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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Tertuliano de Cartago (155-220)
Apologia (Capítulo
20-21)
CAPÍTULO XX
Para concluir nossa
digressão, transmitimo-vos isto de maior importância. Apontamo-vos o poder de
nossas Escrituras, se não por sua antigüidade, no caso de duvidardes que sejam
tão antigas como dizemos, pela prova que damos de que são divinas. Assim,
podereis vos convencer disso de uma vez por todas, sem que nos estendamos mais.
Vossos mestres, o mundo, a
antiguidade e os acontecimentos estão todos à vossa vista. Tudo aquilo que vos
cerca, estou na vossa dianteira anunciando. Tudo o que vos cerca e agora vedes
foi previamente anunciado. Tudo o que agora vedes já foi anteriormente predito aos
ouvintes humanos.
A destruição de cidades da terra,
a submersão de ilhas pelos mares, guerras que trouxeram convulsões internas e
externas, o embate de reinos contra reinos, as epidemias de fome e de pestes,
os massacres em certos lugares, as desolações disseminadas das mortalidades, a
exaltação dos pobres e humildes sobre os orgulhosos, a decadência da
honestidade, a disseminação do pecado, os instrumentos da ambição deslavrada
dos bens, as próprias estações e atividades elementares naturais escapando a
seus normais cursos, monstros e prodígios tomando o lugar de formas naturais -
isso tudo foi previsto e predito antes que acontecesse. Enquanto sofremos as
calamidades, estamos lendo sobre elas nas Escrituras.
Se verificarmos, elas estão sendo
confirmadas. Sim, a verdade de uma profecia, julgo, é a demonstração de seu
acontecimento posterior. Daí termos entre nós uma fé confirmada a respeito do
eventos que vêm como coisas já confirmadas, porque foram preditas e igualmente
cumpridas em nosso dia a dia.
Elas foram proferidas pelas
mesmas vozes, escritas nos mesmos livros - o mesmo Espírito as inspirou.
Constantemente há alguém predizendo os acontecimentos futuros. O tempo é um só
para a profecia que prediz o futuro.
Entre os homens, talvez, há uma
distinção dos tempos, já que o seu cumprimento vem depois. Sendo eventos do
futuro, nós os consideramos como presentes e, então, quando se fazem presentes,
nós os consideramos como pertencendo ao passado.
Como podemos ser censurados,
dizei-nos, porque acreditamos nas coisas que virão como se já tivessem
acontecido, com essas provas para nossa fé nesses dois instantes. »
CAPÍTULO XXI
Agora, tendo
confirmado que nossa religião está fundamentada nas escrituras dos hebreus, as
mais antigas que existem, embora seja corrente e nós admitimos inteiramente que
nossa religião date de um período comparativamente recente - não anterior ao
reino de Tibério, talvez, devamos levantar a questão de suas bases, para não
parecer que ocultamos sua origem sob a sombra de uma ilustre religião, a qual
possui, sob todos os aspectos, indubitavelmente, a aceitação da lei.
Igualmente, além da questão da
idade, não concordamos com os judeus em suas particularidades com respeito à
alimentação, aos dias sagrados, nem mesmo no seu bem conhecido sinal da
circuncisão, nem no uso de um nome comum, o que, certamente, seria o caso, já
que prestamos homenagem ao mesmo Deus.
Igualmente, o povo comum tem
algum conhecimento sobre Cristo, mas não o considera senão um homem, alguém
que, de fato, os judeus condenaram, de modo que muitos naturalmente imaginaram
que somos adoradores de um simples ser humano. Mas não estamos nem
envergonhados de Cristo - porque nos alegramos de sermos contados entre seus
discípulos e de sofrermos por seu nome - nem divergimos dos judeus com relação
a Deus.
Faremos, portanto, uma observação
ou duas quanto à divindade de Cristo. Nos tempos antigos os judeus muito
gozaram do favor de Deus, quando os predecessores de sua raça se notabilizaram
por sua honestidade e fé. Assim foi que floresceram muitíssimo como um povo e
seu reino atingiu uma eminência sublime.
Tão abençoados eram que para sua
instrução Deus lhes falou através de especiais revelações, indicando-lhes antes
de tudo como deviam se fazer merecedores de Seu favor e de como evitar Seu
desagrado. Mas, caíram profundamente no pecado, se ensoberbeceram na sua fé com
a falsa confiança em seus nobres ancestrais, desviando-se do caminho de Deus
para um caminho de transviada impiedade, e embora eles se neguem a reconhecer
isso, sua ruína nacional atual poderia ser prova suficiente do ocorrido.
Dispersos mundo afora, como uma
raça de errantes, exilados de sua própria terra e clima, vagam por todo o mundo
sem um rei humano ou divino, não possuindo nem mesmo o direito que têm os estrangeiros
de andarem em seu país nativo.
Os escritores sagrados, contudo,
lhes tinham advertido previamente dessas coisas, todos com igual clareza, e até
declararam que, nos últimos dias do mundo, Deus, de todas as nações, povos e
países, escolheria Seus próprios e mais fiéis adoradores, aos quais conferiria
Sua graça.
Faria isso mais amplamente,
preservando-os com o poder de uma concessão mais sublime. Fielmente, Ele
apareceu entre nós, conforme fora previamente anunciado, para renovar e
iluminar a natureza humana.
Refiro-me a Cristo, o Filho de
Deus. E assim o Senhor supremo, o Ministrador dessa graça e modo de vida, o
Iluminador e Mestre da raça humana, Filho do próprio Deus, se fez anunciar como
tendo nascido entre nós. Nascido, porém, de forma a não se envergonhar do nome
de Filho ou de Sua origem paterna.
Não foi seu destino provir de Seu
pai através de incesto com uma irmã, ou de violação de uma filha ou da esposa
de outro, um deus na forma de serpente, ou de boi, ou de pássaro, ou de um
amante, de modo que sua baixeza o transformasse no ouro de Dânaos.
Assim são vossas divindades sobre
as quais recaíram tais crimes de Júpiter. Mas o Filho de Deus não teve mãe que,
em nenhum sentido, fosse envolvida em impureza. Aquela que os homens têm por
Sua mãe, pelo contrário, nunca teve relacionamento nupcial.
Mas, primeiro, falarei sobre Sua
natureza essencial e, então, a natureza de Seu nascimento poderá ser
compreendida. Já afirmamos que Deus fez o mundo e tudo o que ele contem, por
Sua Palavra, Razão e Poder. É plenamente aceito que vossos filósofos também têm
em vista o Logos - isto é, a Palavra e a Razão - como o Criador do universo.
Zenão explicou que ele é o criador, tendo feito todas as coisas de acordo com
determinado plano, que seu nome é o Destino, e Deus, e a alma de Júpiter, e a
necessidade de todas as coisas. Cleanto atribui tudo isso ao espírito que,
segundo afirma, pervade o universo.
E nós, de maneira semelhante,
afirmamos que a Palavra, a Razão e o Poder, com as quais denominamos Deus tudo criou,
é espírito com sua substância própria e essencial, da qual a Palavra provem
como expressão, e a razão habita para dispor e arranjar, e o poder se sobressai
para executar.
Aprendemos que a Palavra procede
de Deus, e nessa processão Ela é gerada, de modo que Ela é o Filho de Deus, e é
Deus, em unidade e em mesma substância com Deus. Em Deus, igualmente, há um
Espírito. Mesmo quando o raio é lançado do sol, é ainda parte da massa que o
gerou. O sol ainda está no raio, porque é um raio do sol. Não há divisão de
substância mas simplesmente uma extensão.
Assim Cristo é Espírito do
Espírito, Deus de Deus, Luz da Luz. O material matriz permanece inteiro e não
diminuído, embora dele derive qualquer número de raios, possuindo suas
qualidades. Assim, também, Aquele que provem de Deus é por sua vez Deus e Filho
de Deus, e os dois são um só. Dessa maneira, como Ele é Espírito do Espírito,
Deus de Deus, Ele é gerado como segundo no modo de existência - na posição, não
na natureza.
Ele não é criado pela fonte original,
mas dela foi gerado. Este raio de Deus, então, como foi sempre previsto nos
tempos antigos, desceu sobre uma virgem, e se fez carne em seu ventre; é em Seu
nascimento juntamente Deus e homem.
A carne informada pelo Espírito é
alimentada, cresce até tornar-se adulto, fala, prega, trabalha - é o Cristo.
Acolha, por enquanto, esta fábula se assim quiserdes chamá-la. É uma concepção
vossa, enquanto continuaremos a mostrar como a reivindicação de Cristo foi
provada, e como as versões de vosso conhecimento pelas quais tais fábulas foram
apresentadas para destruir a verdade, se assemelham.
Os judeus, também, estiveram
preocupados de que Cristo tivesse vindo, eles aos quais os profetas falaram.
Mas não, ainda agora Seu advento continua sendo esperado por eles. Não há
nenhuma dissensão entre eles e nós, senão que eles acreditam que o advento
ainda não aconteceu.
Pois duas vindas de Cristo nos
foram reveladas: a primeira que já se cumpriu na baixeza do destino humano, uma
segunda que pende sobre o mundo, agora perto de seu fim, com toda a majestade
da Divindade desvelada.
Por interpretarem mal a primeira
vinda, os judeus concluíram que a segunda - objeto de predição mais manifesta,
e na qual colocam suas esperanças - seria a única. Isto foi o castigo devido a seus
pecados - não compreenderem a primeira vinda do Senhor - porque eles a tiveram,
mas nela não quiseram acreditar. Se tivessem acreditado, poderiam ter obtido
salvação.
Eles próprios leram o que foi
escrito a seu respeito - que estão privados da sabedoria e do entendimento - do
uso de seus olhos e de seus ouvidos. Assim, então, sob a força de sua rejeição
se convenceram a si próprios desse seu baixo procedimento: que Cristo não foi
mais do que um homem, seguindo-se, como conseqüência necessária, que tivessem
Cristo na conta de mágico, devido aos Seus poderes que demonstrou - expulsando
demônios dos homens por sua palavra, restaurando a visão aos cegos, limpando os
leprosos, curando os paralíticos, trazendo de novo à vida quem já estava morto,
fazendo com que os próprios elementos da natureza o obedecessem, amainando as
tempestades e andando por sobre o mar, provando que era o Logos de Deus, aquela
primordial Palavra de todo o sempre gerada, acompanhada pelo Poder e Razão e
vinda pelo Espírito - Aquele que agora faz todas as coisas pelo poder de sua
Palavra e Aquele que fez que do anterior proviesse um e o mesmo.
Mas os judeus ficaram tão
exasperados com seus ensinamentos, pelos quais seus governantes e chefes se
convenceram da verdade, principalmente porque muitíssimos O seguiram, que, por
último, O levaram ante Pôncio Pilatos, naquele tempo governador da Síria.
Então, pela violência de seus gritos contra Ele, obtiveram uma sentença
entregando-lhes Cristo para ser crucificado.
O próprio Cristo havia predito
tudo isso, o que teria pouco sentido se não tivessem os profetas antigos dito a
mesma coisa. E, no entanto, pregado na cruz, Cristo manifestou muitas
maravilhas admiráveis pelas quais Sua morte foi diferente de todas as outras.
Por Sua livre vontade, com uma palavra fez entrega de seu Espírito, antecipando
o trabalho dos carrascos.
Na mesma hora, também, a luz do
dia feneceu, enquanto o sol naquele momento, exatamente, estava fulgurando no
seu meridiano. Aqueles que não estavam cientes de que isso tinha sido predito
sobre Cristo, pensaram, sem dúvidas, que era um eclipse. Vós mesmos tendes
ainda registro em vossos arquivos desse fenômeno da natureza.
Quando seu corpo foi descido da
cruz e colocado numa sepultura, os judeus em seu ansioso cuidado cercaram-na
com uma grande guarda militar, uma vez que Cristo havia predito Sua
ressurreição da morte no terceiro dia. Seus discípulos poderiam secretamente
retirar seu corpo e, assim, enganar os incrédulos.
Mas, no terceiro dia houve um
repentino abalo de terremoto e a pedra que selava a sepultura rolou de seu
lugar. Os guardas fugiram com medo. Não havendo nenhum discípulo por perto, a
sepultura foi encontrada totalmente vazia exceto pelo sudário daquele que fora
ali sepultado.
Mas, assim mesmo, os chefes dos judeus,
a quem de perto interessava espalhar uma mentira e, por suas crenças, conservar
o povo sob tributos e submissão, disseram que o corpo de Cristo tinha sido
roubado pelos discípulos de Cristo. Quanto ao Senhor, vede, não apareceu à
vista do público, para que os culpados não se livrassem de seus erros, porque a
fé, também, merecedora de uma grande recompensa, se fundamenta na dificuldade.
Mas Ele ficou quarenta dias com
muitos de Seus discípulos, na Galiléia, uma região da Judéia, instruindo-os nas
doutrinas que deveriam ensinar aos outros. Depois disso, tendo lhes dado o
encargo de pregarem a boa nova em todo o mundo, Ele foi cercado por uma nuvem e
subiu aos céus - um acontecimento muitíssimo mais certo do que as afirmações de
vossos procônsules a respeito de Rômulo.
Todas essas coisas Pilatos fez a
Cristo, e agora, realmente, os cristãos têm suas próprias convicções. Pilatos
escreveu sobre Cristo ao Imperador reinante que era, na época, Tibério. Sim, e
os Imperadores também teriam acreditado em Cristo, caso os Imperadores não
tivessem sido necessários ao mundo, ou se os cristãos pudessem se tornar
Imperadores. Seus discípulos, espalhando-se pelo mundo afora, fizeram o que Seu
Divino Mestre dissera, e após sofrerem muito, eles próprios, com as perseguições
dos judeus, com generosidade de coração, mantendo a fé na verdade, por último,
semearam pela cruel espada de Nero, com sangue cristão, a sede de Roma. Sim,
provarei que mesmo vossos próprios deuses são testemunhas efetivas em favor de
Cristo.
Seria de grande importância, para
colocardes vossa fé nos cristãos, se eu pudesse vos demonstrar a autoridade dos
próprios seres por conta dos quais recusais dar-lhes créditos. Eis que vos
desvendamos a fé em que nos fundamentamos. Expusemos a origem e o nome de nossa
seita, com esse relato do Fundador do Cristianismo.
Que ninguém, doravante, nos acuse
com infame maldade, que ninguém pense que algo seja diferente do que
apresentamos, para que ninguém possa fazer um falso conceito dessa religião.
Pois se alguém adora um outro Deus, diferentemente do que diz, se torna culpado
de negar o objeto de sua adoração, transfere sua adoração e homenagem a outro,
e nessa transferência deixa de adorar o Deus que a repudia.
Afirmamos, clamamos diante de
todos os homens, e dilacerados, sangrando debaixo de vossas torturas, gritamos:
"Nós adoramos Deus por Cristo." Tende Cristo como um homem, se assim
vos agrada. Por Ele e n' Ele Deus desejaria ser conhecido e adorado. Se os
judeus objetam a isso, respondemos que Moisés, que não foi senão um homem, foi
quem lhes ensinou sua religião. Contra os gregos arguimos que Orfeu em Piéria,
as Musas em Atenas, Melampo em Argos, Trofônio na Beócia, impuseram seus ritos
religiosos. Respondendo a vós próprios que costumais oscilar entre as nações,
foi um homem, Numa Pompílio, que impôs aos romanos um pesado fardo de custosas
superstições.
Certamente Cristo, então, tem
direito de revelar a Divindade que era, de fato, Sua própria essencial
possessão, não com o objetivo de manipular ignorantes e selvagens com o temor
de uma multidão de deuses, cujos favores deveriam resultar numa civilização,
como foi o caso com Numa, mas como alguém que gostava de iluminar os homens já
civilizados e sob ilusões de sua própria cultura, para que eles pudessem conhecer
a verdade. Pesquisai, pois, e vede se a divindade de Cristo é verdadeira. Se é
de tal natureza que o seu acolhimento transforma o homem e o faz melhor,
implicando isso no dever de renunciar como falso o que se lhe opõe.
Especialmente se oculta ele próprio,
sob o nome e a imagem da morte, seus esforços para convencer os homens de sua
divindade, através de sinais especiais, milagres e predições. »
O
que você destaca no texto?
Como
ele serviu para sua espiritualidade?