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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Irineu de Lyon (130-202)
Demonstração
da Pregação Apostólica (Cap. 15-22)
A
primeira Lei
15. Mas por
temor de que o homem cultivasse pensamentos de grandeza e se exaltasse,
como se não houvesse um Senhor, pela
autoridade que lhe foi concedida e pela liberdade de acesso a Deus, e ficasse contra
Deus, o seu Criador, desconfiando e comprazendo-se consigo mesmo, e assumisse
atitudes arrogantes contra Deus, esse lhe impôs uma lei, para que reconhecesse
ter por Senhor o Senhor do universo. Deus, então, lhe impôs certos limites, de
modo que se observasse o preceito de Deus, e permanecesse sempre como era, ou
seja, imortal; mas, se não o observasse, se tornaria mortal, destinado a dissolver-se
naquela terra, da qual foi tomado o seu corpo. Eis o preceito: “Podes comer de
todas as árvores do Jardim. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás,
porque, no dia em que dela comeres, terás que morrer”.
Satanás
envolvido na queda do homem
16. O homem não
observou esse preceito e desobedeceu a Deus, enganado por aquele anjo, que,
ciumento do homem e invejoso dos muitos favores cumulados por Deus, arruinou a
si próprio e fez do homem um pecador, induzindo-o a transgredir o preceito de
Deus. O anjo, tornado por causa de sua mentira chefe e guia do pecado, foi ele mesmo
golpeado por ter ofendido a Deus e provocado a queda do homem do Jardim. E, pois,
por causa do seu comportamento, se rebelou e se afastou de Deus, foi chamado em
hebraico Satanás, ou seja, rebelde. Mas é também chamado caluniador. Deus,
então, amaldiçoou a serpente, que havia sido o disfarce do diabo; maldição que
alcançou o próprio animal e o anjo escondido nele, Satanás. E ao homem, [Deus]
o expulsou da sua presença, mandando-o habitar então no caminho que conduz ao
Jardim, pois o Jardim não admite o pecador.
Primeira
experiência da ausência de Deus. Caim e Abel
17. Expulsos do
Jardim, Adão e sua mulher, Eva, fizeram experiência de muitas tribulações
físicas e espirituais, e viveram neste mundo na tristeza, na fadiga e nos lamentos.
Sob os raios do sol, o homem arava a terra e essa lhe produzia, castigado pelo pecado,
espinhos e ervas daninhas. Então se cumpriu a Escritura: “O homem conheceu Eva,
sua mulher; ela concebeu e deu à luz Caim [...] depois ela deu também à luz
Abel, irmão de Caim”. Mas o anjo rebelde, que induziu o homem à desobediência, tornando-o
um pecador e causando-lhe a expulsão do Jardim, não satisfeito com a primeira
empresa, arquitetou uma outra com relação aos irmãos. Caim, imbuído de seu espírito,
se fez um fratricida. Abel morreu assassinado pelo irmão, vindo, assim, a significar
que, dali para diante, alguns seriam perseguidos, atormentados e mortos, enquanto
os malvados matariam e perseguiriam os justos. Por isso, Deus se encolerizou terrivelmente,
amaldiçoou Caim, e, desde então, todos os descendentes na linha de sua sucessão
foram semelhantes a seu progenitor. Deus, depois, fez com que Adão tivesse outro
filho em substituição ao assassinato de Abel.
A
mudança total dos valores humanos. Os gigantes e a arte da sedução
18. A maldade,
que se expandiu continuamente, alcançou e inundou todo o gênero humano, a tal
ponto que pouquíssimos traços de justiça sobreviveram entre os homens. Por
isso, na terra ocorriam uniões ilegítimas: os anjos se uniam com a descendência
feminina dos homens e [essas] deram à luz filhos que pelo extraordinário
tamanho foram chamados gigantes. Então, esses anjos deram de presente às suas
mulheres doutrinas perversas: ensinaram os poderes das plantas e das ervas, a
arte das tintas e dos cosméticos, a descoberta das substâncias preciosas, os
filtros mágicos, os ódios, os amores, as paixões, as seduções de amor, as
cadeias mágicas, todo gênero de adivinhações e de idolatria odiados por Deus.
Uma vez que entraram no mundo, o mal se expandiu até transbordar, e a justiça
diminuiu até quase desaparecer.
O
dilúvio
19. Por fim,
quando veio sobre o mundo o justo juízo de Deus, na décima geração, contando
desde o primeiro homem, unicamente Noé foi encontrado justo e, graças à sua própria
justiça, foi salvo com sua mulher, seus três filhos e suas mulheres, colocados
na arca com os animais que Deus havia ordenado a Noé nela introduzir. Quando a destruição
se aproximava da terra, sobre os homens e os seres vivos, se salvaram apenas os
que estavam na arca. Os três filhos de Noé eram Sem, Cam e Jafé, e sua estirpe voltou
a multiplicar-se. Essa é a origem de todos os nascidos depois do dilúvio.
As
bênçãos e maldições na família de Noé
20. Dentre os
filhos de Noé, um deles caiu em maldição, enquanto os outros dois herdaram a
bênção pelas suas obras. O mais jovem deles, de fato, chamado Cam porque riu
dos seus pais, tornou-se culpado do pecado de impiedade por afrontar e ofender
o pai, e atraiu a maldição que se transmite a toda a sua descendência. Resultou
que toda a sua descendência foi amaldiçoada, e nesse pecado cresceu e se
multiplicou. Ao contrário, Sem e Jafé, seus irmãos, pela piedade pelo seu
genitor, obtiveram a bênção. Eis os termos da maldição lançada por Noé sobre
Cam: “Maldito seja Canaã! Que ele seja, para seus irmãos, o último dos
escravos”. Quando alcançou a idade adulta, Cam teve sobre a terra uma
posteridade numerosa como uma floresta, desenvolvendo-se por quatorze gerações
de descendentes, quando por Deus, em seguida, foi ceifada. De fato, os cananeus,
os eteus, os farezeus, os eveus, os amorreus, os jebuzeus, os gergeseus, os sodomitas,
os árabes, os habitantes da Fenícia, todos os egípcios e os lídios descendem de
Cam, e caíram sobre a maldição, que se estende por longo tempo sobre aqueles ímpios.
21. Tal como a
maldição seguiu o seu caminho, também a bênção se estendeu à posteridade dos
que a receberam, cada qual segundo a sua ordem. Primeiramente, foi abençoado
Sem com estas palavras: “Bendito seja Iahweh, o Deus de Sem, e que Canaã seja
seu escravo!”. O efeito da bênção é este: Deus, Senhor do universo, tornou-se, por
Sem, objeto privilegiado de sua piedade; a bênção se desenvolveu quando atingiu
Abraão, que, na descendência de Sem, chega à décima geração segundo a ordem genealógica
descendente. E é esta razão pela qual o Pai, Deus do universo, se compraz em
ser chamado “Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacó”, porque a bênção de
Sem chagou até Abraão. A bênção de Jafé foi formulada da seguinte forma: “Que
Deus dilate Jafé, que ele habite nas tendas de Sem, e que Canaã seja seu escravo!”.
Essa bênção floresceu ao final desse período, quando o Senhor se manifestou às
nações por seu chamado – pois Deus dilatou seu chamado até elas – e “por toda a
terra sua linha aparece, e até os confins do mundo a sua linhagem”. Dilatar
significa, pois, o chamado dentre as nações, a saber, a Igreja. E “habitar na
casa de Sem” indica a herança dos patriarcas, por terem recebido de Jesus
Cristo o direito de primogenitura. Desse modo, segundo a ordem da bênção, cada
um recebeu, por meio da descendência, o fruto da bênção.
A
Aliança universal
22. Depois do
dilúvio, Deus estabeleceu um pacto de aliança com o mundo inteiro, em particular
com os animais e com os homens, em virtude da qual jamais destruiria com um
dilúvio o que refloresceria sobre a terra, e lhes deu um sinal: “Quando eu
reunir as nuvens sobre a terra e o arco aparecer na nuvem, eu me lembrarei da
aliança que há entre mim e vós e todos os seres vivos: toda carne e as águas não
mais se tornarão um dilúvio para destruir toda carne”. [Deus] Mudou a comida
dos homens, dando-lhes ordem de comer carne, pois, a partir da primeira
criatura, Adão, até o dilúvio, os homens se alimentavam apenas de grãos e
frutos das árvores; porém, o alimento da carne não lhes era permitido. Como os
três filhos de Noé eram o princípio da raça dos homens, Deus os abençoou para
que se multiplicassem e crescessem, dizendo: “Sede fecundos, multiplicai-vos,
enchei a terra. Sede o medo e o pavor de todos os animais da terra e de todas
as aves do céu, comei de tudo que se move pela terra e todos os peixes do mar: eles
são entregues nas vossas mãos. Tudo o que se move e possui vida vos servirá de alimento,
tudo isso eu vos dou, como vos dei as verduras das plantas. Mas não comereis
a carne com a sua alma, isto é, o
sangue. Pedirei contas, porém, do sangue de cada um de vós. Pedirei contas a
todos os animais e ao homem, aos homens entre si, eu pedirei contas da alma do
homem. Quem derrama o sangue do homem, pelo homem terá seu sangue derramado.
Pois à imagem de Deus o homem foi feito”. E a imagem de Deus
é o Filho, de cuja imagem foi feito o
homem. Por essa razão, [o Filho] se manifestou no fim dos tempos, “para
demonstrar que imagem era semelhante a ele”. Depois dessa aliança, o gênero
humano se multiplicou e se propagou a partir da
posteridade desses três filhos de Noé. E
“havia, então, um só lábio na terra”, ou seja, uma só língua.
O que você
destaca neste texto?
Como ele serviu
para sua espiritualidade?