O Uso da Vela na Espiritualidade Protestante
Edson
Cortasio Sardinha
1. A luz na
espiritualidade bíblica: fundamento comum
Desde o início da revelação bíblica,
a luz aparece como um dos símbolos mais profundos da ação de Deus:
“Disse Deus: Haja luz; e houve luz.”
(Gn 1.3)
A luz precede todas as outras obras
criadoras e torna-se sinal da presença ordenadora de Deus, da vida, da verdade
e da salvação. Tanto no judaísmo quanto no cristianismo histórico, a vela não é
objeto mágico, mas sinal visível de uma realidade invisível: Deus que se
revela, guia e habita no meio do seu povo.
2. O uso das velas na
prática judaica
2.1 A Menorá: luz
permanente diante do Senhor
No culto do Tabernáculo e depois do
Templo, Deus ordena a confecção da Menorá, o candelabro de sete lâmpadas:
“Farás também um candelabro de ouro
puro… e as suas lâmpadas se acenderão para alumiar diante dele.” (Êx 25.31,37)
A
Menorá simbolizava:
·
A presença
contínua de Deus
·
A Torá como luz
·
A vida que procede do Senhor
O profeta Zacarias interpreta a
Menorá como sinal da ação do Espírito de Deus: “Não por força nem por poder, mas pelo meu
Espírito, diz o Senhor dos Exércitos.” (Zc 4.6)
2.2 As velas do Shabat
No lar judaico, o acendimento das
velas do Shabat marca a entrada do tempo santo:
·
Luz como separação do sagrado
·
Luz como paz no lar (shalom bayit)
·
Luz como memória da criação e da
libertação
“O mandamento é lâmpada, e a instrução é luz.”
(Pv 6.23)
2.3 Hanukkah: a luz que
vence as trevas
Na festa de Hanukkah, as velas
recordam a fidelidade de Deus em tempos de opressão, proclamando que a luz do
Senhor não pode ser apagada:
“O Senhor é a minha luz e a minha
salvação; de quem terei medo?” (Sl 27.1)
3. Cristo, a luz
definitiva: cumprimento neotestamentário
O Novo Testamento não abandona o
símbolo da luz; ao contrário, o cumpre em Cristo: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não
andará nas trevas, mas terá a luz da vida.” (Jo 8.12)
A
luz deixa de estar apenas no candelabro e passa a estar na Pessoa do Filho. O
prólogo de João ecoa Gênesis: “Nele estava a vida, e a vida era a luz dos
homens.” (Jo 1.4)
4. O uso de velas nas
igrejas protestantes tradicionais
4.1 Reforma e
continuidade simbólica
A Reforma Protestante não rejeitou
os símbolos, mas rejeitou seu uso supersticioso ou meritório. Lutero, Calvino e
Wesley reconheceram que sinais visíveis podem ensinar, recordar e apontar para
Cristo, desde que não substituam a fé.
“Tudo
seja feito para edificação.” (1Co 14.26)
Assim, em muitas igrejas luteranas,
anglicanas, metodistas e reformadas históricas, as velas permaneceram:
·
No culto dominical
·
No Advento e Natal
·
Na Páscoa
·
Em vigílias e celebrações solenes
4.2 Significados
teológicos no protestantismo
Nas igrejas protestantes
tradicionais, a vela simboliza:
1.
Cristo, a luz do mundo
“O
povo que andava em trevas viu grande luz.” (Is 9.2; cf. Mt 4.16)
2.
A Palavra de Deus
“Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e
luz para o meu caminho.” (Sl 119.105)
3.
A presença do Espírito Santo
“Porque Deus… brilhou em nossos corações.”
(2Co 4.6)
4.
A oração e a vigilância
“Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a
hora.” (Mt 25.13)
A vela não “leva” a oração, mas
**recorda que oramos diante de Deus**, que é luz inacessível (1Tm 6.16).
5. A comunidade como portadora da luz
Jesus transfere o símbolo da luz
para o seu povo: “Vós sois a luz do mundo.” (Mt 5.14)
Aqui ocorre uma profunda
continuidade com o judaísmo: assim como Israel foi chamado a ser luz para as
nações (Is 42.6), a Igreja é chamada a refletir a luz de Cristo.
A
vela acesa no culto aponta para essa vocação:
·
Não esconder a fé
·
Viver de modo visível
·
Testemunhar no mundo
6. Símbolo, não
sacralização do objeto
Tanto no judaísmo quanto no protestantismo
fiel às Escrituras, a vela:
·
Não é adorada
·
Não substitui a Palavra
·
Não produz graça por si mesma
Ela
é sinal pedagógico e espiritual, subordinado à revelação: “Deus é luz, e não há
nele treva nenhuma.” (1Jo 1.5)
Conclusão
O uso das velas na prática judaica e
nas igrejas protestantes tradicionais revela uma continuidade simbólica bíblica:
a luz como manifestação da presença de Deus, da verdade revelada e da esperança
escatológica.
No judaísmo, a luz aponta para a
fidelidade do Senhor à Aliança.
No
cristianismo protestante, a luz encontra seu centro em **Cristo, a Luz
verdadeira**, e se torna chamado ético e missionário para a Igreja.
“Levantai-vos, resplandecei, porque
vem a tua luz.” (Is 60.1)
Bibliografia
Obras de tradição judaica e estudos judaicos
- BÍBLIA HEBRAICA. Tanakh:
a Bíblia Hebraica. Tradução e notas da Editora Sêfer. São Paulo:
Sêfer, 2016.
- GREENBERG, Moshe. Compreendendo
o Êxodo. São Paulo: Sêfer, 2001.
- HESCHEL, Abraham Joshua. O
sábado: seu significado para o homem moderno. São Paulo: Perspectiva,
2005.
- SACKS, Jonathan. A
dignidade da diferença. São Paulo: Sêfer, 2010.
(Contém reflexões sobre símbolos, luz e ética bíblica no judaísmo.) - SCHLESINGER, Hugo. O
simbolismo do culto judaico. São Paulo: Paulinas, 1988.
Obras cristãs (bíblicas, litúrgicas e teológicas)
- BRUEGGEMANN, Walter. Teologia
do Antigo Testamento: testemunho, disputa e defesa. São Paulo: Paulus,
2014.
- CALVINO, João. As
Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.
- CULLMANN, Oscar. Cristologia
do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2008.
- RATZINGER, Joseph. O
espírito da liturgia. São Paulo: Paulus, 2001.
(Obra útil para compreensão cristã do simbolismo litúrgico, inclusive a luz.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário