Encontro 188
Atanásio de Alexandria (285-373)
Sobre a Encarnação (Capítulo 5 – parte 2)
Outras testemunhas e reflexões sobre os
milagres de Cristo
1. Se
tudo isso não lhes basta, deixem-se persuadir por outros textos de que eles mesmos
dispõem. A quem se referem os profetas nesses termos: “Consenti em ser buscado
pelos que não perguntavam por mim, consenti em ser encontrado pelos que não me
procuravam. A uma nação que não invocava o meu nome eu disse: ‘Eis-me aqui!’ Todos
os dias estendi as mãos a um povo desobediente e rebelde”? (Is 65,1-2; Rm
2. 10,20-21).
3. Quem,
pois, se revelou? Seja referido aos judeus! Se é do profeta que se trata, digam
eles quando se escondeu para logo em seguida se mostrar! Quem é, portanto, esse
profeta, que de invisível se tornou visível e estendeu as mãos na cruz? Nenhum
dos justos, mas somente o Verbo de Deus, por natureza incorpóreo, fez-se por
nossa causa visível corporalmente e por nós sofreu.
4. E se
isto não lhes é suficiente, outros testemunhos causem-lhes confusão, com manifesta
refutação. Pois, diz a Escritura: “Fortalecei as mãos abatidas, revigorai os joelhos
cambaleantes. Dizei aos corações conturbados: ‘Sede fortes, não temais.’ Eis
que o vosso Deus vem para vingar-vos, ele vem para salvar-nos. Então
abrir-se-ão os olhos dos cegos e os ouvidos dos surdos se desobstruirão; então
o coxo saltará como o cervo e a língua dos surdo-mudos será ágil” (Is 35,3-6).
Que replicar diante disso ou como encarar esses fatos? A profecia assinala a
vinda de Deus, os milagres revelam a época de sua chegada. Que os cegos vejam,
os coxos andem, os surdos ouçam e a língua dos mudos se torne ágil, tudo isso
os profetas referem à vinda do Senhor. Digam-nos quando tais sinais se
produziram em Israel, onde tal aconteceu na Judéia?
5. Naaman,
o leproso, foi curado, mas não houve surdo que ouvisse, nem coxo que andasse. Elias
e Eliseu ressuscitaram mortos, mas não houve cego de nascença que recuperasse a
vista. Certamente, grande milagre é ressuscitar um morto, mas o portento operado
por eles não foram tão grandes quanto os que o Senhor realizou. E se a Escritura
não omitiu a cura do leproso, nem a ressurreição do filho da viúva, sem dúvida se
houvesse acontecido antes que um coxo andasse ou um cego visse, a Palavra de
Deus não teria deixado de publicar também esses fatos. Visto que não há
referências da Escritura a esse respeito, é claro que tais milagres não se
haviam produzido anteriormente.
6. Quando,
então, sucederam, senão quando o próprio Verbo de Deus apareceu corporalmente?
Quando, pois, veio ele, senão quando os coxos andaram, os mudos falaram com
desembaraço, os surdos ouviram, os cegos de nascença viram claramente? Por essa
razão, os judeus que o constataram e jamais haviam ouvido falar de fatos idênticos,
diziam: “Jamais se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a cego de nascença.
Se este homem não fosse de Deus, nada poderia fazer” (Jo 9,32-34).
7. Talvez,
incapazes de resistir diante da evidência, não negarão as Escrituras, entretanto
assegurem que ainda esperam o Verbo, que é Deus, e ainda não veio. Eis o que
eles repetem à porfia, sem saírem de sua ousada oposição aos fatos evidentes.
Mas aqui também serão refutados, não por nós, mas por Daniel, que era muito
prudente, e anuncia a época atual e o advento divino do Salvador, nesses
termos: “Setenta semanas foram fixadas para o teu povo e a tua cidade santa para
fazer cessar a transgressão e lacrar os pecados, para expiar e perdoar a iniquidade
e instaurar justiça eterna, para selar visão e profeta e para ungir o santo dos
santos. Ficarás sabendo, pois, e compreenderás isto, desde a promulgação do
decreto sobre o retorno e a reconstrução de Jerusalém até o reino do Ungido”
(Dn 9,24-25).
8. Talvez
pudessem encontrar pretextos nos outros profetas, e atribuir ao futuro o que foi
escrito. Mas, que poderão dizer ou contrapor a este texto? Nele se indica o
Cristo, não se anuncia o Ungido somente como homem, mas como o santo dos
santos. Jerusalém subsiste até a sua
vinda, e em seguida cessam em Israel profeta e visão.
9. Outrora
tinham sido ungidos Davi, Salomão e Ezequias; mas então Jerusalém e o lugar
santo subsistiam, e profetizavam Gad, Asaf, Natan, e após estes, Isaías,
Oséias, Amós e outros profetas. Além disso, os ungidos eram denominados homens
santos, e não: santo dos santos.
10. Se,
porém, apresentarem como objeção o cativeiro e que por causa deste Jerusalém
não mais existia, que dirão acerca dos profetas? Com efeito, ao ser outrora o povo
levado para Babilônia, viviam Daniel, Jeremias e Ezequiel, Ageu e Zacarias profetizavam.
11. Pura
invenção dos judeus, portanto, que transferem para o futuro fatos presentes. Quando
cessaram em Israel profeta e visão, a não ser quando apareceu o santo dos santos,
o Cristo? Sinal e marca considerável da presença do Verbo de Deus era não subsistir
Jerusalém, não surgir profeta algum, nem revelação por meio de visão. E era perfeitamente
exato.
12. Pois,
tendo chegado o que os sinais prenunciavam, que necessidade ainda havia destes
sinais? Ao aparecer a realidade, para que ainda as sombras? Por esta razão, os profetas
falaram até que chegasse a própria justiça, quem redime os pecados de todos. Jerusalém
perdurou muito a fim de que os judeus ali considerassem as figuras da realidade
futura.
13. Mas,
agora, com a vinda do santo dos santos, precisamente foram seladas visão e profecia
e o reino de Jerusalém deixou de existir. Seus reis foram ungidos até que fosse
também ungido o santo dos santos. Moisés profetizou que o reino de Jerusalém
duraria até esta vinda, com essas palavras: “O cetro não se afastará de Judá,
nem o bastão de chefe de entre seus pés, até que o tributo lhe seja trazido e
ele é a expectativa das nações” (Gn 49,10).
14. O
próprio Salvador também exclamava: “Todos os profetas bem como a Lei profetizaram
até João” (Mt 11,13). Se, portanto, agora ainda existem entre os judeus, rei, profeta
e visão, eles têm razão de negar que Cristo tenha vindo; mas se não há mais
rei, nem visão, se toda profecia está selada, se cidade e templo foram
destruídos, por que são ímpios e transgressores a ponto de negar Cristo, causa
desses eventos, apesar do que se passou? Por que, ao verificarem que os gentios
abandonaram os ídolos e por meio de Cristo depositam esperança no Deus de
Israel, eles renegam Cristo, oriundo segundo a carne da raiz de Jessé, a reinar
de hoje em diante? Se os gentios adorassem outro Deus, sem confessar o Deus de
Abraão, de Isaac, de Jacó e de Moisés, os judeus razoavelmente pretenderiam que
Deus não veio.
15. Entretanto,
se o Deus adorado pelos gentios é idêntico ao que deu a Lei a Moisés, fez a
promessa a Abraão, cujo Verbo os judeus rejeitaram, por que não o reconhecem, ou
antes, por que recusam voluntariamente aceitar que o Senhor, prenunciado pela Escritura,
resplandeceu na terra inteira e se mostrou presente no corpo? De fato, diz a Escritura:
“O Senhor é Deus: ele nos ilumina” (Sl 117,27a) e ainda: “O Senhor enviou sua
Palavra para curá-los” (Sl 106,20) e novamente: “Não foi um mensageiro ou um anjo,
mas a sua própria face que os salvou” (Is 63,9).
16. Seu
estado assemelha-se ao de demente que veria a terra à luz do sol e negaria a existência
do sol que a ilumina. O que restava fazer, se já viera aquele que esperavam? Chamar
os pagãos? Mas, ele se antecipara neste chamado. Fazer cessar profeta, rei, visão?
Também já haviam cessado. Denunciar a impiedade dos ídolos? De fato, denunciara
e condenara. Aniquilar a morte? Ele a aniquilou.
17. Do que
competia a Cristo fazer, o que não fez? Que falta ainda, para os judeus se regozijarem
e recusarem crer? No entanto, se, como vimos, eles não têm rei, nem profeta,
nem Jerusalém, nem sacrifício, nem visão, e não obstante, a terra inteira está cheia
do conhecimento de Deus, e os gentios rejeitam a impiedade para buscarem o Deus
de Abraão, por meio do Verbo, nosso Senhor Jesus Cristo, faz-se evidente, até
aos mais ousados, que Cristo já veio, que para todos os homens brilha
inteiramente sua luz, e ele lhes ministra a respeito do Pai ensinamento
verdadeiro e divino.
18. Por
este testemunho e outros mais, extraídos das divinas Escrituras, refutam-se as objeções
dos judeus.
1.
O que destaco no texto e porquê?
2.
Como ele serve para a minha espiritualidade?