A Pedagogia do Ícone
Uma
Visão Protestante
Rev. Edson Cortasio Sardinha
OESI
Introdução
Nós, cristãos evangélicos/protestantes somos contra toda forma de idolatria. Imagens, ícones, sal grosso, arca da aliança, óleo ungido, água santa, terra de Israel, etc.
A criatividade para a idolatria não tem fim. Contudo a idolatria não está ligada apenas a imagem de escultura.
Infelizmente muitos grupos evangélicos têm a prática de idolatria disfarçada por símbolos até mesmo bíblicos.
Muitas Igrejas evangélicas têm levado em processional Arca da Aliança assim como a Igreja católica faz com o ostensório.
Muitos pastores tem armada tabernáculos no altar para que as pessoas entrem ajoelhadas e se curvem diante de símbolos judaicos e até mesmo da bandeira de Israel.
A Idolatria não tem limites.
Contudo,
podemos olhar os ícones bizantinos com sinceridade e sem estar armados com
preconceitos.
As representações do Evangelho na arte do ícone falam profundamente assim como a representação em uma música ou em uma poesia baseada na Bíblia Sagrada.
Este
pequeno texto, coletado de muitas fontes, é apenas para despertar uma discussão
sadia no meio do protestantismo sobre a beleza e a espiritualidade do ícone no
culto cristão.
I
O que
é um ícone?
Em sua origem, o verdadeiro sentido de ícone é o de uma imagem que nos
leva a contemplar os feitos de Deus.
Por "ícones bizantinos" entende-se ícones russos,
sérvios e gregos. Estão presentes na Igreja Ortodoxa russa, Ortodoxa
Oriental, Copta, Bizantina, Católica Romana e em algumas igrejas protestantes
históricas.
O Ícone baseado no Evangelho, serve como um atalho de acesso ao mistério de
Deus, inspirando o ser humano em sua compreensão da vida e ministério do Senhor Jesus. É assim um instrumento e uma
ferramenta pedagógica.
Na Igreja Ortodoxa são considerados Santos Ícones, e recebem uma bênção
especial do Bispo, antes de serem levados do atelier ao local de oração. Para
eles é uma imagem orante.
A Igreja Ortodoxa também não aceita imagem de escultura e nem a venda
comercial do ícone em linha de produção. Cada Ícone precisa ser único, ainda
que seja uma cópia de ícones anteriores.
Na realidade, uma igreja com ícones é uma igreja com as páginas da Bíblia
abertas. Uma inspiração evangelizadora para quem entrava para orar.
II
A Origem da Palavra Ícone
O primeiro ícone, ou seja, a primeira imagem de Deus citada na Bíblia é
a encarnação de Adão. Criado à imagem e semelhança de Deus, Adão é um ícone de
Deus.
“Então disse Deus: "Façamos
o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os
peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os grandes animais de toda a terra e
sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão. Criou Deus o homem
à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”
(Gênesis 1.26,27).
Somos, segundo a Bíblia, criados segundo a imagem e semelhança de Deus. Somos
portanto, todos nós, verdadeiros ícones de Deus, ou seja, uma imagem de Deus.
O Senhor Jesus é o perfeito ícone do Pai: “Ele é a imagem do Deus invisível, o
primogênito sobre toda a criação” – Cl
1.15.
Os primeiros ícones, surgiram no século II, como mostram as
catacumbas de Santa Priscila em Roma. Um dos ícones mais antigo do Senhor Jesus
é o Bom Pastor.
Provavelmente, os cristãos incorporaram dos judeus, a arte
dos ícones e mosaicos, já que na época que o Cristianismo estava se formando,
muitas sinagogas judias como a Sinagoga de Dura Europo e Beth-Alpha, começaram a utilizá-los.
Segundo a
Bíblia, os ícones e imagens de escultura eram fabricados pelos judeus. Fabricavam
muitos anjos e leões. Na arca da aliança, fizeram a imagem de dois querubins
(Êxodo 25,18-22; Êxodo 37,7-9); O templo de Salomão, era cheio de ícones,
principalmente de esculturas (1 Reis 6,23-35;1 Reis 7,29;1 Reis 7,36; 1
Reis 10,18-20;1 Reis 7,23-26;1 Reis 7,31;2 Crônicas 3,7; 2 Crônicas 3,10-13; 2
Crônicas 4,2-4).
Também o templo
profetizado por Ezequiel, possuía imagens (Ezequiel 41,17-20).
Deus também
mandou os judeus fazerem vários outros tipos de imagens, não só as de
escultura, mas também as bordadas ( 2 Crônicas 3,14; Êxodo 26,1;
Êxodo 26,31; Êxodo 36,8;Êxodo 36,35).
Também, é sabido
que os judeus se ajoelhavam para a arca que continha imagens (Josué 7,5-6), e
faziam procissões com ela (Josué 6,4; Números 10,33-34; Josué 3,3; Josué 6,4;
Josué 6,9).
Isso tudo,
contribuiu para que os judeus dessem essas ideias para os cristãos.
As sinagogas que
regulam com o período do Cristianismo Primitivo, como: Bet-Alfa, Gérasa, Naara
e a famosa sinagoga de Dura-Êuropos, são exemplos de sinagogas repletas de
pinturas e mosaicos.
O Dr. Jodi
Magnees, da Universidade da Carolina do Norte (EUA), em parceria com
arqueólogos da Israel (Autoridade de Antiguidades de Israel), achou uma
sinagoga do período IV a.C ou XI a.C, com um mosaico, de uma representação de
Sansão, mostrando que os judeus faziam imagens, principalmente pinturas.
Atualmente, em Israel,
encontramos sinagogas com pinturas bíblicas do Antigo Testamento e de
importantes rabinos da história judaica.
A partir do II
século d.C o ícone passou a ser usado nos lugares de orações para representar
as passagens da Bíblia Sagrada. Alguns Pais da Igreja foram a favor e o
defenderam e outros foram contra, como Eusébio de Cesaréia que aponta a
idolatria existente em Banias, Israel.
No século VIII,
as autoridades do Império Bizantino mudaram
totalmente o uso dos ícones, e uma proibição pelo imperador Leão
III (730dC) e seu filho Constantino V, durou muitos anos; o chamado período
iconoclasta, até ser revogada por um concílio
(843 dC) e pela Imperatriz Teodora.
Para a Igreja Ortodoxa, o ícone não é um objeto de arte e nem de
decoração. Ele tem como finalidade de auxiliar na oração e na percepção
bíblica.
O único ícone, a única representação, presente nas três religiões
oriundas de Abraão (islamismo, judaísmo e cristianismo) são os anjos.
Cristãos protestantes, em sua maioria, não adotam o uso de imagens,
exceto a imagem da cruz.
Devido ao movimento puritano, principalmente o Americano, parte da
Igreja protestante enxerga o ícone como objeto de veneração e idolatria.
Contudo, percebemos que o ícone tem um valor na pedagogia cristã e na
espiritualidade.
III
As
Características do Ícone
O Ícone tem características próprias. O tratamento da perspectiva, as
proporções do corpo e os planos representados em um ícone não seguem as regras
conhecidas no mundo da arte, mas sim as regras de uma dimensão espiritual, que
são diferentes das regras deste mundo.
A ausência de uma paisagem mundana mais elaborada também simboliza esta
entrada no mundo divino.
Não existe lugar para o supérfluo, somente para o essencial, assim como
ocorre também nos Evangelhos.
Ao contrário do que ocorre na pintura clássica, onde o ponto de fuga
está na linha do horizonte, no ícone o observador é o ponto de fuga, como se o
ícone fosse uma janela aberta para o mundo divino, que é admirado da
perspectiva daquele que o observa e ora.
A perspectiva iconográfica é invertida para deixar claro que a realidade
do mundo superior é totalmente diversa da realidade terrena.
Através da perspectiva invertida, Deus coloca o homem no centro de toda
sua criação. O ponto de fuga, para onde tudo converge está em quem contempla diante
de um ícone.
Os ícones não são assinados, pois não representam uma tradição de um
pintor ou de um atelier, mas a tradição da imagem Evangélica na Igreja.
Note que a luz de um ícone não vem de um ponto fixo, do sol ou da lua,
quando o Cristo é representado, ele simboliza a própria luz.
Os verdadeiros iconógrafos não se permitem interpretar. Ao contrário,
limitam-se a transmitir uma tradição, uma herança espiritual, através da cópia
de uma imagem.
O pintor de ícones tem como finalidade reproduzir o mundo Evangélico e
testemunhar sobre uma representação divina, que cremos ter sido inspirada
espiritualmente.
A maior parte dos iconógrafos se recusam a escrever manuais e livros que
ensinem a técnica da iconografia, acreditando que devido à iniciação espiritual
(ascese) necessária para tal arte, ela deva ser confinada em ambientes
estritamente religiosos. O ensino de ícones é antes de tudo uma tradição oral.
IV
Ler o
Evangelho através da beleza dos Ícones
Os Ortodoxos adoram a Deus com o
auxílio dos ícones que os levam ao Sagrado.
Eu como protestante, de outra forma, apenas leio o Evangelho através da
beleza dos ícones. Eles servem como instrumentos para revelar a sensibilidade
divina da Palavra de Deus.
Simboliza a entrada na espiritualidade das letras do Evangelho. No ícone
não existe o supérfluo como também no Evangelho.
É o desenho simples e belo das
páginas e das histórias espirituais dos Evangelhos.
E desta forma que consigo ler o Ícone.
Nenhum Iconógrafo desenha ou pinta um ícone. Ele escreve um ícone, pois
é a forma espiritual de escrever o Evangelho do Senhor.
Não creio que um protestante necessita ser um iconoclasta (destruidor de ícones) quando se trata da representação das páginas
do Evangelho com o fim do belo e do didático para uma espiritualidade da
sensibilidade.
O Ícone me
auxilia a ler os Evangelhos. São as ilustrações bíblicas que me fazem parar
diante dos fatos Sagrados. Pois os Evangelhos não são histórias humanas, mas
sim a plena e perfeita revelação de Deus; e o ícone me faz ter esta percepção
com mais clareza.
Conclusão
João Damasceno, o teólogo poeta, morto em
749, que em seus três Tratados pela defesa dos
ícones, na época iconoclasta, explica a superação da proibição das Escrituras
de se representar o Deus invisível dizendo:
“Quando virmos aquele que não tem corpo
tornar-se homem por nossa causa, então poderemos executar a representação de
seu aspecto humano. Quando o Invisível, revestido de carne, se tornar visível,
então representa a imagem daquele que
apareceu… Quando aquele que é a Imagem consubstancial do Pai despojou-se, assumido a imagem de servo (Fl 2, 6-7),
tornando-se assim limitado na quantidade e na qualidade por se ter revestido da
imagem carnal, então pintamos
(…) e expomos à vista de todos Aquele que se quis manifestar. Pintemos o seu
nascimento da virgem, o seu batismo no Jordão, a sua Transfiguração no monte
Tabor, pintemos tudo com a palavra e com as cores nos livros e na madeira”.
Bibliografia:
O
Tipo Iconográfico do Pantocrátor:
https://www.ecclesia.com.br/biblioteca/iconografia/meditando_natividade.html
A
Natividade do Senhor:
https://www.ecclesia.com.br/biblioteca/iconografia/o_tipo_iconografico_do_pantokrator.html
São João Damasceno:
Primeiro
Tratado em defesa dos santos ícones. PG 94, cols.1239-1240a.
E
os Ícones:
https://cleofas.com.br/e-os-icones-eb-2/
A
História dos Ícones:
https://www.sergioprata.com.br/port/historia.html
A vida de Jesus em ícones
Gabriele Bragantini, Edições Loyola
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