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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Teófilo de Antioquia (†181)
Segundo Livro a Autólico (Capítulo 28 - 35)
Capítulo XXVIII – O ensinamento
dos autores sagrados sobre a história da humanidade
Adão
foi expulso do jardim e nessas condições ele conheceu a sua esposa Eva, que
Deus havia feito de sua costela para que fosse sua mulher. Não porque não
pudesse plasmar a mulher separadamente, mas porque sabia de antemão que os
homens haveriam de nomear uma multidão de deuses. Sendo presciente e sabendo
que o erro haveria de nomear, através da serpente, uma multidão de deuses
-embora não havendo mais do que um Deus, já desde aquele tempo o erro pensava
em semear subrepticiamente multidão de deuses, dizendo: “Sereis como deuses”
-para que não se pudesse imaginar que um Deus fez o homem e outro fez a mulher,
fez os dois de uma única criação. Entretanto, Deus fez junto a mulher não só para
mostrar o mistério de sua monarquia e unicidade, mas também para lhes mostrar
maior benevolência. Depois que Adão disse a Eva: “Esta sim é osso dos meus
ossos e carne da minha carne”, profetizou mais dizendo: “Por isso o homem
deixará seu pai e sua mãe e juntar-se-á à sua mulher, e os dois serão uma só
carne”. Isso se vê que se cumpre em nós mesmos. Com efeito, quem, legitimamente
casado, não abandona sua mãe e seu pai, toda a sua parentela e todos os seus
familiares, apegando-se e unindo-se à sua mulher, a qual quer acima de todos?
Sabe-se que houve aqueles que sofreram até à morte por amor a suas esposas.
Esta
Eva, por ter sido extraviada desde o princípio pela serpente e por ter-se
tornado guia do pecado, o demônio perverso, que também se chama Satã e que lhe
falou então através da serpente, nomeia esta Eva em seus gritos até hoje,
quando age nos homens por ele possuídos. O demônio também se chama dragão, por
ter-se afastado de Deus, pois no princípio foi um anjo. Teria muito que falar
sobre este. Agora, porém, deixemos de lado sua explicação, pois já tratamos
dele em outros discursos.
Capítulo XXIX – O ciúme de Caim
Quando
Adão conheceu a sua mulher Eva, esta concebeu e deu à luz um filho chamado
Caim. E disse: “Tive um homem por meio de Deus”. Novamente deu à luz um filho,
chamado Abel, que era pastor de ovelhas, enquanto Caim cultivava a terra. A
história dos dois irmãos é muito longa para adaptá-Ia à situação de minha
exposição; por isso, o próprio livro que se chama Origem do mundo pode informar
os estudiosos a respeito de seus pormenores.
Satanás,
vendo que Adão e Eva não só viviam, mas geravam filhos, foi tomado de inveja
por não ter podido levá-Ios à morte. Vendo que Abel era agradável a Deus, agiu
sobre seu irmão Caim e fez com que este matasse seu irmão Abel. Assim começou a
existir a morte neste mundo, que faz caminho até hoje por todo o gênero humano.
Deus, porém, sendo compassivo e querendo dar a Caim, como a Adão, ocasião de
penitência e confissão, disse: “Onde está o teu irmão Abel?” Caim, desconfiado
de Deus, respondeu: “Não sei. Por acaso sou guarda do meu irmão?” Irritado
contra ele, Deus disse: “Por que fizeste isso? A voz do sangue de teu irmão
clama da terra a mim. Agora, tu és maldito da terra, que se abriu para receber
de tua mão o sangue de teu irmão. Ficarás gemendo e tremendo sobre a terra.”
Por isso, a partir daí, a terra temerosa já não recebe o sangue do homem, nem
de nenhum animal, manifestando assim que ela não é culpada, mas que o homem é
transgressor.
Capítulo XXX – Início da
construção da cidade
Caim
também teve um filho, chamado Henoc. E edificou urna cidade, à qual chamou de
Henoc, o nome de seu filho. Então teve início a construção de cidades, antes do
dilúvio, e não corno Homero mente, dizendo: “Porque ainda não havia sido
construída cidade de míseros homens.” Henoc teve um filho chamado Gaidad, o
qual gerou Meel, Meel gerou Matusala e Matusala gerou Lamec. Lamec tornou para
si duas mulheres, cujos nomes eram Ada e Sela. Daí começou a poligamia e também
a música. De fato, Lamec teve três filhos: Obel, Jubal e Tobel. Obel foi
pastor, habitando em tendas; Jubal foi o inventor do saltério e da cítara;
Tobel foi ferreiro, trabalhando com martelo em bronze e ferro. Até aqui chega a
lista da descendência de Caim, que é esquecida daqui para frente, por ter ele
matado o seu irmão.
Para
substituir Abel, Deus concedeu a Eva que concebesse e gerasse outro filho, que
se chamou Set, do qual procede todo o gênero humano até hoje. Aos que desejam e
têm vontade de conhecer todas as outras gerações, é fácil mostrar para eles nas
santas Escrituras. Nósjá tratamos em outra parte corno indicamos acima, da
formação das genealogias no primeiro livro Sobre as histórias.
O
Espírito Santo nos ensina tudo isso por intermédio de Moisés e dos outros
profetas, de modo que os nossos livros dos que adoramos a Deus, são mais
antigos e sobretudo mais verdadeiros que os de todos os historiadores e poetas.
Eles fantasiam que foi ApoIo o inventor da música; outros que foi Orfeu,
dizendo que ele inventou a música tomando-a do canto das aves. Vê-se, porém,
que é tudo palavrório vão e sem fundamento, pois esses nasceram muitos anos
depois do dilúvio. Quanto a Noé, que é chamado Deucalião por alguns, tratamos a
respeito dele no livro antes mencionado, no qual, se te agrada, podes tu mesmo
ler.
Capítulo XXXI – Início da
construção da cidade (cont.)
Depois
do dilúvio, novamente recomeçaram a existir cidades e reis do seguinte modo: a
primeira cidade foi Babilônia, Orec, Arcat e Calana, na terra de Senaar, e seu
rei se chamava Nebrot. Destas saiu Assur, que deu nome aos assírios. Nebrot
construiu as cidades de Nínive, Roboom, Calac e Dasen (esta entre Nínive e
Calac). No início, Nínive foi uma grande cidade. Outro filho de Sem, filho de
Noé, chamado Mesraim, gerou os Ludomim, os que se chamam Enemiguim, os Labiim,
os Neptalim, os Patrosinim e os Caslonim, de onde saíram os Filistiim. Dos
filhos de Noé e de sua consumação e genealogia fizemos um resumo no livro
anteriormente citado. Recordaremos agora o que ali foi omitido sobre cidades e
reis, assim como acontecimentos do tempo em que havia uma só e mesma língua.
Antes das línguas se dividirem, existiram as cidades anteriormente descritas.
No tempo em que iam se dividir, decidiram, por própria conta e não segundo
Deus, edificar uma cidade e uma torre, cujo topo chegasse até o céu, para
adquirir fama gloriosa. Como se atreveram a empreender tão grande obra contra o
conselho de Deus, Deus atirou por terra a cidade deles e arrasou a torre. A
partir disso, ele mudou as línguas dos homens e deu fala diferente a cada um. A
própria Sibila indicou isso, anunciando a ira que deveria vir ao mundo: “Mas
quando se cumprirem as ameaças do grande Deus, que um dia ameaçara os mortais,
quando construiram a torre na terra da Assíria… tinham todos a mesma língua e
quiseram subir até o céu estrelado. Nesse momento, o Imortal impulsionou
fortemente os ares, e os ventos derrubaram a grande torre elevada, semeando a
discórdia nas fileiras dos mortais. Depois que a torre caiu, as línguas humanas
se dividiram nas muitas falas dos mortais.” E o resto.
Isso
aconteceu na Caldéia. Em Canaã houve uma cidade chamada Carran. Nesse tempo, o
primeiro rei do Egito foi o faraó, que, segundo os egípcios, se chamava também
Necaot. E assim foram os outros reis que lhe sucederam. Na terra de Senaar,
entre os chamados caldeus, o primeiro rei foi Arioc; depois deste, veio outro
chamado Elasar, depois Codolagomor, rei de Elam; depois deste, Targal, rei dos
povos que se chamam assírios. Houve outras cinco cidades no território de Cam,
filho de Noé: a primeira se chamava Sodoma; e as outras, Gomorra, Adama, Seboim
e Balac, também chamada Segor. Os nomes de seus reis são: Balas, rei de Sodoma;
Barsas, rei de Gomorra; Senaar, rei de Adama; Himor, rei de Seboin; Balac, rei
de Segor, que também se chama Balac. Esses ficaram submetidos a Codolagomor,
rei dos assírios, durante doze anos. E no décimo terceiro ano se separaram de
Codolagomor. E assim aconteceu que os quatro reis dos assírios fizeram guerra
contra os cinco reis. Este foi o começo das guerras sobre a terra. Derrotaram
os gigantes Caranain e com eles nações fortes, os omeus na mesma cidade, e os
correus nos montes chamados Seir até a cidade chamada Terebinto de Farã, que
está no deserto. Nesse mesmo tempo, havia um rei justo chamado Melquisedec, na
cidade de Salém, que agora se chama Hierosólima. Este foi o primeiro de todos
os sacerdotes do Altíssimo e dele a cidade de Jerusalém recebeu o nome, aquela
que antes chamamos Hierosólima. Depois de Melquisedec, podemos ver que houve
sacerdotes por toda a terra. Depois dele, reinou Abimelec em Gerara, e depois
outro Abimelec. Depois reinou Efrom, também chamado Queteu. São esses os nomes
desses primeiros reis; os nomes dos outros reis dos assírios, que vieram muitos
anos depois, foram omitidos pela crônica. Dos nossos últimos tempos,
recordam-se os reis da Assíria: Teglafasar, depois Salamanasar e depois
Senacarim. Este último teve como triarca Adramalec, o etíope, que também foi
rei do Egito. Contudo, tudo isso, comparado com as nossas Escrituras, é coisa
muito recente.
Capítulo XXXII – Início da
construção da cidade (cont.)
Daí
se podem julgar as histórias dos estudiosos e amantes da antiguidade, pois são
recentes os últimos fatos a que aludimos sem utilizar os santos profetas. Em
todo caso, no início eram poucos os homens que habitavam a terra da Arábia e da
Caldéia e foi apenas depois da divisão das línguas que começaram, em seus
territórios, a ser muitos e a multiplicar-se por toda a terra. Então alguns
foram viver no Oriente e outros foram para os territórios do grande continente
e para o Norte, de modo que se estenderam até a Bretanha, nas regiões árticas;
outros foram para a terra de Canaã, também chamada Judéia e Fenícia, para os
territórios da Etiópia, Egito e Líbia, e para a chamada zona tórrida, até as
regiões do Ocidente. Outros ocuparam a terra que vai da costa e da Panfília, da
Ásia, Grécia, Macedônia e, mais além, a Itália e as chamadas Gálias, Espanhas e
Germânias, de modo que agora toda a terra está cheia de seus habitantes.
Portanto,
o povoamento da terra pelos homens se fez, no princípio, em três direções, para
o Oriente, para o meio-dia e para o Ocidente. Depois, com o afluxo de gerações
humanas, foi habitado o restante. Os historiadores ignoraram isso e querem
dizer que o mundo é esférico e comparável com um cubo! Mas como podem ser
verdadeiros nisso, se ignoram a criação do mundo e seu povoamento? Quando os
homens aumentaram e se multiplicaram conforme as regiões, como acabamos de
dizer, também foram povoadas as ilhas do mar e as outras regiões.
Capítulo XXXIII – Comparação das
duas histórias
Quem
dos chamados sábios, poetas e historiadores foi capaz de dizer a verdade nessas
coisas? Eles próprios são muito posteriores e introduzem uma multidão de
deuses, que também nasceram depois de muitos anos que as cidades tinham sido
fundadas. E também são posteriores aos reis, aos povos e às guerras. Seria
preciso que tivessem mencionado tudo, mesmo o que aconteceu antes do dilúvio,
sobre a criação do mundo, a formação do homem e o que aconteceu depois, se é
fato que os profetas dos egípcios ou os caldeus e outros historiadores falaram
pelo espírito divino e puro, e era verdade o que eles anunciavam. E não só
deveriam dizer-nos o passado e o presente, mas também anunciar de antemão o
futuro do mundo. Daí se demonstra que todos os outros estão errados e que só
nós, cristãos, possuímos a verdade, pois somos ensinados pelo Espírito Santo,
que nos falou pelos santos profetas e nos anuncia tudo antecipadamente.
Capítulo XXXIV – Comparação das
duas histórias (cont.) / O ensinamento dos autores sagrados sobre moral
Quanto
ao resto, procura investigar com empenho as coisas de Deus, isto é, o que os
santos profetas disseram, a fim de que, comparando o que nós dizemos e o que os
outros dizem, possas encontrar a verdade. Que os nomes dos chamados deuses são
apenas nomes de homens, como já apontamos antes, podemos demonstrá-lo pelas
histórias que eles próprios escreveram. Quanto às suas imagens, que são
fabricadas diariamente até hoje, são meros ídolos, “obras de mãos humanas”.
Esses ídolos são cultuados por uma multidão de homens insensatos, enquanto
desprezam o Criador e Artífice do Universo, que alimenta todo o ser que
respira, acreditando em inúteis ensinamentos e transmitindo uns aos outros, de
pai para filho, uma doutrina errônea, cheia de insensatez.
Deus,
porém, Pai e Criador do universo, não abandonou a humanidade, mas deu-lhe uma
lei e lhe enviou seus santos profetas, para anunciar e ensinar todo o gênero
humano, a fim de que cada um de nós viva vigilante e conheça que há um só Deus.
Também nos ensinaram a nos afastarmos da sacrílega idolatria, do adultério, do
assassínio, da fornicação, do roubo, da avareza, do perjúrio, da mentira, da
ira e de toda dissolução e impureza. E que aquilo que o homem não quer que
façam a ele, também ele não faça a ninguém. Dessa forma, ele deve praticar a
justiça, para escapar dos castigos eternos e se tornar digno da vida eterna que
vem de Deus.
Capítulo XXXV – O ensinamento dos
autores sagrados sobre moral
A
lei divina não proíbe apenas adorar aos ídolos, mas também aos elementos, ao
sol, à lua e aos demais astros; também não se deve cultuar o céu, a terra,
ornar, as fontes, os rios, mas deve-se servir unicamente o Deus verdadeiro e
Criador do universo, com santidade de coração e intenção sincera. Com efeito, a
lei santa diz: “Não cometerás adultério, não matarás, não roubarás, não
levantarás falso testemunho, não desejarás a mulher do teu próximo.” Do mesmo
modo os profetas. Salomão nos ensinou que não se deve pecar nem por sinais ou
piscar de olhos: “Que teus olhos vejam o que é direito, que tuas pálpebras se
inclinem sobre o que é justo.” Moisés, que também é profeta, diz sobre a uni
cidade de Deus: “Este é O vosso Deus, aquele que firmou o céu e alicerçou a
terra, cujas mãos mostraram toda a milícia celeste, mas não a mostou para que
caminheis atrás dela.” Isaías também diz: “Assim diz o Senhor, ele que firmou o
céu e colocou os alicerces da terra e de tudo o que ela contém, ele que dá
respiração ao povo sobre ela e alento para os que a pisam. Este é o Senhor
vosso Deus.” O próprio Isaías diz ainda: “Diz o Senhor: Eu fiz a terra e o
homem sobre ela; com minha mão firmei o céu”. E em outro capítulo: “Este é o
vosso Deus, aquele que preparou os cumes da terra; não terá fome, nem se
fatigará, nem é possível encontrar a profundeza de seu pensamento.” Do mesmo
modo Jeremias: “Aquele que fez a terra com a sua força, que levantou o orbe com
a sua sabedoria, que segundo o seu pensamento estendeu o céu e grande
quantidade de água no céu, reuniu as nuvens dos confins da terra, fez relâmpagos
para a chuva e tirou os ventos de seus depósitos.”
Cumpre
notar que os profetas disseram coisas bem coerentes e concordes, falando todos
com um só e mesmo espírito sobre a monarquia de Deus, a origem do mundo e a
criação do homem. E não só falaram, mas também sofreram dor, chorando sobre o
gênero humano alheio a Deus, denunciaram os sábios aparentes pelo erro em que
viviam e endurecimento do coração deles. Assim diz Jeremias: “Todo homem se
tornou néscio por sua ciência, todo fundidor de ouro se cobriu de vergonha por
suas obras de ourivesaria, em vão o cunhador de prata cunha moeda; não há
alento neles; perecerão no dia da visitação.” Davi também diz a mesma coisa:
“Corromperam-se e se tornaram abomináveis em suas obras; não há quem realize
obras boas, não há um só. Todos se desviaram, todos unanimemente se tornaram
inúteis.” Igualmente Habacuc: “Para que serve ao homem o que ele grava? Ele
gravou uma imaginação mentirosa. Ai daquele que diz à pedra: ‘Levanta-te’, e à
madeira: ‘Sustém-te’.”
Do mesmo modo falaram os outros
profetas da verdade. Para que enumerar toda a multidão de profetas, que foram
muitos e disseram infinitas coisas, coerentes e concordes entre si? Os que
quiserem podem, lendo seus escritos, conhecer exatamente a verdade e não
extraviar-se em especulação e trabalho inútil. Portanto, esses foram os
profetas dos hebreus, dos quais falamos: homens iletrados, pastores e
ignorantes.
·
O que desejo destacar no texto?
·
Como este texto serviu para a
minha espiritualidade?
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