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Atanásio
de Alexandria (285-373)
A Vida de Santo Antão (Parte V
– 6,7)
6
- Os irmãos visitam Antão
1.
Depois
de alguns dias voltou à sua montanha. Desde então muitos foram visitá-lo, entre
eles muitos cheios de aflição, que arriscavam a viagem até ele.
2.
Para
todos os monges que chegavam até ele, tinha sempre o mesmo conselho: pôr sua
confiança no Senhor e amá-lo, guardar-se a si mesmo dos maus pensamentos e dos
prazeres da carne, e não ser seduzidos por um estômago cheio, como está escrito
nos Provérbios (Pv 24.15).
3.
Deviam
fugir da vanglória e orar continuamente; cantar salmos antes e depois do sono; guardar
no coração os mandamentos impostos nas Escrituras e recordar os feitos dos
santos, de modo que a alma, ao recordar os mandamentos, possa inflamar-se ante
o exemplo de seu zelo.
4.
Aconselhava-os
sobretudo recordar sempre a palavra do Apóstolo: "Que o sol não se ponha
sobre vossa ira" (Ef 4.26), e a considerar estas palavras como ditas em
relação a todos os mandamentos: o sol não se deve pôr não apenas sobre nossa
ira, como sobre nenhum outro pecado.
5.
É
inteiramente necessário que o sol não nos condene por nenhum pecado de dia, nem
a lua por nenhuma falta noturna (inclusive o mau pensamento).
6.
Para
assegurar-nos disso, é bom ouvir e guardar o que diz o apóstolo: "Julguem-se
e provem-se a si mesmos" (2 Cor 13.5). Por isso, cada um deve fazer
diariamente um exame do que fez de dia e de noite; se pecou, deixe de pecar; se
não pecou, não se orgulhe disso.
7.
Persevere
antes na prática do bem e não deixe de estar em guarda. Não julgue o próximo
nem se declare justo a si mesmo, como diz o santo apóstolo Paulo , "até
que venha o Senhor e traga à luz o que está escondido" (1 Cor 4.5; Rm 2.16).
8.
Muitas
vezes não temos consciência do que fazemos; nós não o sabemos, mas o Senhor
conhece tudo. Por isso, deixando a Ele o julgamento, compadeçamo-nos mutuamente
e "levemos as cargas uns dos outros" (Gl 6.2).
9.
Julguemo-nos
a nós mesmos e, se nos vemos diminuídos, esforcemo-nos com toda a seriedade por
reparar nossa deficiência. Que esta observação seja nossa salvaguarda contra o
pecado: anotemos nossos atos e impulsos da alma como se tivéssemos de informar
a outro: podem estar seguros de que de pura vergonha de que isto seja
conhecido, deixaremos de pecar e de prosseguir com pensamentos pecaminosos.
10. Quem gosta que o
vejam pecando? Quem, depois de pecar, não preferiria mentir, esperando escapar assim
de que o descubram? Assim como não quiséramos abandonar-nos ao prazer à vista
de outros, assim também se tivéssemos de escrever nossos pensamentos para
dizê-los a outro, muito nos guardaríamos de maus pensamentos, por vergonha que
alguém os soubesse.
11. Que essa
informação escrita seja, pois, como os olhos de nossos irmãos ascetas, de modo
que, ao nos envergonharmos de escrever como se nos estivessem vendo, jamais nos
demos ao mal.
12. Modelando-nos
desta maneira, seremos capazes de "levar nossos corpos a
obedecer-nos" (1 Co 9.27), para agradar ao Senhor e calcar aos pés as
maquinações do inimigo".
7
- Milagres no deserto
13. Estes eram os
conselhos a seus visitantes. Com os que sofriam unia-se em simpatia e oração, e
amiúde e em muitos e variados casos, o Senhor ouviu sua oração. Nunca, porém,
se jactou quando atendido, nem se queixou não o sendo. Sempre deu graças ao
Senhor, e animava os que sofriam a ter paciência e a se aperceberem de que a
cura não era prerrogativa dele nem de ninguém, mas de Deus só, que a opera
quando quer e a favor de quem Ele quer.
14. Os que sofriam
ficavam satisfeitos, recebendo as palavras do ancião como cura, pois aprendiam
a ter paciência e a suportar o sofrimento. E os que eram curados aprendiam a
dar graças, não a Antão, mas a Deus só.
15. Havia, por
exemplo, um homem chamado Frontão, oriundo de Palatium (Havia duas cidades com esse nome na antiga Itália, mas como a
palavra significa também "corte, palácio", sugere-se que este homem,
quanto aos demais desconhecidos, era um oficial, ou empregado romano a serviço
do prefeito romano de Alexandria). Tinha uma enfermidade horrível: mordia
continuamente a língua e sua vista ia se encurtando.
16. Chegou à
montanha e pediu a Antão que rogasse por ele. Orou e disse logo a Frontão:
"Vai-te, vais ser curado". Ele porém, insistiu e ficou durante dias,
enquanto Antão prosseguia dizendo-lhe: "Não ficarás curado enquanto
ficares aqui. Vai-te, e quando chegares ao Egito, verás em ti o milagre".
17. O homem
consentiu afinal e foi-se; e ao chegar à vista do Egito, sua enfermidade
desapareceu. Sarou segundo as instruções que Antão havia recebido do Senhor
enquanto orava.
18. Uma menina de
Busiris em Trípoli (Trípoli situa-se na costa da Líbia, região
ocidental, próximo da fronteira com a Tunísia) padecia de uma
enfermidade terrível e repugnante: uma supuração nos olhos, nariz e ouvidos
transformava-se em vermes quando caía no chão. Além disso tinha o corpo
paralisado e seus olhos eram defeituosos. Seus pais ouviram falar de Antão por
alguns monges que iam vê-lo, e tendo fé no Senhor que curou a hemorragia (Mt 9.20),
pediram-lhes licença para irem também com sua filha, e eles consentiram.
19. Os pais e a
menina ficaram ao pé da montanha com Pafnúcio, o confessor e monge. (trata-se do bispo Pafnúcio da Alta Tebaiba, martirizado sob
Maximino. Participou no Concílio de Nicéia, com grandes honras. O Martirológio
Romano menciona-os no dia4 de setembro)
20.
Os
demais subiram, e quando se dispunham a falar-lhe da menina, ele adiantou-se e
lhes falou tudo sobre os sofrimentos dela, e de como havia feito com eles a
viagem. Então, quando lhe perguntaram se essa gente podia subir, não lhes
permitiu e disse: "Podem ir e, se não morreu, vão encontrá-la sã. Não é
certamente nenhum mérito meu que ela tenha querido vir a um infeliz como eu;
não, em verdade, sua cura é obra do Salvador que mostra sua misericórdia em
todo lugar aos que o invocam.
21. Neste caso o
Senhor ouviu sua oração, e Seu amor pelos homens me revelou que curará a
enfermidade da menina onde ela está". Em todo caso o milagre se realizou:
quando desceram, encontraram os pais felizes e a menina em perfeita saúde.
22. Sucedeu também
que quando dois dos irmãos estavam em viagem para vê-lo, acabou-se-lhes a água;
um morreu e o outro estava a ponto de morrer.
23. Já não tinha
forças para andar, mas jazia no chão esperando também a morte. Sentado na
montanha, Antão chamou dois monges que casualmente estavam ali e os compeliu a
se apresarem: "Tomem um jarro d'água e corram descendo pelo caminho do
Egito; vinham dois, um acaba de morrer e o outro também morrerá se vocês não se
apressarem.
24. Foi-me revelado
isto agora na oração". Foram-se os monges, acharam um morto e o
enterraram. Ao outro fizeram-no reviver com água e o levaram ao ancião. A
distância era de um dia de viagem.
25. Agora, se alguém
pergunta porque não falou antes de morrer o outro, sua pergunta é
injustificada. O decreto de morte não passou por Antão, mas por Deus que a
determinou para um, enquanto revelava a condição do outro.
26. Quanto a Antão,
o admirável é que, enquanto estava na montanha com seu coração tranquilo,
mostrou-lhe o Senhor coisas distantes.
27. Noutra ocasião
em que estava sentado na montanha, olhando para cima viu no ar alguém levado
para o alto entre grande regozijo de outros que lhe saíam ao encontro.
Admirando-se de tão grande multidão e pensando quão felizes eram, orou para
saber quem podia ser este.
28.
De
repente uma voz se dirigiu a ele dizendo-lhe que era a alma do monge Amón de Nitria,
que levou vida ascética até idade avançada. (Amón morou no deserto de Nitria vinte anos, até sua norte. Consta que em
fins do século IV, haveria no deserto de Nítria uns cinco mil discípulos dele).
29.
Pois
bem, a distância de Nitria à montanha onde Antão estava era de treze dias de
viagem. Os que estavam com Antão, vendo o ancião tão extasiado, perguntaram-lhe
o motivo e ele lhes contou que Amón acabava de morrer.
30. Este era bem
conhecido pois vinha aí amiúde e muitos milagres foram operados por seu
intermédio. Segue um exemplo. Uma vez tinha que atravessar o chamado rio Lycus
na estação das cheias; pediu a Teodoro que se adiantasse para que não se vissem
nus um ao outro enquanto atravessavam o rio a nado.
31. Então, quando
Teodoro se foi, ele sentiu-se entretanto envergonhado por ter que se ver ele
mesmo nu. Enquanto estava assim desconcertado e refletindo, foi de repente
transportado à outra margem. Teodoro, também, homem piedoso, saiu da água, e ao
ver que o outro chegara antes dele sem se haver molhado, perguntou-lhe como atravessara.
Quando viu que não o queria contar, agarrou-se a seus pés, insistindo em que
não o soltaria até que lhe dissesse.
32. Notando a determinação
de Teodoro, especialmente depois do que lhe disse, insistiu por sua vez para
que não o dissesse a ninguém antes de sua morte, e assim lhe revelou ter sido
levado e depositado na margem; que não havia caminhado sobre as águas, uma vez
que isto só é possível ao Senhor e àqueles aos quais Ele o permite, como o fez
no caso do grande apóstolo Pedro (Mt 14.19). Teodoro relatou isto depois da
morte de Amón.
33. Os monges aos
quais Antão falou sobre a morte de Amón anotaram o dia e quando, um mês depois,
os irmãos voltaram de Nítria, perguntaram e souberam que Amón havia dormido no
mesmo dia e hora em que Antão viu sua alma levada para o alto.
34. E tanto eles
como os outros ficaram estupefatos ante a pureza de alma de Antão, que podia
saber imediatamente o que se passara treze dias antes, e que era capaz de ver a
alma levada para o alto.
35. Noutra ocasião,
o conde Arqueláo (Trata-se talvez do alto oficial que
ajudou Santo Atanásio no Sínodo de Tiro do ano 335, a por a
36. descoberto algumas das maquinações de eusebianos e
melecianos)
o encontrou na Montanha Exterior e pediu-lhe somente que orasse por Policrácia,
a admirável virgem de Laodicéia, portadora de Cristo (Christóforos). Sofria muito do estômago e das costas devido à sua
excessiva austeridade, o seu corpo estava reduzido a grande debilidade.
37. Antão orou e o
conde anotou o dia dessa oração. Ao voltar a Laodicéia encontrou curada a
virgem. Perguntado quando se havia visto livre de sua debilidade, tirou o papel
onde anotara a hora da oração. Quando lhe responderam, imediatamente mostrou a
sua anotação no papel, e todos se maravilharam ao reconhecer que o Senhor a
havia curado de sua doença no próprio momento em que Antão estava orando e
invocando a bondade do Salvador em seu auxílio.
38. Quanto a seus
visitantes, predizia frequentemente sua vinda, dias e às vezes um mês antes,
indicando o motivo da visita. Alguns vinham só para vê-lo, outros devido a
enfermidades, e outros, atormentados pelos demônios.
39. E ninguém
considerava viagem demasiado molesta ou que fosse tempo perdido; cada um
voltava sentindo que fora ajudado. Ainda que Antão tivesse esses poderes de
palavra e visão, no entanto suplicava que ninguém o admirasse por essa razão,
mas admirasse antes ao Senhor porque Ele nos ouve a nós, que somos apenas
homens, a fim de que possamos conhecê-lo melhor.
40. Noutra ocasião
havia descido de novo para visitar as celas exteriores. Quando convidado a
subir a um barco e orar com os monges, só ele percebeu um mau cheiro horrível e
sumamente penetrante. A tripulação disse que havia a bordo pescado e alimento
salgado e que o cheiro vinha disso, mas ele insistiu que o odor era diferente.
41. Enquanto estava
falando, um jovem que tinha um demônio e subira a bordo pouco antes como clandestino,
soltou de repente um guincho. Repreendido em nome de nosso Senhor Jesus Cristo,
foi-se o demônio, e o homem voltou à normalidade; todos então se aperceberam de
que o mau cheiro vinha do demônio.
42. Outra vez um homem
de posição foi a ele, possuído por um demônio. Neste caso o demônio era tão
terrível que o possesso não estava consciente de que ia a Antão. Chegava mesmo
a devorar seus próprios excrementos.
43. O homem que o
levou a Antão rogou-lhe que orasse por ele. Compadecido pelo jovem, Antão orou
e passou com ele toda a noite. Ao amanhecer, o jovem lançou-se de repente sobre
Antão, empurrando-o.
44. Seus companheiros
indignaram-se diante disso, mas Antão acalmou-os, dizendo: "Não se
aborreçam com o jovem, pois não é ele o responsável, e sim o demônio que nele
está”. Ao ser increpado (repreendido) e mandado a lugares desertos (Lc 11.24),
ficou furioso e fez isto.
45. “Deem graças ao
Senhor, pois o atacar-me deste modo é um sinal da partida do demônio". E
enquanto Antão dizia isto, o jovem voltou a seu estado normal; deu-se conta de
onde estava, abraçou o ancião e deu graças a Deus.
O que você
destaca no texto e por que?
Como este texto
serve para sua espiritualidade?
O que você
anotou da fala de seu irmão/ã?
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