terça-feira, 9 de julho de 2019

102 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 13)


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102
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 13)


HOMILIA 13 - Lc 2.13-16
Sobre o que está escrito: “E se juntou uma multidão do exército celeste” até aquela passagem que diz: “Eles encontraram Maria e Jesus colocado numa manjedoura”.

O cântico dos anjos
Nosso Senhor e Salvador nasce em Belém, e “uma multidão do exército celeste louva a Deus e diz: Glória a Deus nas alturas, e sobre a terra paz aos homens, objetos da benevolência divina”.
Assim fala “A multidão do exército celeste”, porque ela já havia falhado em oferecer seu auxílio aos homens, e porque via que não podia cumprir o que lhe havia sido confiado sem aquele que verdadeiramente podia salvar e também ajudar aos próprios guias dos homens, para que os homens fossem salvos.
Como está escrito no Evangelho, que alguns homens estavam já cansados de ter sulcado o mar contra ventos contrários e, tendo penado vinte e cinco ou trinta estádios, não podiam alcançar o porto, e depois o Senhor sobreveio e fez acalmar as ondas tumultuosas e livrou o navio de um perigo iminente, cujos flancos de ambos os lados recebiam golpes das ondas.
Entende assim por que também os anjos queriam evidentemente oferecer aos homens o [seu] auxílio e lhes conceder a saúde, curando-os de suas doenças: porque “todos são espíritos servidores, enviados a serviço por aqueles que haverão de obter sua salvação”; e, quanto estivesse em suas forças, ajudavam aos homens; viam, porém, que seus remédios eram muito inferiores em relação ao que seus cuidados exigiam.
Vamos adiante, para que possas entender a partir de um exemplo o que dizemos.
Imagina uma cidade na qual muitos estejam doentes e se lance mão frequentemente de muitos médicos.
Imagina que haja feridas de todo tipo e que a gangrena penetre espalhando-se quotidianamente pela carne moribunda, enquanto os médicos, porém, empregados para curar essas feridas, não podem encontrar outros medicamentos e triunfar sobre a grandeza desse mal pela ciência da sua profissão.
Enquanto tudo está em tal estado, chega um médico extraordinário, que tenha o sumo conhecimento em sua profissão, e aqueles que anteriormente não haviam podido curar, verificando que, pela mão do mestre, as gangrenas das feridas cessam, não ficam com inveja, não são torturados de ciúme, mas irrompem em louvores ao arquimédico e celebram altamente a Deus, que enviou, a eles e aos doentes, um homem de tamanha ciência.
Assim, é por uma razão semelhante que se ouve uma multidão do exército dos anjos dizer: “Glória a Deus nas alturas, e na terra paz aos homens, objetos da benevolência divina”. Pois, depois que o Senhor veio à terra, “pacificou pelo sangue de sua cruz os seres que estavam na terra, bem como os que estavam no céu”.
Assim, os anjos, querendo que os homens se recordassem de seu Criador – uma vez que houvessem feito tudo que estava em suas forças para curá-los, e esses não tivessem querido receber a saúde –, se voltam para aquele que pôde curar e, glorificando-o, dizem “Glória a Deus nas alturas, e na terra paz aos homens, objetos da benevolência divina”.

Resposta a uma objeção
Um leitor atento da Escritura perguntar-se-á como o Salvador diz: “Não vim trazer a paz à terra, mas a espada”, e agora os anjos em seu nascimento cantam: “Paz na terra”, assim como, igualmente, em outra passagem, a respeito de sua própria pessoa, é dito: “Eu vos dou a minha paz, vos deixo a paz; eu dou a paz, não como este mundo dá a paz”.
Vejamos, então, se o que trazemos aqui permite resolver a questão. Se estivesse escrito: “Paz na terra” e aí a frase terminasse aí, a objeção surgiria com propriedade.
Mas, na realidade, o que foi acrescentado, isto é, o que é dito depois de “paz”: “aos homens, objetos da benevolência divina”, resolve a questão.
Também a paz que o Senhor não dá “à terra” não é a “paz da benevolência divina”. Ele não diz, pois, tão simplesmente: “não vim trazer a paz”, mas faz um acréscimo: “à terra”; inversamente não diz: “não vim trazer à terra a paz da benevolência divina”.

O anjo das igrejas
Estas palavras os anjos falaram aos pastores, não as falavam apenas naquele tempo, mas até hoje falam. Se os anjos não tivessem falado aos pastores e, assim, não tivessem unido sua obra à deles, seria dito a eles: “Se o Senhor não tiver edificado a casa, em vão trabalham aqueles que a edificam; se o Senhor não tiver guardado a cidade, em vão vigia quem a guarda”.
Se se permite falar com audácia a quem segue o sentido das Escrituras, para cada igreja há dois bispos, um visível, outro invisível; esse, visível de modo claro para a inteligência, aquele visível pela carne.
E como um homem é louvado pelo Senhor, se tiver cumprido bem a incumbência a ele confiada – se a tiver cumprido mal, ele subjazerá à culpa e ao vício –, assim também [acontece] para um anjo.
Está escrito no Apocalipse de [São] João: “Mas tens aí poucos nomes que não tenham máculas”. Ou ainda isto, um pouco antes: “Tens aí quem ensine a doutrina dos nicolaítas”, e novamente: “Tens aí quem comete tal ou tal pecado”, e assim são acusados os anjos a quem foram confiadas as igrejas.
Se os anjos têm, pois, inquietude sobre como governar as igrejas, que necessidade há de falar dos homens, de quanto medo devem ter para que possam obter, com a colaboração dos anjos, a salvação?
Eu acredito que se podem encontrar, ao mesmo tempo, um anjo e um homem como bons bispos para uma igreja e, de certo modo, que podem ser partícipes de uma única obra.
Se é assim, peçamos ao Deus onipotente que os bispos das igrejas, anjos e homens, sejam para nós uma ajuda, e saibamos que uns e outros são julgados pelo Senhor em nosso lugar.
Mas se eles forem julgados, e não forem encontrados nem vício nem pecado que redunde em sua incúria, mas em nossa negligência, nós seremos acusados e castigados.
Ainda que eles façam, pois, todas as coisas e se esforcem por nossa salvação, nós não estaremos livres dos pecados.
Entretanto, frequentemente sucede que, apesar de nosso trabalho, eles não desempenham seu dever e têm culpa.


O mistério do presépio
E aconteceu, diz a Escritura, que os pastores disseram uns aos outros, quando os anjos os deixaram para voltar ao céu: “Passemos até Belém, e vejamos a realização desta palavra que o Senhor nos fez conhecer. E eles vieram depressa e encontraram Maria, José e o menino”.
Porque haviam vindo depressa, e não devagar, nem com passo cansado, eles encontraram José, que havia preparado tudo para o nascimento do Senhor e Maria, que deu à luz Jesus, e o próprio Salvador “deitado numa manjedoura”.
A manjedoura era aquela da qual o profeta anunciou o oráculo, dizendo: “O boi conheceu seu proprietário, e o asno a manjedoura de seu senhor”.
O boi é um animal puro, o asno é um animal impuro. “Conheceu o asno a manjedoura de seu senhor”. Não foi o povo de Israel que conheceu a manjedoura de seu senhor, mas um animal impuro vindo dos pagãos: “Ora, diz a Escritura, Israel não me conheceu, e meu povo não me compreendeu”.
Compreendamos o sentido deste presépio, esforcemo-nos por descobrir o Senhor, mereçamos conhecê-lo e assumi-lo, não somente sua natividade e sua ressurreição da carne, mas também o segundo advento glorioso da majestade daquele “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos”.

O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?

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