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Atanásio de Alexandria (285-373)
A Vida de Santo Antão (Parte III – 2,3)
2
- Impotência dos Demônios
1.
Bem,
até agora só falei deste tema de passagem. Mas agora não devo deixar de
tratá-lo com maiores detalhes; recordar-lhes isto só pode redundar em maior
segurança.
2.
Desde
que o Senhor habitou conosco, o inimigo caiu e declinaram seus poderes. Por
isso não pode nada; no entanto, ainda que caído, não pode ficar quieto, mas
como tirano que não pode fazer outra coisa, vai-se com ameaças, sejam elas
embora puras palavras.
3.
Cada
qual se lembre disto e poderá desprezar os demônios. Se estivessem confinados a
corpos como os nossos, deveriam então dizer: 'Aos que se escondem, não os vamos
encontrar; mas se os encontramos, então vamos daná-los'.
4.
E
neste caso poderíamos escapar deles escondendo-nos e trancando as portas. Não é
este, porém, o caso, e podem entrar apesar das portas trancadas. Vemos que
estão
5.
presentes
em todas as partes no ar, eles e seu chefe, o demônio, e sabemos que sua
vontade é má e que estão inclinados a danar, e que, como diz o Salvador, 'o
demônio foi homicida desde o princípio' (Jo 8,44); então, se apesar de tudo
vivemos, e vivemos nossas vidas desafiando-o, é claro que não tem nenhum poder.
6.
Como
veem, o lugar não lhes impede a conspiração; tampouco nos veem amáveis com eles
como para que nos perdoem, nem tampouco são amantes do bem para mudar seus
caminhos. Não, ao contrário, são maus e nada há que desejem mais ansiosamente
do que fazer dano aos amantes da virtude e aos adoradores de Deus. Pela simples
razão de serem impotentes para fazer algo, nada fazem senão ameaçar.
7.
Se
pudessem, estejam vocês seguros de que não esperariam, mas, antes, realizariam
seus mais fortes desejos: o mal, e isso contra nós. Notem, por exemplo, como agora
estamos reunidos aqui falando contra eles, e ademais eles sabem que na medida
em que fazemos progressos, eles se debilitam.
8.
Em
verdade, se estivesse em seu poder, não deixariam vivo nenhum cristão, porque o
serviço de Deus é abominação para o pecador (Sir 1,25). E posto que não podem
nada, fazem dano a si mesmos, já que não podem cumprir suas ameaças.
9.
Ademais,
para acabar com o medo a eles, dever-se-ia também levar em conta que, se
tivessem algum poder, não viriam em manadas, nem recorreriam a aparições, nem
usariam o artifício de transformar-se.
10. Bastaria que
viesse apenas um e fizesse o que fosse capaz de fazer, ou de acordo com sua inclinação.
O mais importante de tudo é que o detentor do poder não se esforça em matar com
fantasmas nem trata de aterrorizar com hordas, mas, sem mais histórias, usa de
seu poder como quer.
11. Atualmente,
porém, os demônios, impotentes como são, fazem piruetas como se estivessem
sobre um cenário, mudando suas formas em espantalhos infantis, com manadas ilusórias
e contorções, tornando-se assim mais desprezível sua carência de vigor.
12. Estejamos
seguros: o anjo verdadeiro, enviado pelo Senhor contra os assírios, não teve
necessidade de grande número, nem de ilusões visíveis, nem de sopros
retumbantes, nem de ressoar de guizos; não, ele exerceu tranquilamente seu
poder, e de uma vez matou cento e oitenta e cinco mil deles (cf 2 Rs 19.35).
13. Mas os demônios,
impotentes criaturas como são, tratam de aterrorizar, e isto com meros
fantasmas!
14. Se alguém, ao
examinar a história de Jo dissesse: 'Por que, então, continuou o demônio agindo
contra ele? Despojou-o de suas posses, matou seus filhos e o feriu com graves
úlceras' (cf Jó 1.13ss; 2,7), que essa pessoa se aperceba de que não se trata
de que o demônio tivesse poder para fazer isso, mas Deus é que lhe entregou Jo
para que o tentasse (cf Jó 1.12).
15. Fica suposto que
não tinha poder para fazê-lo; pediu esse poder e só depois de havê-lo recebido
agiu. Aqui temos outra razão para desprezar o inimigo, pois ainda que tal fosse
o seu desejo, não foi capaz de vencer o homem justo.
16. Se o poder
houvesse sido dele, não haveria necessidade de pedi-lo, e o fato de o pedir não
uma, mas duas vezes, mostra sua fraqueza e incapacidade.
17. Não é de
estranhar que não tivesse poder contra Jo, quando lhe foi impossível destruir
nem mesmo seus animais, a não ser que Deus lhe desse permissão.
18. Mas não tem
poder nem sequer contra porcos, como está escrito no Evangelho: (Mt 8.31). Mas
se não têm poder nem sequer sobre animais, muito menos o têm sobre os homens
feitos à imagem de Deus.
19. Por isso se deve
temer a Deus só e desprezar esses seres, sem lhes ter medo, absolutamente. E
quanto mais se dedicam a tais coisas, tanto mais dediquemo-nos à vida ascética
para contra atacá-los, pois uma vida reta e a fé em Deus são grande arma contra
eles.
20. Temem aos
ascetas por seu jejum, suas vigílias, orações, mansidão, tranquilidade,
desprezo do dinheiro, falta de presunção, humildade, amor aos pobres, esmolas,
ausência de ira, e, acima de tudo, sua lealdade para com Cristo.
21. Esta é a razão
pela qual tudo fazem para que ninguém os espezinhe. Conhecem a graça dada pelo
Salvador aos crentes quando diz: 'Olhem: dei-lhes o poder de calcar aos pés
serpentes e escorpiões e todo o poder do inimigo' (Lc 10.19).
3
- Falsas Predições do Futuro
22. Também, se
pretendem predizer o futuro, não lhes façam caso. Às vezes, por exemplo, nos
comunicam dias antes a visita de irmãos, e efetivamente chegam.
23. Mas não é por se
preocuparem com seus ouvintes que fazem isto, mas para induzi-los a colocar sua
confiança neles, e assim, tendo-os bem nas mãos, poderem destruí-los. Não os
escutemos, mas deitemo-los fora, pois não precisamos deles.
24. Que prodígio
haverá em que eles, tendo corpos mais sutis que os homens, vendo que alguém se
põe a caminho, se adiantem e anunciem sua chegada?
25. Uma pessoa a
cavalo poderia também adiantar-se de outro a pé e dar a mesma informação.
Assim, pois, tampouco nisto não há de que admirar-nos deles.
26. Não têm nenhum
conhecimento prévio do que ainda não aconteceu, mas só Deus conhece todas as
coisas antes que existam (cf Dn 13.42).
27. Neste ponto são
como ladrões que correm adiante e anunciam o que viram. Neste momento mesmo, a
quantos já terão anunciado o que estamos fazendo, como estamos aqui discutindo
sobre eles, antes que nenhum de nós possa levantar-se e informar o mesmo!
28. Mas até um
menino veloz para correr faria o mesmo, adiantando-se a uma pessoa mais lenta.
Vou ilustrar com um exemplo o que quero dizer. Se alguém quiser pôr-se em
viagem de Tebaida ou de qualquer outro lugar, antes que efetivamente parta não
sabem se vai sair ou não; mas quando o veem caminhar, adiantam-se e anunciam de
antemão sua chegada.
29. E assim sucede que
depois de alguns dias chega. Às vezes, porém, o viajante volta e a informação é
falsa.
30. Também às vezes
falam sandices a respeito da água do Rio (Isto
é, o Nilo que, para um egípcio, era o que fazia o Egito. Também no AT o Nilo é
geralmente chamado "o Rio", ou "o grande Rio". MEYER 114).
31. Por exemplo,
vendo as grossas chuvas nas regiões da Etiópia e sabendo que as enchentes do
Rio tem ali sua origem, adiantam-se e o anunciam antes que as águas alcancem o
Egito.
32. Também os homens
poderiam fazê-lo, se pudessem correr com a rapidez deles. E como a sentinela de
Davi (2 Sm 18.24), subindo a uma altura, conseguiu avistar o que chegava antes
do que os que estavam em baixo, e correndo informou logo, não o que ainda não
havia passado, mas o que estava por acontecer logo, assim também os demônios se
apressam a anunciar coisas a outros com o único fim de enganá-los.
33. Em verdade, se
entretanto, a Providência tivesse uma disposição especial quanto à água ou aos
viajantes, e isto é perfeitamente possível, então se veria ser mentira a
informação dos demônios, e ficariam enganados os que neles puseram sua
confiança.
34. Assim surgiram
os oráculos gregos e assim foi desviado o povo da antiguidade pelos demônios.
Com isto deve-se dizer também quanto engano foi preparado para o futuro, mas o
Senhor veio para suprimir os demônios e sua vilania.
35. Não conhecem
nada fora de si mesmos, mas vendo que outros têm conhecimento, como ladrões
apoderam-se dele e o desfiguram. Praticam mais a conjectura do que a profecia.
36. Por isso, ainda que
às vezes pareçam estar na verdade, ninguém deveria se admirar. Na realidade,
também os médicos, cuja experiência em enfermidades lhes vem de haver observado
a mesma doença em diferentes pessoas, fazem muitas vezes conjecturas baseadas
em sua prática e predizem o que se vai passar.
37. Também os pilotos
e camponeses, observando as condições do tempo, prognosticam se vai haver
tempestade ou bom tempo. A ninguém ocorreria dizer que profetizam por
inspiração divina, mas pela experiência que lhes dá a prática.
38. Em consequência,
se também os demônios adivinham algumas destas mesmas coisas e as dizem, nem
por isso devemos maravilhar-nos nem fazer absolutamente caso delas. De que
serve aos ouvintes saber dias antes o que se vai passar? Ou porque afanar-se em
saber tais coisas, mesmo supondo que este conhecimento seja verdadeiro?
39. Por certo não é
este o elemento fundamental da virtude nem tampouco prova de nosso progresso;
pois ninguém é julgado pelo que não sabe, e ninguém é chamado bem-aventurado pelo
que aprendeu e sabe.
40. O juízo que nos
espera a cada um é se guardamos a fé e observamos fielmente os mandamentos.
41. Daí, não demos
importância a estas coisas, nem nos afanemos na vida ascética com o fim de
sabermos o futuro, mas para agradar a Deus vivendo bem.
42. Deveríamos orar,
não para conhecer o futuro nem deveríamos pedir isto como recompensa pela
prática ascética, mas que o fim de nossa oração deve ser que o Senhor seja
nosso companheiro para conseguirmos a vitória sobre o demônio.
43. Se algum dia,
porém, chegarmos a conhecer o futuro, mantenhamos pura nossa mente. Tenho a
absoluta confiança de que se a alma é integralmente pura e está em seu estado
natural, alcança a claridade da visão e vê mais e mais longe que os demônios.
44. A ela o Senhor
revela as coisas. Tal era a alma de Eliseu que viu o que se passou com Geazi (2
Rs 5,26), e contemplou os exércitos que estavam perto (2 Rs 6.17).
O que você destaca no
texto? Como ele serve para sua espiritualidade?
O que você destaca na
fala do seu irmão/irmã?
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