segunda-feira, 15 de julho de 2019

103 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 14)


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103
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 14)


HOMILIA 14 - Lc 2.21-24
Sobre o que está escrito: “Quando, porém, estivessem completos os dias de sua circuncisão”, até aquela passagem que diz: “Um par de rolas ou dois filhotes de pombas”.

A circuncisão espiritual
O Cristo, “em sua morte, morreu ao pecado”; não que ele próprio tenha pecado – “pois não cometeu pecado, e não foi encontrado engano em sua boca” – mas morreu, para que, graças à sua morte pelos pecados, nós que morremos, não vivêssemos mais absolutamente no pecado e nos vícios.
Donde está escrito: “Se nós morremos com ele, nós viveremos também com ele”. Como, portanto, “morremos com ele” então, quando ele morria, e ressuscitamos para aquele que ressuscita, assim com ele fomos circuncidados e, depois da circuncisão, fomos purificados com uma purificação solene.
Daí que já não carecemos de circuncisão carnal. E, a fim de que saibas que, por nossa causa, ele foi circuncidado, ouve o que Paulo muito claramente proclama: “Nele”, diz [Paulo], “habita corporalmente toda a plenitude da divindade, e sois cumulados naquele que é a cabeça de todo principado e todo poder; nele também fostes circuncidados com uma circuncisão que não é de mão de homens, pelo despojamento de vosso corpo carnal, na circuncisão do Cristo; sepultados com ele no batismo, nesse batismo também fomos ressuscitados com ele pela fé no poder de Deus que o ressuscitou dos mortos”.
Sua morte, sua ressurreição e sua circuncisão se fizeram por nós.

O nome de Jesus
“Quando os dias da circuncisão do menino tinham sido completados”, diz [a Escritura], “chamaram-no pelo seu nome, Jesus, porque havia sido assim nomeado pelo anjo, antes de sua concepção”.
Não seria conveniente que este nome, Jesus, glorioso e eminentemente digno de receber todas as homenagens, adoração e culto, “nome que está acima de todo nome”, fosse mencionado em primeiro lugar por homens, nem que fosse introduzido por eles no mundo, mas por determinada natureza mais excelente e mais perfeita.
Por isso o evangelista acrescentou, dizendo expressamente que “chamaram-no pelo seu nome, Jesus, porque havia sido assim nomeado pelo anjo, antes de sua concepção no ventre [da Virgem]”.

A purificação de Jesus
Depois prosseguiu [dizendo]: “como haviam-se completado os dias da purificação deles, segundo a lei de Moisés, conduziram o menino a Jerusalém”. Por causa, diz [o evangelista], da purificação “deles”.
O que quer dizer esse “deles”? Se estivesse escrito: por causa da purificação dela, isto é, de Maria, que havia dado à luz, nenhuma questão se levantaria, e diríamos com certa audácia que Maria, que pertencia ao gênero humano, tinha necessidade de purificação depois do parto.
Mas agora, sobre aquilo que se diz: “os dias da purificação deles” não parece tratar-se de uma só pessoa, mas de duas ou mesmo de várias outras. Jesus, então, necessitou de purificação e foi impuro ou sujo de alguma impureza?
Talvez pareça que eu fale temerariamente, mas sou levado pela autoridade das Escrituras. Vê o que está escrito em Jó: “ninguém é isento de impureza, nem se de um único dia tiver sido sua vida”.
Não disse: “ninguém está isento de pecado”, mas: “ninguém está isento de impureza”. Pois “impurezas” não significam o mesmo que “pecado”; e para que saibas que “impureza” significa uma coisa e “pecado” significa outra, Isaías muito claramente ensina, dizendo: “o Senhor lavará a impureza dos filhos e das filhas de Sião, e limpará o sangue espalhado no meio deles, lavará a impureza no sopro do julgamento e o sangue no sopro da destruição”.
Toda alma, revestida de um corpo humano, tem suas impurezas. Para que saibas, porém, que Jesus também foi sujado, por sua própria vontade – porque, em favor de nossa salvação, havia assumido um corpo humano –, escuta o profeta Zacarias dizendo: “Jesus estava vestido com vestes sujas”.
Essa frase é dirigida contra os que afirmam que o corpo do Senhor não era um corpo humano, mas que tinha sido formado de elementos celestes e espirituais. Se, com efeito, seu corpo foi formado de elementos celestes e, segundo os partidários dessa afirmação errônea, de matéria astral e de uma outra natureza mais sublime e mais espiritual, respondam: como um corpo espiritual poderia ser impuro, e como interpretam isto que temos [na Escritura]: “Jesus estava vestido com vestes sujas”?
Se, porém, tiverem sido compelidos pela necessidade de aceitar que é entendido “corpo espiritual” como “vestes sujas”, devem consequentemente dizer que aquilo que é dito nas promessas deve cumprir-se, isto é: “é semeado um corpo animal, e ressuscita um corpo espiritual”, e que devemos ressuscitar impuros e sujos, o que é até abominável pensar, sobretudo quando se sabe que está escrito: “semeado na corrupção, o corpo ressuscitará na incorrupção; semeado na ignomínia, ressuscitará na glória; semeado na fraqueza, ressuscitará na força; semeado corpo animal, ressuscitará corpo espiritual”.
Foi necessário, pois, para nosso Senhor e Salvador, que “estava vestido com vestes sujas” e tinha assumido um corpo terrestre, que fossem oferecidas as coisas que, segundo a lei e o costume, purificava as impurezas.
Movido pela ocasião da passagem, volto a tratar uma questão sobre a qual [nossos] irmãos frequentemente se interrogam entre si. As crianças são batizadas “para a remissão dos pecados”; de quais pecados? Ou, em qual tempo pecaram? Ou, como pode subsistir um motivo para o lavacro (banho) dos pequeninos, se não segundo aquela interpretação da qual falamos há pouco: “ninguém é isento de impureza, nem se de um único dia absolutamente for a sua vida sobre a terra?”
E porque, pelo mistério do batismo, as impurezas do nascimento são tiradas, por esse motivo são batizados também os pequeninos, porque “se alguém não tiver renascido da água e do espírito, não poderá entrar no reino dos céus”.

O mistério do batismo
“Quando”, diz [o evangelista], “haviam sido completados os dias da purificação deles”, o cumprimento dos dias tem também uma significação mística. A alma, com efeito, não é purificada assim que nasce, e no próprio nascimento ela não pode atingir a pureza perfeita. Mas, como está escrito na Lei: “Se uma mãe deu à luz uma criança do sexo masculino, por sete dias se sentará no sangue impuro, e, em seguida, por trinta e três dias, no sangue puro, e, por fim, a criança e a mãe se sentarão em um sangue puríssimo”, e porque a “Lei é espiritual” e “sombra dos bens futuros”, podemos compreender assim: que nossa verdadeira purificação acontece depois de certo tempo.
Eu penso que, mesmo depois da ressurreição dos mortos, necessitaremos de um mistério para nos lavar e nos purificar – ninguém, com efeito, poderá ressuscitar sem impurezas –, e que não se pode encontrar nenhuma alma que esteja isenta instantaneamente de todos os vícios.
Assim, na regeneração do batismo cumpre-se um mistério: que, como Jesus foi purificado por uma oferenda, segundo a economia da Encarnação, assim nós também devemos igualmente ser purificados por uma regeneração espiritual.

Jesus oferecido no templo
“Eles conduziram o menino a Jerusalém, segundo a Lei de Moisés, para oferecê-lo à presença do Senhor.” Onde estão aqueles que negam o Deus da Lei, que afirmam que Cristo anunciou no Evangelho não esse, mas outro Deus? “Deus enviou seu filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei”.
Deve-se, então, pensar que o Deus bom teria submetido seu filho à lei do Criador e ao poder de um inimigo, um poder que ele próprio não havia dado? Antes, diz [a Escritura] que ele nasceu sob a Lei “a fim de resgatar aqueles que estavam sob a Lei” e de submetê-los a uma outra lei, que acaba de ser mencionada na leitura do texto: “Estai atentos à minha lei, ó meu povo”, e a sequência. Eles levaram, pois, o menino para colocá-lo diante da presença do Senhor.
Em qual passagem da Escritura se encontra o preceito que eles cumprem? Certamente, a Escritura diz, nesta: “Como está escrito na Lei de Moisés”: “Toda criança do sexo masculino, que é o primeiro a passar pela vulva, será consagrado ao Senhor”, e ainda: “três vezes ao ano, toda a população masculina se apresentará diante do Senhor Deus”.
Os filhos do sexo masculino, que eram os primeiros a passarem pela vulva da mãe, eram oferecidos diante do altar do Senhor. “Todo filho do sexo masculino”, diz [a Escritura], “que passa pela vulva”, [então,] ressoa como algo sagrado. Afinal, dirias: “qualquer [nascido] do sexo masculino que tenha saído de um ventre”; e não assim: “que passa pela vulva da mãe”, como o Senhor Jesus, porque, para todas as mulheres, não é o nascimento de uma criança passando pela vulva que a abre, mas o coito com um varão.
Para a mãe do Senhor, seu seio se abriu no próprio momento do parto, visto que, antes do nascimento do Cristo, nenhum ser do sexo masculino absolutamente tinha se aproximado desse ventre consagrado e digno do maior respeito. Ouso tratar desse assunto porque, quanto ao que está escrito: “O Espírito de Deus virá sobre ti e a virtude do Altíssimo cobrir-te-á com sua sombra”, terá sido o princípio da semente e da concepção, e o novo feto se desenvolveu no ventre de Maria, que não fora aberto.
Por isso também o próprio Salvador diz: “Eu, porém, sou um verme e não um homem, o opróbrio dos homens e a abjeção da ralé”. No seio materno, ele via a impureza dos corpos e, cercado como estava pelas entranhas de sua mãe, sofria as estreitezas da “lama” terrestre; é por isso que ele se compara a um verme terrestre: “Eu, porém, sou um verme, e não um homem”.
[Como se dissesse:] “o ser humano nasce normalmente da conjunção de um homem e de uma mulher, mas eu não nasci de tal encontro, segundo a lei da natureza humana; eu nasci como um verme que não encontra sua origem num germe estranho, mas nos próprios corpos em que se desenvolve”.
Porque “toda criança do sexo masculino, que é a primeira a passar pela vulva, será chamada santo para o Senhor”, Jesus foi conduzido “a Jerusalém”, a fim de ser levado à presença do Senhor e igualmente “a fim de oferecer em sacrifício por ele o que é indicado na Lei: um par de rolas ou dois filhotes de pombas”.
Vemos um par de rolas e dois filhotes de pombas oferecidos pelo Salvador. Quanto a mim, considero felizes essas aves oferecidas em sacrifício pelo nascimento do Senhor; e, como admiro a jumenta de Balaão e a ponho no cúmulo da felicidade – porque foi digna não somente de ver o anjo de Deus, mas também de, de uma boca fechada, irromper em uma linguagem humana –, do mesmo modo celebro ainda bem mais e elevo muito alto essas aves, porque foram oferecidas diante do altar para nosso Senhor e Salvador.
“A fim de oferecer por ele um par de rolas ou dois filhotes de pombas”. Pareceria introduzir talvez algo de novo, mas pouco digno da grandeza do assunto. Como a geração do Salvador foi uma novidade, visto que não foi a partir [da união] de um homem e de uma mulher, mas somente de uma única virgem, assim tanto o par de rolas quanto os dois filhotes de pombas não foram tais como os vemos com os olhos da carne, mas representam o Espírito Santo, que “desceu na forma de pomba” e veio sobre o Salvador, quando foi batizado no Jordão.
Tal sucedeu também com o par de rolas: aquelas aves não eram como estas que esvoaçam pelos ares; algo de divino e mais sublime aparecia à contemplação humana sob a forma de uma pomba e de uma rola, de modo que aquele que nascia e devia sofrer pelo mundo inteiro não seria purificado, aos olhos do Senhor, com as mesmas vítimas que todos os homens; mas porque a economia divina renovava tudo, assim também teria novas vítimas, segundo a vontade de Deus onipotente, em Cristo Jesus: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?

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