segunda-feira, 31 de maio de 2021

168 - Atanásio de Alexandria (285-373) - A Vida de Santo Antão (Parte II: 1-3)

 



168

Atanásio de Alexandria (285-373)

A Vida de Santo Antão (Parte II: 1-3)

 

Parte II

1- Antão busca o deserto e habita em Pispir.

1.      No dia seguinte ele se foi, inspirado por um zelo maior ainda pelo serviço de Deus. Foi ao encontro do ancião já antes mencionado (3,5) e rogou-lhe que fosse viver com ele no deserto.

2.      O outro declinou o convite devido à sua idade e porque tal modo de viver não era costume.

3.      Então ele se foi sozinho para a montanha. Aí estava, entretanto, de novo o inimigo! Vendo sua seriedade e querendo frustrá-la, projetou a imagem ilusória de um grande disco de prata sobre o caminho.

4.      Antão, porém, penetrando o ardil daquele que odeia o bem, deteve-se e, mirando o disco, desmascarou nele o demônio, dizendo: "- Um disco no deserto? De onde vem isto? Esta não é uma estrada frequentada e não há sinais de que haja passado gente por este caminho. É de grande tamanho e não pode haver caído inadvertidamente.

5.      Em verdade, ainda que fora perdido, o dono teria voltado a procurá-lo, e seguramente o haveria encontrado, pois esta região é deserta. Isto é engano do demônio. Não vás frustrar minha resolução com estas coisas, demônio! Teu dinheiro pereça contigo!" (cf At 8,20). E ao dizer isto Antão, o disco desapareceu como fumo.

6.      Logo, enquanto caminhava, viu de novo, não mais outra ilusão, mas ouro verdadeiro, espalhado ao longo do caminho.

7.      Pois bem, seja que o próprio inimigo lhe tivesse chamado a atenção, ou fosse um bom espírito que atraiu o lutador, ficou demonstrado ao demônio que ele não se preocupava nem sequer das riquezas autênticas; ele próprio não o indicou, e por isso não sabemos nada senão que era realmente ouro o que ali havia.

8.      Quanto a Antão, ficou surpreendido pela quantidade que havia, mas passou por ele como se fora fogo, e seguiu seu caminho sem olhar para trás. Ao contrário, pôs-se a correr tão rápido que em pouco tempo perdeu de vista o lugar e dele desapareceu.

9.      Assim, firmando-se sempre mais em seu propósito, apressou-se em direção à montanha.  (Trata-se da chamada "Montanha Exterior", onde Santo Antão passou vinte anos de absoluta reclusão. É em Pispir, a margem oriental do Nilo, a mais ou menos 90 km ao sul de Mênfis. O deserto de Nítria fica a noroeste, no outro lado do Nilo, diretamente ao sul de Alexandria. Ao sul de Heracleópolis, em ambos os lados do Nilo, está o "grande deserto" da Tebaida, o lar do monacato egípcio de são Pacômio. MEYER 110; COLOMBAS 93).

10.  Em lugar distante do rio encontrou um fortim deserto que com o correr do tempo achava-se infestado de répteis.

11.  Ali se estabeleceu para viver. Os répteis, como que expulsos por alguém, foram-se de repente. Bloqueou a entrada, e depois de enterrar pão para seis meses - assim o fazem os tebanos e muitas vezes os pães se mantêm frescos por todo um ano – e tendo água perto, desapareceu como num santuário.

12.  Ficou sozinho, não saindo nunca e não vendo ninguém passar. Por muito tempo perseverou nesta prática ascética; só duas vezes por ano recebia pão, que lhe deixavam cair pelo teto.

13.  Seus amigos que vinham vê-lo passavam a miúdo dias e noites fora, pois não queria deixá-los entrar.

14.  Ouviam barulho dentro como de multidão frenética, fazendo ruídos, armando tumultos, gemendo lastimosamente e dando guinchos: "Sai de nosso domínio! Que vens fazer no deserto? Tu não aguentas nossa perseguição!"

15.  A princípio, os que estavam fora criam haver homens lutando com ele e que haviam entrado por escadas, mas quando espreitaram por um buraco e não viram ninguém, deram-se conta de que os demônios é que estavam na coisa, e cheios de medo, chamaram Antão que estava mais inquieto por eles do que preocupado com os demônios.

16.  Chegando à porta, aconselhou-os que se fossem e não tivessem medo. Disse-lhes: "Os demônios só conjuram fantasmas contra o medroso. Façam agora o sinal da cruz e voltem a suas casas sem temor, e deixem que eles se enlouqueçam a si mesmos".

17.  Foram-se, então, fortalecidos com o sinal da cruz, enquanto ele ficava sem sofrer dos demônios mal algum, sem se cansar, nem se alterar na contenda, porque a ajuda que recebia do alto por meio de visões e a debilidade de seus inimigos, davam-lhe grande alívio em suas penas, e ânimo para um entusiasmo maior.

18.  Seus amigos vinham uma ou outra vez supondo encontrá-lo morto, mas o ouviam cantar: "Levanta-se Deus e seus inimigos se dispersam; fogem de sua presença os que o odeiam. Como a fumaça, eles se dissipam; como se derrete a cera ante o fogo, assim perecem os ímpios diante de Deus" (Sl 67,2). E ainda: "Todos os povos me rodeavam, em nome do Senhor eu os expulsei" (Sl 117,10).

 

2 - Antão abandona a solidão e se converte em Pai Espiritual

19.  Assim passou quase vinte anos, só praticando a vida ascética, não saindo nunca e sendo raramente visto por outros.

20.  Depois disto, como havia muitos que ansiavam e aspiravam imitar sua santa vida, e alguns de seus amigos vieram e forçaram a porta, derrubando-a, Antão saiu como de um santuário, como um iniciado nos sagrados mistérios e cheio do Espírito de Deus (Santo Antão, "deificado" assim por essa vida íntima com Deus, é  agora apto para transmitir vida divina; a paternidade espiritual é o fruto de seu retiro absoluto. LAMPE 642, 890. LORIE 133 ss.: BETTENCOURT o.c. 51-52).

21.  Foi a primeira vez que se mostrou fora do fortim aos que vieram a ele. Quando o viram, estavam estupefatos ao comprovar que seu corpo conservava a antiga aparência: não estava nem obeso pela falta de exercício nem macilento pelos jejuns e lutas com os demônios: era o mesmo homem que haviam conhecido antes de seu retiro.

22.  O estado de sua alma era puro, pois não estava nem retraído pela aflição, nem dissipado pela alegria, nem dominado pela distração ou pelo desalento.

23.  Não se desconcertou ao ver a multidão nem se orgulhou quando viu tantos que o recebiam. mantinha-se completamente controlado, como homem guiado pela razão e com grande equilíbrio de caráter.

24.  Por ele o Senhor curou muitos dos presentes que tinham enfermidades corporais, e a outros libertou de espíritos impuros.

25.  Concedeu também a Antão o encanto no falar; e assim confortou a muitos em suas penas e reconciliou a outros que brigavam.

26.  Exortou a todos a nada preferir neste mundo ao amor de Cristo. E quando em seu discurso exortou-os a pensar nos bens futuros e na bondade demonstrada a nós por Deus, "que não poupou seu próprio Filho mas o entregou por todos nós" (Rm 8,32), induziu muitos a abraçar a vida monástica.

27.  E assim apareceram celas monásticas na montanha, e o deserto se povoou de monges que abandonavam os seus e se inscreviam como cidadãos do céu (cf Hb 3,20; 12,23).

28.  Uma vez teve necessidade de atravessar o canal de Arsino e - por ocasião de uma visita aos irmãos -, o canal estava cheio de crocodilos.

29.  Orou simplesmente, meteu-se com todos os seus companheiros, e passou ao outro lado sem ser tocado.

30.  De volta à cela, aplicou-se com todo o zelo a seus santos e vigorosos exercícios. Por meio de constantes conferências inflamava o ardor dos que já eram monges e incitava muitos outros ao amor à vida ascética; e logo, na medida em que sua mensagem arrastava homens após ele, o número de celas monásticas multiplicava-se, e era para todos como pai e guia.

 

3 - Conferência de Antão aos Monges sobre o discernimento dos espíritos e exortação à virtude (16-43)

31.  Um dia em que ele saiu, vieram todos os monges e lhe pediram uma conferência.

32.  Falou-lhes em língua copta, como segue: "As Escrituras bastam realmente para nossa instrução. No entanto, é bom para nós alentar-nos uns aos outros na fé e usar da palavra para estimular-nos.

33.  Sejam, por isso, como meninos e tragam a seu pai o que saibam e lho digam, tal como eu, sendo o mais velho, reparto com vocês meus conhecimento e minha experiência.

34.  Para começar, tenhamos todos o mesmo zelo, para não renunciar ao que começamos, para não perder o ânimo, para não dizer: 'Passamos demasiado tempo nesta vida ascética'.

35.  Não, começando de novo cada dia, aumentemos nosso zelo.

36.  Toda a vida do homem é muito breve comparada ao tempo vindouro, de modo que todo o nosso tempo é nada comparado com a vida eterna.

37.  No mundo, tudo se vende; e cada coisa se comercia segundo seu valor por algo equivalente; mas a promessa da vida eterna pode comprar-se por muito pouco.

38.  A Escritura diz: 'Ainda que alguém viva setenta anos, e o mais robusto até oitenta, a maior parte é fadiga inútil' (Sl 89,10).

39.  Se, pois, vivemos todos nossos oitenta anos, ou mesmo cem, na prática da vida ascética, não vamos reinar o mesmo período de cem anos, mas em vez dos cem reinaremos para sempre.

40.  E ainda que nosso esforço seja na terra, não receberemos nossa herança na terra mas o que nos foi prometido no céu. Mais ainda, vamos abandonar nosso corpo corruptível e recebê-lo-emos incorruptível (cf 1Cor 15,42).

41.  Assim, filhinhos, não nos cansemos nem pensemos que nos afastamos muito tempo ou que estamos fazendo algo grande.

42.  Pois 'os sofrimentos da vida presente não podem comparar-se com a glória futura que nos será revelada' (Rm 8,18).

43.  Não olhemos tampouco para trás, para o mundo, crendo que renunciamos a grandes coisas, pois também o mundo é muito trivial comparado com o céu.

44.  E ainda que fôssemos donos de toda a terra e renunciássemos a toda ela, nada seria isto comparado com o reino dos céus.

45.  Assim como uma pessoa desprezaria uma moeda de cobre para ganhar cem moedas de ouro, assim o que é dono de toda a terra e a ela renuncia, dá realmente pouco e recebe cem vezes mais (cf Mt 19,29).

46.  Se, pois, nem sequer toda a terra equivale ao céu, certamente o que entrega uma porção de terra não deve jactar-se ou penalizar-se: o que abandona é praticamente nada, ainda que seja um lar ou uma soma considerável de dinheiro aquilo de que se separa.

47.  Devemos, além disso ter em conta que se não deixamos estas coisas por amor à virtude, teremos depois de abandoná-las de qualquer modo e a miúdo também, como nos recorda o Eclesiastes (2,18; 4,8; 6,2), a pessoas às quais não teríamos querido deixá-las. Então, por que não fazer da necessidade virtude e entregá-las de modo a podermos herdar um reino por acréscimo?

48.  Por isso nenhum de nós tenha nem sequer o desejo de possuir riquezas. Do que nos serve possuir o que não podemos levar conosco? Por que não possuir antes aquelas coisas que podemos levar conosco: prudência, justiça, temperança, fortaleza, entendimento, caridade, amor aos pobres, fé em Cristo, humildade, hospitalidade? 

49.     Uma vez possuindo-as, veremos que elas vão diante de nós, preparando-nos as boas-vindas na terra dos mansos (cf Lc 16,9; Mt 5,4) (AGOSTINHO, em seus comentários ao Salmo 38.12, diz que há um modo de levar conosco as riquezas da terra: mandando-as diante de nós nas mãos dos pobres).

 

O que você destaca no texto e como ele serve para sua espiritualidade?

O que você destaca na fala do seu irmão/irmã?

 

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