sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

O Uso da Vela na Espiritualidade Protestante

 

altar da Igreja Luterana com vela. 


O Uso da Vela na Espiritualidade Protestante

Edson Cortasio Sardinha

 

1. A luz na espiritualidade bíblica: fundamento comum

            Desde o início da revelação bíblica, a luz aparece como um dos símbolos mais profundos da ação de Deus:

            “Disse Deus: Haja luz; e houve luz.” (Gn 1.3)

            A luz precede todas as outras obras criadoras e torna-se sinal da presença ordenadora de Deus, da vida, da verdade e da salvação. Tanto no judaísmo quanto no cristianismo histórico, a vela não é objeto mágico, mas sinal visível de uma realidade invisível: Deus que se revela, guia e habita no meio do seu povo.

 

2. O uso das velas na prática judaica

           

2.1 A Menorá: luz permanente diante do Senhor

            No culto do Tabernáculo e depois do Templo, Deus ordena a confecção da Menorá, o candelabro de sete lâmpadas:

            “Farás também um candelabro de ouro puro… e as suas lâmpadas se acenderão para alumiar diante dele.” (Êx 25.31,37)

 

A Menorá simbolizava:

·         A  presença contínua de Deus

·         A Torá como luz

·         A vida que procede do Senhor

 

            O profeta Zacarias interpreta a Menorá como sinal da ação do Espírito de Deus:  “Não por força nem por poder, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos.” (Zc 4.6)

 

2.2 As velas do Shabat

            No lar judaico, o acendimento das velas do Shabat marca a entrada do tempo santo:

 

·         Luz como separação do sagrado

·         Luz como paz no lar (shalom bayit)

·         Luz como memória da criação e da libertação

 

 “O mandamento é lâmpada, e a instrução é luz.” (Pv 6.23)

 

2.3 Hanukkah: a luz que vence as trevas

            Na festa de Hanukkah, as velas recordam a fidelidade de Deus em tempos de opressão, proclamando que a luz do Senhor não pode ser apagada:

            “O Senhor é a minha luz e a minha salvação; de quem terei medo?” (Sl 27.1)

 

3. Cristo, a luz definitiva: cumprimento neotestamentário

 

            O Novo Testamento não abandona o símbolo da luz; ao contrário, o cumpre em Cristo:  “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida.” (Jo 8.12)

                        A luz deixa de estar apenas no candelabro e passa a estar na Pessoa do Filho. O prólogo de João ecoa Gênesis: “Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens.” (Jo 1.4)

 

4. O uso de velas nas igrejas protestantes tradicionais

 

4.1 Reforma e continuidade simbólica

            A Reforma Protestante não rejeitou os símbolos, mas rejeitou seu uso supersticioso ou meritório. Lutero, Calvino e Wesley reconheceram que sinais visíveis podem ensinar, recordar e apontar para Cristo, desde que não substituam a fé.

 

“Tudo seja feito para edificação.” (1Co 14.26)

 

            Assim, em muitas igrejas luteranas, anglicanas, metodistas e reformadas históricas, as velas permaneceram:

 

·         No culto dominical

·         No Advento e Natal

·         Na Páscoa

·         Em vigílias e celebrações solenes

 

4.2 Significados teológicos no protestantismo

            Nas igrejas protestantes tradicionais, a vela simboliza:

 

1. Cristo, a luz do mundo

    “O povo que andava em trevas viu grande luz.” (Is 9.2; cf. Mt 4.16)

 

2. A Palavra de Deus

    “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para o meu caminho.” (Sl 119.105)

 

3. A presença do Espírito Santo

    “Porque Deus… brilhou em nossos corações.” (2Co 4.6)

 

4. A oração e a vigilância

   “Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora.” (Mt 25.13)

 

            A vela não “leva” a oração, mas **recorda que oramos diante de Deus**, que é luz inacessível (1Tm 6.16).

 

 5. A comunidade como portadora da luz

            Jesus transfere o símbolo da luz para o seu povo: “Vós sois a luz do mundo.” (Mt 5.14)

 

            Aqui ocorre uma profunda continuidade com o judaísmo: assim como Israel foi chamado a ser luz para as nações (Is 42.6), a Igreja é chamada a refletir a luz de Cristo.

 

A vela acesa no culto aponta para essa vocação:

·         Não esconder a fé

·         Viver de modo visível

·         Testemunhar no mundo

 

6. Símbolo, não sacralização do objeto

            Tanto no judaísmo quanto no protestantismo fiel às Escrituras, a vela:

 

·         Não é adorada

·         Não substitui a Palavra

·         Não produz graça por si mesma

 

Ela é sinal pedagógico e espiritual, subordinado à revelação: “Deus é luz, e não há nele treva nenhuma.” (1Jo 1.5)

 

Conclusão

            O uso das velas na prática judaica e nas igrejas protestantes tradicionais revela uma continuidade simbólica bíblica: a luz como manifestação da presença de Deus, da verdade revelada e da esperança escatológica.

            No judaísmo, a luz aponta para a fidelidade do Senhor à Aliança.

No cristianismo protestante, a luz encontra seu centro em **Cristo, a Luz verdadeira**, e se torna chamado ético e missionário para a Igreja.

            “Levantai-vos, resplandecei, porque vem a tua luz.” (Is 60.1)

 

Bibliografia

Obras de tradição judaica e estudos judaicos

  1. BÍBLIA HEBRAICA. Tanakh: a Bíblia Hebraica. Tradução e notas da Editora Sêfer. São Paulo: Sêfer, 2016.
  2. GREENBERG, Moshe. Compreendendo o Êxodo. São Paulo: Sêfer, 2001.
  3. HESCHEL, Abraham Joshua. O sábado: seu significado para o homem moderno. São Paulo: Perspectiva, 2005.
  4. SACKS, Jonathan. A dignidade da diferença. São Paulo: Sêfer, 2010.
    (Contém reflexões sobre símbolos, luz e ética bíblica no judaísmo.)
  5. SCHLESINGER, Hugo. O simbolismo do culto judaico. São Paulo: Paulinas, 1988.

Obras cristãs (bíblicas, litúrgicas e teológicas)

  1. BRUEGGEMANN, Walter. Teologia do Antigo Testamento: testemunho, disputa e defesa. São Paulo: Paulus, 2014.
  2. CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.
  3. CULLMANN, Oscar. Cristologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2008.
  4. RATZINGER, Joseph. O espírito da liturgia. São Paulo: Paulus, 2001.
    (Obra útil para compreensão cristã do simbolismo litúrgico, inclusive a luz.)

 

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