segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

79 - Tertuliano de Cartago (155-220) Apologia (Capítulo 3-4)


Grupo de Formação - RIO
79
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Tertuliano de Cartago (155-220)
Apologia (Capítulo 3-4)

CAPÍTULO III - Que pensarmos disto: a maioria do povo tão cega bate suas cabeças contra o odiado nome de "Cristão"? Quando dão testemunho de alguém, eles confundem com aversão o nome de quem testemunham. "Gaio Seius é um bom homem" - diz alguém... "só que é cristão". E outro: "Fico atônito como um homem inteligente como Lúcio pode de repente se tornar cristão". Ninguém considera necessário apreciar se Gaio é bom ou não, e Lúcio, inteligente ou não.
O que conta no caso é se é cristão ou se é cristão embora sendo inteligente e bom. Eles louvam o que conhecem e desprezam aquilo que não conhecem. Baseiam seu conhecimento em sua ignorância embora, por justiça, preferencialmente se deva julgar o que é desconhecido pelo que é conhecido e não o que é conhecido pelo que é desconhecido. Outros, no caso de pessoas a quem conheceram antes de se tornarem cristãos, que conheciam como mundanas, vis, más, aplicam-lhes a marca da qualidade que verdadeiramente apreciam. Na cegueira de sua aversão, tornam-se grosseiros em seu próprio julgamento favorável: "Que mulher era ela! Que temerária! Como era alegre! Como ele era jovem! Que descarado! Como era amigo do prazer! - E pena, se tornaram cristãos!".
Assim, o nome odiado é usado preferencialmente a uma reforma de caráter. Alguns até trocam seus confortos por este ódio, satisfazendo-se em cometer uma injúria para livrarem sua casa dessa sua mais odiosa inimizade. O marido, agora não mais ciumento, expulsa de sua casa a esposa, agora casta. O pai, que costumava ser tão paciente, deserda o filho, agora obediente. O patrão, outrora tão educado, manda embora o servo, agora fiel. Constitui grave ofensa alguém reformar sua vida por causa do nome detestado. Bondade é de menos valor do que o ódio aos Cristãos. Bem, então, se tal é a aversão pelo nome, que censura podeis vós aplicar a nomes?
Que acusação podeis levantar contra simples designações, a não ser que o nome indique algo bárbaro, algo desgraçado, algo vil, algo libidinoso. Mas Cristão, tanto quanto indica o nome, é derivado de "ungido". Sim, e mesmo quando é pronunciado de forma errada por vós, "Chrestianus", - por vós que não sabeis precisamente o nome que odiais - ele lembra doçura e benignidade. Odiais, portanto, gratuitamente, um nome inocente. Mas o especial motivo de desagrado com a seita é que lembra o nome de seu Fundador.
Existe novidade numa seita religiosa que dá a seus seguidores o nome de seu Mestre? Não são os filósofos designados com o nome dos fundadores de seus sistemas: Platônicos, Epicuristas, Pitagóricos? Não são os Estóicos e Acadêmicos assim chamados também por causa dos lugares nos quais se reuniam e permaneciam? Não são os médicos chamados por nome derivado de Erasistrato, os gramáticos, de Aristarco, e também os cozinheiros, de Apício? E, contudo, a exibição do nome, derivado do fundador original, ou qualquer nome designado por ele, não ofende a ninguém. Não há dúvida de que se a seita se comprova maléfica, e, igualmente, mau seu fundador, isso nos leva a considerar maléfico o nome e nos merece aversão o caráter seja da seita, seja do autor.
Antes, contudo, de assumir uma aversão ao nome, sois obrigados a julgar a seita pelo que é o autor, ou o autor pelo que é a seita. Mas, no caso em questão, sem nenhum exame ou conhecimento de ambos, o simples nome se torna objeto de acusação; o simples nome é atacado, e somente uma palavra leva à condenação da seita e de seu autor, conquanto a ambos desconheceis, mas apenas porque eles têm tal e tal nome, não porque foram julgados por algo errado. »

CAPÍTULO IV - Assim, tendo feito essas observações como se fossem um prefácio, pelo qual mostro em verdadeiras cores a injustiça do nosso inimigo público, posso agora fundamentar o argumento da nossa inocência. E poderei não somente refutar as coisas de que nos acusam, como também replicar aos nossos acusadores, para que assim todos saibam que os Cristãos estão inocentes desses muitos crimes que os acusadores sabem existirem entre eles mesmos, mas que, em suas acusações contra nós, consideram vergonhosos. São acusações - eu não saberia dizer - dos piores homens contra os melhores, pois eles mesmos praticam tais crimes; [acusam] contra aqueles que, no caso, apenas seriam seus companheiros de pecado! Poderemos refutar a acusação dos variados crimes de que nos acusam cometer em segredo, já que os vemos cometendo-os à luz do dia.
Como são culpados dos crimes de que somos acusados sem sentido, são merecedores de castigo, caindo no ridículo. Mas, mesmo que nossa verdade vos refute com sucesso em todos os pontos, vem se interpor a autoridade da lei, como um último recurso, e alegais que suas determinações são absolutamente conclusivas, que devem ser obedecidas, embora de má vontade, e preferidas à verdade. Assim, nesse assunto das leis, me entenderei primeiramente convosco como sendo elas vossos protetores escolhidos.
Em primeiro lugar, quando rigidamente as aplicais em vossas declarações: "Não é legal a vossa existência", e, com rigor sem hesitações, ordenais que assim continue, estais demonstrando a dominação violenta e injusta de uma simples tirania, afirmando que algo é ilegal simplesmente porque quereis que seja ilegal e não porque deva ser ilegal. Mas se quereis que seja ilegal porque tal coisa não merece ser legal, sem dúvida não deve ser dada permissão da lei para o que é prejudicial. Deste modo, de fato, já está definido que o que é benéfico é legítimo.
Bem, se eu verificar algo que em vossa lei proíba ser bom porque alguém concluiu assim por opinião prévia, não perdeu seu poder de me proibi-la, embora se tal coisa fosse má poderia me proibi-la? Se vossa lei incidiu em erro, é de origem humana, julgo. Ela não caiu do céu. Não é admirável que um homem possa errar ao fazer uma lei ou cair em seus sentidos e rejeitá-la?
Os Lacedemonios não emendaram as leis do próprio Licurgo, daí causando tal desgosto a seu autor que ele se calou, e se condenou a si próprio à morte por inanição? Não estais, a cada dia, fazendo esforços para iluminar a escuridão da antigüidade, eliminando e aparando com os novos machados das prescrições e editos todos os galhos obsoletos e emaranhados das vossas leis?
Severo, o mais resoluto dos governantes, não acabou somente ontem com as leis do ridículo Pápias, que compeliam as pessoas a terem filhos antes que as leis de Juliano as permitissem contrair matrimônio e isso embora tivessem a autoridade da idade a seu favor?
Houve leis, também, antigamente, legislando que as partes contra as quais havia sido dada uma decisão, podiam ser cortadas aos pedaços por seus credores. Contudo, por consenso comum, aquela crueldade foi posteriormente retirada dos regimentos, e a pena capital se transformou numa marca de vergonha.
Adotando o plano de confiscar os bens dos devedores, obteve-se mais tingindo de rubor suas faces do que fazendo jorrar seu sangue. Quantas leis permanecem escondidas fora das vistas que ainda necessitam ser reformadas! Para isso, nem o número de seus anos, nem a dignidade de seus legisladores é que as recomendam, mas simplesmente se são justas; e, portanto, quando sua injustiça é reconhecida, são merecidamente condenadas.
Até mesmo os governantes as condenam. Então, por que os chamamos injustos? Não apenas! Se eles punem simples nomes, podemos chamá-los de irracionais. Mas, eles punem atos! Por que, em nosso caso, castigam atos somente com fundamento num nome enquanto nos outros casos exigem que eles sejam provados não apenas por um nome, mas pelo mal feito?
Eu sou praticante de incesto (assim o dizem): por que não fazem uma investigação sobre isso? Eu sou um matador de crianças, por que não aplicam a tortura para obterem de mim a verdade? Eu sou culpado de crimes contra os deuses, contra os Césares. Por que? Ora, eu sou capaz de me defender, por que sou impedido de ser ouvido em minha própria crença?
Nenhuma lei proíbe examinar minuciosamente os crimes que condenam, porque um juiz nunca aplica um castigo adequado se não está bem seguro de que foi cometido um crime, nem obriga um cidadão às justas cominações da lei, se não sabe a natureza do ato pelo qual está sendo punido. Não é suficiente que a lei seja justa, nem que o juiz esteja convencido da sua justiça. Aqueles dos quais se espera obediência deverão estar convencidos disto também. Não apenas! Uma lei fica sob forte suspeita se não se preocupam que ela mesma seja examinada e aprovada. É realmente uma má lei se, não homologada, tiranizar os homens. »

O que você destaca neste texto?
Como ele serviu para sua espiritualidade?





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