73
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Irineu de Lyon (130-202)
Demonstração
da Pregação Apostólica (Cap. 73 - 87)
Morte
e ressurreição
73. Davi tratou
assim da morte e da ressurreição de Cristo: “Eu me deito e logo adormeço.
Desperto, pois é Iahweh quem me sustenta”. Davi não disse isso de si próprio,
porque não ressuscitou depois da morte; mas o Espírito de Cristo, que assim falou
pelos profetas, disse pela boca de Davi: “Eu me deito e logo adormeço.
Desperto, pois é Iahweh quem me sustenta”. Define a morte como “sono”, porque
ressuscitou.
Anúncio
da Paixão
74. Com relação
à Paixão, disse Davi: “Por que as nações se amotinam e os povos planejam em
vão? Os reis da terra se insurgem e, unidos, os príncipes enfrentam Iahweh e
seu Messias”. De fato, Herodes, o rei dos judeus, e Pôncio Pilatos, procurador
de Cláudio César, se reuniram e condenaram o Cristo a ser crucificado. Herodes,
de fato, temia perder o seu reino, como se ele devesse ser um rei terreno, e
Pilatos foi constrangido contra a sua vontade por Herodes e pelos judeus, que o
forçaram a condená-lo à morte, pelo fato de que não fazer isso seria
considerado contra César, libertando um homem ao qual foi dado o título de rei.
75. A propósito
da Paixão, disse ainda o mesmo profeta: “Tu, porém, rejeitaste e desprezaste,
ficaste indignado com teu ungido. Renegaste a aliança com teu servo, até o chão
profanaste sua coroa. Fizeste brechas em seus muros todos, e arruinaste sua fortaleza;
todos os que passam no caminho o pilharam, tornou-se opróbrio para seus vizinhos.
Exaltaste a direita dos seus opressores, alegraste seus inimigos todos;
quebraste sua espada contra a rocha, não o sustentaste no combate. Removeste
seu cetro de esplendor, e derrubaste seu trono por terra; encurtaste os dias da
sua juventude e o cobriste de vergonha”. O profeta afirma abertamente que o
Cristo devia sofrer tudo isso e que tal era a vontade do Pai. Pela vontade do
Pai, de fato, o Cristo sofreu a Paixão.
A
captura de Jesus
76. Zacarias
assim se expressou: “Espada, levanta-te contra o meu pastor e contra o homem,
meu companheiro. Fere o pastor, e as ovelhas sejam dispersadas!”. E isso aconteceu
quando o Cristo foi capturado pelos judeus. Então, todos os discípulos o abandonaram
por medo de perecer com ele, porque eles não acreditaram firmemente
nele até que o vissem ressuscitado dos
mortos.
77. Também se
disse, dentre os doze profetas: “Prisioneiro, o apresentaram como um presente”.
Pôncio Pilatos era procurador da Judeia e alimentava então um profundo rancor
contra Herodes, rei dos judeus. Precisamente por causa dessa situação, Pilatos mandou
o Cristo, a quem o haviam enviado, atado a Herodes com o pedido de que o interrogasse
para confirmar o que queria fazer com ele. Desse modo, Cristo se converteu em
bom pretexto para Pilatos reconciliar-se com o rei.
78. Em Jeremias,
ele anuncia a morte e a descida aos infernos, nestes termos: “O Senhor, o Santo
de Israel, se recordou dos seus mortos, que no passado dormiram no pó da terra,
desceu a eles para anunciar a Boa-Nova da salvação e libertá-los”. Aqui indica
os motivos da sua morte; a descida aos infernos era a salvação dos defuntos.
79. Novamente, a
propósito da cruz, disse Isaías: “Todos os dias estendi as mãos a um povo
rebelde”. Assim prefigurava a cruz. E ainda mais claramente Davi: “Cercam-me cães
numerosos, um bando de malfeitores me envolve, como para retalhar minhas mãos e
meus pés”. E novamente: “Meu coração está como cera, derretendo-se dentro de mim”.
E ainda: “Salva minha vida da espada, e prega a minha carne, pois uma corja de
marginais se levantou contra mim”. Nessas passagens se mostra de modo luminoso
a sua crucifixão. Moisés disse a mesma coisa ao povo: “Tua vida penderá à tua frente
por um fio; ficarás apavorado noite e dia, e não acreditarás mais na vida”.
80. Continua
Davi: “Eles me olham, me observam, repartem entre si as minhas roupas, sobre
minha túnica tiram a sorte”. Quando o crucificaram, os soldados dividiram as roupas
segundo o seu costume: “Os soldados, quando crucificaram Jesus, tomaram suas roupas
e repartiram em quatro partes, uma para cada soldado, e a túnica. Ora, a túnica
era sem costura, tecida como uma só peça, de alto a baixo. Disseram entre si:
‘Não rasguemos, mas tiremos a sorte, para ver com quem ficará’”.
81. O profeta
Jeremias acrescenta: “E tomaram as trinta moedas de prata, o preço do Precioso,
daquele que os filhos de Israel avaliaram, e deram-nas pelo campo do Oleiro, conforme
o Senhor me ordenara”. De fato, Judas, um dos discípulos de Jesus, tendo-se comprometido
com os judeus, tendo selado com eles um pacto – sabia, de fato, que queriam
matá-lo – e porque havia sido repreendido por Ele, aceitou as trinta moedas do país,
e lhes entregou o Cristo. Em seguida, com remorso pelo que havia feito, jogou o
dinheiro aos pés dos chefes dos judeus e se suicidou. Porém, esses não acharam conveniente
devolver o dinheiro ao tesouro, porque era preço de sangue, e com ele compraram
o campo que pertencia a um oleiro, para lá enterrar os estrangeiros.
82. Depois de
ter sido crucificado, quando pediu de beber, lhe deram vinagre misturado com
fel. Também isso foi predito por Davi: “Como alimento, deram-me fel, e na minha
sede, serviram-me vinagre”.
83. Eis como
Davi falou da ascensão ao céu depois da ressurreição dos mortos: “Os carros de
Deus são milhares de miríades; o Senhor veio de Sião para o santuário. Subistes
às alturas, para pôr fim à escravidão; tomou e deu dons aos homens”. Davi relaciona
“escravidão” à destruição do poder dos anjos rebeldes. Fez conhecer o lugar de onde
subiria da terra ao céu, dizendo: “o Senhor vem de Sião para o santuário,
subistes às alturas”. De fato, no monte das Oliveiras, de frente a Jerusalém,
depois da ressurreição dos mortos, [Jesus] reuniu os discípulos e, depois de
tê-los instruído sobre o Reino dos Céus, foi elevado sobre os seus olhos, e
eles viram como o acolhiam os céus abertos.
84. Davi repetiu
a mesma coisa: “Levantai, ó portas, os vossos frontões, elevai-vos, antigos
portais, para que entre o rei da glória”. As “portas eternas” são os céus. Porque
o Verbo desceu invisível para as criaturas, não foi reconhecido quando desceu. Porém,
como se encarnou, se fez visível quando ascendeu aos céus. Quando os principados
dos anjos inferiores o viram, gritaram no firmamento: “Levantai, ó portas,
erguei-vos portas eternas, para que entre o rei da glória”. Esses, assombrados,
se perguntavam: “Quem é este?”, e os que haviam visto testemunhavam pela
segunda vez: “O Senhor poderoso e forte é o rei da glória”.
85. Ressuscitado
e elevado ao céu, [o Filho de Deus] aguarda à direita do Pai o momento fixado
pelo Pai para julgar todos os seus inimigos que serão a ele sujeitados. Os
inimigos são aqueles que foram encontrados em estado de rebelião, anjos,
arcanjos, principados, tronos, que desprezaram a verdade. Davi afirmava ainda:
“Oráculo de Iahweh ao meu Senhor: ‘Senta-te à minha direita, até que eu ponha
teus inimigos como escabelo de teus pés”. Davi disse, também, que subiu ao
lugar de onde havia descido: “Ele sai de um extremo dos céus, e até o outro
extremo vai o ser percurso; nada escapa ao seu calor”.
O
testemunho dos apóstolos
86. Se os
apóstolos predisseram que o Filho de Deus devia manifestar-se sobre a terra, e
predisseram o lugar, a maneira e a forma
da sua manifestação sobre a terra, e se o Senhor fez suas todas essas
profecias, a nossa fé nele é bem fundada, e é autêntica a Tradição da pregação,
isto é, o testemunho dos apóstolos. Esses, enviados pelo Senhor, pregaram pelo
mundo inteiro que o Filho de Deus veio para sofrer a Paixão, ele que a
suportou para destruir a morte e
vivificar o corpo, e que, cessando a hostilidade contra Deus, isto é, as
iniquidades, teremos obtido a sua paz, cumprindo o que é do seu agrado. Assim
foi anunciado pelos profetas, nestes termos: “Como são belos, sobre os montes, os
pés do mensageiro que anuncia a paz, do que proclama boas-novas e anuncia a salvação”.
E anunciou que esses mensageiros deviam vir da Judeia e de Jerusalém
para anunciar a nós a Palavra de Deus,
que para nós é lei, também. Como disse Isaías: “Com efeito, de Sião sairá a
Lei, e de Jerusalém a Palavra de Iahweh”. Davi afirmava que haveriam de pregar
por toda a terra: “e por toda a terra sua linha aparece, e até os confins do
mundo a sua linguagem”.
O
primado do amor
87. Não é com a
argumentação prolixa da lei que o gênero humano é salvo, mas com a concisão da
fé e da caridade. Disse Isaías: “uma palavra concisa e breve na justiça, porque
Deus enviará uma palavra concisa, com eficácia, sobre toda a terra”. Igualmente
Paulo disse: “a caridade é a plenitude da lei”. De fato, aquele que ama a Deus
cumpre a Lei. Quando ao Senhor foi perguntado: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?”,
respondeu: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração [...] com toda a
tua força”; e o segundo é semelhante a esse: “Amarás teu próximo como a ti
mesmo”. Desses dois mandamentos, disse, “dependem toda a lei e os profetas”. Assim,
com a fé nele cresceu o nosso amor por Deus e pelo próximo para fazer-nos mais
piedosos, mais justos e bondosos. Por isso, ele mandou uma “palavra breve sobre
a terra”.
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destaca no texto?
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ajudou em sua espiritualidade?
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