domingo, 28 de agosto de 2022

212 Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Sexto (Capítulos 13-23)

 

212
Hilário de Poitiers (315-368)
O Tratado da Santíssima Trindade
Livro Sexto (Capítulos 13-23)

 

Divisão do Tratado

O Tratado está dividido em 12 livros.

O livro I começa autobiografia. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral do trabalho.

O livro II é um resumo da doutrina da Trindade.

O livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.

No livro IV o autor apresenta a carta de Ário a Alexandre de Alexandria e demonstra a divindade de Filho a partir de citações tiradas do Antigo Testamento.

O livro V também cita o Antigo Testamento para demonstrar a divindade do Filho, que não é um outro Deus ao lado do Pai.

O livro VI refere-se novamente à carta de Ário e argumenta a partir do Novo Testamento.

 

Capítulo 13.

1.      Quanta astúcia herética e que profissão de fé cheia de ardis foi essa: Nem também aquele que existia antes nasceu depois e foi recriado como Filho.

2.      Deus, que nasceu de Deus, certamente não nasceu do nada, nem do que não existia, mas teve, por seu nascimento, a natureza viva. Não é o mesmo Deus que existia, mas nasceu, como Deus, do Deus que existia, e o que nasceu teve a natureza daquele que é seu princípio, pelo fato de nascer.

3.      Se falamos por nós mesmos, somos insolentes, mas, se ensinamos o que fomos instruídos por Deus para dizer, devemos afirmar o nascimento de Deus segundo a doutrina de Deus.

4.      O furor herético procura eliminar a unidade de natureza no Pai e no Filho e o mistério inefável do nascimento.

5.      Afirma que o que existia antes também não nasceu e depois foi recriado como Filho.

6.      Quem será tão estulto a ponto de pensar que o Pai deixou de ser Ele mesmo e que o mesmo que existia antes nasceu depois, criado novamente como Filho, ou que se deu um aniquilamento de Deus, dando a origem ao nascimento, quando, ao contrário, o nascimento garante que o que gerou continua existindo?

7.      Quem será tão insensato a ponto de pensar que o Filho recebeu a existência de outro modo senão pelo nascimento? Ou quem é tão tolo a ponto de atrever-se a afirmar que Deus, em algum momento, não existiu, porque nasceu como Deus?

8.      Não nasceu Aquele que existia como Deus, mas nasceu Deus daquele que permanecia como Deus e tem em si a natureza do que o gerou, pelo seu nascimento nesta natureza.

9.      O Filho de Deus, que recebeu de Deus o seu ser, para ser Deus, não possui aquilo que antes não existia. Na realidade do seu nascimento recebeu os atributos que existem em Deus.

10.  Não nasceu o que já existia, mas o Deus que nasceu recebeu o ser daquilo e naquilo que Deus tinha.

11.  Todo o discurso anterior do erro herético preparou o caminho para o seu ímpio ensinamento.

12.  Para negar o Deus Unigênito, como se antes já tivesse estabelecido o fundamento desta verdade, afirma que nasceu do nada, não de Deus. Diz que a causa do seu nascimento é a vontade criadora de Deus, a partir do que não existia.

 

Capítulo 14.

13.  Finalmente, depois de muito falar, como quem entra num caminho aberto por si mesmo, termina dizendo: O Filho saiu do Pai fora do tempo, criado e constituído antes dos séculos; não existia antes de nascer.

14.  Pensa que a palavra herética se adaptou, por uma parte, à necessidade de confirmar sua impiedade e, por outra parte, à exigência de defender-se da acusação de calúnia, quando isso se tornasse necessário, dizendo: Não existia antes de nascer.

15.  Afirmando que não existia antes de nascer, pretende negar que tenha a natureza que corresponde à sua origem divina e, ao mesmo tempo, dizer que Aquele que não se considerava como existente antes de nascer começou a existir a partir do nada.

16.  Além disso, ao afirmar que esta proposição era contrária à fé, os hereges se defendem prontamente, dizendo que quem já existia não podia nascer e que o que já existia antes não precisava nascer para existir, visto que o nascimento faz existir o que nasce.

17.  Ó estulto e ímpio! Quem pode esperar que nasça o que existe sem nascimento? Como se pode pensar que nasce o que existe, quando o nascimento significa vir à existência?

18.   Procuras dolosamente negar o nascimento do Filho de Deus, do Deus Pai, dizendo: Não existia antes de nascer e queres negar que Deus, do qual nasceu o Filho de Deus, existia?

19.  Queres negar que existia a natureza de Deus da qual Deus Filho recebe o ser pelo nascimento? Se nasceu de Deus, deve-se confessar a natureza que permanece, da qual Deus Filho subsiste pelo nascimento, não porque se pense que nasce o Deus que existia, mas porque o Filho de Deus nasceu de Deus que existia.

 

Capítulo 15.

20.  O ímpeto herético não contém a sua ímpia exaltação e, ao dizer: não existia antes de nascer, esforça-se por provar que nasceu do que não existia, ou seja, que não nasceu de Deus Pai, por um perfeito e verdadeiro nascimento, para ser Deus Filho.

21.  Concluindo a exposição, irrompe no mais extremo e irreligioso furor, dizendo: já que as palavras dele, (Rm 11,36) do seio (Sl 109,3) e saí do Pai e vim (Jo 16,28) se entendem como se fosse parte de sua única substância, ou como uma prolação que se estende, o Pai, segundo eles, seria composto, divisível, mutável, e corpóreo, e, segundo suas mesmas palavras, o Deus incorpóreo suportaria as consequências de sua corporeidade.

22.  Defender a verdade da fé contra a falsidade da heresia seria uma tarefa muito difícil, se ela fosse tão prudente quanto audaciosa. Felizmente o desejo da impiedade procede da falta de prudência.

23.  Por isso, embora seja fácil responder à insensatez, é difícil que os insensatos se corrijam.

24.  Em primeiro lugar porque a compreensão exata das coisas não é procurada, depois porque não se aceita a explicação dada por quem entende.

25.  Mas se alguns estão errados por causa do temor de Deus e da ignorância da inteligência e não pelo desejo da impiedade e a insensatez do pensamento, espero que estejam inclinados à emenda, pois a demonstração da verdade provará a insensatez da heresia.

Capítulo 16.

26.  Dissestes, ó estultos, e dizeis ainda hoje que não sabeis o que significa em Deus dele, do seio e saí do Pai e vim.

27.  Pergunto se tudo isso foi dito por Deus ou não. Foi dito, com certeza. Como foi dito por Deus, a respeito de si mesmo, é necessário que não se entenda nada diferente do que foi dito.

28.  Trataremos destas palavras no seu devido lugar, depois de indicar o sentido de cada uma delas. Enquanto isso, pergunto o que se deve pensar quando se diz dele.

29.  Acaso entenderás que procede de outro ou do nada, ou que se trata dele mesmo? Não vem de outro porque é dele, isto é, não procede de outro, senão de Deus. Não vem do nada porque vem dele, o que demonstra a natureza da qual vem o nascimento. Não é o mesmo, pois onde está escrito dele, o nascimento do Filho é referido ao Pai.

30.  Quando, em seguida, se diz do seio, pergunto se é possível acreditar que tenha nascido do nada, quando a verdade do nascimento é demonstrada pelo nome de funções corporais.

31.  Não é um Deus formado de membros corporais, que, ao rememorar a geração do Filho diz: Eu te gerei do meu seio antes da aurora (Sl 109,3).

32.  Falou assim para confirmar a fé no nascimento inefável do Filho, nascido da realidade da natureza divina. Falou assim para que a fé pudesse ser compreendida, para instruir a natureza humana, de acordo com a natureza, para a compreensão da fé, para que se aprenda que, quando diz do seio, quer dar a entender que não se trata de criação a partir do nada, mas sim do nascimento do seu Unigênito, que procede dele mesmo, segundo a sua natureza.

33.  Finalmente, as palavras saí do Pai e vim (Jo 16,28) acaso encerram alguma ambiguidade, ou dão a entender que sua divindade procede de algum outro princípio a não ser do Pai?

34.  Por sair do Pai, não pode ter, por seu nascimento, outra natureza. Nem pode vir do nada, mas dá testemunho do seu Princípio. Falarei depois de como isso deve ser demonstrado e entendido.

 

Capítulo 17.

35.  Vejamos, entretanto, como a presunção humana impede a compreensão do que foi dito sobre Deus, embora não se negue que Deus o tenha dito a respeito de si mesmo.

36.  É gravíssimo o erro da insolência humana, que não só contradiz a Deus quando não crê na revelação que fez de si mesmo, mas ainda o condena querendo emendá-lo.

37.  Contamina com doutrinas humanas e impugna aquele mistério inefável de sua natureza e de seu poder!

38.  Ousa dizer que, se o Filho nasceu de Deus, é mutável e corpóreo o Deus que expandiu e estendeu a partir de si mesmo Aquele que deveria ser Filho.

39.  Por que tamanha solicitude pela imutabilidade de Deus? Nós, ensinados por Deus, confessamos o nascimento, pregamos o Unigênito. Tu, para negar o nascimento, para que na Igreja não haja a fé no Deus Unigênito, defendes a natureza do Deus imutável que não pode estender-se nem expandir-se.

40.  Eu poderia oferecer-te, ó infeliz erro, um exemplo a partir das coisas do mundo, de algumas naturezas que geram, para que não acreditasses que o nascimento é uma extensão e para que não pensasses que a geração se dá pela diminuição do que gera, pois muitos seres vivos são gerados por outros seres vivos sem união corporal.

41.  No entanto, seria um crime não dar crédito a Deus, quando fala de si mesmo, e seria sinal de extrema insensatez negar a autoridade, nas questões de fé, daquele a quem confessas que é preciso honrar para ter a vida.

42.  Se só por Ele temos a vida, como não viria por Ele a fé que dá a vida? Como pode firmar-se nele a fé que dá a vida, quando Ele é tido como testemunha infiel a respeito de si mesmo?

 

Capítulo 18.

43.  Atribui, pois, herege sem fé, o nascimento do Filho à vontade criadora, para que não tenha nascido de Deus, mas tenha sido criado pela vontade do Criador.

44.  Para ti, não é Deus, porque, se há um só Deus, o Filho não recebe, no seu nascimento, a natureza do que lhe deu origem. Foi criado como uma substância diferente, mesmo que seja superior às outras criaturas, por ser o Unigênito. Não recebeu, no entanto, a natureza de Deus por geração, porque só pode subsistir pela criação recebida como dom.

45.  Tu o chamas de filho, não por ter nascido de Deus, mas por ter sido criado por Deus, lembrando-te de que homens piedosos foram considerados por Deus como dignos desse nome.

46.  Tu lhe concedes o nome de Deus apenas no sentido que tem nestas palavras: Eu disse, vós sois deuses, e Filhos do Altíssimo, todos vós (Sl 81,6).

47.  Nessas palavras deve-se perceber a indulgência de quem fala. Nelas, porém, não se expressa o nome e verdade da natureza.

48.  Ele é, para ti, filho por adoção, deus por denominação, unigênito por privilégio, primogênito pela ordem, inteiramente criatura.

49.  Não é Deus por geração, não nasceu de Deus, segundo a natureza, mas sim recebeu a subsistência como uma criatura.

 

Capítulo 19.

50.  Em primeiro lugar, ó Deus onipotente, depois de ter pedido perdão pela impaciência causada pela dor, permite que eu, que sou pó e cinzas, mas estou ligado pelos laços do teu amor, fale e me expresse livremente.

51.  Eu, infeliz, antes não era nada, não conhecia o sentido da vida e, sem conhecer-me a mim mesmo, era carente de mim mesmo. A tua misericórdia é a causa da minha existência e não duvido de que tu, que és bom, tenhas determinado que seria bom para mim nascer.

52.  Tu, que não necessitas de mim, não me deste o ser como o princípio do meu mal. Como me deste a vida, concedeste-me a razão e o conhecimento e me instruíste para que eu te conhecesse, por meio dos livros que considero sagrados, escritos pelos teus servos, Moisés e os Profetas. Por eles, me revelaste que não deves ser adorado como um Deus solitário.

53.  Aprendi neles que há contigo um Deus não distinto pela natureza, mas uno no mistério da tua substância, e te conheci como Deus em Deus, não de maneira indistinta e confusa, mas pela força da tua natureza, pois, pelo fato de seres Deus, estás naquele que nasceu de ti, mas não de tal modo que tu mesmo sejas Ele e sejas o que está nele. Pelo contrário, o fato de estares no que recebe de ti o seu ser demonstra a realidade de seu perfeito nascimento.

54.  O mesmo me dizem os Evangelhos e os Apóstolos. As palavras que saíram da boca sagrada do teu Unigênito, escritas nos livros, atestam que teu Filho, Deus Unigênito, nascido de Deus Ingênito, nasceu da Virgem, como Homem, para realizar o mistério da minha salvação.

55.  Tu estás nele, porque realmente o geraste, e Ele está em ti unido a ti pela natureza que possui, por ter nascido de ti.

 

Capítulo 20.

56.  Suplicando, pergunto: em que profundezas de desespero me fizestes submergir? Assim aprendi essas coisas e nelas acreditei, assim as afirmo com a fé do meu espírito fortalecido, de tal modo que não poderia querer outra coisa.

57.  Por que me enganaste, a mim, que sou miserável em relação a ti, e levaste à perdição meu corpo e minha alma infelizes, com uma doutrina diferente a teu respeito?

58.  Enganou-me a glória de Moisés que descia do monte, depois que o mar Vermelho foi dividido e depois que ele viu, junto de ti, todos os segredos ocultos dos mistérios celestes. Acreditei nele, quando falava com tuas palavras.

59.  Davi, que foi achado segundo teu coração, me fez perder-me. Salomão, que foi digno de receber a sabedoria divina, e Isaías, que pregou o Senhor dos Exércitos, visto por ele, e Jeremias, santificado antes de ser formado no seio de sua mãe, como profeta para arrancar e plantar os povos, e Ezequiel, testemunha do mistério da ressurreição, e Daniel, homem dos desejos, conhecedor dos tempos, e todo o santo coro dos profetas, e Mateus, o publicano, eleito para ser apóstolo, e João, digno de receber os mistérios celestes, por causa de sua familiaridade com o Senhor, e o bem-aventurado Simão, que depois de sua confissão estabeleceu os fundamentos do edifício da Igreja e recebeu as chaves do Reino dos céus, e todos os demais que falaram pelo Espírito Santo, e Paulo, que esteve no fundo mar e, como homem, subiu ao terceiro céu, que esteve no paraíso antes do martírio e no martírio foi consumado como libação da perfeita fé.

 

Capítulo 21

60.  Fui ensinado por todos eles e irremediavelmente instruído na fé que afirmam.

61.  Perdoa-me, Deus onipotente, pois não posso emendar-me quanto a isso e assim hei de morrer. O tempo atual apresentou-me muito tarde esses doutores que considero ímpios.

62.  A minha fé que tu instruíste recebeu-os tarde demais como mestres. Antes de ouvir esses nomes, eu acreditei em ti, renasci e sou teu. Sei que és onipotente e espero conhecer o sentido do nascimento inefável que só tu e o teu Unigênito conheceis.

63.  Sei que nada é impossível para ti e não duvido que teu Filho tenha sido gerado por ti, com a força da tua onipotência, pois, se duvidasse, negaria que és onipotente.

64.  Aprendi que és bom pelo meu próprio nascimento e por isso tenho certeza de que não invejas os bens que teu Unigênito possui por seu nascimento. Creio que o que é teu é dele e o que é dele é teu.

65.  A criação do mundo me diz que és sábio. Estou certo de que geraste de ti a tua Sabedoria, que não é diferente de ti. Para mim, és realmente o único Deus. Creio que, naquele que, procedendo de ti, é Deus, não há nada que não seja teu. Julga-me por isso. Vê se há em mim crime, por ter acreditado firmemente, por causa do teu Filho, na Lei, nos Profetas, nos Apóstolos.

 

Capítulo 22

66.  Cesse este discurso temerário e, deste ponto ao qual chegamos, por causa da necessidade de demonstrar a insensatez dos hereges, retornemos à explicação da verdade, a fim de que os que ainda podem salvar-se sigam o caminho do ensinamento evangélico e apostólico, para chegar à verdadeira fé e para entender que o verdadeiro Filho de Deus não é filho por adoção, mas por natureza.

67.  Convém que seja esta a ordem da nossa resposta: que primeiro ensinemos que é Filho de Deus e que a natureza divina, pela qual é Filho, está nele de modo absoluto, pois a heresia de que agora tratamos faz tudo para negar que nosso Senhor Jesus Cristo seja verdadeiramente Filho de Deus.

68.  De muitos modos é conhecido que nosso Senhor Jesus Cristo é verdadeiramente o Filho Unigênito e assim é proclamado.

69.  O Pai atesta, Ele mesmo afirma, os Apóstolos ensinam, os fiéis creem, os demônios confessam, os judeus negam, os gentios reconhecem na Paixão.

70.  O que a fé proclama não se deve ao fato de ter-lhe sido dado um nome, como a outros. Tudo o que Cristo Senhor fez e ensinou supera em muito o que pode ser feito pelos que são chamados de filhos, e, de tudo o que é atribuído a Cristo, se ensina que o principal é isto: Ele é Filho de Deus.

71.  Portanto, o nome de Filho não lhe foi atribuído pelo mesmo motivo que a todos os outros, como se partilhassem a mesma condição.

 

Capítulo 23.

72.  Não quero macular a verdade da fé acrescentando outras coisas por minha própria conta.

73.  Que o Pai fale, como de costume, a respeito do seu Unigênito é para que, no mistério do batismo, não se ignore, por causa de seu corpo, a divindade de Jesus Cristo: Este é o meu Filho amado em quem ponho a minha afeição (Mt 3,17).

74.  Pergunto onde falta a verdade e em que se mostra fraca a confissão de fé, quando não parece suficiente, para provar a majestade, o parto da Virgem, por obra do Espírito Santo, anunciado pelo anjo, a estrela que conduziu os magos, a adoração ao que estava no berço, a confissão do Batista afirmando o poder do que devia ser batizado. Do céu, o Pai diz: Este é o meu Filho.

75.  Que significa o uso de pronomes e não de cognomes? Os cognomes são acrescentados aos nomes, os pronomes têm valor de nomes. Este e meu indicam algo que é próprio.

76.  É preciso compreender o verdadeiro sentido das palavras. Leste: Gerei filhos e os exaltei (Is 1,2), mas não leste meus filhos.

77.  Gerou-os como filhos para si quando os tirou do meio dos pagãos e fez deles o povo de sua herança. Para que não seja atribuído ao Filho Unigênito o nome de filho adotivo pela sua participação na herança, foi indicada a realidade da sua natureza pela indicação da propriedade.

78.  Só seria possível dar a Cristo esse nome, em comum com os outros, se houvesse outro filho do qual fosse dito: Este é o meu Filho.

79.  Se, no entanto, estas palavras foram ditas somente a respeito dele, vamos acusar o Pai por ter dado testemunho de que o Filho é dele?

80.  As palavras este é significam que Deus tem outros filhos, que receberam esse nome, mas só este é o Filho.

81.  Muitos foram chamados de filhos por serem adotados, este, porém, por ser Filho.

82.  Não procures outro, não acredites que seja outro. “Aponto para este, empregando as palavras é meu, este é, é meu Filho”, diz Deus.

83.  Depois disso não pode haver motivo algum para crer que não o seja. Este é o motivo da palavra do Pai: que não se ignorasse quem era o que devia ser batizado para que se cumprisse toda a justiça e que fosse reconhecido como Filho de Deus pela voz de Deus o que era visto como homem por causa do mistério da nossa salvação.

 

O que você destaca no texto e colo ele serve para sua espiritualidade?

 


terça-feira, 23 de agosto de 2022

211 Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Sexto (Capítulos 1 - 12)

 



211
Hilário de Poitiers (315-368)
O Tratado da Santíssima Trindade
Livro Sexto (Capítulos 1 - 12)

 


Divisão do Tratado

O Tratado está dividido em 12 livros.

O livro I começa autobiografia. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral do trabalho.

O livro II é um resumo da doutrina da Trindade.

O livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.

No livro IV o autor apresenta a carta de Ário a Alexandre de Alexandria e demonstra a divindade de Filho a partir de citações tiradas do Antigo Testamento.

O livro V também cita o Antigo Testamento para demonstrar a divindade do Filho, que não é um outro Deus ao lado do Pai.

O livro VI refere-se novamente à carta de Ário e argumenta a partir do Novo Testamento.

 

LIVRO SEXTO

Capítulo 1.

1.      Estou bem consciente de minha ousadia de ter, em tempos tão difíceis, empreendido escrever este livro contra a insensata heresia dos ímpios, que afirmam ser criatura o Filho de Deus.

2.      Já por quase todas as províncias do Império Romano muitas igrejas estão infeccionadas pela peste desta pregação.

3.      Há muito tempo eles abusam da pregação como se fosse a verdadeira fé, acobertados pelo falso nome de verdadeira religião.

4.      Não ignoro ser difícil mover a vontade para que se emende, visto que, para muitos, a aceitação por parte da autoridade pública já faz supor que seja verdadeira uma doutrina.

5.      Grave e perigoso é o erro de muitos, e a falha de vários se reveste de autoridade, pois, ainda que seja reconhecida como tal, inúmeros homens se envergonham de opor-se a ela, porque os que a seguem são numerosos e têm a insensatez de pretender que o erro seja considerado como prudência.

6.      Aquele que se engana na companhia de muitos afirma possuir a verdade por pensar que o erro é menos grave quando cometido por vários outros.

 

Capítulo 2.

7.      Quanto a mim, por causa do cuidado e da obrigação de meu cargo, e porque, sendo o bispo desta Igreja, tenho o dever do ministério da pregação evangélica, com mais empenho me entreguei ao cuidado de escrever.

8.      Por estarem as inteligências dos infiéis presas por maiores e mais diversos perigos, esperava mais frutuoso gáudio provindo da salvação de muitos. Estes, tendo conhecido os mistérios da perfeita fé em Deus, abandonariam os ímpios ensinamentos da humana estultice e se voltariam para Deus, repudiando os hereges como ao alimento mortífero usado habitualmente para capturar as aves, e se elevariam no voo com livre segurança, seguindo a Cristo como chefe, os Profetas como núncios, os Apóstolos como guias.

9.      Chegariam assim à fé consumada e à perfeita salvação, na confissão do Pai e do Filho lembrando-se da palavra do Senhor: Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou (Jo 5,23), haveriam de glorificar o Pai pela glória do Filho.

 

Capítulo 3.

10.  Brotou há pouco uma peste detestável e mortífera para o povo, a qual, grassando com muito grande poder de contágio, trouxe a ruína de morte miserável.

11.  Não foram maiores, nem o repentino mergulho no caos de cidades com seus habitantes, nem as freqüentes e tristes mortes causadas pelas guerras ou moléstias sem remédio, que têm castigado o povo por devastador contágio, do que esta funesta heresia, que se espalha para a morte do gênero humano. Pois, para Deus, para quem todos os mortos vivem, somente perece aquele que, por si mesmo, se afasta da vida. Ele há de vir, para julgar todas as coisas pela misericórdia de sua majestade, e moderará para o ignorante a pena merecida pelo erro. Aos que o negam, entretanto, já não os julgará, mas negará (cf. Mt 10,33).

 

Capítulo 4.

12.  A louca heresia nega o mistério da verdadeira fé e, para favorecer a sua impiedade, emprega princípios da religião, expondo, como já foi dito nos livros anteriores, sua falsa doutrina.

13.   Assim começa: Conhecemos a um só Deus, único incriado, único eterno, único sem princípio, único verdadeiro, único imortal, único verdadeiramente bom, único poderoso. Para isso se aproveita dos princípios da piedosa profissão de fé, dizendo: um só Deus, único incriado e único sem princípio.

14.  Com estas palavras aparentemente religiosas, os hereges introduzem impiamente a falsidade. Depois de muitas outras coisas, que professam sobre o Filho, simulando religião, acrescentam: Criatura perfeita de Deus, porém não como uma das criaturas, feito por Deus, mas não como as demais obras.

15.  E depois de outras afirmações, entre as quais são intercaladas confissões verdadeiras, para esconder a intenção da herética impiedade, querendo defender, com arguta sutileza, a sua interpretação, dizem existir a partir do nada: Criado e constituído e antes dos séculos; não existia antes de nascer.

16.  Finalmente, já armados com tudo o que há de mais válido para a defesa da impiedade, para que não se entenda ser Ele Filho ou Deus, acrescentam que as expressões ex ipso (vindo dele), e ex utero (do seio) é ex Patri exivi et veni (saí do Pai e vim) devem dar a entender que é parte de sua única substância, como prolação que se estende.

17.  Para eles, o Pai seria composto, divisível, mutável e corpóreo. Segundo eles, Deus sem corpo sofreria as consequências da corporeidade.

18.  Nosso discurso será totalmente contrário a esta exposição da impiíssima doutrina. Julgamos já ter dito, no primeiro livro, tudo a respeito desta heresia, mas agora queremos inseri-la também neste sexto livro para que a leitura recente e a comparação das respostas dadas a cada proposição, pelas declarações evangélicas e apostólicas, façam admitir a verdade mesmo aqueles que não querem aceitá-la e a repudiam. Pois eles dizem:

 

Capítulo 5.

19.  Conhecemos um só Deus, único incriado, único eterno, único sem princípio, único verdadeiro, único imortal, único verdadeiramente bom, único poderoso, que cria, ordena e dispõe todas as coisas, inalterável, imutável, justo e inteiramente bom. Deus da Lei e dos Profetas e do Novo Testamento. Este Deus gerou um Filho unigênito antes de todos os séculos, por meio do qual criou os séculos e todas as coisas, nascido, não em aparência, mas em verdade, obediente à sua vontade, imutável e inalterável, criatura perfeita de Deus, porém não como uma das criaturas, feito por Deus, porém não como as demais obras. O Filho não é, como Valentino pensou, uma prolação do Pai, nem é uma parte da única substância do Pai, como explicou Maniqueu, nem, como interpreta Sabélio, que separa a união, que diz que o Filho é o mesmo que o Pai, nem, como quer Hieracas, é luz de luz, ou uma lâmpada dividida em duas partes. Aquele que existia antes não nasceu depois e foi recriado como Filho, como tu mesmo, beatíssimo Pai, no meio da Igreja e na assembleia contradisseste com frequência os que introduzem tais ensinamentos. Mas é, como dissemos, criado pela vontade do Pai antes dos tempos e dos séculos, recebeu do Pai a vida e o ser, e o Pai o glorifica ao fazê-lo participar de seu ser. O Pai, ao dar-lhe em herança todas as coisas, não se despojou dos atributos incriados que possui, pois é fonte de todas as coisas.

 

Capítulo 6.

20.  Por isso são três as Pessoas (hypostaseis): Pai, Filho e Espírito Santo. Certamente Deus é causa de todas as coisas, absolutamente único e sem começo. O Filho saiu do Pai, fora do tempo, criado e constituído antes dos séculos. Não existia antes de nascer, mas nasceu antes de todas as coisas, fora do tempo. Subsiste, Ele só, do Pai, só. Mas não é nem eterno, nem coeterno, nem incriado, com o Pai, nem tem seu ser com o Pai, como alguns dizem, a respeito de outro, introduzindo dois princípios não nascidos, senão, assim como Deus é a união e princípio de tudo, assim existe antes de tudo. Por isso existe também antes do Filho, como aprendemos de tua pregação no meio da Igreja. Por isso tem de Deus a glória e a vida e tudo lhe foi entregue segundo isto: Deus é seu princípio. E Deus lhe é superior como seu Deus, pois existe antes dele. Se as palavras “dele” (Rm 11,36); “do seio(Sl 109,3) e “saí do Pai e vim(Jo 16,28) se entendem como se fosse parte de sua única substância ou como uma prolação que se estende, o Pai, segundo eles, seria composto, divisível, mutável e corpóreo e segundo suas próprias palavras, o Deus incorpóreo suportaria as consequências de sua corporeidade.

 

Capítulo 7.

21.  Quem não percebe os escorregadios rodeios do caminho da serpente, ou não reconhece, nas contorções tortuosas, os nós das víboras, que encerram a força poderosa de uma boca cheia de veneno no estreito círculo de um corpo enrodilhado? Logo que todos se estendam e se soltem, se mostrará todo o veneno da cabeça oculta.

22.  Apresentam-nos em primeiro lugar os nomes da verdade, a fim de introduzirem o vírus da falsidade.

23.  Na boca está o bem, para que o mal do coração se insinue. Entre todas estas coisas, nunca escuto dizerem ser Deus o Filho de Deus, nunca vejo, em lugar nenhum, ser pregado o Filho como sendo Filho. Usam a palavra Filho de modo a calar a respeito da natureza.

24.  Retiram a natureza para que o nome não seja próprio. Citam as outras heresias para enganar sobre a sua própria heresia. Afirmam um só Deus único verdadeiro, para que o verdadeiro e próprio Filho de Deus não possa ser o que Deus é.

 

Capítulo 8.

25.  Embora nos livros anteriores já tenhamos falado sobre Deus e Deus, e Deus verdadeiro e Deus verdadeiro, e tenhamos dito que no Pai, verdadeiro Deus, e no Filho, verdadeiro Deus, deve-se entender um só verdadeiro Deus, segundo a unidade da natureza, não segundo a unicidade das pessoas, conforme as declarações da Lei e dos Profetas, contudo a perfeita clareza desta fé deve ser dada pelas doutrinas evangélicas e apostólicas, entendendo-se que o verdadeiro Filho de Deus é Deus, não por natureza alheia e diversa da natureza do Pai, mas por ter a mesma divindade, existente pela verdade do nascimento.

26.  Não julgo poder existir alguém tão insensato que, conhecendo as afirmações de Deus sobre si mesmo, não as compreenda ou, tendo-as compreendido, não queira que sejam compreendidas pelos outros, ou pense que devem ser corrigidas pela opinião da prudência humana.

27.  Antes de começar a falar dos próprios mistérios salutares, para que, tendo eles proclamado os nomes de outros hereges, o ensino herético não se infiltre em alguns, devemos erguer todo o véu que encobre a sutil maldade a fim de que seja descoberto o veneno escondido e mostrado pelos mesmos meios com que se esconde, para que a sensibilidade da consciência comum comece a conhecer esse veneno lisonjeiro.

 

Capítulo 9.

28.  Os hereges querem afirmar que o Filho de Deus não vem de Deus e que não nasceu de Deus como Deus, da natureza e na natureza de Deus. Antes tinham falado de um Único Deus, único verdadeiro sem acrescentar Pai, para negar que o Pai e o Filho tenham uma única e verdadeira natureza.

29.  Excluíram o que é próprio do nascimento e disseram: Não é uma prolação do Pai como pensou Valentim.

30.  Sua intenção era de recusar o nascimento de Deus, nascido de Deus, assimilando-o ao nome de prolação da heresia de Valentim. Este, certamente, afirmou coisas ridículas e vergonhosas e introduziu uma família de deuses e inúmeras potestades eternas e disse que nosso Senhor Jesus Cristo existiu como prolação pelo mistério da vontade oculta.

31.  A fé evangélica e apostólica ignora esta prolação sem sentido inventada pela insensatez de um autor temerário e estulto. Ignora o Abismo, o Silêncio e os trinta éons de Valentim.

32.  Conhece um só Deus de quem tudo procede e um só Senhor Jesus Cristo por quem tudo foi feito (cf. 1Cor 8,6), nascido de Deus. Porque nasceu de Deus, não deixou Deus de ser o que é. Pelo seu nascimento, não deixou de ser Deus. Porque é Deus não começou a existir já que nasceu de Deus. Segundo o senso comum humano, o que nasce parece ser uma prolação, de modo que se julga que o nascimento é uma prolação.

33.  Portanto, por causa da heresia de Valentim, tentou-se excluir o nome de prolação, para que não permanecesse a verdade do nascimento, pois a noção de prolação, na opinião terrena, não se afasta muito da natureza do nascimento neste mundo.

34.  A natureza humana é lenta e tem muita dificuldade para compreender as coisas divinas. É preciso que seja advertida com frequência a respeito do que foi dito, para não crer que os mistérios do divino poder possam ser explicados suficientemente a partir de exemplos tirados da comparação com as coisas humanas.

35.  A comparação com as coisas terrenas serve apenas para que as coisas celestes possam penetrar espiritualmente em nossas mentes. Pelos meios de nossa natureza poderemos ser conduzidos ao conhecimento da grandeza divina. Não é conforme a prolação dos nascimentos humanos que se pode avaliar o nascimento de Deus.

36.  Quando o que é Um vem do que é Um e Deus nasce de Deus, a noção de nascimento terreno serve só para ajudar a compreender.

37.  Quanto ao mais, não satisfaz a comparação com o nascimento humano que traz consigo a união, a concepção, o tempo de gestação, o parto. Do Deus nascido de Deus, nada se pode entender senão que nasceu. Da divina e verdadeira natividade, segundo a fé evangélica e apostólica, trataremos no seu lugar. Entretanto, devemos mostrar as artimanhas da arte herética que, para abolir a verdade do nascimento, quer extinguir a palavra prolação.

 

Capítulo 10.

38.  A fraude mantém seus artifícios malignos também em outros pontos, dizendo: Nem é uma parte da única substância do Pai, como explicou o Maniqueu.

39.  A prolação foi negada antes, para que o nascimento fosse negado. Agora, usando-se o nome de Maniqueu, é apresentada, para negar a doutrina segundo a qual o Filho é uma parte da única substância, para que não se creia que é Deus de Deus.

40.  Maniqueu, defensor declarado do diabo, em tudo o que estava a seu alcance, e néscio adorador do sol, movido por violento furor, quis desautorizar a Lei e os Profetas. Ensinou que o que esteve no seio da Virgem era uma porção da única substância divina e que se deveria entender ser o Filho uma parte tirada da substância do Pai, que apareceu na carne.

41.  Para negar o nascimento do Filho Unigênito e a unidade de sua substância, os Arianos querem demonstrar que o nascimento do Filho significa divisão da única substância.

42.  Como constitui blasfêmia pregar o nascimento, considerado como uma porção da única substância, querem deduzir, em primeiro lugar, que não há nascimento, porque a separação professada por Maniqueu foi condenada.

43.  Depois querem abolir o nome e a fé na única substância, porque, para os hereges, isto significa que o Filho é uma porção do Pai.

44.   Assim, não pode ser Deus de Deus, porque nele não está o que é próprio da natureza divina. Por que o ímpio furor simula uma preocupação insensata, sob a aparência falsa de religião?

45.  A fé da Igreja condena Maniqueu, como os pregadores da herética insensatez. Desconhece no Filho uma porção do Pai e sabe que é todo Deus, de todo Deus. Confessa-o como Uno do Uno, não separado, mas nascido. Sabe que o nascimento de Deus não significa diminuição do que gera nem fraqueza do que nasce. Se a Igreja sabe isto por si mesma, acusa-a por atribuir a si mesma o conhecimento.

46.  Se aprendeu do seu Senhor, permite ao que nasce conhecer seu próprio nascimento. Estas coisas foram reveladas à Igreja pelo Deus Unigênito: que o Pai e o Filho são Um, que no Filho está a plenitude da Trindade.

47.  Por isso, não aceites que o Filho seja considerado uma parte da substância única e venera no Filho a Verdadeira divindade, por causa da verdade do seu nascimento. Deixamos para depois uma explicação mais completa de todas as questões e vamos continuar com o que falta.

 

Capítulo 11.

48.  Dizem a seguir: Nem como interpreta Sabélio, que separa a união, que diz que o Filho é o mesmo que o Pai.

49.  Sabélio ignora os mistérios dos Evangelhos e do Apóstolo. Mas isto não é simplesmente condenado em um herege por outro herege. Porque querem que não haja unidade alguma entre o Pai e o Filho, censuram em Sabélio o erro de dividir a unidade.

50.  Esta divisão não produz o nascimento, mas divide o mesmo no seio da Virgem.

51.  Nós, porém, confessamos o nascimento. Recusamos a unicidade e mantemos a unidade da divindade.

52.  Deus de Deus significa que são um em sua natureza, porque Aquele que, pelo verdadeiro nascimento de Deus, para ser Deus, recebeu de Deus o seu ser, não subsiste a partir de nenhum outro.

53.  Aquele que não permanece no ser por nenhum outro princípio que não seja Deus deve permanecer necessariamente na verdadeira natureza pela qual é Deus. São um só, porque Aquele que é Deus de Deus não é em si mesmo outra coisa e não recebe de outra parte o ser Deus.

54.  O erro de Sabélio sobre a unidade serve para destruir a fé da Igreja na unidade. Continuarei a apresentar os outros artifícios da falsidade herética para não ser tido por intérprete malévolo da simplicidade alheia, mais preocupado com as suspeitas do que com a verdade.

55.  Terminando esta apresentação de sua profissão de fé, mostrarei as conclusões a que levam as premissas de um discurso tão enganador.

 

Capítulo 12.

56.  Segue-se: Nem, como quer Hieracas, é luz de luz ou uma lâmpada dividida em duas partes. Nem também aquele que existia antes nasceu depois e foi recriado como Filho.

57.  Hieracas, que desconhecia o nascimento do Unigênito, sem compreender o valor dos mistérios evangélicos, falou de duas luzes de uma lâmpada.

58.  Dizia que a substância do Pai e do Filho era semelhante a uma lâmpada dupla que, para acender-se, recebe o óleo do mesmo vaso, como se houvesse uma substância eterna, como o óleo que está na lâmpada, contendo a natureza de duas chamas, ou como uma lâmpada que tem uma única mecha e que acende nas duas pontas e na qual o material combustível do centro produz duas chamas a partir dele mesmo.

59.  Este é um erro da insensatez humana que procura a sabedoria mais em si mesma do que em Deus.

60.  A verdadeira profissão de fé é que Deus nasce de Deus, como a luz, da luz que, sem sofrer diminuição em si mesma, comunica sua própria natureza, dando o que tem, mas conservando o que deu. Nasce o que é, pois não nasceu algo diferente do que é. O que nasce recebe o que existia, porém não deixa o que recebeu.

61.  Os dois são Um porque o Filho nasce daquele que é Pai, e o que nasce não tem outra origem e não é outra coisa senão o que Ele é, pois é luz da luz. Para afastar os homens da compreensão da doutrina, foi usada a ideia da lâmpada e da luz de Hieracas, como pretexto para acusar os que afirmam a luz da luz e para que se pense que não é dito de acordo com o sentido da fé aquilo que foi condenado agora e antes, no sentido que lhe dão os hereges.

62.  Retira-te, retira-te, vão temor dos hereges, não te faças defensor da fé da Igreja com a falsa doutrina que sustentas. Nada há, para nós, em Deus, de corpóreo e inanimado. Deus é inteiramente Deus. Nele existe somente força, vida, luz, felicidade, espírito. Sua natureza não tem a fraqueza da matéria nem consta de coisas diversas para continuar existindo. Deus, porque é Deus, permanece no que é e, permanecendo Deus, gerou a Deus. Não estão contidos como uma lâmpada na outra, ou uma luminária na outra, em alguma natureza exterior.

63.  O nascimento do Deus, Unigênito, de Deus, não é sucessão, mas geração, não é derivação, mas luz que vem da luz. É unidade da natureza, não uma sucessão de elementos unidos.

 

O que você destaca no texto e colo ele serve para sua espiritualidade?