Encontro
176
Atanásio
de Alexandria (285-373)
A Vida de Santo Antão (Parte VI
– 1-3)
Parte
VI
1
- Visões
São numerosas as
histórias, e além disso todas concordes, que os monges transmitiram sobre
muitas outras coisas semelhantes operadas por ele. E no entanto não parecem tão
maravilhosas como outras ainda mais maravilhosas.
Uma vez, por
exemplo, à hora de noa (três horas da tarde), quando se pôs de pé para orar
antes de comer, sentiu-se transportado em espírito e, estranho é dizê-lo,
viu-se a si mesmo como se achasse fora de si mesmo e como se outros seres o
levassem aos ares.
Então viu também
outros seres terríveis e abomináveis no ar, que lhe embargavam o passo. Como
seus guias oferecessem resistência, os outros perguntaram sob que pretexto
queria fugir de sua responsabilidade diante deles.
E quando
começaram eles próprios a pedir-lhe contas desde seu nascimento, intervieram os
guias de
Antão: "Tudo o que date desde o seu
nascimento o Senhor apagou; podem pedir-lhe contas desde que começou a ser monge
e se consagrou a Deus”.
Então começaram
a apresentar acusações falsas e como não as puderam provar, tiveram de
deixar-lhe livre a passagem. Imediatamente viu-se a si mesmo aproximando-se -
ao menos assim lhe pareceu - e juntando-se a si mesmo, e assim Antão voltou de
novo à realidade.
Esquecendo-se
então de comer, passou todo o resto do dia e toda a noite suspirando e orando.
Estava abismado de ver contra quantos inimigos devemos lutar e que trabalhos se
tem para abrir passagem pelos ares.
Lembrou-se de que
é isto o que diz o apóstolo: "de acordo com o príncipe das potências do
ar" (Ef 2.2). Aí está precisamente o poder do inimigo que peleja e trata
de deter os que intentam passar. Por isto o mesmo apóstolo dá também sua
especial advertência: "Tomem a armadura de Deus que os faça capazes de
resistir no dia mau" (Ef 6.13), e "nada tendo que dizer contra nós, fique
envergonhado (Tito 2.8). E nós que aprendemos isto, recordemos o que o mesmo
apóstolo diz: "Se fui levado em meu corpo ou fora dele, não
sei; Deus o sabe" (2 Cor 12.2).
Paulo, porém, foi levado ao terceiro céu e ouviu "palavras inefáveis"
(2 Cor 12.2,4), e voltou, enquanto Antão viu-se a si mesmo entrando nos ares e
lutando até que ficou livre.
Noutra ocasião
teve o seguinte favor de Deus: Quando sozinho na montanha e refletindo, não
podia encontrar solução alguma, a Providência lha revelava em resposta à sua
oração; o santo varão era ensinado por Deus com palavras da Escritura (cf Is 54.13;
Jo 6.45; 1 Ts 4.9).
Assim
favorecido, teve uma vez discussão com alguns visitantes sobre a vida da alma e
que lugar teria depois desta vida.
Na noite
seguinte chegou-lhe um chamado do alto: "Antão, sai para fora e
veja!" Ele saiu, pois distinguia os chamados que devia atender, e olhando
para o alto viu uma enorme figura, espantosa e repugnante, de pé, que alcançava
as nuvens; viu além disto certos seres que subiam como com asas.
A primeira
figura estendia as mãos e alguns dos seres eram detidos por ela, enquanto
outros voavam sobre ela, e havendo-a ultrapassado, continuavam sem maior
incômodo.
Contra eles o
monstro rangia os dentes, alegrando-se porém pelos outros que haviam caído.
Nesse momento uma voz dirigiu-se a Antão: "Compreende a visão!" (cf
Dn 9.23). Abriu-se seu entendimento (cf Lc 24.45) e apercebeu-se de que isso
era a passagem das almas e de que o monstro que ali estava era o inimigo, o invejoso
dos crentes. Sujeitava os que lhe correspondiam e não os deixava passar; mas os
que ele não tinha podido dominar, tinha que deixá-los passar fora de seu alcance.
Tendo visto
isso, e tomando-o como advertência, lutou ainda mais para adiantar cada dia na
direção do que o esperava. Não tinha nenhuma inclinação para falar acerca
destas coisas. Quando, porém, havia passado muito tempo em oração e absorto em
toda essa maravilha, e seus companheiros insistiam e o importunavam para que
falasse, era forçado a fazê-lo.
Como pai não
podia guardar um segredo ante seus filhos. Sentia que sua própria consciência
era limpa e que contar-lhes isto poderia servir-lhes de ajuda. Conheceriam o
bom fruto da vida ascética, e que muitas vezes as visões são concedidas como
compensação pelas privações.
2
- Devoção de Antão aos Ministros da Igreja – Equanimidade (moderação) de seu caráter
Era paciente por
disposição e humilde de coração. Sendo homem de tanta fama, mostrava, no
entanto, o mais profundo respeito aos ministros da Igreja, e exigia que a todo
clérigo se desse maior honra do que a ele.
Não se
envergonhava de inclinar a cabeça diante de bispos e de sacerdotes.
Se algum diácono
chegava a ele pedindo-lhe ajuda, conversava com ele o que lhe fosse proveitoso,
mas, chegando a oração, pedia-lhe que presidisse, não se envergonhando de
aprender.
De fato, muitas
vezes propôs questões inquirindo os pontos de vista de seus companheiros, e se
tirava proveito do que dizia o outro, mostrava-se grato.
Seu rosto tinha
grande e indescritível encanto. E o Salvador lhe tinha dado por acréscimo este
dom: se se achava presente numa reunião de monges e algum a quem não conhecia
desejava vê-lo, esse tal, ao chegar, passava por alto os demais, como que
atraído por seus olhos.
Não eram nem sua
estatura nem sua figura que o destacavam entre os demais, mas seu caráter
sossegado e a pureza de sua alma.
Ela era
imperturbável e assim sua aparência externa era tranquila ("apátheia"). O gozo de sua alma transparecia na
alegria de seu rosto, e pela forma de expressão de seu corpo se sabia e
conhecia a estabilidade de sua alma, como o diz a Escritura: "O coração
contente alegra o semblante, o coração triste deprime o espírito" (Pv 15.13).
Também Jacó
observou que Labão estava tramando algo contra ele e disse a suas mulheres:
"Vejo que o pai de vocês não me olha com bons olhos" (Gn 31.5).
Também Samuel reconheceu Davi porque tinha olhos que irradiavam alegria e
dentes brancos como o leite (cf 1 Sm 16.12; cf tb.Gn 49.2). Assim também era reconhecido
Antão: nunca estava agitado, pois sua alma estava em paz; nunca estava triste
porque havia alegria em sua alma.
3
- Por lealdade à fé Antão intervém na luta anti-ariana
Em assuntos de
fé, sua devoção era sumamente admirável. Por exemplo, nunca se relacionou com
os cismáticos melecianos, sabedor desde o começo de sua maldade e apostasia.
(Melécio, bispo de Licópolis no Egito
(c. 325). Melécio propugna uma atitude severa com os "lapsi" ou
cristãos apóstatas da perseguição. Deportado, em seu regresso organizam no
Egito uma hierarquia cismática. Posteriormente o Concílio de Nicéia tomou
medidas contra ele. Esses melecianos uniram-se aos arianos, destacando em sua
luta contra Atanásio).
Tampouco
teve trato amistoso com os maniqueus (heresia
gnóstica, assim chamada por seu fundador Mani -
aproximadamente entre 216 e 275. Esta heresia durou até a Idade Média). nem com outros
hereges, à exceção unicamente das
admoestações que lhes fazia para que
voltassem à verdadeira fé.
Pensava e ensinava
que amizade e associação com eles prejudicavam e arruinavam a
alma. Detestava
também a heresia dos arianos (Toma seu nome
de Ario, líbio, nascido na segunda metade do séc. III, e era presbítero de
Alexandria. Talvez tenha pertencido ao cisma meleciano (ver nota 67). Até 318
opõe-se violentamente a seu bispo, Alexandre de Alexandria num ponto da
teologia trinitária: defende o subordinacianismo ontológico do Verbo. A controvérsia
ariana, que comoveu toda a
cristandade e que alcançou por vezes contornos
violentíssimos, ocupou toda a vida de Atanásio, desde quando diácono de
Alexandria),
e exortava a todos a não se acercarem deles nem compartilhar de sua perversa
crença.
Uma
vez quando alguns desses ímpios arianos chegaram a ele, interrogou-os detalhadamente;
e ao aperceber-se de sua ímpia fé, expulsou-os da montanha, dizendo que suas
palavras eram piores que veneno de serpentes.
Quando
numa ocasião os arianos espalharam a mentira de que partilhava de suas
opiniões, demonstrou que estava enojado e irritado contra eles. Respondendo ao
chamado dos bispos e de todos os irmãos, desceu a montanha e entrando em
Alexandria denunciou os arianos.
Dizia
que sua heresia era a pior de todas e precursora do anticristo. Ensinava ao povo
que o Filho de Deus não é uma criatura nem veio "da não existência" ao
ser, mas "é Ele a eterna Palavra e Sabedoria da substância do Pai".
Por
isso é ímpio dizer: 'houve um tempo em que não existia', pois a Palavra foi sempre
coexistente com o Pai. Por isso, não se metam em nada com estes arianos
sumamente ímpios: simplesmente 'não há comunidade entre a luz e as trevas' (2
Cor 6.14).
Vocês
devem se lembrar de que são cristãos tementes a Deus, mas eles ao dizerem que o
Filho e Palavra de Deus é uma criatura, não se diferenciam dos pagãos 'que
adoram a criatura em lugar de Deus Criador' (Rm 1.25). E estejam seguros de que
toda a criação está irritada contra eles, porque contam entre as coisas criadas
o Criador e Senhor de tudo, pelo qual todas as coisas foram criadas" (cf
Gl 1.16).
Todo
o povo se alegrava ao ouvir semelhante homem anatematizar a heresia que lutava
contra Cristo. Toda a cidade corria para ver Antão.
Também
os pagãos e inclusive seus assim chamados sacerdotes iam à Igreja dizendo:
"Vamos ver o homem de Deus", pois assim o chamavam todos.
Além
disso, também ali o Senhor operou por seu intermédio expulsões de demônios e
curas de doenças mentais.
Muitos
pagãos queriam também tocar o ancião, confiando em que seriam auxiliados, e em
verdade houve tantas conversões nesses poucos dias como não tinham sido vistas
em todo um ano.
Alguns
pensaram que a multidão o incomodava e por isso trataram de afastar todos dele,
mas ele, sem se molestar, disse: "Toda essa gente não é mais numerosa do
que os demônios contra os quais temos que lutar na montanha".
Quando
se ia e estávamos nos despedindo dele, ao chegar à porta, uma mulher atrás de
nós gritava: "Espera, homem de Deus, minha filha está sendo terrivelmente
atormentada por um demônio! Espera, por favor, ou vou morrer, correndo!"
O
ancião ouviu-a, rogamos-lhe que se detivesse e ele acedeu com gosto. Quando a
mulher se aproximou, sua filha estava arrojada ao chão. Antão orou e invocou
sobre ela o nome de Cristo; a moça levantou-se sã e o espírito impuro a deixou.
A mãe louvou a Deus e todos renderam graças. E ele também contente partiu para
a Montanha, para o seu próprio lar.
O
que você destaca no texto e por quê?
Como
este texto serviu para sua espiritualidade?
O
que você destaca na fala de seu irmão/ã.
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