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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Tertuliano de Cartago (155-220)
Apologia (Capítulo 7.8)
CAPÍTULO VII
- Monstros de maldade, somos acusados de realizar um rito sagrado no qual
imolamos uma criancinha e então a comemos, e no qual, após o banquete,
praticamos incesto, e os cães, nossos alcoviteiros, pois não, apagam as luzes
para na imoralidade da escuridão nos entregarmos a nossas ímpias luxurias! Isto
é o que constantemente usais para nos perseguir, embora não tenhais tido o
cuidado de elucidar a veracidade de tais coisas de que somos acusados há tanto
tempo.
Tragam,
então, esse assunto à luz do dia, se acreditais nisso, ou não lhes deis
crédito, se nunca investigastes a respeito. Com base nesse dissimulado jogo,
somos levados a vos esclarecer que não é verdade um fato que não ousais
investigar. Determinais aos executores, no caso dos Cristãos, um processo bem
diferente de investigação: não lhes cabe fazer-nos confessar o que praticamos,
mas fazer-nos negar o que somos. Datamos a origem de nossa religião, como antes
já mencionamos, do tempo do reino de Tibério.
A
verdade e a aversão à verdade vieram ao mundo juntas. Assim que a verdade
apareceu, foi olhada como inimiga. Nesse processo há tantos loucos quantos
desconhecedores dele: os Judeus, como se deve pensar, levados por um espírito
de rivalidade; os soldados, levados pelo desejo de extorquir dinheiro; nossos
domésticos, levados por sua natureza. Somos diariamente atacados por
ensandecidos, diariamente traídos, somos muitas vezes surpreendidos em nossas
assembleias ou cultos. Quem encontrou algo por pequeno que seja sobre uma
criança chorando, de acordo com o boato popular? Quem procurou o juiz porque
encontrou, de fato, as ensanguentadas fauces dos Ciclopes e das Sereias? Quem
achou quaisquer traços de impureza em nossas viúvas? Onde está o homem que
quando encontrou tais atrocidades as ocultou? Ou será que no ato de levar os
culpados à presença do juiz foi subornado para não proceder a acusação?
Se
sempre mantemos nossos segredos, quando se tornaram conhecidos do público
nossos atos? Então, por quem poderiam ter sido desvendados? De certo não pelos
próprios acusados, mesmo porque há o conceito de fidelidade ao silêncio que é
sempre própria dos mistérios. Por acaso, os Samotrácios e os Eleusínios não
escondem o quanto procuram manter silêncio a respeito do que verdadeiramente
são, em seus segredos, promovendo castigos humanos oportunos e ameaçando com a
futura ira divina?
Se,
então, os Cristãos não são eles próprios os denunciadores de seus crimes,
conclui-se que são os estranhos. E como têm conhecimento deles, quando é também
um costume universal nas iniciações religiosas manter os profanos à distância e
se precaver de testemunhas? A menos que aconteça que esses que são tão
perversos tenham menos medo do que seus vizinhos! Todo mundo sabe que coisa é o
boato. Diz um de vossos provérbios: "Dentre todos os males nada voa mais
depressa do que o boato".
É
porque ele dá informações? Ou é porque ele é tremendamente mentiroso? Não é uma
coisa que nem mesmo quando diz alguma verdade, apresenta uma mancha de
falsidade, seja detratando, seja aumentando, seja mudando o fato em si? E não
faz parte de sua natureza sobreviver somente enquanto mente, e viver somente
enquanto não há provas? Pois que quando se tem a prova, ele deixa de existir.
Tendo feito seu trabalho de simplesmente espalhar uma notícia, ele conta algo
que daí em diante passa a ser um fato e a ser chamado um fato. Então, já
ninguém diz, por exemplo: "Dizem que aconteceu em Roma", ou "Há
um boato de que ele ganhou uma província", mas "Ele ganhou uma
província", e "Aconteceu em Roma".
Boato
é a verdadeira designação da incerteza, não sobrevive quando o fato é
comprovado. Ninguém exceto um louco confia nele, não é? Um homem prudente nunca
acredita naquilo que é duvidoso. Todo mundo sabe como ele se espalha com
afinco, como sobrevive com uma afirmação sem limites, como é apenas uma vez ou
outra que mostra sua origem. Por isso, necessita se infiltrar através das
línguas e ouvidos. Uma pequena semente obscurece toda a história, de modo que
ninguém pode determinar se os lábios dos quais se originou, plantou a semente
da falsidade, como muitas vezes acontece, por um espirito de oposição ou por um
julgamento suspeito ou por um julgamento confirmado ou, como em alguns casos,
por um inato prazer em mentir.
É
certo que o tempo traz tudo à luz, como vossos provérbios e ditos testemunham,
por um procedimento da natureza da verdade que desvela as coisas de tal modo
que nada fica escondido por muito tempo, mesmo embora o boato não o faça. É
justamente, então, o que deve acontecer, com essa fama tão duradoura que
denuncia os crimes dos cristãos. Esse boato é a testemunha que trazeis contra
nós - boato que nunca foi capaz de provar a acusação que vez ou outra se
espalha e, ultimamente, por simples repetição se fez opinião firmada no mundo.
Assim, confiantemente apelo àquela natureza da verdade, sempre reveladora,
contra os que infundadamente levantam tais acusações. »
CAPÍTULO VIII
- Atentai agora! Apresentamo-vos a recompensa por essas monstruosidades: os
Cristãos prometem a vida eterna. Asseguram-na assim também como é de vossa
própria convicção. Pergunto-vos: se assim crêem, não julgais que se farão
dignos de obtê-la mantendo uma consciência igual a que pretendeis ter? Vamos,
enfiai vossa faca numa criança que não faz mal a ninguém, toda inocência, amada
por todos.
Ou
se isso é feito por outro, simplesmente assisti de vosso lugar a um ser humano
morrendo antes de ter realmente vivido, esperai a partida da última alma,
recebei o sangue fresco, molhai com ele vosso pão, participai disso livremente.
Enquanto vos reclinais à mesa, vede os lugares que vossa mãe e vossa irmã
ocupam. Guardai-os bem, de modo que quando o cão trouxer a escuridão para vos
envolver, não possais cometer erro, porque sereis culpados de crime se não
cometerdes uma ação de incesto. Iniciados e marcados em semelhantes
barbaridades, tendes a vida eterna!
Dizei-me,
imploro-vos, é a eternidade digna disso? Se não é, então tais coisas não devem
merecer crédito. Mesmo se acreditastes, nego essa vossa vontade. E mesmo se
tivestes a vontade, nego a possibilidade. Por que, então, outros poderiam
fazê-lo? Por que não podeis se outros podem? Suponho, então, que somos de uma
natureza diferente. Somos Cães ou Monstros?
Sois
homens tanto quanto os cristãos; se não podeis fazê-lo, não podeis acreditar
que outros o possam, porque os cristãos são humanos tanto quanto vós. Mas os
que desconhecem essas coisas certamente estão decepcionados e se prevalecem
disso. Estão perfeitamente inscientes de que algo dessa natureza é imputado aos
cristãos ou, certamente, se informaram por si próprios e desvendaram o assunto.
Mas,
em vez disso, é costume das pessoas que desejam iniciação a ritos sagrados,
penso eu, ir antes de tudo ao Líder deles para que lhes possa explicar os
preparativos que devem ser feitos. Então, nesse caso, não há dúvidas que este
diria: deveis levar uma criança ainda de tenra idade, que não saiba o que é
morrer, e possa sorrir sob vossa faca; também, pão para aparar o sangue que
correrá.
Além
disso, candelabros, lâmpadas, e cães, com iscas para atraí-los ao apagar das
luzes. E, antes de tudo, deveis levar vossa mãe e vossa irmã convosco. Mas o
que fazer se a mãe e a irmã não quiserem ir? Ou se não tiver nem uma nem outra?
O que fazer se houver cristãos sem parentes cristãos? Não será tido, suponho,
por um verdadeiro seguidor de Cristo, quem não tiver um irmão ou um filho.
E
o que acontecerá, se essas coisas todas estiverem dispostas como dito, sem o
conhecimento deles? No máximo, depois que eles os virem, se afastam e os
perdoam. Temem - é de se concluir - que pagarão por isso se divulgarem o
segredo? De modo algum, antes irão, em tal caso, pedir proteção. Preferirão
mesmo - pode-se entender - morrer por suas próprias mãos a viver sob o fardo de
tão terrível conhecimento. Admitamos que eles terão medo.
Contudo
por que eles iriam continuar com a coisa? Pois é bastante claro que vós não
desejaríeis continuar sendo o que nunca quisestes ser, se tivésseis tido prévio
conhecimento do assunto. »
O
que você destaca neste texto?
Como
ele serviu para sua espiritualidade?
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