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Atanásio
de Alexandria (285-373)
A Vida de Santo Antão (Parte II:
1-3)
Parte
II
1- Antão busca o deserto e habita em Pispir.
1.
No dia seguinte ele se foi, inspirado
por um zelo maior ainda pelo serviço de Deus. Foi ao encontro do ancião já
antes mencionado (3,5) e rogou-lhe que fosse viver com ele no deserto.
2.
O outro declinou o convite devido à sua
idade e porque tal modo de viver não era costume.
3.
Então ele se foi sozinho para a
montanha. Aí estava, entretanto, de novo o inimigo! Vendo sua seriedade e
querendo frustrá-la, projetou a imagem ilusória de um grande disco de prata
sobre o caminho.
4.
Antão, porém, penetrando o ardil daquele
que odeia o bem, deteve-se e, mirando o disco, desmascarou nele o demônio,
dizendo: "- Um disco no deserto? De onde vem isto? Esta não é uma estrada frequentada
e não há sinais de que haja passado gente por este caminho. É de grande tamanho
e não pode haver caído inadvertidamente.
5.
Em verdade, ainda que fora perdido, o
dono teria voltado a procurá-lo, e seguramente o haveria encontrado, pois esta
região é deserta. Isto é engano do demônio. Não vás frustrar minha resolução
com estas coisas, demônio! Teu dinheiro pereça contigo!" (cf At 8,20). E
ao dizer isto Antão, o disco desapareceu como fumo.
6.
Logo, enquanto caminhava, viu de novo,
não mais outra ilusão, mas ouro verdadeiro, espalhado ao longo do caminho.
7.
Pois bem, seja que o próprio inimigo lhe
tivesse chamado a atenção, ou fosse um bom espírito que atraiu o lutador, ficou
demonstrado ao demônio que ele não se preocupava nem sequer das riquezas
autênticas; ele próprio não o indicou, e por isso não sabemos nada senão que
era realmente ouro o que ali havia.
8.
Quanto a Antão, ficou surpreendido pela
quantidade que havia, mas passou por ele como se fora fogo, e seguiu seu
caminho sem olhar para trás. Ao contrário, pôs-se a correr tão rápido que em
pouco tempo perdeu de vista o lugar e dele desapareceu.
9.
Assim, firmando-se sempre mais em seu
propósito, apressou-se em direção à montanha. (Trata-se
da chamada "Montanha Exterior", onde Santo Antão passou vinte anos de
absoluta reclusão. É em Pispir, a margem oriental do Nilo, a mais ou menos 90
km ao sul de Mênfis. O deserto de Nítria fica a noroeste, no outro lado do
Nilo, diretamente ao sul de Alexandria. Ao sul de Heracleópolis, em ambos os
lados do Nilo, está o "grande deserto" da Tebaida, o lar do monacato
egípcio de são Pacômio. MEYER 110; COLOMBAS 93).
10. Em lugar distante do rio encontrou um fortim deserto que com
o correr do tempo achava-se infestado de répteis.
11. Ali se estabeleceu para viver. Os répteis, como que expulsos
por alguém, foram-se de repente. Bloqueou a entrada, e depois de enterrar pão
para seis meses - assim o fazem os tebanos e muitas vezes os pães se mantêm
frescos por todo um ano – e tendo água perto, desapareceu como num santuário.
12. Ficou sozinho, não saindo nunca e não vendo ninguém passar.
Por muito tempo perseverou nesta prática ascética; só duas vezes por ano
recebia pão, que lhe deixavam cair pelo teto.
13. Seus amigos que vinham vê-lo passavam a miúdo dias e noites
fora, pois não queria deixá-los entrar.
14. Ouviam barulho dentro como de multidão frenética, fazendo
ruídos, armando tumultos, gemendo lastimosamente e dando guinchos: "Sai de
nosso domínio! Que vens fazer no deserto? Tu não aguentas nossa
perseguição!"
15. A princípio, os que estavam fora criam haver homens lutando
com ele e que haviam entrado por escadas, mas quando espreitaram por um buraco
e não viram ninguém, deram-se conta de que os demônios é que estavam na coisa,
e cheios de medo, chamaram Antão que estava mais inquieto por eles do que
preocupado com os demônios.
16. Chegando à porta, aconselhou-os que se fossem e não tivessem
medo. Disse-lhes: "Os demônios só conjuram fantasmas contra o medroso.
Façam agora o sinal da cruz e voltem a suas casas sem temor, e deixem que eles
se enlouqueçam a si mesmos".
17. Foram-se, então, fortalecidos com o sinal da cruz, enquanto
ele ficava sem sofrer dos demônios mal algum, sem se cansar, nem se alterar na
contenda, porque a ajuda que recebia do alto por meio de visões e a debilidade
de seus inimigos, davam-lhe grande alívio em suas penas, e ânimo para um
entusiasmo maior.
18. Seus amigos vinham uma ou outra vez supondo encontrá-lo
morto, mas o ouviam cantar: "Levanta-se Deus e seus inimigos se dispersam;
fogem de sua presença os que o odeiam. Como a fumaça, eles se dissipam; como se
derrete a cera ante o fogo, assim perecem os ímpios diante de Deus" (Sl
67,2). E ainda: "Todos os povos me rodeavam, em nome do Senhor eu os
expulsei" (Sl 117,10).
2 -
Antão abandona a solidão e se converte em Pai Espiritual
19. Assim passou quase vinte anos, só praticando a vida ascética,
não saindo nunca e sendo raramente visto por outros.
20. Depois disto, como havia muitos que ansiavam e aspiravam
imitar sua santa vida, e alguns de seus amigos vieram e forçaram a porta,
derrubando-a, Antão saiu como de um santuário, como um iniciado nos sagrados
mistérios e cheio do Espírito de Deus (Santo
Antão, "deificado" assim por essa vida íntima com Deus, é agora apto para transmitir vida divina; a
paternidade espiritual é o fruto de seu retiro absoluto. LAMPE 642, 890. LORIE
133 ss.: BETTENCOURT o.c. 51-52).
21. Foi a primeira vez que se mostrou fora do fortim aos que
vieram a ele. Quando o viram, estavam estupefatos ao comprovar que seu corpo
conservava a antiga aparência: não estava nem obeso pela falta de exercício nem
macilento pelos jejuns e lutas com os demônios: era o mesmo homem que haviam
conhecido antes de seu retiro.
22. O estado de sua alma era puro, pois não estava nem retraído
pela aflição, nem dissipado pela alegria, nem dominado pela distração ou pelo
desalento.
23. Não se desconcertou ao ver a multidão nem se orgulhou quando
viu tantos que o recebiam. mantinha-se completamente controlado, como homem
guiado pela razão e com grande equilíbrio de caráter.
24. Por ele o Senhor curou muitos dos presentes que tinham
enfermidades corporais, e a outros libertou de espíritos impuros.
25. Concedeu também a Antão o encanto no falar; e assim confortou
a muitos em suas penas e reconciliou a outros que brigavam.
26. Exortou a todos a nada preferir neste mundo ao amor de
Cristo. E quando em seu discurso exortou-os a pensar nos bens futuros e na
bondade demonstrada a nós por Deus, "que não poupou seu próprio Filho mas
o entregou por todos nós" (Rm 8,32), induziu muitos a abraçar a vida
monástica.
27. E assim apareceram celas monásticas na montanha, e o deserto
se povoou de monges que abandonavam os seus e se inscreviam como cidadãos do
céu (cf Hb 3,20; 12,23).
28. Uma vez teve necessidade de atravessar o canal de Arsino e -
por ocasião de uma visita aos irmãos -, o canal estava cheio de crocodilos.
29. Orou simplesmente, meteu-se com todos os seus companheiros, e
passou ao outro lado sem ser tocado.
30. De volta à cela, aplicou-se com todo o zelo a seus santos e
vigorosos exercícios. Por meio de constantes conferências inflamava o ardor dos
que já eram monges e incitava muitos outros ao amor à vida ascética; e logo, na
medida em que sua mensagem arrastava homens após ele, o número de celas
monásticas multiplicava-se, e era para todos como pai e guia.
3 -
Conferência de Antão aos Monges sobre o discernimento dos espíritos e exortação
à virtude (16-43)
31. Um dia em que ele saiu, vieram todos os monges e lhe pediram
uma conferência.
32. Falou-lhes em língua copta, como segue: "As Escrituras
bastam realmente para nossa instrução. No entanto, é bom para nós alentar-nos
uns aos outros na fé e usar da palavra para estimular-nos.
33. Sejam, por isso, como meninos e tragam a seu pai o que saibam
e lho digam, tal como eu, sendo o mais velho, reparto com vocês meus
conhecimento e minha experiência.
34. Para começar, tenhamos todos o mesmo zelo, para não renunciar
ao que começamos, para não perder o ânimo, para não dizer: 'Passamos demasiado
tempo nesta vida ascética'.
35. Não, começando de novo cada dia, aumentemos nosso zelo.
36. Toda a vida do homem é muito breve comparada ao tempo
vindouro, de modo que todo o nosso tempo é nada comparado com a vida eterna.
37. No mundo, tudo se vende; e cada coisa se comercia segundo seu
valor por algo equivalente; mas a promessa da vida eterna pode comprar-se por
muito pouco.
38. A Escritura diz: 'Ainda que alguém viva setenta anos, e o
mais robusto até oitenta, a maior parte é fadiga inútil' (Sl 89,10).
39. Se, pois, vivemos todos nossos oitenta anos, ou mesmo cem, na
prática da vida ascética, não vamos reinar o mesmo período de cem anos, mas em
vez dos cem reinaremos para sempre.
40. E ainda que nosso esforço seja na terra, não receberemos
nossa herança na terra mas o que nos foi prometido no céu. Mais ainda, vamos
abandonar nosso corpo corruptível e recebê-lo-emos incorruptível (cf 1Cor
15,42).
41. Assim, filhinhos, não nos cansemos nem pensemos que nos
afastamos muito tempo ou que estamos fazendo algo grande.
42. Pois 'os sofrimentos da vida presente não podem comparar-se
com a glória futura que nos será revelada' (Rm 8,18).
43. Não olhemos tampouco para trás, para o mundo, crendo que
renunciamos a grandes coisas, pois também o mundo é muito trivial comparado com
o céu.
44. E ainda que fôssemos donos de toda a terra e renunciássemos a
toda ela, nada seria isto comparado com o reino dos céus.
45. Assim como uma pessoa desprezaria uma moeda de cobre para
ganhar cem moedas de ouro, assim o que é dono de toda a terra e a ela renuncia,
dá realmente pouco e recebe cem vezes mais (cf Mt 19,29).
46. Se, pois, nem sequer toda a terra equivale ao céu, certamente
o que entrega uma porção de terra não deve jactar-se ou penalizar-se: o que
abandona é praticamente nada, ainda que seja um lar ou uma soma considerável de
dinheiro aquilo de que se separa.
47. Devemos, além disso ter em conta que se não deixamos estas
coisas por amor à virtude, teremos depois de abandoná-las de qualquer modo e a
miúdo também, como nos recorda o Eclesiastes (2,18; 4,8; 6,2), a pessoas às
quais não teríamos querido deixá-las. Então, por que não fazer da necessidade
virtude e entregá-las de modo a podermos herdar um reino por acréscimo?
48. Por isso nenhum de nós tenha nem sequer o desejo de possuir
riquezas. Do que nos serve possuir o que não podemos levar conosco? Por que não
possuir antes aquelas coisas que podemos levar conosco: prudência, justiça,
temperança, fortaleza, entendimento, caridade, amor aos pobres, fé em Cristo,
humildade, hospitalidade?
49. Uma vez possuindo-as, veremos que elas vão diante de nós,
preparando-nos as boas-vindas na terra dos mansos (cf Lc 16,9; Mt 5,4) (AGOSTINHO, em seus comentários ao Salmo 38.12, diz que há um
modo de levar conosco as riquezas da terra: mandando-as diante de nós nas mãos
dos pobres).
O
que você destaca no texto e como ele serve para sua espiritualidade?
O que você destaca na fala do seu irmão/irmã?
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