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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Tertuliano de Cartago (155-220)
Apologia (Capítulo 2)
CAPÍTULO II
Se,
repetindo, é certo que somos os mais malévolos dos homens, por que nos tratais
tão diferentemente de nossos companheiros, ou seja, de outros criminosos, sendo
justo que o mesmo crime deva receber o mesmo tratamento? Quando os ataques
feitos contra nós são feitos contra outros, a esses são permitidos falarem ou
contratar advogados para demonstrar sua inocência.
Eles
têm plena oportunidade de resposta e de discussão. De fato, é contra a lei
condenar alguém sem defesa e sem audiência. Somente os cristãos são proibidos
de dizerem algo em sua defesa, na salvaguarda da verdade, para ajudar ao juiz
numa decisão de direito. Tudo o que é levado em conta é que o público, com
ódio, pede a confissão de um "nome", não o exame da acusação,
enquanto em vossas investigações ordinárias judiciais, no caso de um homem que
confessa assassinato, ou sacrilégio, ou incesto, ou traição - para se ter idéia
do crime de que são acusados - vós não vos contentais em imediatamente emitir
uma sentença. Não o fazeis até que examinais as circunstâncias da confissão,
qual é o tipo do crime, quantas vezes, onde, de que maneira, quando ele o fez,
quem estava com ele e quem tomou parte com ele no crime.
Nada
semelhante é feito em nosso caso, embora as falsidades disseminadas a nosso
respeito devessem passar pelo mesmo exame para saber quantas crianças foram
mortas por cada um de nós, quantos incestos cometemos cada um de nós na
escuridão, que cozinheiros, que biltres foram testemunhas de nossos crimes. Ó
que grande glória para os governantes que trouxessem à luz alguns cristãos que
tivessem devorado uma centena de crianças. Mas, em vez disso, constatamos que
mesmo uma inquisição, no nosso caso, é proibida.
Plínio,
o Moço, quando era governador de uma província, tendo condenado alguns cristãos
à morte, e abalado outros em sua firmeza, mas ficando aborrecido com o grande
número deles, procurou, em última instância, o conselho de Trajano, o imperador
reinante, para saber o que fazer com eles. Explicou a seu senhor que, com
exceção de uma recusa obstinada de oferecer sacrifícios, nada encontrou em seus
cultos religiosos a não ser reuniões de manhã cedinho em que cantavam hinos a
Cristo e a Deus, confirmando que, em suas casas, seu modo de vida era um geral
compromisso de ser fiel a sua religião, proibido-se assassínios, adultério,
desonestidade e outros crimes. A respeito disso, respondeu Trajano que os
cristãos não deveriam de modo algum ser procurados, mas se fossem trazidos
diante dele, Plínio, deveriam ser punidos. Ó miserável libertação - de acordo
com o caso, uma extrema contradição! Proíbe-se que sejam procurados, na
qualidade de inocentes, mas manda-se que sejam punidos como culpados.
É ao mesmo tempo misericordioso e cruel.
Deixa-os em paz, mas os pune. Por que entrais num jogo de evasão convosco
mesmo, ó julgamento? Se vós os condenais, por que também não os inquiris? Se
não quereis inquiri-los, por que não os absolveis? Postos militares estão
espalhados através de todas as províncias para prenderem ladrões. Contra
traidores e inimigos públicos, todo cidadão é um soldado. Buscas são feitas
mesmo de seus aliados e auxiliares. Somente os cristãos não devem ser
procurados, embora possam ser levados e acusados diante do juiz, se uma busca
tiver um resultado diferente do previsto. Deste modo, condenais um homem que
ninguém deseja perseguir, quando ele vos é apresentado e que, nem por isso,
merece punição. Suponho que não por sua culpa, mas porque, embora seja proibido
persegui-lo, ele foi encontrado.
Novamente,
neste caso, não concordais conosco sobre os procedimentos ordinários de
julgamento de criminosos, porque, no caso de negarem, aplicais a tortura para
forçar uma confissão. Aos cristãos somente torturais para fazê-los negarem. É
como se considerásseis que se somos culpados de algum crime, nós o negaríamos,
e vós com vossas torturas nos forçaríeis a uma confissão. Mas não podeis pensar
assim pois, na verdade, nossos crimes não requerem tal investigação
simplesmente porque já estais cientes por nossa confissão do nome de nosso
crime. Estais diariamente acostumados a isso, sabendo de que crime se trata
porque senão exigiríeis uma confissão completa de como o crime foi executado.
Deste
modo, agis com a máxima perversidade quando verificando nossos crimes
comprovados por nossa confissão do nome de Cristo, nos levais à tortura para
obter nossa confissão que não consiste senão em repudiar tal nome, e que logo
deixais de lado os crimes de que nos acusais quando mudamos nossa confissão.
Suponho que, embora que acreditando que sejamos os piores dos homens, não
desejais que morramos. Não há dúvida de que, por conseguinte, estais habituados
a compelir o criminoso a negar e a ordenar o homem culpado de sacrilégio a ser
torturado se ele persevera em sua confissão. É esse o sistema? Mas, então, não
concordais que sejamos criminosos, e nos declarais inocente, e como inocentes
que somos, ficais ansiosos para que não perseveremos na confissão que sabeis
que vos fará assumir uma condenação por necessidade, não por justiça. "Sou
cristão" - o homem brada. Ele está lhe dizendo o que é. Vós, porém,
desejaríeis ouvi-lo dizer que não o é.
Assumindo
vosso cargo de autoridade para extorquir a verdade, fazeis o máximo para ouvir
uma mentira nossa. "Eu sou o que me perguntais se eu sou" - ele diz.
Por que me torturais como criminoso? Eu confesso e vós me torturais. O que me
faríeis se tivesse negado? Certamente a outros vós não daríeis crédito se
negassem. Quando nós negamos, vós logo acreditais. Essa perversidade vossa faz
suspeitar que há um poder escondido no caso, sob a influência do qual agis
contra os hábitos, contra a natureza da justiça pública, até mesmo contra as
próprias leis. Pois que - salvo se estou errado - as leis obrigam a que os
malfeitores sejam procurados e não que sejam acobertados. A lei foi feita para que
as pessoas que praticarem um crime sejam condenadas, e não absolvidas. Os
decretos do Senado, as instruções dos vossos superiores expõem isso claramente.
O poder do qual sois executores é civil, não uma tirânica dominação. Entre
tiranos, de fato, os tormentos são utilizados para serem aplicados como
punições; entre vós são mitigados como um instrumento de interrogatório.
Guardai vossa lei como necessária até que seja obtida a confissão. E se a
tortura é antecipada pela confissão, não há necessidade dela. A sentença foi
passada.
O
criminoso deve ser entregue ao castigo devido e não libertado. De acordo com
isso, ninguém anseia pela absolvição do culpado, não é certo desejar isso, e
assim ninguém nunca deve ser compelido a negar. Bem, julgais um cristão um
homem culpado de todos os crimes, um inimigo dos deuses, do Imperador, das
leis, da boa moral de qualquer natureza. Contudo vós o obrigais a negar,
porque, assim, podeis absolvê-lo, o que sem sua negação não podeis fazê-lo. Vós
agis rápido e desmereceis as leis.
Quereis
que ele negue sua culpa, porque podeis sempre, mesmo contra sua vontade,
isentá-lo de censura e livrar-lhe de toda culpa em referência a seu passado. De
onde vem essa estranha perversidade da vossa parte? Como não refletis que uma
confissão espontânea é mais digna de crédito do que uma negação obrigada?
Considerai que, quando compelido a negar, a negação de um homem pode ser feita
de má fé, e se absolvido, ele pode, agora e ali, logo que o julgamento termine,
rir da vossa hostilidade; e um cristão igualmente.
Vendo,
então, que em tudo agis conosco diferentemente de que com outros criminosos,
preocupados por um único objetivo - o de obter de nós o nosso nome (na verdade,
não nos cabe dizer que os cristãos não existam) - fica perfeitamente claro que
não há crime de nenhuma espécie nesse caso, mas simplesmente um nome que um
determinado sistema - mesmo indo contra a verdade - persegue com sua inimizade.
E age assim principalmente com o objetivo de se assegurar que os homens não
venham a ter como certo o que conhecem como certo e de que esse sistema é
completamente desconhecedor. Consequentemente, também, acontece que eles
acreditam em coisas sobre nós das quais não têm prova, sobre as quais não estão
inclinados a pesquisar, incomodados com as perseguições. Eles gostariam mais de
confiar, pois está provado que nada há de fundamentado contra os cristãos.
Com
esse nome tão hostil àquele poder rival - seus crimes sendo presumidos, não
provados - eles poderiam ser condenados simplesmente por causa de sua própria
confissão. Assim, somos levados à tortura se confessamos e somos punidos se
perseveramos, mas se negamos somos absolvidos porque toda a hostilidade é
contra o nome. Finalmente, por que ides constar em vossas listas que tal homem
é cristão? Por que não também que ele é um criminoso, por que não um culpado de
incesto ou de outra coisa vil de que nos acusais? Somente em nosso caso, ficais
incomodados ou envergonhados de mencionar os nomes verdadeiros de nossos
crimes. Se ser chamado "Cristão" não implica em nenhum crime, esse
nome é seguramente muito odiado quando por si só constitui crime.
O
que você destaca no texto?
Como
ele serviu para sua espiritualidade?
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