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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Irineu de Lyon (130-202)
Demonstração
da Pregação Apostólica (Cap. 64 - 72)
O
Reino eterno
64. Davi disse
que o Cristo nasceria da sua posteridade: “Por causa de Davi, teu servo, não
rejeites a face do teu messias. Iahweh jurou a Davi uma verdade que jamais desmentirá:
‘É um fruto do teu ventre que eu porei em teu trono’”. Mas nenhum filho de Davi
reinou “para sempre”, nem o seu reino durou até a eternidade, porque foi destruído;
indica, portanto, um rei nascido de Davi, isto é, o Cristo. Todos esses textos relacionados
com a sua vinda no corpo, a estirpe e o lugar do nascimento, dizem claramente
que os homens não devem procurar o nascimento do Filho de Deus entre os gentios
ou em outro lugar, mas em Belém da Judeia, na descendência de Abraão e de Davi.
A
entrada em Jerusalém
65. Como fez a
sua entrada em Jerusalém, a capital da Palestina, onde era a sua morada e o
Templo de Deus, disse Isaías: “Dizei à Filha (cidade) de Sião: Eis que o teu
rei vem a ti, manso e montado num jumento, num jumentinho, num potro de
jumenta”. Entrou em Jerusalém sentado em um jumento, filho de asno, enquanto a
multidão estendia os seus mantos para que passasse em cima. “Filha de Sião” é o
nome dado a Jerusalém.
66. Os profetas
anunciavam, então, que o Filho de Deus nasceria, como e onde nasceria, e quem é
o Cristo, o único rei eterno. Tendo ainda predito que, uma vez feito homem,
havia de curar os que curou, de ressuscitar os mortos que ressuscitou, que seria
odiado, desprezado, torturado, morto mediante a crucifixão, como foi odiado, desprezado
e morto.
Os
milagres de Jesus
67. Falemos
agora das curas. Disse Isaías: “E no entanto, eram nossos sofrimentos que ele
levava sobre si, nossas dores que ele carregava”, isto é, “carregará” e
“levará”. Às vezes, o Espírito Santo narra nos profetas como acontecimentos
passados, mas que acontecerão no futuro. Isso acontece porque, em Deus, o que
está estabelecido, determinado e destinado a existir já é considerado como
existente, e o Espírito se expressa tendo em conta o tempo em que se realiza a
profecia. Nesses termos, recorda os distintos modos de cura: “Naquele dia, os
surdos ouvirão o que se lê, e os olhos dos cegos, livres da escuridão e das
trevas, tornarão a ver”. E ainda: “Fortalecei as mãos abatidas, revigorai os
joelhos cambaleantes. Dizei aos corações conturbados: ‘Sede fortes, não temais.
Eis que vosso Deus vem para vingar-vos, trazendo a recompensa divina. Ele vem
para vos salvar’. Então se abrirão os olhos dos cegos, e os ouvidos dos surdos
se desobstruirão. Então o coxo saltará como o cervo, e a língua do mudo cantará
canções alegres”. Da ressurreição dos mortos disse: “Os teus mortos tornarão a
viver, os teus cadáveres ressurgirão”. Por essas obras, o Filho de Deus seria
acreditado.
A
Paixão de Cristo
68. Isaías disse
que [o Cristo] devia ser desprezado, torturado e, por fim, morto: “Eis que meu
Servo prosperará, ele se elevará, será exaltado, será posto nas alturas. Exatamente
como multidões ficaram pasmadas à vista dele – pois ele não tinha mais figura
humana e sua aparência não era mais a de homem – assim, agora nações numerosas
ficarão estupefatas a seu respeito, reis permanecerão silenciosos ao verem coisas
que não lhes haviam sido contadas, e ao tomarem consciência de coisas que não tinham
ouvido. Quem acreditou naquilo que ouvimos, e a quem se revelou o braço de Iahweh?
Ele cresceu diante dele como renovo, como raiz em terra árida; não tinha beleza
nem esplendor que pudesse atrair o nosso olhar, nem formosura capaz de nos
deleitar.
Era desprezado e abandonado pelos
homens, homem sujeito à dor, familiarizado com o sofrimento, como pessoa de
quem todos escondem o rosto; desprezado, não fazíamos caso nenhum dele. E no
entanto, eram nossos sofrimentos que ele levava sobre si, nossas dores que ele
carregava. Mas nós o tínhamos como vítima do castigo, ferido por Deus e humilhado.
Mas ele foi trespassado por causa das nossas transgressões, esmagado por causa
das nossas iniquidades. O castigo que havia de trazer-nos a paz caiu sobre ele,
sim, por suas feridas fomos curados”. Essas expressões anunciam as suas
torturas, como disse também Davi: “Eu fui torturado”. Davi jamais foi
torturado, mas sim o Cristo, quando foi ordenada a sua crucifixão. Ainda, o
Verbo disse através de Isaías: “Ofereci o dorso aos que me feriam e as faces
aos que me arrancavam os fios da barba; não ocultei o rosto às injúrias e aos
escarros”. O profeta Jeremias repete a mesma coisa nestes termos: “Que dê sua
face a quem o fere e se sacie de opróbrios”. Tudo isso sofreu o Cristo.
69. Isaías vai
mais além: “Mas ele foi trespassado por causa das nossas transgressões, esmagado
por causa das nossas iniquidades. O castigo que havia de trazer-nos a paz caiu sobre
ele, sim, por suas feridas fomos curados. Todos nós como ovelhas andávamos errantes,
seguindo cada um o seu próprio caminho, mas Iahweh fez cair sobre ele a iniquidade
de todos nós”. É claro que, pela vontade do Pai, lhe ocorreram tais coisas
em vista da nossa salvação. Então
prossegue: “Foi maltratado, mas livremente humilhou-se e não abriu a boca, como
cordeiro conduzido ao matadouro; como ovelha que permanece muda na presença dos
tosquiadores ele não abriu a boca”. Desse modo, declara aceitar livremente a
morte. Mas quando o profeta diz que “na humilhação o seu juízo foi eliminado”, fala
de seu humilde aspecto externo: segundo o seu aspecto sem honra foi pronunciada
a sentença; e, proferida a sentença, conduz alguns à salvação, outros às penas
da perdição. Existe, de fato, o que é tomado por uma pessoa, e o que é tomado
para uma pessoa. Assim é a sentença: por alguns é sofrida, e esses a tomam sobre
si mesmos como própria condenação; para outros, foi eliminada e se salvam. Sofreram
sobre si mesmos a sentença aqueles que o crucificaram e, tendo-se comportado assim,
não creem nele, pois pela sentença que sofreram serão condenados à perdição com
os tormentos; a sentença foi eliminada para aqueles que creem nele e não são
mais sujeitos; a sentença, que virá com o fogo, será o extermínio dos
incrédulos no fim deste mundo.
O
indescritível início
70. Em seguida
disse: “Quem narrará o seu nascimento?” Isso foi dito para nos alertar, a fim
de que não o desprezássemos como um homem insignificante e de pouco valor por
causa dos adversários e das dores de sua paixão. Aquele que sofreu tudo isso possui
uma origem inefável. De fato, por “nascimento” se entende a sua origem, ou
seja, o seu Pai inefável e indescritível. Reconhece, pois, que essa é a origem
daquele que suportou essa paixão, e não o desprezes pela paixão que
intencionalmente sofreu por ti. Mas teme-o por sua origem.
A
vida à sombra de seu corpo
71. Disse
Jeremias, em outra passagem: “O sopro de nossas narinas, o ungido de Iahweh,
foi preso nas suas fossas; dele dizíamos: ‘À sua sombra viveremos entre as nações’”.
A Escritura diz que Cristo, embora sendo Espírito divino, devia fazer-se homem,
submetido ao sofrimento, e revela, de certo modo, surpresa e temor diante da paixão
que devia sofrer. Ele, “por cuja sombra foi dito que viveríamos”. “Sombra” significa
o seu corpo, porque, como a sombra é criada por um corpo, assim o corpo de Cristo
foi criado pelo seu Espírito. Mas a palavra “sombra” significa também a humilhação
do seu corpo e a facilidade de ser humilhado. De fato, como a sombra dos corpos
erguidos se projeta no solo e é pisada pelos pés, assim o corpo de Cristo,
jogado por terra na Paixão, foi, por assim dizer, pisado pelos pés. Chama
“sombra” o corpo de Cristo porque se tornou sombra da glória do Espírito que
velava. Frequentemente, quando o Senhor passava ao longo do caminho, eram
colocadas pessoas com diversas doenças, e aqueles que alcançavam a sua sombra
eram curados.
A
morte do justo
72. O mesmo
profeta se exprimiu sobre a paixão de Cristo do seguinte modo: “O justo perece
e ninguém se incomoda; os homens piedosos são ceifados, sem que ninguém tome
conhecimento. Sim, o justo foi ceifado, vítima da maldade, mas ele alcançará a paz”.
Qual outro é “justo” além do Filho de Deus, que torna perfeitamente justos aqueles
que nele creem, e que, como ele, são perseguidos e mortos? Quando diz: “a sua sepultura
será paz”, narra como foi morto para a nossa salvação, que está na paz da salvação,
e que, com a sua morte, “aqueles que eram seus adversários e inimigos”, crendo
concordemente nele, estarão em paz entre eles, dando e recebendo sinais de amizade
por sua fé comum nele. Uma vez morto e ressuscitado, devia permanecer imortal,
como disse o profeta: “Ele te pediu a vida, e tu lhe concedeste dias sem fim
para
sempre”. Por que diz “te pediu a vida”
se devia morrer? Era para proclamar a sua ressurreição dos mortos e,
ressuscitado dos mortos, ser imortal; então, recebeu a “vida” para ressurgir, e
“longos dias para sempre, sem fim” para ser incorruptível.
O que você
deseja destacar no texto?
Como ele serviu
para sua espiritualidade?
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