terça-feira, 30 de julho de 2019

105 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 16)


Resultado de imagem para maria e José ficam admirados
105
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 16)


HOMILIA 16 - Lc 2.33-34
Sobre o que está escrito: “Seu pai e sua mãe admiravam-se das coisas que eram ditas sobre ele”, até aquela passagem que diz: “eis que ele foi estabelecido para a queda e soerguimento de um grande número em Israel”.

A admiração de José e de Maria
“Seu pai e sua mãe”, diz [o evangelista], admiravam-se das coisas que eram ditas sobre ele”.
Reunamos o que, no nascimento de Jesus, foi dito e escrito a seu respeito; então poderemos saber o quanto cada coisa é digna de admiração.
Por que se admirava tanto seu pai – assim, com efeito, foi chamado, porque foi seu pai de criação – quanto se admirava sua mãe de todas as coisas que eram ditas sobre ele? Quais são, então, as maravilhas que a boataria havia espalhado sobre o pequenino Jesus?
Naquela região, estavam os pastores que vigiavam e montavam a guarda pelas noites sobre seu rebanho. Na mesma hora do nascimento de Jesus, veio um anjo e lhes disse: “Eu vos anuncio um grande júbilo: ide e encontrareis um recém-nascido envolto em panos e colocado numa manjedoura. Mal o anjo acabara de pronunciar essas palavras, e eis que uma multidão do exército celeste começou a louvar e bendizer a Deus”.
Como os pastores houvessem percebido apavorados essa aparição, e “o anjo tivesse se afastado deles, disseram entre si uns aos outros: Vamos a Belém e vejamos o evento que o Senhor nos fez conhecer”.
Vieram e encontraram o recém-nascido. Eles também se admiravam, tanto quanto seus pais, do que tinha acontecido.
Tudo isso aumentou os comentários, e o que está escrito sobre Simeão foi a maior parte da maravilha. Ele, com efeito, segurou o menino em seus braços e disse: “Agora, Senhor, podes deixar ir teu servo na paz, segundo a tua palavra, porque meus olhos viram tua salvação”.
O discurso de Simeão foi o que houve de mais elevado, o cume, por assim dizer, de todas as coisas de que tanto o seu pai quanto a sua mãe se jactavam e se admiravam acerca de Jesus.
Não bastou, pois, para Simeão segurar o recém-nascido e proclamar o que está escrito a respeito dele, mas bendisse a seu pai e à sua mãe, e sobre o próprio recém-nascido profetizou dizendo: “Eis que este [menino] foi estabelecido para a queda e o soerguimento de muitos em Israel, e em sinal de contradição. Quanto a ti, uma espada te transpassará a alma, para que sejam revelados os pensamentos de muitos corações”.
Que significam estas palavras: “Eis que este [menino] foi estabelecido para a queda e o soerguimento de muitos em Israel”? Encontrei algo similar a isso no Evangelho segundo [São] João: “Eu vim para o mundo para julgá-lo, a fim de que os cegos vejam e os que veem se tornem cegos”.
Do modo que veio, pois, para cumprir o julgamento, para que “os cegos”, vindos dos gentios, “pudessem ver” e os de Israel, que antes viam, “se tornassem cegos”, assim veio “para a queda e soerguimento de muitos”.
No advento do Senhor Salvador, com efeito, os que se haviam mantido de pé, arruinaram-se e os que haviam caído, se levantaram.
Esta é a única interpretação do que está escrito: “Eis que este [menino] foi estabelecido para a queda e o soerguimento de muitos em Israel”.

Exemplo de exegese contra os pseudognósticos
Mas há também um sentido mais profundo a ser entendido, sobretudo para responder àqueles que ladram contra o Criador e que, reunindo daqui e dali testemunhos do Antigo Testamento que não entendem, “induzem em erro os corações dos homens simples”.Dizem, pois: “eis o Deus da Lei e dos profetas, vejam o que ele é: ‘Eu’, diz ele, ‘matarei e devolverei a vida, golpearei e curarei, e não há quem possa escapar das minhas mãos”.
Eles ouvem: “eu matarei”, mas não ouvem: “eu devolverei a vida”; ouvem: “golpearei”, mas negligenciam ouvir: “e curarei”. Desse modo, caluniam com tais ocasiões o Criador.
Assim, antes que eu interprete qual sentido pode ter a frase: “Eu matarei e devolverei a vida, golpearei e curarei”, lhes oporei o testemunho do Evangelho e direi contra os hereges (pois há grande número de heresias que admitem o Evangelho segundo [São] Lucas): se o Criador é sanguinário e um juiz cruel somente porque diz: “Eu matarei e devolverei a vida, golpearei e curarei”, é evidentíssimo que Jesus é o Filho do Criador.
A mesma coisa, com efeito, foi escrita a seu respeito: “Eis que este [menino] foi estabelecido para a queda e o soerguimento de muitos em Israel”, não somente “para o soerguimento”, mas também “para a queda”.
Se matar é um mal, seria um mal também vir “para a queda”. O que responderão? Afastar-se-ão de seu culto, ou, então, procurarão alguma outra interpretação e escapatória, apelando ao sentido figurado, para que ter vindo “para a queda” signifique mais bondade do que austeridade?
E como será justo, quando se encontra no Evangelho uma frase desse tipo, recorrer a alegorias e novas interpretações, quando se está no Antigo Testamento, imediatamente acusar e não aceitar nenhuma explicação, ainda que seja verossímil?
Mas e esta passagem que segue: “Eu vim para o mundo, para julgá-lo, a fim de que os cegos vejam e os que veem se tornem cegos”, ainda que busquem explicá-la, não poderão lhe dar o sentido.
[Mas] eu opto por pertencer à Igreja e não ser nomeado por um heresiarca[i] qualquer, mas pelo nome de Cristo e ter esse nome que é bendito sobre a terra, e desejo ser chamado de cristão tanto pelas obras quanto pelos pensamentos; assim busco na antiga e na nova Lei um método igual de interpretação.

Morte ao “homem velho”
Deus diz: “Eu matarei”. Eu aceito de bom grado que Deus mate. E quando há em mim um homem velho, e que vivo ainda como homem terrestre, desejo que Deus mate em mim o homem velho e me ressuscite dentre os mortos.
“O primeiro homem, com efeito, diz o Apóstolo, oriundo da terra, é terrestre; o segundo homem, vindo do céu, é celeste.
Como revestimos a imagem do terrestre, revistamos também a imagem do celeste”. Segundo essa interpretação, compreende-se também aquele versículo: “Eu vim para o mundo para julgá-lo, a fim de que os cegos vejam e os que veem se tornem cegos”.
Todos nós homens, temos a visão e, ao mesmo tempo, somos cegos. Adão gozava da visão e, ao mesmo tempo, estava cego.
Eva também, antes que seus olhos fossem abertos, gozava da visão. Diz a Escritura: “A mulher viu que a árvore era boa para comer e muito agradável de se ver, e, tomando do fruto da árvore, comeu e deu a seu marido, e comeram”.
Eles não eram, pois, cegos, mas eles viam.
Depois, segue-se: “E seus olhos se abriram”.
Eles tinham, pois, sido cegos e não viam, e seus olhos carnais depois se abriram; mas seus olhos espirituais que, antes, viam bem, depois que transgrediram o mandamento do Senhor começaram a ver mal e, insinuando-se o pecado da desobediência, perderam em seguida a visão.
            Eu compreendo assim esta palavra que Deus pronuncia: “Quem fez o mudo e o surdo, aquele que vê e aquele que não vê? Não sou eu, o Senhor Deus?”
Há o olho corporal, com o qual olhamos estas realidades terrestres, olho segundo a inteligência da carne, do qual a Escritura diz: “Em vão avança aquele que está inflado do pensamento carnal”.
[Mas] temos também outro olho, oposto ao primeiro e melhor que ele, capaz de ter o sabor das coisas divinas; olho que, porque era cego em nós, Jesus veio para fazer enxergar; para que aqueles que não enxergavam pudessem enxergar; e para que aqueles, porém, que enxergavam, se tornassem cegos.
É nesse sentido que se deve compreender o texto que temos atualmente entre as mãos: “Eis que este [menino] foi estabelecido para a queda e o soerguimento de muitos em Israel”.
Tenho algo em mim que mal se mantém de pé e se eleva pelo orgulho do pecado: que isto caia, que isto desmorone, porque, se tiver caído, aquilo que antes havia desabado, levantando-se, por-se-á de pé. O meu “homem interior” jazia outrora por terra, esmagado, e o “homem exterior” se erguia bem ereto.
Antes que eu tivesse a fé em Jesus, o que havia de bom em mim jazia por terra; o que havia de mal, se mantinha ereto. Depois que Jesus veio, o mal em mim deixou de existir, desmoronou e cumpriu-se aquele texto: “Trazendo sempre em nosso corpo a morte de Jesus”, e aquele outro: “Fazei morrer, pois, em vossos membros terrestres, a fornicação, a impureza, a luxúria, a idolatria, a cobiça” e todo o resto.
A queda de todos esses vícios se tornou útil. E dessa queda é dito: “Onde quer que estiver o cadáver, para lá se reunirão as águias”. Com efeito, a palavra cadáver tomou o nome a partir de “queda”.
Boa é essa queda, para a qual primeiramente veio Jesus, e não pode fazer o soerguimento, se a queda não o tiver precedido.
Venha antes destruir o que em mim foi um mal para que, por essa destruição e essa mortificação, o que há de bom em mim se reerga e tome vida, e que assim possamos atingir o Reino dos céus, naquele “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?


[i] fundador, chefe ou defensor de uma seita herética.

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