domingo, 4 de novembro de 2018

71 - Irineu de Lyon (130-202) Demonstração da Pregação Apostólica (Cap. 56 - 63)


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71
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Irineu de Lyon (130-202)
Demonstração da Pregação Apostólica (Cap. 56 - 63)


A soberania sem limites
56. Diz ainda Isaías: “[...] serão queimadas, serão devoradas pelo fogo. Porque um
menino nos nasceu, um filho nos foi dado, ele recebeu o poder sobre seus ombros e lhe foi dado este nome: Conselheiro-maravilhoso, Deus-forte, Pai-eterno, Príncipe-da-paz, para que se multiplique o poder, assegurando o estabelecimento de uma paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, firmando-o, consolidando-o sobre o direito e sobre a justiça. Desde agora e para sempre”. Com esses termos é anunciado o nascimento do Filho de Deus e a eternidade de seu reino. Mas as palavras “vão para a fogueira” se referem àqueles que não creem nele e que lhe fizeram o que lhe fizeram.
No juízo repetirão: “Oxalá tivéssemos sido queimados antes do nascimento do Filho de Deus, do que não crer nele depois que nasceu!”. Com efeito, aqueles que estão mortos antes da manifestação do Cristo têm esperança de obter a salvação no juízo do Ressuscitado. Dessa categoria fazem parte aqueles que temem a Deus e morreram na justiça e possuem o Espírito de Deus, como os patriarcas e os justos. Mas para aqueles que depois do Cristo não acreditaram nele, será inexorável a vingança no juízo. O dito “ele recebeu o poder sobre seus ombros” alude alegoricamente à cruz, à qual teve os braços pregados, quando foi crucificado. A cruz, que era e é uma infâmia, é sinal de sua soberania. Chama-o “Anjo do grande conselho” do Pai, que ele revelou.

A estirpe de Israel
57. Por tudo o que foi dito e exposto com a ajuda dos profetas, está claro que o Filho devia nascer, de que maneira nascer, e que se daria a conhecer como Cristo. Foi, inclusive, predito em que país e entre que homens devia nascer e dar-se a conhecer. Assim o deu a entender Moisés no Gênesis: “O cetro não se afastará de Judá, nem o bastão do chefe de entre seus pés, até que o tributo lhe seja trazido e que lhe obedeçam os povos [...], lava sua roupa no vinho, seu manto no sangue das uvas”. Porém, Judá, filho de Jacó, é o antepassado dos judeus, de quem esses tomaram o nome. Até a
vinda de Cristo não lhes faltou, nem príncipe, nem chefe. Porém, depois de sua vinda, lhe foram tiradas as flechas da aljava, o país dos judeus foi submetido pelos romanos, e não voltou a ter um príncipe ou um rei próprio. Era, de fato, chegado aquele ao qual era reservada uma soberania nos céus, que “lava no vinho a veste e no sangue da uva o manto”. A “veste”, como também o “manto” são aqueles que nele creem, que ele purificou quando nos salvou com o seu sangue. O seu sangue foi chamado “sangue de uva”, porque, como não foi feito pelo homem o sangue da uva, mas é Deus que alegra os que o bebem, assim o seu ser corpo e sangue não é obra do homem, mas de Deus. O Senhor mesmo deu o sinal da Virgem, ou seja, o Emanuel, nascido da Virgem, e alegra os ânimos daqueles que o bebem, ou seja, daqueles que recebem o seu Espírito, alegria eterna. Por isso, ele é também o “esperado das nações”, das nações que esperam nele. Também nós esperamos dele a restauração do Reino.

A estrela de Jacó
58. Quando Moisés escreve: “Um astro procedente de Jacó se torna chefe, um cetro se levanta, procedente de Israel”, anuncia explicitamente que a economia da sua encarnação se realizará entre os hebreus, e que aquele que, descendo dos céus, nascerá de Jacó e da estirpe judaica se submeteu a essa economia. Porque uma estrela apareceu no céu, e, se chama chefe a um rei, é porque apareceu no seu nascimento aos Magos, que habitam no Oriente, e por seu intermédio tiveram conhecimento do nascimento de Cristo. Guiados pela estrela, vieram à Judeia, até que a estrela chegou a Belém, onde Cristo nasceu, e, entrando na casa onde estava deitado o menino envolto em faixas, se deteve em cima de sua cabeça, indicando aos Magos o Filho de Deus, o Cristo.
59. O mesmo Isaías disse ainda: “Um ramo sairá do tronco de Jessé, um rebento brotará de suas raízes. Sobre ele repousará o espírito de Iahweh, espírito de sabedoria e inteligência, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de conhecimento e de temor de Iahweh: no temor de Iahweh estará a sua inspiração. Ele não julgará segundo a aparência. Ele não dará sentença apenas por ouvir dizer. Antes, julgará os fracos com justiça, com equidade pronunciará sentença em favor dos pobres da terra. Ele ferirá a terra com o bastão da sua boca, e com o sopro dos seus lábios matará o ímpio. A justiça será o cinto dos seus lombos, e a fidelidade, o cinto dos seus rins. Então o lobo morará com o cordeiro, e o leopardo se deitará com o cabrito. O bezerro, o leãozinho e o gordo novilho andarão juntos e um menino pequeno os guiará. A vaca e o urso pastarão juntos, juntas se deitarão as suas crias. O leão se alimentará de forragem como o boi. A criança de peito poderá brincar junto à cova da áspide, a criança pequena porá a mão na cova da víbora. [...] Naquele dia, a raiz de Jessé, que se ergue como um sinal para os povos, será procurada pelas nações, e a sua morada se cobrirá de glória”. Com essas palavras, quis dizer que nascerá daquela que descende de Davi e de Abraão. Com efeito, Jessé
descendia de Abraão e era pai de Davi. Desse modo, a Virgem, que concebeu a Cristo, era o broto. Por isso, Moisés fazia seus prodígios diante do faraó, servindo-se de um bastão. Entre os homens, o bastão é sinal de poder. Chama flor o seu corpo, que floresceu sob a ação do Espírito, como antes indicamos.

Justo Juiz
60. Dizendo: “Ele não julgará segundo a aparência. Ele não dará sentença apenas por ouvir dizer. Antes, julgará os fracos com justiça, com equidade pronunciará sentença em favor dos pobres da terra”, dá a entender com maior firmeza a sua divindade. Pois julgará imparcialmente e sem acepção de pessoas, sem louvar o ilustre e outorgando ao pobre o que merece com igualdade e imparcialidade, o que corresponde à suprema e celeste justiça de Deus. Deus, de fato, não se deixa influenciar por nada, e só se compadece pelo justo. Ter misericórdia é próprio e peculiar daquele Deus, aquele que com a misericórdia pode salvar. E: “Ele ferirá a terra com o bastão da sua boca, e com o sopro dos seus lábios matará o ímpio” é próprio de Deus, que tudo realizou através do Verbo. Contudo, dizendo: “A justiça será o cinto dos seus lombos, e a fidelidade, o cinto dos seus rins”,[160] anuncia a sua forma externa humana e a sua verdadeira e suprema justiça.

Pacificação universal
61. Quanto ao entendimento, à concórdia e à tranquilidade entre os animais das diversas espécies, ou por natureza opostos e hostis uns aos outros, os presbíteros dizem que será verdadeiramente assim à vinda de Cristo, quando reinará sobre todo o universo. Daqui simbolicamente se anuncia que homens de diferentes estirpes, mas de similares costumes, serão recolhidos juntos, pacificamente, em virtude do nome de Cristo. De fato, os justos reunidos, comparados a novilhos, a cordeiros e a cabritos, e as crianças não sofrerão quaisquer danos por parte daqueles que, homens e mulheres, em uma época anterior, foram modelados por cupidez com relação ao comportamento dos animais selvagens, a ponto de que alguns se assemelhavam a lobos ou a leões, ao rapinar os fracos e ao lutar com os seus pares; as mulheres, semelhantes a leopardos ou víboras, recorrendo a venenos mortais, chegavam a matar os seus amantes, ou sob a ação da paixão. Reunidos em um só nome, alçados pela graça de Deus, hão de adquirir os costumes dos justos, mudando a sua natureza selvagem e feroz. Isso aconteceu, pois aqueles que antes eram cruéis a tal ponto de não recuarem de algum ato ímpio, quando conheceram a Cristo, e acreditando nele, mal acreditaram e se mudaram, para que não se prendessem diante de um supremo ato de justiça. Assim radicais são as mudanças que a fé em Cristo, Filho de Deus, opera naqueles que nele creem. Ele disse: “foi levado para exercitar o poder às nações”, porque, uma vez morto, deve ressuscitar, ser proclamado e acreditado como Filho de Deus e rei; por isso diz: “o seu erguer-se será uma honra”, isto é, uma glória, porque o momento no qual foi glorificado como Deus foi o momento de sua ressurreição.

A tenda de Davi, símbolo do Corpo de Cristo
62. Por isso, o profeta, quando disse: “Naquele dia, a raiz de Jessé, que se ergue como um sinal para os povos”, afirma claramente que o Corpo de Cristo, nascido de Davi, como dissemos antes, depois da morte, ressuscitou dos mortos. Chama “tenda” o seu corpo. E, com efeito, por essas palavras disse também que Cristo – o qual, segundo a carne, descende de Davi – será Filho de Deus, e depois de sua morte ressuscitará, e será
homem por aspecto externo, porém Deus pelo poder; será juiz do universo e o único justo e Redentor. Tudo isso se encontra na Escritura.

A profecia de Belém
63. Por sua vez, o profeta Miqueias indica o lugar do nascimento de Cristo, isto é, Belém da Judeia: “E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és o menor entre os clãs de Judá, pois de ti sairá um chefe que apascentará Israel, o meu povo”. Belém é também a pátria de Davi. Assim, pertence à posteridade, não apenas pela Virgem que o deu à luz, mas também por ter nascido em Belém, pátria de Davi.


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