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Atanásio
de Alexandria (285-373)
A Vida de Santo Antão (Parte IV
– 1,2)
Parte
IV
I -
Discernimento dos Espíritos
1.
Agora, pois, quando se lhes apareçam de
noite e queiram contar-lhes o futuro ou lhes digam: 'Somos os anjos',
ignorem-nos porque estão mentindo.
2.
Se louvam sua prática da vida ascética
ou os chamam santos, não os ouçam nem tenham nada que ver com eles.
3.
Façam antes o sinal da cruz sobre si
mesmos, sobre sua morada e oração, e vê-los-ão desaparecer. São covardes e têm
terror mortal do sinal da cruz de Nosso Senhor, desde que na cruz o Senhor os
despojou e escarmentou-os.
4.
Se insistem, porém, com maior cinismo,
bailando em torno e mudando de aparência, não os temam nem se acovardem nem
lhes prestem atenção como se fossem bons; é totalmente possível distinguir
entre o bem e o mal com a garantia de Deus.
5.
Uma visão dos santos não é turbulenta,
'pois não contenderá nem gritará' e ninguém ouvirá sua voz nas ruas (Mt 12,19;
cf Is 42,2). Essa visão chega tão tranquila e suave, que logo haverá alegria,
gozo e valor na alma. Com eles está nosso Senhor, que é nossa alegria, e o
poder de Deus Pai. E os pensamentos da alma permanecem desembaraçados e sem
agitação, de modo que em sua própria brilhante transparência é possível
contemplar a aparição.
6.
Um anelo das coisas divinas e da vida
futura se apossa da alma, e seu desejo é unir-se totalmente a eles e com eles
poder partir. Se alguns, porém, por ser humanos, têm medo ante a visão dos
bons, então os que aparecem expulsam o temor pelo amor, como o fez Gabriel com
Zacarias (Lc 1,13), e o anjo que apareceu às mulheres no santo sepulcro (Mt
28,5) e o anjo que apareceu aos pastores. 'Não temam' (Lc 2,10). Temor, nestes
casos, não é covardia da alma, antes, porém, consciência da presença de seres
superiores. Tal é, pois, a visão dos santos.
7.
Por outro lado, o ataque e a aparição
dos maus estão cheios de confusão, acompanhada de ruídos, bramidos e alaridos;
bem poderia ser o tumulto produzido por homens grosseiros ou salteadores.
8.
Isto no começo ocasiona terror na alma,
distúrbios e confusão de pensamentos, desalento, ódio da vida ascética, tédio,
tristeza, lembrança dos parentes, medo da morte; e logo vem o desejo do mal, o
desprezo da virtude e completa mudança do caráter.
9.
Por isso, se vocês têm uma visão e
sentem medo, mas se o medo se afasta logo e em seu lugar lhes vem inefável
alegria e contentamento, recuperação da força e da calma do pensamento e tudo o
mais que mencionei, e valentia de coração e amor de Deus, então alegrem-se e
orem; seu gozo e a tranquilidade da alma dão prova da santidade Daquele que
está presente.
10. Assim, Abraão, vendo o Senhor, alegrou-se (Jo 8.56), e João,
ouvindo a voz de Maria, a mãe de Deus, saltou de alegria (Lc 1.41).
11. Se, porém, visões os surpreendem e confundem e há abertamente
tumulto e aparições terrenas e ameaças de morte e tudo o mais que mencionei,
saibam então que a visita é do mau.
12. Tenham, também este outro sinal: se a alma prossegue com
medo, o inimigo está presente.
13. Os demônios não tiram o medo que produzem, como o fez o
grande arcanjo Gabriel com Maria e Zacarias, e o que apareceu às mulheres no
sepulcro.
14. Os demônios, ao contrário, quando veem que os homens têm
medo, aumentam suas fantasmagorias para aterrorizá-los ainda mais, depois
descem e os enganam dizendo-lhes: 'Prostrem-se e adorem-nos' (cf Mt 4.9).
15. Assim enganaram aos gregos, pois entre eles os havia, tomados
falsamente por deuses.
16. Nosso Senhor, porém, não permitiu que fôssemos enganados pelo
demônio, quando uma vez repeliu-o quando intentava utilizar suas alucinações
com Ele: 'Aparta-se, Satanás, porque está escrito: Adorarás ao Senhor, teu
Deus, e só a Ele servirás' (Mt 4,10).
17. Por isso, desprezemos sempre mais o autor do mal, pois o que
nosso Senhor disse foi por nós: quando os demônios ouvem tais palavras, são
expulsos pelo Senhor que com essa palavras os repreendeu.
18. Não devemos jactar-nos de expulsar os demônios nem vangloriar-nos
por curas realizadas; não devemos honrar só ao que expulsa os demônios e
desprezar o que não o faz.
19. Que cada um observe atentamente a vida ascética do outro, e
então imite-a e emule, ou a corrija; quanto a fazer milagres, não nos compete.
Isto está reservado ao Salvador, que, por outro lado, disse a seus discípulos:
'Alegrem-se, não porque os demônios se lhes submetem, mas porque têm seus nomes
escritos no céu' (Lc 10,20).
20. E o fato de estarem nossos nomes escritos no céu é testemunho
para nossa vida de virtude, mas quanto a expulsar demônios, é dom do Salvador.
21. Por isso, aos que se gloriavam não de sua virtude, mas de
seus milagres e diziam: 'Senhor, não expulsamos demônios em teu nome e não
operamos milagres, também em teu nome?' (Mt 7.22). Ele respondeu: 'Em verdade
lhes digo que não os conheço' (Mt 7.23), pois o Senhor não conhece o caminho
dos ímpios (cf Sl 1.6).
22. Em resumo, deve-se orar, como já disse, pelo dom do discernimento
dos espíritos, a fim de que, como está escrito, não creiamos em todo espírito
(cf 1 Jo 4.1).
II -
Antão narra suas experiências com os Demônios
23. Em realidade, queria agora deter-me e não dizer nada mais que
viesse de mim mesmo, já que basta o que foi dito.
24. Mas para que vocês não pensem que simplesmente digo estas
coisas por falar, mas para que se convençam de que o faço por verdadeira
experiência, por isso quero contar-lhes o que vi quanto às práticas dos
demônios.
25. Talvez me chamem de tonto, mas o Senhor que está ouvindo o
sabe que minha consciência é limpa e que não é por mim mesmo mas para vocês e
para alentá-los que digo tudo isto.
26. Quantas vezes me chamaram bendito, enquanto eu os maldizia em
nome do Senhor! Quantas vezes faziam predições acerca da água do Rio! E eu lhes
dizia: 'Que têm vocês a ver com isto?
27. 'Uma vez chegaram com ameaças e me rodearam como soldados
armados até os dentes. Noutra ocasião encheram a casa com cavalos e bestas e
répteis, mas eu cantei o salmo: 'Uns confiam nos carros, outros em sua
cavalaria, mas nós confiamos no nome do Senhor nosso Deus' (Sl 19,8), e a esta
oração foram rechaçados pelo Senhor.
28. Outra vez, no escuro, chegam com uma luz fátua dizendo:
'Vimos trazer-te luz, Antão'. Fechei, porém os olhos, orei, e de um golpe apagou-se a luz dos
ímpios.
29. Poucos meses depois chegaram cantando salmos e citando as
Escrituras. Mas 'eu fui como um surdo que não ouve' (Sl 37,14).
30. Uma vez sacudiram a cela de um lado a outro, mas eu orei,
permanecendo inalterável em minha mente. Voltaram então e fizeram um ruído
contínuo, dando golpes, sibilando e fazendo cabriolas.
31. Pus-me então a orar e cantar salmos, e então começaram a
gritar e lamentar-se como se estivessem extenuados, e eu louvei ao Senhor que
reduziu a nada seu descaramento e insensatez e lhes deu uma lição.
32. Uma vez apareceu-me em visão um demônio realmente enorme, que
teve a desfaçatez de dizer: 'Sou o Poder de Deus' e: 'Sou a Providência. Que
favor desejas que te faça?' Então soprei-lhe meu bafo, invocando o nome de
Cristo e fiz empenho de golpeá-lo. Parece que tive êxito, porque logo, grande
como era, desapareceu, e todos seus companheiros com ele, ao nome de Cristo.
33. Outra vez, estava eu jejuando e chegou-se a mim o velhaco
trazendo pães ilusórios. Pôs-se a dar-me conselhos: 'Come e deixa-te de
privações. Também tu és homem e estás a ponto de adoecer.' Mas eu, percebendo
seu embuste, levantei-me para orar e ele não aguentou: desapareceu como fumaça
através da porta.
34. Quantas vezes me mostrou no deserto uma visão de ouro que eu
podia pegar e levar! Opus-me cantando um salmo e se dissolveu.
35. Bateu-me muitas vezes e eu dizia: 'Nada poderá separar-me do
amor de Cristo' (cf Rm 8.35), e eles então se golpeavam uns aos outros.
36. Não fui eu, porém, quem deteve e paralisou seus esforços, mas
o Senhor que disse: 'Vi Satanás caindo do céu como um relâmpago' (Lc 10.18).
37. Filhinhos meus, lembrem-se do que disse o Apóstolo:
'Apliquei-me isto a mim mesmo' (1 Cor 4.6), e aprenderão a não descoroçoar-se
em sua vida ascética e a não temer as ilusões do demônio e de seus
companheiros.
38. Já que me fiz louco entrando em todas estas coisas, escutem
também o que segue, para que possa servir-lhes para sua segurança; creiam-me,
não minto.
39. Uma vez ouvi um golpe na porta de minha cela, saí e vi uma
figura enormemente alta. Quando lhe perguntei: 'Quem és?', respondeu-me: 'Sou Satanás'.
'Que estás fazendo aqui?' Ele respondeu: 'Que falta encontram em mim os monges
e os demais cristãos, sem razão alguma? Por que me expulsam a cada momento?'
40. 'Bem, por que os molestas?, disse-lhe. Ele contestou: 'Não
sou eu que os molesto, mas seus embaraços têm origem neles mesmos, pois eu me
enfraqueci. Não leste por acaso: O inimigo foi desarmado, arrasaste suas
cidades (Sl 9.7)? Agora não tenho nem lugar nem armas nem cidade. Em toda parte
há cristãos e até o deserto está cheio de monges. Que se dediquem ao que lhes é
próprio e não me maldigam sem causa.
41. Maravilhei-me então ante a graça do Senhor e lhe disse:
'Ainda que sejas sempre mentiroso e nunca fales a verdade, no entanto desta vez
a disseste, por mais que te desagrade fazê-lo. Vês, Cristo, com sua vinda te
fez impotente, derrubou-te e te despojou'. Ele, ouvindo o nome do Salvador e incapaz
de suportar o calor que isto lhe causava, desvaneceu-se.
42. Por isso, se até o próprio demônio confessa que não tem
poder, deveríamos desprezá-lo totalmente.
43. O mau e seus cães têm, é verdade, todo um provimento de
velhacaria; nós, porém, conhecendo sua impotência, podemos desprezá-los.
44. Não nos entreguemos, pois, nem nos desalentos, nem deixemos
que haja covardia em nossa alma nem nos causemos medo a nós próprio, pensando:
'Oxalá não venha o demônio e me faça cair! Queira Deus que não me leve para
cima ou para baixo, ou apareça de repente e me tire dos eixos!
45. Não deveríamos absolutamente ter semelhantes pensamentos nem
afligir-nos como se fôssemos perecer. Antes tenhamos coragem e alegremo-nos
sempre como homens que estão sendo salvos.
46. Pensemos que o Senhor está conosco, Ele que afugentou os maus
espíritos e lhes tirou o poder.
47. Meditemos sempre sobre isto e recordemos que enquanto o
Senhor estiver conosco, nossos inimigos não nos causarão dano. Pois quando vêm,
atuam como nos encontram, e, no estado de alma em que nos encontrem, apresentam
suas ilusões.
48. Se nos veem cheios de medo, de pânico, imediatamente tomam
posse como bandidos que encontram a praça desguarnecida; tudo o que pensemos de
nós, aproveitam-no com redobrado interesse.
49. Se nos veem temerosos e acovardados, aumentam nosso medo o mais
que possam em forma de imaginações e ameaças, e assim a pobre alma é atormentada
para o futuro.
50. Se nos encontram, porém, alegrando-nos no Senhor; meditando
nos bens futuros e contemplando as coisas que são do Senhor; considerando que
tudo isto está em Suas mãos e que o demônio não tem poder sobre um cristão,
que, de fato, não tem poder sobre ninguém, absolutamente, então, vendo a alma
salvaguardada com tais pensamentos, envergonham-se e voltam atrás.
51. Assim, quando o inimigo viu Jó fortificado, retirou-se dele,
enquanto que encontrando Judas desprovido de toda defesa, aprisionou-o.
52. Por isso, se quisermos desprezar o inimigo, mantenhamos
sempre nosso pensamento nas coisas do Senhor e que nossa alma goze com a
esperança (cf Rm 12.12).
53. Veremos então como os enganos do demônio se desvanecem como fumo
e vê-lo-emos fugir em lugar de perseguir-nos. Eles são, como disse, abjetos
covardes, sempre receosos do fogo preparado para eles (Mt 25.41).
54. Observem também isto quanto à intrepidez que devem ter na
presença deles. Cada vez que venha uma aparição não se precipitem imediatamente
cheios de medo covarde, mas seja como for, perguntem primeiro com coração
resoluto: 'Quem és e donde vens?' Se é uma visão boa, há de tranquiliza-los e
mudar o medo em alegria. No entanto, se tem que ver com o demônio, vai
desvanecer-se logo vendo o ânimo decidido de vocês, pois a simples pergunta:
'quem és e donde vens? 'é sinal de tranquilidade.
55. Assim o aprendeu o filho de Nun (Js 5.13s) e o inimigo se
livrou de ser descoberto quando Daniel o interrogou (citação do apócrifo Dan
13,51-59).
O que você destaca no texto e como ele
serve para sua espiritualidade?
O que você deseja destacar na fala do seu irmão/irmã?