que existe providência e outros lançaram por terra as doutrinas destes. Arato, por exemplo, diz: “Comecemos por Zeus, a quem nós, homens, jamais devemos deixar sem nomear, pois todas as ruas estão cheias de Zeus e também todas as praças dos homens, e cheios estão o mar e os portos; em todo lugar nos valemos todos de Zeus. E somos da sua mesma raça. Ele é benigno para com os homens, com augúrios favoráveis, e desperta as pessoas para o trabalho, recordando-lhes a vida. Ele nos diz quando a terra é melhor para os bois e para as enxadas; diz-nos qual é a melhor estação, seja para recolher feixes, seja para lançar toda semente.”
Em quem vamos crer? Em Arato ou em Sóflocles, que diz: “Não existe em nada providência clara; o melhor é viver ao acaso, cada um corno puder.” Homero, porém, não concorda com este, pois diz: “Zeus aumenta ou diminui o valor dos homens”. E Simônides: “Ninguém recebeu valor sem os deuses, nenhuma cidade, nenhum mortal; Deus é a inteligência universal, enquanto nada está sem defeito nos mortais”. O mesmo diz Eurípides: “Sem Deus não existe nada para os homens”. E Menandro: “Além de Deus, ninguém cuida de nós”. E de novo Eurípides: “Quando agrada a Deus salvar-nos, ele nos dá muitas ocasiões de salvação.” E Téstio: “Se Deus quer, tu te salvarás, mesmo que navegues sobre uma esteira”.
Com sentenças infinitas não como essas, eles não concordam em suas declarações. Sófocles, que em outra passagem fala contra a providência, agora diz: “O mortal não pode se esquivar dos golpes divinos”. De outro lado, algumas vezes apresentam uma multidão de deuses, outras falam do poder de um só; os que afirmam que existe providência são contraditos por aqueles que afirmam a improvidência. E daí Eurípides confessa: “Nós nos afanamos em muitas coisas por causa de nossas esperanças trabahando em vão, sem nada saber ao certo”.
Mesmo sem querer, eles confessam que não conhecem a verdade. São os demônios que os inspiram, que os fazem dizer o que lhes inspiram.
Os poetas, como Homero e Hesíodo, não são, como dizem, inspirados pelas musas, para fazer palavreados, conforme as divagações da imaginação? Aí não há um espírito puro, mas enganador. Prova clara disso temos em que às vezes os endemoninhados, e há casos até hoje, conjurados em nome do Deus verdadeiro, confessaram que os espíritos do erro são demônios, os mesmos que agiram em outros tempos sobre os poetas. Algumas vezes, porém, certos poetas tiveram a alma livre desses demônios e falaram coisas no mesmo sentido que os profetas, a fim de que servissem de testemunho para eles e para todos os homens a respeito do poder de um só Deus, do seu julgamento e do resto que disseram.

Capítulo IX – Os autores sacros
Em troca, os homens de Deus, que foram portadores de um espírito santo e profetas, recebendo de Deus inspiração e sabedoria, tomaram-se discípulos de Deus, e santos e justos. Por isso foram considerados dignos de receber a recompensa de se converterem em instrumento de Deus e terem parte em sua sabedoria. É sob a influência dessa sabedoria que falaram sobre a criação do mundo e sobre tudo o mais. Também profetizaram sobre pestes, fomes e guerras. E os profetas não foram um ou dois, mas muitos que, conforme as circunstâncias, se encontraram entre os hebreus, como também entre os gregos a Sibila, e todos disseram coisas que concordam entre si, tanto sobre os acontecimentos anteriores a eles, como sobre aqueles que sucederam depois e ainda os acontecimentos do seu tempo e os que se realizam entre nós no presente. Também estamos persuadidos de que assim acontecerá com as coisas que estão por vir do mesmo modo que se realizaram antes.

Capítulo X – Ensinamento dos autores sacros sobre cosmologia (cosmologia é o estudo da criação do mundo).
Em primeiro lugar, eles estão de acordo em nos ensinar que do nada Deus tirou todas as coisas. Com efeito, nada foi coetâneo com Deus: ele próprio é o seu lugar, não conhece a necessidade e é anterior a todas as coisas. Mas ele quis criar o homem, que o conheceu. Finalmente, foi para o homem que ele preparou o mundo, pois aquele que é criado tem necessidades; mas o incriado de nada necessita.
Tendo Deus o seu Verbo imanente em suas próprias entranhas, gerou-o com a sua própria sabedoria, emitindo-o antes de todas as coisas. Teve este Verbo como ministro da sua criação e por meio dele fez todas as coisas. Este se chama Princípio, pois é Príncipe e Senhor de todas as coisas por ele feitas. Este, portanto, que é espírito de Deus e Princípio e Sabedoria e Força do Altíssimo, desceu sobre os profetas, e por meio deles falou sobre a criação do mundo e tudo o mais. De fato, não existiam profetas quando o mundo era feito; existia, porém, a sabedoria que nele estava, e o seu Verbo santo, que sempre estava presente a ele. Daí ele dizer por meio do profeta Salomão: “Quando ele preparava o céu, eu estava com ele, e quando ele afirmava os alicerces da terra, eu estava junto dele, harmonizando tudo”.
Moisés, que viveu muitos anos antes de Salomão, ou melhor, o Verbo de Deus, que se serve dele como instrumento, diz: “No princípio fez Deus o céu e a terra”. Suas primeiras palavras são para o princípio e a criação, e depois acrescenta o nome de Deus, porque não se deve tomar o nome de Deus em vão ou sem motivo. A sabedoria divina sabia antecipadamente que alguns iriam dizer tolices e dar o nome de Deus a muitas coisas que não têm ser. Portanto, para que o verdadeiro Deus fosse conhecido por suas obras e para que se saiba que em seu Verbo Deus fez o céu e a terra e tudo o que eles contêm, disse: “No princípio fez Deus o céu e a terra”. Depois, a respeito da sua criação, ele nos explica: “A terra era invisível e informe, as trevas estavam sobre o abismo, e um espírito de Deus pairava acima da água”.
É assim que se inicia o ensinamento da Escritura divina: como foi criada e nascida de Deus uma matéria, com a qual Deus fez e formou o mundo.

Capítulo XI – Ensinamento dos autores sacros sobre cosmologia (cont.)
O começo da criação foi a luz, porque é ela que manifesta o ornamento da criação. Por isso diz: “E disse Deus: ‘Haja luz’, e a luz se fez. E Deus viu que a luz era boa”. -Evidentemente, foi criada como coisa boa para o homem. -“Colocou uma separação entre a luz e as trevas, e Deus chamou a luz dia e as trevas chamou noite. Houve uma tarde e houve uma manhã: um dia. E disse Deus: ‘Haja um firmamento no meio da água e separe entre água e água. E assim se fez. E fez Deus o firmamento e colocou uma separação entre a água que estava por cima do firmamento e a água que estava por baixo do firmamento. E Deus chamou o firmamento céu. E Deus viu que era bom. Houve tarde e houve manhã: segundo dia. E disse Deus: ‘Reúna-se a água que está debaixo do céu numa só reunião, e apareça a terra seca’. E assim se fez. A água se reuniu em suas reuniões, e a terra seca apareceu. E chamou Deus a terra seca terra e as reuniões de águas chamou mares. E Deus viu que era bom. E Deus disse: ‘Que a terra faça brotar toda erva verdejante, produzindo semente conforme a sua espécie e semelhança, e árvores frutíferas que produzam frutos, que tragam em si a sua semente conforme a sua semelhança’. E assim se fez. A terra produziu erva verdejante que produz semente conforme a sua espécie, e árvores frutíferas que produzem frutos, que trazem em si sua semente conforme a sua espécie, sobre a terra. E Deus viu que era bom. Houve tarde e houve manhã: terceiro dia.
E disse Deus: ‘Haja luzeiros no firmamento do céu para iluminar a terra e para separar o dia e a noite, e servir como sinais para as estações, para os dias e para os anos, e para iluminar no firmamento do céu e para brilhar sobre a terra’. E assim se fez. E Deus fez os dois grandes luzeiros, o luzeiro maior para governar o dia, e o luzeiro menor para governar a noite, e também as estrelas. E Deus os colocou no firmamento do céu, para iluminar a terra e governar o dia e a noite, e colocar uma separação entre a luz e as trevas. E Deus viu que era bom. Houve tarde e houve manhã: quarto dia.
E disse Deus: ‘Que as águas produzam répteis de alma vivente e aves que voam sobre a terra debaixo do firmamento do céu’. E assim se fez. E Deus fez os monstros grandes do mar, e toda alma dos animais que se arrastam, que as águas produziram conforme suas espécies, e todo volátil alado segundo a sua espécie. E Deus viu que era bom. E Deus os abençoou, dizendo: ‘Crescei e multiplicai-vos e enche i as águas do mar, e que as aves se multipliquem sobre a terra’. Houve tarde e houve manhã: quinto dia.
E disse Deus: ‘Que a terra produza alma vivente conforme a sua espécie, quadrúpedes e répteis e feras da terra segundo a sua espécie’. E assim se fez. E Deus fez as feras da terra conforme a sua espécie e os animais segundo a sua espécie, e todos os répteis da terra. E Deus viu que era bom. E disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem e semelhança, e que ele comande os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, toda a terra e todos os répteis que rastejam sobre a terra’. E Deus fez o homem, à imagem de Deus o fez, homem e mulher os fez. E os abençoou, dizendo: ‘Crescei e multiplicai-vos; enchei a terra e dominai-a, ordenai aos peixes do amar, às aves do céu, a todos os animais, a toda a terra e a todos os répteis que se arrastam sobre a terra’. E Deus disse: Vede! Eu vos dei toda planta que traz semente, que espalha semente sobre toda a terra e toda árvore que tem fruto com semente, para que vos sirvam de alimento, e a todos os animais da terra, a todas as aves do céu e a todo réptil que se arrasta sobre a terra, que tem em si alento de vida, toda erva verde para alimento’. E assim se fez. E Deus viu tudo o que ele havia feito; e eis que isso era muito bom. Houve uma tarde e uma manhã: sexto dia. E o céu e a terra foram terminados, juntamente com todo o seu ornamento. E Deus terminou no sexto dia as obras que fizera, e descansou no sétimo dia de todas as obras que fizera. E Deus abençoou o sétimo dia e o santificou, porque nele descansou de todas as obras que Deus começara afazer.”

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