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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Tertuliano de Cartago (155-220)
Apologia (Capítulo
3-4)
CAPÍTULO
III - Que pensarmos disto: a maioria do povo tão cega bate suas cabeças contra
o odiado nome de "Cristão"? Quando dão testemunho de alguém, eles
confundem com aversão o nome de quem testemunham. "Gaio Seius é um bom
homem" - diz alguém... "só que é cristão". E outro: "Fico
atônito como um homem inteligente como Lúcio pode de repente se tornar cristão".
Ninguém considera necessário apreciar se Gaio é bom ou não, e Lúcio,
inteligente ou não.
O
que conta no caso é se é cristão ou se é cristão embora sendo inteligente e
bom. Eles louvam o que conhecem e desprezam aquilo que não conhecem. Baseiam
seu conhecimento em sua ignorância embora, por justiça, preferencialmente se
deva julgar o que é desconhecido pelo que é conhecido e não o que é conhecido
pelo que é desconhecido. Outros, no caso de pessoas a quem conheceram antes de
se tornarem cristãos, que conheciam como mundanas, vis, más, aplicam-lhes a
marca da qualidade que verdadeiramente apreciam. Na cegueira de sua aversão,
tornam-se grosseiros em seu próprio julgamento favorável: "Que mulher era
ela! Que temerária! Como era alegre! Como ele era jovem! Que descarado! Como
era amigo do prazer! - E pena, se tornaram cristãos!".
Assim,
o nome odiado é usado preferencialmente a uma reforma de caráter. Alguns até
trocam seus confortos por este ódio, satisfazendo-se em cometer uma injúria
para livrarem sua casa dessa sua mais odiosa inimizade. O marido, agora não
mais ciumento, expulsa de sua casa a esposa, agora casta. O pai, que costumava
ser tão paciente, deserda o filho, agora obediente. O patrão, outrora tão
educado, manda embora o servo, agora fiel. Constitui grave ofensa alguém
reformar sua vida por causa do nome detestado. Bondade é de menos valor do que
o ódio aos Cristãos. Bem, então, se tal é a aversão pelo nome, que censura
podeis vós aplicar a nomes?
Que
acusação podeis levantar contra simples designações, a não ser que o nome
indique algo bárbaro, algo desgraçado, algo vil, algo libidinoso. Mas Cristão,
tanto quanto indica o nome, é derivado de "ungido". Sim, e mesmo
quando é pronunciado de forma errada por vós, "Chrestianus", - por
vós que não sabeis precisamente o nome que odiais - ele lembra doçura e
benignidade. Odiais, portanto, gratuitamente, um nome inocente. Mas o especial
motivo de desagrado com a seita é que lembra o nome de seu Fundador.
Existe
novidade numa seita religiosa que dá a seus seguidores o nome de seu Mestre?
Não são os filósofos designados com o nome dos fundadores de seus sistemas:
Platônicos, Epicuristas, Pitagóricos? Não são os Estóicos e Acadêmicos assim
chamados também por causa dos lugares nos quais se reuniam e permaneciam? Não
são os médicos chamados por nome derivado de Erasistrato, os gramáticos, de
Aristarco, e também os cozinheiros, de Apício? E, contudo, a exibição do nome,
derivado do fundador original, ou qualquer nome designado por ele, não ofende a
ninguém. Não há dúvida de que se a seita se comprova maléfica, e, igualmente,
mau seu fundador, isso nos leva a considerar maléfico o nome e nos merece
aversão o caráter seja da seita, seja do autor.
Antes,
contudo, de assumir uma aversão ao nome, sois obrigados a julgar a seita pelo
que é o autor, ou o autor pelo que é a seita. Mas, no caso em questão, sem
nenhum exame ou conhecimento de ambos, o simples nome se torna objeto de
acusação; o simples nome é atacado, e somente uma palavra leva à condenação da
seita e de seu autor, conquanto a ambos desconheceis, mas apenas porque eles
têm tal e tal nome, não porque foram julgados por algo errado. »
CAPÍTULO
IV - Assim, tendo feito essas observações como se fossem um prefácio, pelo qual
mostro em verdadeiras cores a injustiça do nosso inimigo público, posso agora
fundamentar o argumento da nossa inocência. E poderei não somente refutar as
coisas de que nos acusam, como também replicar aos nossos acusadores, para que
assim todos saibam que os Cristãos estão inocentes desses muitos crimes que os
acusadores sabem existirem entre eles mesmos, mas que, em suas acusações contra
nós, consideram vergonhosos. São acusações - eu não saberia dizer - dos piores
homens contra os melhores, pois eles mesmos praticam tais crimes; [acusam]
contra aqueles que, no caso, apenas seriam seus companheiros de pecado!
Poderemos refutar a acusação dos variados crimes de que nos acusam cometer em
segredo, já que os vemos cometendo-os à luz do dia.
Como
são culpados dos crimes de que somos acusados sem sentido, são merecedores de
castigo, caindo no ridículo. Mas, mesmo que nossa verdade vos refute com
sucesso em todos os pontos, vem se interpor a autoridade da lei, como um último
recurso, e alegais que suas determinações são absolutamente conclusivas, que
devem ser obedecidas, embora de má vontade, e preferidas à verdade. Assim,
nesse assunto das leis, me entenderei primeiramente convosco como sendo elas
vossos protetores escolhidos.
Em
primeiro lugar, quando rigidamente as aplicais em vossas declarações: "Não
é legal a vossa existência", e, com rigor sem hesitações, ordenais que
assim continue, estais demonstrando a dominação violenta e injusta de uma
simples tirania, afirmando que algo é ilegal simplesmente porque quereis que
seja ilegal e não porque deva ser ilegal. Mas se quereis que seja ilegal porque
tal coisa não merece ser legal, sem dúvida não deve ser dada permissão da lei
para o que é prejudicial. Deste modo, de fato, já está definido que o que é
benéfico é legítimo.
Bem,
se eu verificar algo que em vossa lei proíba ser bom porque alguém concluiu
assim por opinião prévia, não perdeu seu poder de me proibi-la, embora se tal
coisa fosse má poderia me proibi-la? Se vossa lei incidiu em erro, é de origem
humana, julgo. Ela não caiu do céu. Não é admirável que um homem possa errar ao
fazer uma lei ou cair em seus sentidos e rejeitá-la?
Os
Lacedemonios não emendaram as leis do próprio Licurgo, daí causando tal
desgosto a seu autor que ele se calou, e se condenou a si próprio à morte por
inanição? Não estais, a cada dia, fazendo esforços para iluminar a escuridão da
antigüidade, eliminando e aparando com os novos machados das prescrições e
editos todos os galhos obsoletos e emaranhados das vossas leis?
Severo,
o mais resoluto dos governantes, não acabou somente ontem com as leis do
ridículo Pápias, que compeliam as pessoas a terem filhos antes que as leis de
Juliano as permitissem contrair matrimônio e isso embora tivessem a autoridade
da idade a seu favor?
Houve
leis, também, antigamente, legislando que as partes contra as quais havia sido
dada uma decisão, podiam ser cortadas aos pedaços por seus credores. Contudo,
por consenso comum, aquela crueldade foi posteriormente retirada dos
regimentos, e a pena capital se transformou numa marca de vergonha.
Adotando
o plano de confiscar os bens dos devedores, obteve-se mais tingindo de rubor
suas faces do que fazendo jorrar seu sangue. Quantas leis permanecem escondidas
fora das vistas que ainda necessitam ser reformadas! Para isso, nem o número de
seus anos, nem a dignidade de seus legisladores é que as recomendam, mas
simplesmente se são justas; e, portanto, quando sua injustiça é reconhecida,
são merecidamente condenadas.
Até
mesmo os governantes as condenam. Então, por que os chamamos injustos? Não
apenas! Se eles punem simples nomes, podemos chamá-los de irracionais. Mas,
eles punem atos! Por que, em nosso caso, castigam atos somente com fundamento
num nome enquanto nos outros casos exigem que eles sejam provados não apenas
por um nome, mas pelo mal feito?
Eu
sou praticante de incesto (assim o dizem): por que não fazem uma investigação
sobre isso? Eu sou um matador de crianças, por que não aplicam a tortura para
obterem de mim a verdade? Eu sou culpado de crimes contra os deuses, contra os
Césares. Por que? Ora, eu sou capaz de me defender, por que sou impedido de ser
ouvido em minha própria crença?
Nenhuma
lei proíbe examinar minuciosamente os crimes que condenam, porque um juiz nunca
aplica um castigo adequado se não está bem seguro de que foi cometido um crime,
nem obriga um cidadão às justas cominações da lei, se não sabe a natureza do
ato pelo qual está sendo punido. Não é suficiente que a lei seja justa, nem que
o juiz esteja convencido da sua justiça. Aqueles dos quais se espera obediência
deverão estar convencidos disto também. Não apenas! Uma lei fica sob forte
suspeita se não se preocupam que ela mesma seja examinada e aprovada. É
realmente uma má lei se, não homologada, tiranizar os homens. »
O
que você destaca neste texto?
Como
ele serviu para sua espiritualidade?
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