segunda-feira, 3 de maio de 2021

A Pedagogia do Ícone - Uma Visão Protestante

 


A Pedagogia do Ícone

Uma Visão Protestante

 

Rev. Edson Cortasio Sardinha

OESI

 

Introdução

Nós, cristãos evangélicos/protestantes somos contra toda forma de idolatria. Imagens, ícones, sal grosso, arca da aliança, óleo ungido, água santa, terra de Israel, etc.

            A criatividade para a idolatria não tem fim. Contudo a idolatria não está ligada apenas a imagem de escultura.

Infelizmente muitos grupos evangélicos têm a prática de idolatria disfarçada por símbolos até mesmo bíblicos.

Muitas Igrejas evangélicas têm levado em processional Arca da Aliança assim como a Igreja católica faz com o ostensório.

Muitos pastores tem armada tabernáculos no altar para que as pessoas entrem ajoelhadas e se curvem diante de símbolos judaicos e até mesmo da bandeira de Israel.

            A Idolatria não tem limites.

            Contudo, podemos olhar os ícones bizantinos com sinceridade e sem estar armados com preconceitos.

As representações do Evangelho na arte do ícone falam profundamente assim como a representação em uma música ou em uma poesia baseada na Bíblia Sagrada.

            Este pequeno texto, coletado de muitas fontes, é apenas para despertar uma discussão sadia no meio do protestantismo sobre a beleza e a espiritualidade do ícone no culto cristão.

 

I

O que é um ícone?

 A palavra Ícone quer dizer literalmente imagem. Ícone é uma pintura Bíblica utilizada para apresentar o Evangelho do Senhor e enaltecer Sua a encarnação.

Em sua origem, o verdadeiro sentido de ícone é o de uma imagem que nos leva a contemplar os feitos de Deus.

Por "ícones bizantinos" entende-se ícones russos, sérvios e gregos. Estão presentes na Igreja Ortodoxa russa, Ortodoxa Oriental, Copta, Bizantina, Católica Romana e em algumas igrejas protestantes históricas.

O Ícone baseado no Evangelho,  serve como um atalho de acesso ao mistério de Deus, inspirando o ser humano em sua compreensão da vida e ministério do  Senhor Jesus. É assim um instrumento e uma ferramenta pedagógica.

Na Igreja Ortodoxa são considerados Santos Ícones, e recebem uma bênção especial do Bispo, antes de serem levados do atelier ao local de oração. Para eles é uma imagem orante.

A Igreja Ortodoxa também não aceita imagem de escultura e nem a venda comercial do ícone em linha de produção. Cada Ícone precisa ser único, ainda que seja uma cópia de ícones anteriores.

Na realidade, uma igreja com ícones é uma igreja com as páginas da Bíblia abertas. Uma inspiração evangelizadora para quem entrava para orar.

 

 

II

A Origem da Palavra Ícone

 

 Ícone vem do grego εικών  - eikon : IMAGEM.

O primeiro ícone, ou seja, a primeira imagem de Deus citada na Bíblia é a encarnação de Adão. Criado à imagem e semelhança de Deus, Adão é um ícone de Deus.

“Então disse Deus: "Façamos o homem à nossa imagem, con­for­me a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os grandes animais de toda a terra e sobre todos os pequenos animais ­que se movem rente ao chão. Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gênesis 1.26,27).

Somos, segundo a Bíblia, criados segundo a imagem e semelhança de Deus. Somos portanto, todos nós, verdadeiros ícones de Deus, ou seja, uma imagem de Deus.

O Senhor Jesus é o perfeito ícone do Pai: “Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito sobre toda a criação” – Cl 1.15.

 

Os primeiros ícones, surgiram no século II, como mostram as catacumbas de Santa Priscila em Roma. Um dos ícones mais antigo do Senhor Jesus é o Bom Pastor.

Provavelmente, os cristãos incorporaram dos judeus, a arte dos ícones e mosaicos, já que na época que o Cristianismo estava se formando, muitas sinagogas judias como a Sinagoga de Dura Europo e Beth-Alpha, começaram a utilizá-los.

Segundo a Bíblia, os ícones e imagens de escultura eram fabricados pelos judeus. Fabricavam muitos anjos e leões. Na arca da aliança, fizeram a imagem de dois querubins (Êxodo 25,18-22; Êxodo 37,7-9); O templo de Salomão, era cheio de ícones, principalmente de esculturas  (1 Reis 6,23-35;1 Reis 7,29;1 Reis 7,36; 1 Reis 10,18-20;1 Reis 7,23-26;1 Reis 7,31;2 Crônicas 3,7; 2 Crônicas 3,10-13; 2 Crônicas 4,2-4).

Também o templo profetizado por Ezequiel, possuía imagens (Ezequiel 41,17-20).

Deus também mandou os judeus fazerem vários outros tipos de imagens, não só as de escultura, mas também as bordadas ( 2 Crônicas 3,14; Êxodo 26,1; Êxodo 26,31; Êxodo 36,8;Êxodo 36,35).

Também, é sabido que os judeus se ajoelhavam para a arca que continha imagens (Josué 7,5-6), e faziam procissões com ela (Josué 6,4; Números 10,33-34; Josué 3,3; Josué 6,4; Josué 6,9).

Isso tudo, contribuiu para que os judeus dessem essas ideias para os cristãos.

As sinagogas que regulam com o período do Cristianismo Primitivo, como: Bet-Alfa, Gérasa, Naara e a famosa sinagoga de Dura-Êuropos, são exemplos de sinagogas repletas de pinturas e mosaicos.

O Dr. Jodi Magnees, da Universidade da Carolina do Norte (EUA), em parceria com arqueólogos da Israel (Autoridade de Antiguidades de Israel), achou uma sinagoga do período IV a.C ou XI a.C, com um mosaico, de uma representação de Sansão, mostrando que os judeus faziam imagens, principalmente pinturas.

Atualmente, em Israel, encontramos sinagogas com pinturas bíblicas do Antigo Testamento e de importantes rabinos da história judaica.  

A partir do II século d.C o ícone passou a ser usado nos lugares de orações para representar as passagens da Bíblia Sagrada. Alguns Pais da Igreja foram a favor e o defenderam e outros foram contra, como Eusébio de Cesaréia que aponta a idolatria existente em Banias, Israel.

No século VIII, as autoridades do Império Bizantino mudaram totalmente o uso dos ícones, e uma proibição pelo imperador Leão III (730dC) e seu filho Constantino V, durou muitos anos; o chamado período iconoclasta, até ser revogada por um concílio (843 dC) e pela Imperatriz Teodora.

 

Para a Igreja Ortodoxa, o ícone não é um objeto de arte e nem de decoração. Ele tem como finalidade de auxiliar na oração e na percepção bíblica.

O único ícone, a única representação, presente nas três religiões oriundas de Abraão (islamismo, judaísmo e cristianismo) são os anjos.

Cristãos protestantes, em sua maioria, não adotam o uso de imagens, exceto a imagem da cruz.

Devido ao movimento puritano, principalmente o Americano, parte da Igreja protestante enxerga o ícone como objeto de veneração e idolatria.  

Contudo, percebemos que o ícone tem um valor na pedagogia cristã e na espiritualidade.

 

 

III

As Características do Ícone

 

 

O Ícone tem características próprias. O tratamento da perspectiva, as proporções do corpo e os planos representados em um ícone não seguem as regras conhecidas no mundo da arte, mas sim as regras de uma dimensão espiritual, que são diferentes das regras deste mundo.

A ausência de uma paisagem mundana mais elaborada também simboliza esta entrada no mundo divino.

Não existe lugar para o supérfluo, somente para o essencial, assim como ocorre também nos Evangelhos.

Ao contrário do que ocorre na pintura clássica, onde o ponto de fuga está na linha do horizonte, no ícone o observador é o ponto de fuga, como se o ícone fosse uma janela aberta para o mundo divino, que é admirado da perspectiva daquele que o observa e ora.

A perspectiva iconográfica é invertida para deixar claro que a realidade do mundo superior é totalmente diversa da realidade terrena.

Através da perspectiva invertida, Deus coloca o homem no centro de toda sua criação. O ponto de fuga, para onde tudo converge está em quem contempla diante de um ícone.

Os ícones não são assinados, pois não representam uma tradição de um pintor ou de um atelier, mas a tradição da imagem Evangélica na Igreja.

Note que a luz de um ícone não vem de um ponto fixo, do sol ou da lua, quando o Cristo é representado, ele simboliza a própria luz.

Os verdadeiros iconógrafos não se permitem interpretar. Ao contrário, limitam-se a transmitir uma tradição, uma herança espiritual, através da cópia de uma imagem. 

O pintor de ícones tem como finalidade reproduzir o mundo Evangélico e testemunhar sobre uma representação divina, que cremos ter sido inspirada espiritualmente.

A maior parte dos iconógrafos se recusam a escrever manuais e livros que ensinem a técnica da iconografia, acreditando que devido à iniciação espiritual (ascese) necessária para tal arte, ela deva ser confinada em ambientes estritamente religiosos. O ensino de ícones é antes de tudo uma tradição oral.

 

 

 

IV

Ler o Evangelho através da beleza dos Ícones

 

 

            Os Ortodoxos adoram a Deus com o auxílio dos ícones que os levam ao Sagrado.

Eu como protestante, de outra forma, apenas leio o Evangelho através da beleza dos ícones. Eles servem como instrumentos para revelar a sensibilidade divina da Palavra de Deus. 

Simboliza a entrada na espiritualidade das letras do Evangelho. No ícone não existe o supérfluo como também no Evangelho.

            É o desenho simples e belo das páginas e das histórias espirituais dos Evangelhos.

E desta forma que consigo ler o Ícone.  Nenhum Iconógrafo desenha ou pinta um ícone. Ele escreve um ícone, pois é a forma espiritual de escrever o Evangelho do Senhor.

            Não creio que um protestante necessita ser um iconoclasta (destruidor de ícones) quando se trata da representação das páginas do Evangelho com o fim do belo e do didático para uma espiritualidade da sensibilidade.

            O Ícone me auxilia a ler os Evangelhos. São as ilustrações bíblicas que me fazem parar diante dos fatos Sagrados. Pois os Evangelhos não são histórias humanas, mas sim a plena e perfeita revelação de Deus; e o ícone me faz ter esta percepção com mais clareza.

 

Conclusão

 

João Damasceno, o teólogo poeta, morto em 749, que em seus três Tratados pela defesa dos
ícones, na época iconoclasta, explica a superação da proibição das Escrituras de se representar o Deus invisível dizendo:

 

“Quando virmos aquele que não tem corpo tornar-se homem por nossa causa, então poderemos executar a representação de seu aspecto humano. Quando o Invisível, revestido de carne, se tornar visível, então representa a imagem daquele que
apareceu… Quando aquele que é a Imagem consubstancial do Pai despojou-se,  assumido a imagem de servo (Fl 2, 6-7), tornando-se assim limitado na quantidade e na qualidade por se ter revestido da imagem carnal, então pintamos
(…) e expomos à vista de todos Aquele que se quis manifestar. Pintemos o seu nascimento da virgem, o seu batismo no Jordão, a sua Transfiguração no monte Tabor, pintemos tudo com a palavra e com as cores nos livros e na madeira”.

 

 

Bibliografia:

 

O Tipo Iconográfico do Pantocrátor:

https://www.ecclesia.com.br/biblioteca/iconografia/meditando_natividade.html

 

A Natividade do Senhor:

https://www.ecclesia.com.br/biblioteca/iconografia/o_tipo_iconografico_do_pantokrator.html

 

São João Damasceno:

Primeiro Tratado em defesa dos santos ícones. PG 94, cols.1239-1240a.

 

E os Ícones:

https://cleofas.com.br/e-os-icones-eb-2/

 

A História dos Ícones:

https://www.sergioprata.com.br/port/historia.html

 

A vida de Jesus em ícones

Gabriele Bragantini, Edições Loyola

 

 

 

 

 

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