segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

80 - Tertuliano de Cartago (155-220) Apologia (Capítulo 5-6)



80
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Tertuliano de Cartago (155-220)
Apologia (Capítulo 5-6)

CAPÍTULO V - Para mencionar algumas palavras sobre a origem de tais leis das quais estamos agora falando, cito um antigo decreto que diz que nenhum deus deve ser instituído pelo imperador antes que primeiramente seja aprovado pelo Senado. Marco Emílio passou por essa experiência com relação a seu deus Alburno. E assim, também, acontece em nosso caso, porque entre vós a divindade é deificada por julgamento dos seres humanos. A não ser que os deuses deem satisfação aos homens, não lhe é reconhecida a divindade: Deus deve ser propício ao homem.
Tibério, em cujos dias surgiu o nome Cristão no mundo, tendo recebido informações da Palestina sobre os acontecimentos que demonstraram claramente a verdade da divindade de Cristo, levou, adequadamente, o assunto ante o Senado com sua própria decisão a favor de Cristo.
O Senado rejeitou sua proposta porque não fora ele mesmo que dera sua aprovação. O imperador manteve sua posição ameaçando com sua ira todos os acusadores dos cristãos. Consultai vossas histórias. Verificareis que Nero foi o primeiro que atacou com seu poder imperial a seita Cristã, fazendo isso, então, principalmente em Roma. Mas nós nos gloriamos de termos nossa condenação lavrada pela hostilidade de tal celerado porque quem quer que saiba quem ele foi, sabe que nada a não ser uma coisa de especial valor seria objeto da condenação de Nero.
Domiciano, igualmente, um homem do tipo de Nero em crueldade, tentou erguer sua mão em nossa perseguição, mas possuía algum sentimento humano; logo pôs um fim ao que havia começado, chegando a restituir os direitos daqueles que havia banido. Assim, como foram sempre nossos perseguidores, homens injustos, ímpios, desprezíveis, dos quais vós mesmos nada tendes de bom a dizer, vós tendes por costume revalidar suas sentenças sobre nós, os perseguidos.
Mas entre tantos príncipes daquele tempo até nossos dias, dotados de alguma sabedoria divina e humana, assinalem um único perseguidor do nome Cristão. Bem pelo contrário, nós trazemos ante vós um que foi seu protetor, como podereis ver examinando as cartas de Marco Aurélio, o mais sério dos imperadores, cartas nas quais ele dá seu testemunho daquela seca na Germânia que terminou com as chuvas obtidas pelas preces dos cristãos, as quais permitiu que os germânicos fossem atacados. Como não pôde suspender a ilegalidade dos cristãos por lei pública, contudo, a seu modo, ele a colocou abertamente de lado e até acrescentou uma sentença de condenação, esta da maior severidade, contra os seus acusadores.
Que qualidade de leis são essas que somente os ímpios e injustos, os vis, os sanguinários, os sem sentimentos, os insanos, executam contra nós? Que Trajano por muito tempo tornou nula proibindo procurar os cristãos? Que nem Adriano, embora dedicado no procurar tudo o que fosse estranho e novo, nem Vespasiano, embora fosse o subjugador dos Judeus, nem Pio, nem Vero, jamais as puseram em prática?
Certamente, seria considerado mais natural homens maus serem aniquilados por bons príncipes, na qualidade de seus naturais inimigos, do que o serem aqueles possuidores de espirito assemelhado com o desses últimos. »

CAPÍTULO VI - Eu gostaria de ter agora esses protetores inteligentes e defensores das leis e instituições de seus ancestrais, em atenção à sua fidelidade, à honra e à submissão que demonstraram às instituições ancestrais; eles que partiram do nada; eles que em nada se afastaram das antigos normas; eles que nada relegaram do que é mais útil e necessário, como normas de uma vida virtuosa.
O que aconteceu com as leis que reprimiam os caros e ostensivos modos de vida? Que proibiam gastar mais do que cem asses num jantar, e mais do que uma ave para se sentar à mesa por algum tempo, e essa não engordada... Que expulsavam severamente um patrício do Senado, como se conta, porque ambicionava ser demasiado poderoso, porque tinha lucrado 10 libras de prata... Que fechavam os teatros logo que começassem a debochar das maneiras do povo...
Que não permitiam que a insígnia de dignidades de oficial ou de nobre nascimento fossem precipitadas ou impunemente usurpadas... Pois eu vejo os jantares de uma centena de asses se apresentarem agora, não como de uma centena de asses, mas que gastam um milhão de sestércios* . Vejo que minas de prata são feitas em cinzas (isso, aliás, é pouco se fossem apenas os senadores que fizessem tal, e não também os libertos ou também os simples espoliadores).
E vejo, também, que um simples teatro não é o suficiente, nem há teatros descobertos: não há dúvidas que isso é em busca desse imoderado luxo, que poderia até não ser desprezível no inverno, pois que os Lacedemonios inventaram seus capotes de lã para os jogos.
Vejo agora que não há diferença entre as vestes das senhoras e das prostitutas. Com respeito às mulheres, na verdade, aquelas leis de vossos pais, que costumavam ser de encorajamento à modéstia e à sobriedade, caíram também em desuso. Então, uma mulher não sabia o que era possuir, com suas economias, ouro no dedo que não fosse o do anel nupcial com que seu marido tinha, de forma sagrada, se comprometido.
Então, a abstinência das mulheres quanto ao vinho era levada tão a sério que uma senhora, por abrir o compartimento da adega de vinho, foi condenada à morte por inanição pelos seus amigos. No tempo de Rômulo, Mecênio matou sua esposa simplesmente por testar um vinho, nada sofrendo por conta dessa morte. Com referência a isso, também, era costume das mulheres beijar seus parentes porque eles podiam ser conhecidos por seu hálito. Onde está a felicidade da vida de casado, sempre tão desejável, que distinguiam nossos antigos costumes e por consequência dos quais por cerca de 600 anos não houve entre nós um único divórcio?
Agora, as mulheres têm cada membro do corpo carregado com ouro, beber vinho é tão comum entre elas que nunca dão o beijo espontaneamente, e para forçar o divórcio, elas sonham com ele como se fosse a consequência natural do casamento. As leis de vossos antepassados em sua sabedoria regulavam a respeito dos próprios deuses, as quais, vós, seus descendentes, revogaram.
Os cônsules, por autoridade do Senado, baniram o Pai Baco e seus cultos, não simplesmente da cidade, mas de toda Itália. Os cônsules Piso e Gabínio, decerto não cristãos, impediram os deuses Serápis, Ísis e Arpocrates, com seu amigo cabeça de cão, de serem admitidos no Capitólio, cassando-os de imediato da assembléia dos deuses, destruindo seus altares, expulsando-os do país, ansiosos de evitarem que se espalhassem os vícios em que se baseavam, bem como sua religião lasciva.
A esses vós restaurastes e lhes conferistes as mais elevadas honras. O que aconteceu com vossa religião, que venerava os vossos ancestrais? Em vossas vestes, em vossos alimentos, em vosso estilo de vida, em vossas opiniões, e, por último, em vossos ensinamentos, renunciastes aos vossos progenitores!
Estais sempre louvando os tempos antigos e, contudo, a cada dia aceitais novidades em vosso modo de vida. Falhastes em manter o que devíeis, fazeis isso claramente, porque enquanto abandonastes os bons costumes de vossos pais, retendes e guardais aquilo que não devíeis.
Ainda que pareçais defender tão fielmente a tradição verdadeira, na qual encontrais a principal razão de acusação contra os Cristãos - quero dizer, o zelo na adoração aos deuses, ponto principal no qual os antigos incidiram em erro, embora tenhais reconstruído os altares de Serápis, agora uma divindade romana, e a de Baco, agora tornado um deus da Itália, a quem ofereceis vossas orgias - demonstrarei na ocasião adequada, contudo, que desprezais, negligenciais e destruís a autoridade dos antigos, pondo-a inteiramente de lado.
Vou, por enquanto, responder àquela infame acusação de crimes secretos, trazendo as coisas à luz do dia.


O que você destaca neste texto?
Como ele serviu para sua espiritualidade?




Nenhum comentário:

Postar um comentário