segunda-feira, 30 de julho de 2018

58 - Teófilo de Antioquia (†181) Terceiro Livro a Autólico (Capítulo 7 - 11 )



58
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Teófilo de Antioquia (†181)
Terceiro Livro a Autólico (Capítulo 7 - 11 )


Capítulo VII – Como levar isso a sério? (cont.)
Com efeito, depois de afirmar a existência dos deuses, em seguida os reduzem a nada. Porque uns afirmaram que se compõem de átomos; outros, que vão dar nos átomos e que eles não têm mais poder do que os homens. Platão, depois de dizer que os deuses existem, quer que eles sejam compostos de matéria. Pitágoras, que se fatigou tanto sobre o problema dos deuses, que viajou de um lado para outro, por fim separa a natureza e diz que é o acaso que rege tudo e que os deuses não se importam em nada com os homens. E o que excogitou o acadêmico Clitômaco para demonstrar o ateísmo! O que falar de Crítias e Protágoras de Abdera, que diz: “Sobre os deuses, não posso dizer se existem, nem manifestar qual seja sua natureza, pois existem muitas coisas que me impedem”. Seria supérfluo citar as teorias do ímpio Evêmero que, atrevendo-se a falar longamente sobre os deuses, termina dizendo que absolutamente não existem, e quer que tudo seja governado pelo puro acaso. Platão, que falou tantas coisas sobre a monarquia de Deus e sobre a alma do homem, afirmando que ela é imortal, depois também não se contradiz, dizendo que as almas emigram para outros homens e que as almas de alguns vão parar até em animais irracionais? Como é que tal doutrina não se mostrará funesta e sacrílega para os que possuem inteligência sã, isto é, que quem foi homem se transforme em lobo, cão, asno ou qualquer outro animal irracional? Encontramos tolices semelhantes naquilo que Pitágoras disse, além de eliminar a providência. Então, em que vamos acreditar? No cômico Filêmon, que diz: “Porque os que honram a Deus têm belas esperanças de salvar-se”, ou nos citados Evêmero, Epicuro, Pitágoras e outros que negam haver religião e destroem a providência? Em todo caso, eis o que Ariston diz sobre Deus e a providência:
“- Coragem! É costume de Deus ajudar aqueles que o merecem e de modo poderoso. De fato, se não existisse uma preeminência estabelecida para os que vivem como se deve, para que serviria a religião?
– Deveria ser assim, mas com muita freqüência vejo aqueles que se decidem viver religiosamente fazê-lo de modo estranho, enquanto os que buscam apenas o próprio interesse levam existência mais honrosa que nós.
– Talvez no presente. Contudo, é preciso olhar mais longe e esperar a transformação de todas as coisas. Esta não será como na opinião funesta e perniciosa à vida, que se fortaleceu entre alguns, segundo a qual tudo é puro ímpeto do acaso e tudo se decide conforme aparece. Sem dúvida, os ímpios julgam que isso traz vantagem para seus próprios interesses. Entretanto, há também uma preeminência para os que vivem santamente e para os ímpios, como convém, um desejo. Porque sem providência não acontece nada”.
Quanto ao que os outros disseram sobre Deus e a providência, e pode-se dizer que são a maioria, pode se ver como suas doutrinas são contraditórias. Uns eliminaram completamente Deus e a providência; outros, ao contrário, admitem Deus e confessam que tudo é governado por uma providência. Portanto, o ouvinte ou leitor inteligente deve prestar acurada atenção ao que se diz, de acordo com Similo: “Comumente se costuma chamar de poetas tanto aqueles que são naturalmente mal dotados e os de excelentes dotes. Dever-se-ia fazer distinção”. A mesma coisa Filêmon: “É insuportável um ouvinte néscio ali sentado. Por sua tolice nunca repreende a si mesmo”. Deve-se, portanto, prestar atenção e compreender o que se diz, examinando anteriormente as afirmações dos filósofos e demais poetas.

Capítulo VIII – Como levar isso a sério? (cont.)
De fato, começam negando a existência dos deuses, depois a confessam e nos contam que eles praticam ações abomináveis. Zeus é o primeiro. Aí estão os poetas que proclamam suas ações em versos melodiosos. Não foi o grande charlatão de Crisipo que mostrou que Hera uniu-se a Zeus por sua impura boca? Para que enumerar as impudicícias da chamada mãe dos deuses, ou de Zeus Lacial, sedento de sangue humano, ou de Atis, o mutilado? Ou aquele Zeus, com o sobrenome de Trágico, que queimou sua própria mão, como dizem, e agora é honrado como deus entre os romanos? Passo em silêncio os templos de Antino e dos outros pretensos deuses. Essas histórias todas são motivo de riso para os homens inteligentes. Na verdade, os que professam tal filosofia são levados ao ateísmo por suas próprias doutrinas, assim como à poligamia e à inversão. Além disso, em seus escritos encontrase a antropofagia, e os primeiros que fizeram tudo isso são os deuses que eles honram.

Capítulo IX – Excelência da moral cristã
Nós, porém, confessamos a Deus, mas um só, o criador, o autor e artífice de todo este mundo, e sabemos que tudo é governado por sua providência, mas somente pela sua. E aprendemos uma lei santa, mas temos como legislador o verdadeiro Deus, que nos ensina a agir justa, religiosa e santamente. Sobre a religião e a piedade ele diz: “Não terás deuses estranhos além de mim. Não fabricarás para ti imagem alguma de tudo o que há acima no céu, nem abaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não os adorarás, nem os servirás, porque eu sou o Senhor teu Deus”. Sobre o agir santamente ele diz: “Honra teu pai e tua mãe, para que tudo te corra bem e tenhas longa vida sobre a terra que eu te dou, eu o Senhor Deus”. E sobre a justiça: “Não cometerás adultério. Não matarás. Não roubarás. Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem a sua casa, nem o seu campo, nem o seu escravo, nem a sua escrava, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem qualquer animal seu, nem qualquer coisa que pertença ao teu próximo. Não distorcerás o julgamento ao julgar o pobre. Tu te afastarás de toda palavra injusta. Não matarás o inocente e justo. Não absolverás o ímpio, nem aceitarás suborno, pois o suborno cega os olhos dos que vêem e destroem as palavras justas”. O ministro dessa lei santa foi Moisés, também servo de Deus. Foi dada para o mundo inteiro, embora primeiro para os hebreus, também chamados judeus. O rei do Egito os havia reduzido à escravidão, apesar de serem uma descendência justa de homens religiosos e santos, de Abraão, de Isaac e Jacó. Deus, porém, lembrou-se deles e, realizando maravilhas e prodígios por meio de Moisés, libertou-os milagrosamente e os tirou do Egito, conduzindo-os através do assim chamado deserto, e finalmente os estabeleceu na terra de Canaã, que depois foi chamada Judéia, deu-lhes a lei e lhes ensinou tudo isso. Os dez pontos principais dessa grande e admirável lei, que vale para toda a justiça, são os que acabamos de citar.

Capítulo X – Excelência da moral cristã (cont.)
Os judeus residiram no Egito como estrangeiros, pois de raça eram hebreus procedentes da Caldéia. Tendo havido naquele tempo uma fome, tiveram que emigrar para o Egito, a fim de comprar mantimentos e com o tempo aí se estabeleceram. Então aconteceu a eles conforme a predição de Deus. Depois de viverem como forasteiros no Egito durante quatrocentos e trinta anos, quando Moisés os levou para o deserto, Deus lhes ensinou por meio da lei, dizendo: “Não oprimirás o estrangeiro, porque vós conheceis a alma do estrangeiro, pois fostes estrangeiros na terra do Egito”.

Capítulo XI – Excelência da moral cristã (cont.)
Ora, o povo transgrediu a lei que lhe fora dada. Deus, porém, que é bom e misericordioso, não querendo que perecessem, além de ter-lhes dado a lei, mandou-lhes depois profetas dentre seus irmãos, para que lhes ensinassem e recordassem as coisas da lei e levá-los à penitência para que não pecassem mais. Contudo, como eles se obstinassem em suas más ações, os profetas lhes predisseram que seriam submetidos a todos os remos da terra. E é evidente que isso lhes aconteceu. Portanto, sobre a penitência, o profeta Isaias diz a todos em geral, mas particularmente ao povo: “Buscai o Senhor e, ao encontrá-lo, invocai-o. Quando ele se aproximar de vós, que o ímpio abandone os próprios caminhos e o homem iníquio seus conselhos, e convertam-se ao Senhor seu Deus. Ele se compadecerá e largamente perdoará os vossos pecados”. Ezequiel, outro profeta, diz: “Se o iníquo se converte de todas as iniqüidades que praticou, guarda os meus mandamentos e pratica a minha justiça, viverá com vida e não morrerá; não se lembrará de todas as iniqüidades que praticou, mas viverá pela justiça que praticou, porque eu não quero a morte do iníquo, diz o Senhor, e sim que ele se converta de seu mau caminho e viva”. E Isaías acrescenta: “Convertei-vos, vós que alimentais um desígnio que conduz ao abismo e ao crime, para que vos salveis”. E Jeremias diz: “Convertei-vos ao Senhor vosso Deus, como o vindimador ao seu cesto, e encontrareis misericórdia”. Muitas outras coisas, ou melhor, coisas inumeráveis dizem as santas Escrituras sobre a penitência, pois Deus sempre quer que o gênero humano se converta de todos os seus pecados.

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terça-feira, 24 de julho de 2018

57 - Teófilo de Antioquia (†181) Terceiro Livro a Autólico (Capítulo 1 - 6)

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57
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Teófilo de Antioquia (†181)
Terceiro Livro a Autólico (Capítulo 1 - 6)


Terceiro Livro de São Teófilo de Antioquia a Autólico

Encerramos aqui, com a Terceira Carta a Autólico, os escritos de Teófilo de Antioquia (?-186), Teólogo, escritor cristão, apologista e Padre da Igreja. Como dissemos anteriormente, ele escreveu três cartas em defesa aos cristãos que continuavam a ser perseguidos no Império Romano. Elas foram endereçadas a um sujeito chamado Autólico, uma espécie de pseudônimo que encarna e personaliza um tipo de pessoa pagã que não devia ser rara nos finais do século II: pessoa culta, conhecedora de outras pessoas igualmente cultas e até de alguns cristãos a quem repudiava por achar as suas doutrinas demasiado simplistas. Nesta obra Teófilo finaliza seus pensamentos, refutando as críticas feitas ao cristianismo e convida o seu leitor a ousar aprofundar os seus conhecimentos acerca da fé cristã, defendendo, ainda, de modo acérrimo a moral exemplar dos cristãos.

Capítulo I – Introdução
Teófilo a Autólico: Saudações. Os escritores querem escrever multidões de livros por vanglória; alguns sobre os deuses, as guerras e os tempos; outros sobre fábulas inúteis e trabalho vão, em que também tu te exercitaste até agora. Certamente não vacilas em suportar esse trabalho. Por outro lado, conversando conosco, ainda continuais crendo que a nossa doutrina da verdade é tolice, alegando que nossas Escrituras são recentes e novas. Diante disso tudo, eu também não vacilarei em tratar novamente, com a ajuda de Deus, desde o princípio, a questão da antiguidade de nossas Escrituras, a apresentantar-te um breve resumo, a fim de que não te enfades ao lê-lo e também conheças a inanidade dos outros autores.

Capítulo II – Os outros autores estão mal documentados
Os escritores deviam ter sido eles próprios testemunhas oculares do que afirmam ou ter sabido exatamente daqueles que viram, pois escrever sobre o incerto é, de algum modo, açoitar o ar. De que adiantou Homero ter descrito a guerra de Tróia e enganar a muitos, ou Esíodo na sua Teogonia ter feito o catálogo e descrito as origens daqueles que ele chama deuses? Ou Orfeu com os seus trezentos e sessenta e cinco deuses, que ele rejeita no fim da vida, pois afirma em seus Testamentos que existe um só Deus? De que adiantou a Arato a sua esferografia do céu cósmico ou para aqueles que tiveram as mesmas opiniões, a não ser ter alcançado entre os homens uma glória que nem sequer mereceram? O que eles disseram de verdadeiro? Que proveito tiveram Euripedes, Sófocles e os outros trágicos com suas tragédias, ou Menandro, Aristófanes e outros cômicos, ou Heródoto e Tucídides com sua histórias, ou Pitágoras com seus templos e as colunas de Hércules, ou Diógenes com sua filosofia cínica, ou Epicuro com seu dogmatismo contra a providência, ou Empédocles com suas doutrinas atéias, ou Sócrates com seus juramentos pelo cão, o ganso, o plátano e o fulminado Asclépio e pelos demônios a quem invocava? Além disso, por que morreu voluntariamente e que recompensa esperava receber depois da morte? De que serviu a Platão a educação que ele instituiu, ou de que serviram para os outros filósofos as suas doutrinas? Não farei a lista completa, pois são muitos. Dizemos isso para demonstrar o teor inútil e ateu de suas especulações.

Capítulo III – Os outros autores são mal inspirados
O fato é que, sendo todos ambiciosos de vanglória, nem eles conheceram a verdade, nem conduziram ou estimularam outros a ela. Eis que eles são acusados pelos seus próprios discursos, pois disseram coisas contraditórias e, além disso, a maioria deles destruiu suas próprias doutrinas. Isto é: não só lançaram por terra uns aos outros, mas alguns invadiram seus próprios dogmas, de modo que sua glória acabou na desonra e loucura, pois são condenados pelos homens inteligentes. Primeiro falaram dos deuses, e depois ensinaram o ateísmo; falaram sobre a origem do mundo e acabaram dizendo que o acaso é a lei universal; por fim, começam falando da providência, e depois dogmatizam que o mundo não tem providência. E o que mais? Não é certo que, tentando escrever sobre a pureza, ensinaram a praticar os mais odiosos atos de impudor? São justamente os seus deuses os primeiros que eles anunciam ter praticado as uniões desonestas e festins sacrílegos. Quem não canta Cronos como devorador de seus filhos? E Zeus, seu filho, que devora Métis e prepara abomináveis convites para os deuses? Depois, nos contam de um tal Efesto, coxo e ferreiro, que o serve à mesa; e de Hera, irmã de Zeus, que não só se casa com ele, mas também comete desonestidades com sua boca impura. Suponho que saibas das demais ações dele que os poetas cantam. Que necessidade tenho de enumerar o que se refere a Posêidon, a Apolo, Dionísio e Héracles, ou de Atena, a guerreira, e Afrodite, a desavergonhada? Disso tratamos mais detalhadamente em outro livro.

Capítulo IV – Caluniadores dos cristãos
Eu nem deveria estar refutando essas coisas, se não fosse porque te vejo agora duvidando sobre a doutrina da verdade. Mesmo sendo sensato, suportas de boa vontade os ignorantes. De outra forma, não terias deixado esviar-te pelos vãos discursos de homens insensatos, nem acreditado nesse boato preconceituoso de bocas ímpias, que mentirosamente caluniam a nós, que adoramos a Deus e nos chamamos cristãos, espalhando que temos mulheres em comum e que não nos importamos com quem nos unimos; além disso, dizem que mantemos relação carnal com nossas próprias irmãs e, o que é mais ímpio e cruel, que nos alimentamos de carnes humanas. Dizem ainda que nossa doutrina é recente e que nada temos para alegar como demonstração de nossa verdade e ensinamento. Por fim, dizem que toda a nossa doutrina é pura loucura. Ora, mais do que tudo, fico admirado contigo, pois sendo no resto diligente e pesquisador de todas as coisas, somente a nós ouves com descuido, tu que, tendo possibilidade, não hesitarias em passar até as noites nas bibliotecas!

Capítulo V – Como levar isso a sério?
Muito bem. Já que leste muito, que achas dos conteúdos do livro de Zenão, de Diógenes e de Cleantes, que ensinam a antropofagia, dizendo que os pais devem ser cozidos por seus próprios filhos e comidos por estes, e que se alguém se nega a comer ou joga um membro qualquer dessa abominável comida, deve-se comer aquele que não come? Ainda se encontra uma voz mais ímpia, a de Diógenes, que ensina os filhos a levar seus próprios pais para serem sacrificados e depois comê-los. O que mais? O historiador Heródoto não conta que Cambises degolou os filhos de Harpago e os serviu cozidos para o pai? Também conta que entre os indianos os pais são comidos por seus filhos. Que ímpio ensinamento dessas pessoas que registram tais coisas e até as professam! Que impiedade o ateísmo, que especulações, daqueles que filosofam tão acuradamente e propagam filosofia. Com efeito, os que espalham tais doutrinas encheram o mundo de impiedade.

Capítulo VI – Como levar isso a sério? (cont.)
De fato, no que se refere à união ilegítima, todos os que se extraviaram no coro dos filósofos estão de acordo. Em primeiro lugar Platão, que dentre eles parece ser o que filosofou com mais profundidade. No livro primeiro da República legisla expressamente, digamos assim, que as mulheres de todos devem ser comuns, alegando o exemplo de Minos, filho de Zeus e legislador dos cretenses, a fim de que, sob esse pretexto, os nascimentos sejam numerosos e que, com tais costumes, sejam consolados os que se acham tristes. Além disso, Epicuro, não contente de ensinar o ateísmo, aconselha a relação carnal com mães e irmãs, mesmo transgredindo as leis que o proíbem. Sólon também legislou com toda clareza sobre isso, dizendo que os filhos devem nascer de matrimônio legítimo e não de adultério, para que não se honre como pai aquele que não é pai e se desonre, por ignorância, aquele que o é. Digamos o mesmo do resto que as leis dos romanos e gregos proíbem. Então, com que finalidade Epicuro e os estóicos afirmam como dogma as uniões de irmãos e a pederastia e encheram as bibliotecas com esses ensinamentos, para que se aprenda a união ilegítima desde criança? Não compensa, porém, gastar o tempo com isso, pois propagam coisas semelhantes a respeito do que eles chamam deuses.


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segunda-feira, 16 de julho de 2018

56 - Teófilo de Antioquia (†181) Segundo Livro a Autólico (Capítulo 36- 38)


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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Teófilo de Antioquia (†181)
Segundo Livro a Autólico (Capítulo 36- 38)

Capítulo XXXVI – Concordância com a Sibila
Quanto à Sibila, que foi profetisa entre os gregos e demais nações, começa a sua profecia recriminando o gênero humano: “Homens mortais e de carne, que não sois nada, como vos apressais a vos exaltar, sem olhar para o fim da vida, e não tremeis,. nem temeis a Deus, que vos vigia, conhecedor altíssimo, que tudo vê, testemunha de tudo, criador que tudo alimenta, que infundiu em tudo doce alento e que se fez guia de todos os mortais?
Único Deus, que impera sozinho, máximo e não criado, onipotente, invisível, e o único que tudo vê, embora não seja visto por nenhum olho de carne. Com efeito, que carne pode ver com os olhos o celeste e verdadeiro, o Deus imortal, que habita no eixo do mundo? Os homens, nascidos mortais, homens apenas em seus ossos, veias e carnes, não podem olhar de frente sequer os raios do sol.
Reverenciai àquele que é único, ao guia do mundo, o único que foi para o eterno e desde o eterno. Nascido de si mesmo, incriado, que tudo domina para sempre, que distribui julgamento a todos os mortais em luz comum.
Recebereis O justo pagamento do vosso mau querer, pois deixando de glorificar ao Deus verdadeiro, à fonte perene e de oferecer-lhe sagradas hecatombes, sacrificastes aos demônios do Hades.
Caminhais no orgulho e na loucura e, abandonando o caminho direito e reto, vos haveis desviado e andais errantes entre os espinhos e estacas. Vãos mortais, cessai já de errar entre sombras através da negra noite escura, abandonai a sombra da noite e recebei agora a luz. Este é aquele que a todos se manifesta, ele não erra. Vinde, não sigais a sombra e as trevas para sempre. Olhai: sobre tudo brilha a doce luz do sol. Conhecei e coloca i sabedoria em vossos peitos: existe um único Deus que nos envia chuvas, ventos, terremotos e relâmpagos, fomes, pestes e lutos fúnebres, neve e geada… Para que citar tudo? Ele guia o céu e domina a terra; unicamente ele existe.”
E disse contra os que são chamados deuses gerados: “Se todo o gerado se corrompe inteiramente, Deus não pode ter sido formado dos músculos do homem e de matriz. Unicamente Deus, porém, se ergue acima de tudo, ele que fez o céu, o sol, as estrelas e a lua, a terra fértil em frutos, as ondas infladas do ponto, as altas montanhas e as correntes perenes das fontes.
Ele criou a incontável multidão de peixes dos rios, alimenta também os répteis, que se arrastam sobre a terra, e as aves variadas, de voz sonora e gorgeios, com plumagem dourada, de canto claro, que turbam o ar com suas asas.
Colocou a multidão de feras selvagens nas florestas da montanha, submeteu a nós mortais todos os animais e para todos fez um guia por sua mão formado, submetendo ao homem variedade incompreensível de coisas. De fato, qual carne pode compreendê-Ias uma a uma? Somente pode conhecê-Ias quem no princípio as fez: o Imortal, o Criador e Eterno, que habita o éter, que oferece aos bons o bom e pródigo pagamento, e aos maus e injustos reserva sua cólera e ira, guerra e peste, dores e lágrimas.
Homens, por que, inutilmente envaidecidos, vos desenraizais? Envergonhai-vos de elevar gatos e insetos à condição de deuses! Não é loucura e raiva que tira o bom-senso, existirem deuses que roubam os pratos e carregam as panelas?
Ao invés de morar no céu dourado e florido, é visto comido pelo caruncho e coberto de espessas teias de aranha.
Insensatos, adorais serpentes, gatos e cães, e cultuais aves, répteis e feras do campo, estátuas de madeira, imagens manufaturadas e montes de pedras nos caminhos, quejá é vergonhoso apenas nomear. Esses são deuses enganosos dos homens sem discernimento, de cuja boca veneno mortal se derrama; aquele Deus, porém, que tem a vida e a luz imortal e perene derrama sobre os homens prazer mais doce do que o mel… Somente diante dele deve-se inclinar a fronte, entrando nas sendas dos séculos piedosos.
Tendo abandonado tudo isso, essa taça cheia de justiça, vinho puro, abundante, plena sem mistura alguma, a arrastastes em vossas loucuras, todos loucos de espírito, e mesmo assim não quereis despertar, reaver mente sensata e conhecer a Deus rei, aquele que tudo vê. Por isso, virá sobre vós uma chama de fogo abrasador e sereis queimados em seu ardor para sempre, o dia todo, envergonhados de vossos ídolos enganosos e inúteis; mas os que honram ao Deus verdadeiro e perene, herdarão vida para sempre, habitando junto ao jardim florido do paraíso e comendo o doce pão do céu estrelado.”
É evidente que isso é verdadeiro, proveitoso, justo e digno de ser amado por todos os homens; também é evidente que aqueles que praticam o mal serão necessariamente castigados, conforme mereçam as suas ações.

Capítulo XXXVII – Concordância com textos poéticos
Alguns poetas chegaram a falar a mesma coisa, como que emitindo oráculos contra si mesmos e testemunhando contra aqueles que fazem o mal, dizendo que serão castigados. Ésquilo diz: “Aquele que faz, também deve sofrer”. Píndaro diz também: “Pois aquele que fez algo convém que também sofra.” Igualmente Eurípides: “Suporta o que sofrer, pois fazendo gozaste. É uma lei maltratar o inimigo se o pegas”. Ele mesmo diz novamente: “Causar danos aos inimigos: creio que isso é ser homem.” De modo semelhante Arquíloco: “Eu conheço uma grande coisa: àquele que me fez algum mal, responder com um mal maior.”
Sobre o fato de que Deus tudo vê e nada lhe é oculto, mas que, sendo misericordioso, espera pelo momento de julgar, Dioniso diz: “O olho da Justiça olha com rosto tranqüilo, mas vê tudo ao mesmo tempo.”
Que deverá haver julgamento e que os malvados se tornarão repentinamente presa dos males, Ésquilo também o deu a entender, dizendo: “A desgraça chega até os mortais com pés velozes, conforme o pecado de quem ultrapassa o lícito. Vês ajustiça silenciosa e invisível para aquele que dorme, que caminha, que se assenta. Cedo ou tarde, ela te alcança na encruzilhada. Não esconde a noite para aquele que realiza o mal. Ao fazer alguma coisa de mal, pensa que alguém a está vendo.” E Simônides também diz: “Não existe desgraça inesperada para os homens; em pouco tempo Deus transtorna tudo”. De novo Eurípides: “Nunca se deve considerar como coisa sólida a fortuna do homem mau, nem a felicidade excessiva, nem a raça dos injustos, pois o tempo, que não nasceu de ninguém, manifesta as maldades dos homens.” Ainda Eurípides: “A divindade não é sem inteligência, mas pode distinguir os juramentos falsos e os que a eles se obrigam.” E Sófocles: “Se agiste mal, também deves sofrer o mal.”
Que Deus examinará todo juramento injusto e qualquer outro pecado, os poetas quase o disseram, assim como falaram, querendo ou sem querer, coisas concordes com os profetas sobre a conflagração do mundo, apesar de serem muito posteriores a estes e de terem tirado tudo isso da lei e dos profetas.

Capítulo XXXVIII – Concordância com textos poéticos (cont.)
Não importa se foram anteriores ou posteriores. O importante é que falaram de acordo com os profetas. Sobre a conflagração, por exemplo, o profeta Malaquias predisse: “Eis que chega o dia do Senhor como fornalha ardente e abrasará todos os ímpios.” E Isaías: “A ira do Senhor virá como granizo que cai com violência e como água no vale que arrasta tudo.”
Portanto, a Sibila, os outros profetas, e até os filósofos e poetas falaram claramente sobre a justiça, sobre o julgamento e o castigo. Falaram também sobre a providência, que Deus cuida de nós não apenas enquanto vivemos, mas também depois de mortos, embora o dissessem contra a vontade, convencidos que foram pela própria verdade. Entre os profetas, Salomão disse sobre os mortos: “A carne será curada e os ossos serão cuidados.” E o próprio Davi: “Meus ossos humilhados se regozijarão.” De acordo com eles, disse Tímocles: “Para os mortos, a misericórdia é o Deus benigno.”
Os escritores que falaram sobre a multidão dos deuses acabaram por admitir a unicidade ou monarquia de Deus; aqueles que afirmaram a não-providência, depois falaram sobre a providência; aqueles que negaram o julgamento, mais tarde o afirmaram; aqueles que negaram a sensação após à morte, depois a confessaram. Homero, por exemplo, diz em uma passagem: “A alma, como um sonho, alçou vôo e partiu.” Em outra passagem: “A alma, saindo dos membros, voou para o Hades.” Ainda: “Enterra-me quanto antes, pois quero atravessar as portas do Hades.”
Creio que sabes perfeitamente como falaram os outros autores que leste. Aquele que busca a sabedoria de Deus e que lhe agrada pela fé, justiça e boas obras entenderá tudo isso. Com efeito, um dos profetas dos quais falamos, chamado Oséias, diz o seguinte: “Quem é sábio e conhecerá estas coisas, inteligente e as entenderá? Porque os caminhos do Senhor são retos e os justos entrarão neles, mas os ímpios cairão de fraqueza nesses caminhos.”
É preciso que quem ama o saber, aprenda. Portanto, procura ter conversas mais freqüentes, para que, ouvindo de viva voz, aprendas com exatidão a verdade.
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segunda-feira, 9 de julho de 2018

55 - Teófilo de Antioquia (†181) Segundo Livro a Autólico (Capítulo 28 - 35)


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55
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Teófilo de Antioquia (†181)
Segundo Livro a Autólico (Capítulo 28 - 35)


Capítulo XXVIII – O ensinamento dos autores sagrados sobre a história da humanidade
Adão foi expulso do jardim e nessas condições ele conheceu a sua esposa Eva, que Deus havia feito de sua costela para que fosse sua mulher. Não porque não pudesse plasmar a mulher separadamente, mas porque sabia de antemão que os homens haveriam de nomear uma multidão de deuses. Sendo presciente e sabendo que o erro haveria de nomear, através da serpente, uma multidão de deuses -embora não havendo mais do que um Deus, já desde aquele tempo o erro pensava em semear subrepticiamente multidão de deuses, dizendo: “Sereis como deuses” -para que não se pudesse imaginar que um Deus fez o homem e outro fez a mulher, fez os dois de uma única criação. Entretanto, Deus fez junto a mulher não só para mostrar o mistério de sua monarquia e unicidade, mas também para lhes mostrar maior benevolência. Depois que Adão disse a Eva: “Esta sim é osso dos meus ossos e carne da minha carne”, profetizou mais dizendo: “Por isso o homem deixará seu pai e sua mãe e juntar-se-á à sua mulher, e os dois serão uma só carne”. Isso se vê que se cumpre em nós mesmos. Com efeito, quem, legitimamente casado, não abandona sua mãe e seu pai, toda a sua parentela e todos os seus familiares, apegando-se e unindo-se à sua mulher, a qual quer acima de todos? Sabe-se que houve aqueles que sofreram até à morte por amor a suas esposas.
Esta Eva, por ter sido extraviada desde o princípio pela serpente e por ter-se tornado guia do pecado, o demônio perverso, que também se chama Satã e que lhe falou então através da serpente, nomeia esta Eva em seus gritos até hoje, quando age nos homens por ele possuídos. O demônio também se chama dragão, por ter-se afastado de Deus, pois no princípio foi um anjo. Teria muito que falar sobre este. Agora, porém, deixemos de lado sua explicação, pois já tratamos dele em outros discursos.

Capítulo XXIX – O ciúme de Caim
Quando Adão conheceu a sua mulher Eva, esta concebeu e deu à luz um filho chamado Caim. E disse: “Tive um homem por meio de Deus”. Novamente deu à luz um filho, chamado Abel, que era pastor de ovelhas, enquanto Caim cultivava a terra. A história dos dois irmãos é muito longa para adaptá-Ia à situação de minha exposição; por isso, o próprio livro que se chama Origem do mundo pode informar os estudiosos a respeito de seus pormenores.
Satanás, vendo que Adão e Eva não só viviam, mas geravam filhos, foi tomado de inveja por não ter podido levá-Ios à morte. Vendo que Abel era agradável a Deus, agiu sobre seu irmão Caim e fez com que este matasse seu irmão Abel. Assim começou a existir a morte neste mundo, que faz caminho até hoje por todo o gênero humano. Deus, porém, sendo compassivo e querendo dar a Caim, como a Adão, ocasião de penitência e confissão, disse: “Onde está o teu irmão Abel?” Caim, desconfiado de Deus, respondeu: “Não sei. Por acaso sou guarda do meu irmão?” Irritado contra ele, Deus disse: “Por que fizeste isso? A voz do sangue de teu irmão clama da terra a mim. Agora, tu és maldito da terra, que se abriu para receber de tua mão o sangue de teu irmão. Ficarás gemendo e tremendo sobre a terra.” Por isso, a partir daí, a terra temerosa já não recebe o sangue do homem, nem de nenhum animal, manifestando assim que ela não é culpada, mas que o homem é transgressor.

Capítulo XXX – Início da construção da cidade
Caim também teve um filho, chamado Henoc. E edificou urna cidade, à qual chamou de Henoc, o nome de seu filho. Então teve início a construção de cidades, antes do dilúvio, e não corno Homero mente, dizendo: “Porque ainda não havia sido construída cidade de míseros homens.” Henoc teve um filho chamado Gaidad, o qual gerou Meel, Meel gerou Matusala e Matusala gerou Lamec. Lamec tornou para si duas mulheres, cujos nomes eram Ada e Sela. Daí começou a poligamia e também a música. De fato, Lamec teve três filhos: Obel, Jubal e Tobel. Obel foi pastor, habitando em tendas; Jubal foi o inventor do saltério e da cítara; Tobel foi ferreiro, trabalhando com martelo em bronze e ferro. Até aqui chega a lista da descendência de Caim, que é esquecida daqui para frente, por ter ele matado o seu irmão.
Para substituir Abel, Deus concedeu a Eva que concebesse e gerasse outro filho, que se chamou Set, do qual procede todo o gênero humano até hoje. Aos que desejam e têm vontade de conhecer todas as outras gerações, é fácil mostrar para eles nas santas Escrituras. Nósjá tratamos em outra parte corno indicamos acima, da formação das genealogias no primeiro livro Sobre as histórias.
O Espírito Santo nos ensina tudo isso por intermédio de Moisés e dos outros profetas, de modo que os nossos livros dos que adoramos a Deus, são mais antigos e sobretudo mais verdadeiros que os de todos os historiadores e poetas. Eles fantasiam que foi ApoIo o inventor da música; outros que foi Orfeu, dizendo que ele inventou a música tomando-a do canto das aves. Vê-se, porém, que é tudo palavrório vão e sem fundamento, pois esses nasceram muitos anos depois do dilúvio. Quanto a Noé, que é chamado Deucalião por alguns, tratamos a respeito dele no livro antes mencionado, no qual, se te agrada, podes tu mesmo ler.

Capítulo XXXI – Início da construção da cidade (cont.)
Depois do dilúvio, novamente recomeçaram a existir cidades e reis do seguinte modo: a primeira cidade foi Babilônia, Orec, Arcat e Calana, na terra de Senaar, e seu rei se chamava Nebrot. Destas saiu Assur, que deu nome aos assírios. Nebrot construiu as cidades de Nínive, Roboom, Calac e Dasen (esta entre Nínive e Calac). No início, Nínive foi uma grande cidade. Outro filho de Sem, filho de Noé, chamado Mesraim, gerou os Ludomim, os que se chamam Enemiguim, os Labiim, os Neptalim, os Patrosinim e os Caslonim, de onde saíram os Filistiim. Dos filhos de Noé e de sua consumação e genealogia fizemos um resumo no livro anteriormente citado. Recordaremos agora o que ali foi omitido sobre cidades e reis, assim como acontecimentos do tempo em que havia uma só e mesma língua. Antes das línguas se dividirem, existiram as cidades anteriormente descritas. No tempo em que iam se dividir, decidiram, por própria conta e não segundo Deus, edificar uma cidade e uma torre, cujo topo chegasse até o céu, para adquirir fama gloriosa. Como se atreveram a empreender tão grande obra contra o conselho de Deus, Deus atirou por terra a cidade deles e arrasou a torre. A partir disso, ele mudou as línguas dos homens e deu fala diferente a cada um. A própria Sibila indicou isso, anunciando a ira que deveria vir ao mundo: “Mas quando se cumprirem as ameaças do grande Deus, que um dia ameaçara os mortais, quando construiram a torre na terra da Assíria… tinham todos a mesma língua e quiseram subir até o céu estrelado. Nesse momento, o Imortal impulsionou fortemente os ares, e os ventos derrubaram a grande torre elevada, semeando a discórdia nas fileiras dos mortais. Depois que a torre caiu, as línguas humanas se dividiram nas muitas falas dos mortais.” E o resto.
Isso aconteceu na Caldéia. Em Canaã houve uma cidade chamada Carran. Nesse tempo, o primeiro rei do Egito foi o faraó, que, segundo os egípcios, se chamava também Necaot. E assim foram os outros reis que lhe sucederam. Na terra de Senaar, entre os chamados caldeus, o primeiro rei foi Arioc; depois deste, veio outro chamado Elasar, depois Codolagomor, rei de Elam; depois deste, Targal, rei dos povos que se chamam assírios. Houve outras cinco cidades no território de Cam, filho de Noé: a primeira se chamava Sodoma; e as outras, Gomorra, Adama, Seboim e Balac, também chamada Segor. Os nomes de seus reis são: Balas, rei de Sodoma; Barsas, rei de Gomorra; Senaar, rei de Adama; Himor, rei de Seboin; Balac, rei de Segor, que também se chama Balac. Esses ficaram submetidos a Codolagomor, rei dos assírios, durante doze anos. E no décimo terceiro ano se separaram de Codolagomor. E assim aconteceu que os quatro reis dos assírios fizeram guerra contra os cinco reis. Este foi o começo das guerras sobre a terra. Derrotaram os gigantes Caranain e com eles nações fortes, os omeus na mesma cidade, e os correus nos montes chamados Seir até a cidade chamada Terebinto de Farã, que está no deserto. Nesse mesmo tempo, havia um rei justo chamado Melquisedec, na cidade de Salém, que agora se chama Hierosólima. Este foi o primeiro de todos os sacerdotes do Altíssimo e dele a cidade de Jerusalém recebeu o nome, aquela que antes chamamos Hierosólima. Depois de Melquisedec, podemos ver que houve sacerdotes por toda a terra. Depois dele, reinou Abimelec em Gerara, e depois outro Abimelec. Depois reinou Efrom, também chamado Queteu. São esses os nomes desses primeiros reis; os nomes dos outros reis dos assírios, que vieram muitos anos depois, foram omitidos pela crônica. Dos nossos últimos tempos, recordam-se os reis da Assíria: Teglafasar, depois Salamanasar e depois Senacarim. Este último teve como triarca Adramalec, o etíope, que também foi rei do Egito. Contudo, tudo isso, comparado com as nossas Escrituras, é coisa muito recente.

Capítulo XXXII – Início da construção da cidade (cont.)
Daí se podem julgar as histórias dos estudiosos e amantes da antiguidade, pois são recentes os últimos fatos a que aludimos sem utilizar os santos profetas. Em todo caso, no início eram poucos os homens que habitavam a terra da Arábia e da Caldéia e foi apenas depois da divisão das línguas que começaram, em seus territórios, a ser muitos e a multiplicar-se por toda a terra. Então alguns foram viver no Oriente e outros foram para os territórios do grande continente e para o Norte, de modo que se estenderam até a Bretanha, nas regiões árticas; outros foram para a terra de Canaã, também chamada Judéia e Fenícia, para os territórios da Etiópia, Egito e Líbia, e para a chamada zona tórrida, até as regiões do Ocidente. Outros ocuparam a terra que vai da costa e da Panfília, da Ásia, Grécia, Macedônia e, mais além, a Itália e as chamadas Gálias, Espanhas e Germânias, de modo que agora toda a terra está cheia de seus habitantes.
Portanto, o povoamento da terra pelos homens se fez, no princípio, em três direções, para o Oriente, para o meio-dia e para o Ocidente. Depois, com o afluxo de gerações humanas, foi habitado o restante. Os historiadores ignoraram isso e querem dizer que o mundo é esférico e comparável com um cubo! Mas como podem ser verdadeiros nisso, se ignoram a criação do mundo e seu povoamento? Quando os homens aumentaram e se multiplicaram conforme as regiões, como acabamos de dizer, também foram povoadas as ilhas do mar e as outras regiões.

Capítulo XXXIII – Comparação das duas histórias
Quem dos chamados sábios, poetas e historiadores foi capaz de dizer a verdade nessas coisas? Eles próprios são muito posteriores e introduzem uma multidão de deuses, que também nasceram depois de muitos anos que as cidades tinham sido fundadas. E também são posteriores aos reis, aos povos e às guerras. Seria preciso que tivessem mencionado tudo, mesmo o que aconteceu antes do dilúvio, sobre a criação do mundo, a formação do homem e o que aconteceu depois, se é fato que os profetas dos egípcios ou os caldeus e outros historiadores falaram pelo espírito divino e puro, e era verdade o que eles anunciavam. E não só deveriam dizer-nos o passado e o presente, mas também anunciar de antemão o futuro do mundo. Daí se demonstra que todos os outros estão errados e que só nós, cristãos, possuímos a verdade, pois somos ensinados pelo Espírito Santo, que nos falou pelos santos profetas e nos anuncia tudo antecipadamente.

Capítulo XXXIV – Comparação das duas histórias (cont.) / O ensinamento dos autores sagrados sobre moral
Quanto ao resto, procura investigar com empenho as coisas de Deus, isto é, o que os santos profetas disseram, a fim de que, comparando o que nós dizemos e o que os outros dizem, possas encontrar a verdade. Que os nomes dos chamados deuses são apenas nomes de homens, como já apontamos antes, podemos demonstrá-lo pelas histórias que eles próprios escreveram. Quanto às suas imagens, que são fabricadas diariamente até hoje, são meros ídolos, “obras de mãos humanas”. Esses ídolos são cultuados por uma multidão de homens insensatos, enquanto desprezam o Criador e Artífice do Universo, que alimenta todo o ser que respira, acreditando em inúteis ensinamentos e transmitindo uns aos outros, de pai para filho, uma doutrina errônea, cheia de insensatez.
Deus, porém, Pai e Criador do universo, não abandonou a humanidade, mas deu-lhe uma lei e lhe enviou seus santos profetas, para anunciar e ensinar todo o gênero humano, a fim de que cada um de nós viva vigilante e conheça que há um só Deus. Também nos ensinaram a nos afastarmos da sacrílega idolatria, do adultério, do assassínio, da fornicação, do roubo, da avareza, do perjúrio, da mentira, da ira e de toda dissolução e impureza. E que aquilo que o homem não quer que façam a ele, também ele não faça a ninguém. Dessa forma, ele deve praticar a justiça, para escapar dos castigos eternos e se tornar digno da vida eterna que vem de Deus.

Capítulo XXXV – O ensinamento dos autores sagrados sobre moral
A lei divina não proíbe apenas adorar aos ídolos, mas também aos elementos, ao sol, à lua e aos demais astros; também não se deve cultuar o céu, a terra, ornar, as fontes, os rios, mas deve-se servir unicamente o Deus verdadeiro e Criador do universo, com santidade de coração e intenção sincera. Com efeito, a lei santa diz: “Não cometerás adultério, não matarás, não roubarás, não levantarás falso testemunho, não desejarás a mulher do teu próximo.” Do mesmo modo os profetas. Salomão nos ensinou que não se deve pecar nem por sinais ou piscar de olhos: “Que teus olhos vejam o que é direito, que tuas pálpebras se inclinem sobre o que é justo.” Moisés, que também é profeta, diz sobre a uni cidade de Deus: “Este é O vosso Deus, aquele que firmou o céu e alicerçou a terra, cujas mãos mostraram toda a milícia celeste, mas não a mostou para que caminheis atrás dela.” Isaías também diz: “Assim diz o Senhor, ele que firmou o céu e colocou os alicerces da terra e de tudo o que ela contém, ele que dá respiração ao povo sobre ela e alento para os que a pisam. Este é o Senhor vosso Deus.” O próprio Isaías diz ainda: “Diz o Senhor: Eu fiz a terra e o homem sobre ela; com minha mão firmei o céu”. E em outro capítulo: “Este é o vosso Deus, aquele que preparou os cumes da terra; não terá fome, nem se fatigará, nem é possível encontrar a profundeza de seu pensamento.” Do mesmo modo Jeremias: “Aquele que fez a terra com a sua força, que levantou o orbe com a sua sabedoria, que segundo o seu pensamento estendeu o céu e grande quantidade de água no céu, reuniu as nuvens dos confins da terra, fez relâmpagos para a chuva e tirou os ventos de seus depósitos.”
Cumpre notar que os profetas disseram coisas bem coerentes e concordes, falando todos com um só e mesmo espírito sobre a monarquia de Deus, a origem do mundo e a criação do homem. E não só falaram, mas também sofreram dor, chorando sobre o gênero humano alheio a Deus, denunciaram os sábios aparentes pelo erro em que viviam e endurecimento do coração deles. Assim diz Jeremias: “Todo homem se tornou néscio por sua ciência, todo fundidor de ouro se cobriu de vergonha por suas obras de ourivesaria, em vão o cunhador de prata cunha moeda; não há alento neles; perecerão no dia da visitação.” Davi também diz a mesma coisa: “Corromperam-se e se tornaram abomináveis em suas obras; não há quem realize obras boas, não há um só. Todos se desviaram, todos unanimemente se tornaram inúteis.” Igualmente Habacuc: “Para que serve ao homem o que ele grava? Ele gravou uma imaginação mentirosa. Ai daquele que diz à pedra: ‘Levanta-te’, e à madeira: ‘Sustém-te’.”
Do mesmo modo falaram os outros profetas da verdade. Para que enumerar toda a multidão de profetas, que foram muitos e disseram infinitas coisas, coerentes e concordes entre si? Os que quiserem podem, lendo seus escritos, conhecer exatamente a verdade e não extraviar-se em especulação e trabalho inútil. Portanto, esses foram os profetas dos hebreus, dos quais falamos: homens iletrados, pastores e ignorantes.

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