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Atanásio de
Alexandria (285-373)
A Vida de Santo Antão (Parte III - 1)
I. Artifícios dos demônios
1.
Em
primeiro lugar, demo-nos conta disto: os demônios não foram criados como demônios,
tal como entendemos este termo, porque Deus não fez o mal.
2.
Também
eles foram criados puros, mas desviaram-se da sabedoria celestial. Desde então
andam vagando sobre a terra. Por um lado, enganaram aos gregos com vãs
fantasias, e, invejosos de nós, cristãos, nada omitiram para nos impedir de
entrar no céu; não querem que subamos ao lugar de onde caíram.
3.
Por
isso é necessário muita oração e disciplina ascética para que alguém possa
receber do Espírito Santo o dom do discernimento dos espíritos e ser capaz de
conhecê-los; qual deles é menos mau, qual o pior; que interesse especial tem
cada um e como hão de ser repelidos e lançados fora; pois são numerosas suas
astúcias e maquinações.
4.
Bem
sabiam isto o santo Apóstolo e seus discípulos quando diziam: 'Conhecemos muito
bem suas manhas' (2 Cor 2,11). E nós, ensinados por nossas experiências,
deveríamos guiar outros a apartarem-se deles.
5.
Por
isso eu, tendo feito em parte essa experiência, falo a vocês como a filhos
meus.
6.
Quando
eles veem que os cristãos em geral, mas em particular os monges, trabalham com
cuidado e fazem progressos, primeiro os assaltam e tentam colocando-lhes
continuamente obstáculos em seus caminhos.
7.
Estes
obstáculos são os maus pensamentos. Mas não devemos assustar-nos com suas armadilhas
que são logo desbaratadas com a oração, o jejum e a confiança no Senhor.
8.
No
entanto, ainda que desbaratados, não cessam, mas antes voltam ao ataque com
toda maldade e astúcia. Quando não podem enganar o coração com prazeres
abertamente impuros, mudam de tática e vão ao ataque.
9.
Então
urdem e fingem aparições para aturdir o coração, transformando-se e imitando
mulheres, bestas, répteis, corpos de grande estatura e hordas de guerreiros.
10. Mas nem assim
devem esmagar-nos o modo de semelhantes fantasmas, já que não passam de pura
vaidade - especialmente se você fortalece com o sinal da cruz.
11. Em verdade, são
atrevidos e extraordinariamente desavergonhados. Se neste ponto também os
derrotamos, avançam uma vez mais com nova estratégia.
12. Pretendem profetizar
e predizer acontecimentos futuros. Aparecem mais altos que o teto, gordos e
corpulentos. Seu propósito é, se possível, arrebatar com mais aparições, os que
não puderam enganar com pensamentos.
13. E se acham que
ainda assim a alma permanece forte em sua fé e sustentada pela esperança, fazem
seu chefe intervir.
14. Este aparece
frequentemente desta maneira como, por exemplo, o Senhor revelou a Jo: 'Seus
olhos são como pálpebras da aurora. De sua boca saem tochas acesas, chispas de
fogo saltam fora. De suas narinas sai fumaça como de panela ou caldeirão a
ferver. Seu sopro acende carvões e de sua boca saem chamas' (Jo 41,18-21).
15. Quando o chefe
dos demônios aparece desta maneira, o velhaco trata de atemorizar-nos, como
disse antes, com seu falar valentão, tal como foi desmascarado pelo Senhor
quando disse a Jo: 'Tem toda arma por folha seca e zomba de brandir da azagaia;
faz ferver como uma panela o mar profundo e o revolve como uma panela de
unguento (Jo 41,29,31); também diz o profeta: 'Disse o inimigo: Persegui-los-ei
e os alcançarei (Ex 15,9); e em outra parte: 'Minha mão achou como ninho as riquezas
dos povos, e como se recolhem ovos abandonados, assim me apoderei de toda a
terra' (Is 10,14).
16. Esta é, em
resumo, a jactância do que alardeiam, estas são as arengas que fazem para
enganar o que teme a Deus.
17. Com toda
confiança não precisamos temer suas aparições nem dar atenção a suas palavras.
18. É apenas um embusteiro
e não há verdade em nada do que diz. Quando fala semelhantes estultícias, e o
faz com tanta jactância, não se apercebe de de como é arrastado com um garfo de
ferro, como dragão, pelo Salvador (cf Jo 41, l-2), com um cabresto como animal
de carga, com anel no nariz como escravo fugitivo, e com seus lábios
atravessados por uma argola de ferro. Foi, pois, apanhado como animal pra nossa
diversão. Tanto ele como seus companheiros foram tratados assim para serem
pisados como escorpiões e cobras (cf Lc 10,19) por nós, cristãos; e prova disso
é o fato de que continuamos a existir, apesar dele.
19. Em verdade,
notem que ele, que proclamou secar o mar e apoderar-se do mundo todo, não pode
impedir nossas práticas ascéticas nem que eu fale contra ele.
20. Por isso, não
demos atenção ao que possa dizer, porque é um mentiroso astuto, nem temamos suas
aparições, por que são mentiras também.
21. Certamente não é
verdadeira luz a que aparece neles, mas antes é mero começo e semelhante ao
fogo preparado para eles próprios; e com o mesmo que os queimará tratam de aterrorizar
os homens.
22. Aparecem, é
verdade, mas desaparecem de novo no mesmo momento, sem danificar nenhum crente,
enquanto levam consigo essa aparência de fogo que os espera.
23. Por isso, não há
razão alguma para ter medo deles, pois, pela graça de Cristo todas as suas
táticas dão em nada.
24. São, porém,
traiçoeiros e estão preparados para suportar qualquer mudança ou transformação.
25. Muitas vezes,
por exemplo, pretendem até cantar salmos, sem aparecer, e citam textos das
Escrituras. Também algumas vezes, quando estamos lendo, repetem de repente,
como eco, o que lemos.
26. Quando vamos
dormir, despertam-nos para orar, e fazem isto continuamente, mal nos deixando
dormir.
27. Outras vezes se
disfarçam em monges e simulam piedosas conversas, tendo como meta enganar com
sua aparência e arrastar então suas vítimas para onde querem. Mas não lhes devemos
prestar atenção, ainda que nos despertem para orar, ou nos aconselhem a não
comer de todo, ou pretendem nos acusar de coisas que antes aprovavam.
28. Fazem isto não
por amor à piedade ou à verdade, mas para levar o inocente ao desespero, para
apresentar a vida ascética como sem valor e fazer com que os homens se
enfastiem da vida solitária como algo muito rude e demasiadamente pesado, e
assim fracassem os que levam tal vida.
29. Por isso o
profeta enviado pelo Senhor chamou a tais infelizes com estes termos: 'Ai
daquele que dá a beber a seu próximo um mau trago!' (Hc 2,15).
30. Tais táticas e
argumentos são desastrosos para o caminho que conduz à virtude. Nosso Senhor
mesmo, ainda que os demônios falassem também a verdade - pois diziam
verdadeiramente: 'Tu és o Filho de Deus' (Lc 4,41) -, não obstante os fez calar
e proibiu-lhes falar.
31. Não quis que
esparramassem sua própria maldade junto com a verdade, e tampouco desejava que fizéssemos
caso deles ainda quando aparentemente falassem verdade. Por isso é
inconveniente que nós, possuindo as Escrituras e a liberdade do Salvador,
sejamos ensinados pelo demônio que não ficou em seu posto (cf Judas 6), mas
constantemente mudou de parecer.
32. Por isso também
proíbe-lhe citar as Escrituras, ao dizer: 'Deus disse ao pecador: Por que
recitas meus preceitos e tens sempre em tua boca minha aliança?' (Sl 48.16).
33. Certamente eles
fazem de tudo: falam, gritam, enganam, confundem, e tudo para enganar o
simples. Armam também tremendos estrépitos, soltam risadas tontas e sibilos. Se
ninguém faz caso deles, choram e lamentam-se como derrotados.
34. O Senhor, por
isso, porque é Deus, fez os demônios calarem-se. Quanto a nós, aprendemos
nossas lições dos santos, fazemos como eles fizeram e imitamos-lhe o valor.
Pois quando eles viam tais coisas, costumavam dizer: 'Quando o pecador se
levantou contra mim, guardei silêncio resignado, não falei com leviandade (Sl 39.2);
e em outra parte: 'Mas eu como um surdo não ouço, como um mudo não abro a boca;
sou como alguém que não ouve' (Sl 38.14).
35. Assim também nós
não os escutemos, olhando-os como a estranhos, não lhes prestando atenção,
ainda que nos despertem para a oração ou nos falem de jejuns. Antes, sigamos
atentos a prática da vida ascética como é nosso propósito, e não nos deixemos
enganar pelos que praticam a traição em tudo o que fazem.
36. Não lhes devemos
ter medo ainda que apareçam para atacar-nos e ameaçar-nos de morte. Na
realidade são frágeis e nada podem fazer mais do que ameaçar.
O que você destaca no texto? Como
ele serve para sua espiritualidade?
O que você destaca na fala do seu
irmão/irmã?
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