terça-feira, 30 de julho de 2019

105 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 16)


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105
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 16)


HOMILIA 16 - Lc 2.33-34
Sobre o que está escrito: “Seu pai e sua mãe admiravam-se das coisas que eram ditas sobre ele”, até aquela passagem que diz: “eis que ele foi estabelecido para a queda e soerguimento de um grande número em Israel”.

A admiração de José e de Maria
“Seu pai e sua mãe”, diz [o evangelista], admiravam-se das coisas que eram ditas sobre ele”.
Reunamos o que, no nascimento de Jesus, foi dito e escrito a seu respeito; então poderemos saber o quanto cada coisa é digna de admiração.
Por que se admirava tanto seu pai – assim, com efeito, foi chamado, porque foi seu pai de criação – quanto se admirava sua mãe de todas as coisas que eram ditas sobre ele? Quais são, então, as maravilhas que a boataria havia espalhado sobre o pequenino Jesus?
Naquela região, estavam os pastores que vigiavam e montavam a guarda pelas noites sobre seu rebanho. Na mesma hora do nascimento de Jesus, veio um anjo e lhes disse: “Eu vos anuncio um grande júbilo: ide e encontrareis um recém-nascido envolto em panos e colocado numa manjedoura. Mal o anjo acabara de pronunciar essas palavras, e eis que uma multidão do exército celeste começou a louvar e bendizer a Deus”.
Como os pastores houvessem percebido apavorados essa aparição, e “o anjo tivesse se afastado deles, disseram entre si uns aos outros: Vamos a Belém e vejamos o evento que o Senhor nos fez conhecer”.
Vieram e encontraram o recém-nascido. Eles também se admiravam, tanto quanto seus pais, do que tinha acontecido.
Tudo isso aumentou os comentários, e o que está escrito sobre Simeão foi a maior parte da maravilha. Ele, com efeito, segurou o menino em seus braços e disse: “Agora, Senhor, podes deixar ir teu servo na paz, segundo a tua palavra, porque meus olhos viram tua salvação”.
O discurso de Simeão foi o que houve de mais elevado, o cume, por assim dizer, de todas as coisas de que tanto o seu pai quanto a sua mãe se jactavam e se admiravam acerca de Jesus.
Não bastou, pois, para Simeão segurar o recém-nascido e proclamar o que está escrito a respeito dele, mas bendisse a seu pai e à sua mãe, e sobre o próprio recém-nascido profetizou dizendo: “Eis que este [menino] foi estabelecido para a queda e o soerguimento de muitos em Israel, e em sinal de contradição. Quanto a ti, uma espada te transpassará a alma, para que sejam revelados os pensamentos de muitos corações”.
Que significam estas palavras: “Eis que este [menino] foi estabelecido para a queda e o soerguimento de muitos em Israel”? Encontrei algo similar a isso no Evangelho segundo [São] João: “Eu vim para o mundo para julgá-lo, a fim de que os cegos vejam e os que veem se tornem cegos”.
Do modo que veio, pois, para cumprir o julgamento, para que “os cegos”, vindos dos gentios, “pudessem ver” e os de Israel, que antes viam, “se tornassem cegos”, assim veio “para a queda e soerguimento de muitos”.
No advento do Senhor Salvador, com efeito, os que se haviam mantido de pé, arruinaram-se e os que haviam caído, se levantaram.
Esta é a única interpretação do que está escrito: “Eis que este [menino] foi estabelecido para a queda e o soerguimento de muitos em Israel”.

Exemplo de exegese contra os pseudognósticos
Mas há também um sentido mais profundo a ser entendido, sobretudo para responder àqueles que ladram contra o Criador e que, reunindo daqui e dali testemunhos do Antigo Testamento que não entendem, “induzem em erro os corações dos homens simples”.Dizem, pois: “eis o Deus da Lei e dos profetas, vejam o que ele é: ‘Eu’, diz ele, ‘matarei e devolverei a vida, golpearei e curarei, e não há quem possa escapar das minhas mãos”.
Eles ouvem: “eu matarei”, mas não ouvem: “eu devolverei a vida”; ouvem: “golpearei”, mas negligenciam ouvir: “e curarei”. Desse modo, caluniam com tais ocasiões o Criador.
Assim, antes que eu interprete qual sentido pode ter a frase: “Eu matarei e devolverei a vida, golpearei e curarei”, lhes oporei o testemunho do Evangelho e direi contra os hereges (pois há grande número de heresias que admitem o Evangelho segundo [São] Lucas): se o Criador é sanguinário e um juiz cruel somente porque diz: “Eu matarei e devolverei a vida, golpearei e curarei”, é evidentíssimo que Jesus é o Filho do Criador.
A mesma coisa, com efeito, foi escrita a seu respeito: “Eis que este [menino] foi estabelecido para a queda e o soerguimento de muitos em Israel”, não somente “para o soerguimento”, mas também “para a queda”.
Se matar é um mal, seria um mal também vir “para a queda”. O que responderão? Afastar-se-ão de seu culto, ou, então, procurarão alguma outra interpretação e escapatória, apelando ao sentido figurado, para que ter vindo “para a queda” signifique mais bondade do que austeridade?
E como será justo, quando se encontra no Evangelho uma frase desse tipo, recorrer a alegorias e novas interpretações, quando se está no Antigo Testamento, imediatamente acusar e não aceitar nenhuma explicação, ainda que seja verossímil?
Mas e esta passagem que segue: “Eu vim para o mundo, para julgá-lo, a fim de que os cegos vejam e os que veem se tornem cegos”, ainda que busquem explicá-la, não poderão lhe dar o sentido.
[Mas] eu opto por pertencer à Igreja e não ser nomeado por um heresiarca[i] qualquer, mas pelo nome de Cristo e ter esse nome que é bendito sobre a terra, e desejo ser chamado de cristão tanto pelas obras quanto pelos pensamentos; assim busco na antiga e na nova Lei um método igual de interpretação.

Morte ao “homem velho”
Deus diz: “Eu matarei”. Eu aceito de bom grado que Deus mate. E quando há em mim um homem velho, e que vivo ainda como homem terrestre, desejo que Deus mate em mim o homem velho e me ressuscite dentre os mortos.
“O primeiro homem, com efeito, diz o Apóstolo, oriundo da terra, é terrestre; o segundo homem, vindo do céu, é celeste.
Como revestimos a imagem do terrestre, revistamos também a imagem do celeste”. Segundo essa interpretação, compreende-se também aquele versículo: “Eu vim para o mundo para julgá-lo, a fim de que os cegos vejam e os que veem se tornem cegos”.
Todos nós homens, temos a visão e, ao mesmo tempo, somos cegos. Adão gozava da visão e, ao mesmo tempo, estava cego.
Eva também, antes que seus olhos fossem abertos, gozava da visão. Diz a Escritura: “A mulher viu que a árvore era boa para comer e muito agradável de se ver, e, tomando do fruto da árvore, comeu e deu a seu marido, e comeram”.
Eles não eram, pois, cegos, mas eles viam.
Depois, segue-se: “E seus olhos se abriram”.
Eles tinham, pois, sido cegos e não viam, e seus olhos carnais depois se abriram; mas seus olhos espirituais que, antes, viam bem, depois que transgrediram o mandamento do Senhor começaram a ver mal e, insinuando-se o pecado da desobediência, perderam em seguida a visão.
            Eu compreendo assim esta palavra que Deus pronuncia: “Quem fez o mudo e o surdo, aquele que vê e aquele que não vê? Não sou eu, o Senhor Deus?”
Há o olho corporal, com o qual olhamos estas realidades terrestres, olho segundo a inteligência da carne, do qual a Escritura diz: “Em vão avança aquele que está inflado do pensamento carnal”.
[Mas] temos também outro olho, oposto ao primeiro e melhor que ele, capaz de ter o sabor das coisas divinas; olho que, porque era cego em nós, Jesus veio para fazer enxergar; para que aqueles que não enxergavam pudessem enxergar; e para que aqueles, porém, que enxergavam, se tornassem cegos.
É nesse sentido que se deve compreender o texto que temos atualmente entre as mãos: “Eis que este [menino] foi estabelecido para a queda e o soerguimento de muitos em Israel”.
Tenho algo em mim que mal se mantém de pé e se eleva pelo orgulho do pecado: que isto caia, que isto desmorone, porque, se tiver caído, aquilo que antes havia desabado, levantando-se, por-se-á de pé. O meu “homem interior” jazia outrora por terra, esmagado, e o “homem exterior” se erguia bem ereto.
Antes que eu tivesse a fé em Jesus, o que havia de bom em mim jazia por terra; o que havia de mal, se mantinha ereto. Depois que Jesus veio, o mal em mim deixou de existir, desmoronou e cumpriu-se aquele texto: “Trazendo sempre em nosso corpo a morte de Jesus”, e aquele outro: “Fazei morrer, pois, em vossos membros terrestres, a fornicação, a impureza, a luxúria, a idolatria, a cobiça” e todo o resto.
A queda de todos esses vícios se tornou útil. E dessa queda é dito: “Onde quer que estiver o cadáver, para lá se reunirão as águias”. Com efeito, a palavra cadáver tomou o nome a partir de “queda”.
Boa é essa queda, para a qual primeiramente veio Jesus, e não pode fazer o soerguimento, se a queda não o tiver precedido.
Venha antes destruir o que em mim foi um mal para que, por essa destruição e essa mortificação, o que há de bom em mim se reerga e tome vida, e que assim possamos atingir o Reino dos céus, naquele “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

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Como ele serve para sua espiritualidade?


[i] fundador, chefe ou defensor de uma seita herética.

terça-feira, 23 de julho de 2019

104 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 15)


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104
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 15)


HOMILIA 15 - Lc 2.25-29
A respeito de Simeão e de sua vinda ao templo, impelido pelo Espírito, até aquela passagem, em que diz: “Agora, Senhor, podes deixar ir em paz o teu servo”.

O Nunc dimittis
Deve-se buscar uma razão conveniente para explicar como a graça de Deus para com Simeão, “varão santo e agradável a Deus”, como está escrito no Evangelho, “esperando a consolação de Israel, recebeu uma garantia do Espírito Santo de que não haveria de morrer antes que visse o Cristo Senhor”.
Em que lhe foi útil ver o Cristo? Foi-lhe prometido somente o ver Cristo, sem que nada dessa visão lhe redundasse de útil, ou se oculta na promessa algum dom digno de Deus que o bem-aventurado Simeão tanto mereceu quanto recebeu?
“Uma mulher tocou a orla da veste de Jesus e foi curada”. Se essa mulher obteve tanta vantagem com a extremidade da veste, o que se deve pensar de Simeão, que, em seus braços recebeu e segurou a criança, se alegrava e se rejubilava, vendo o pequenino que ele trazia nos braços e que viera libertar aos cativos – e também ele próprio haveria de ser liberto dos nós do corpo –, sabendo que ninguém podia fazer alguém sair da prisão do corpo com esperança da vida futura senão aquele que segurava nos braços?
Por isso também é a ele que [Simeão] se dirige: “Agora, Senhor, podes deixar ir o teu servo em paz”. Com efeito, [era como se Simeão dissesse]: “por tanto tempo não segurei o Cristo; por tanto tempo não o apertava em meus braços; eu estava preso e não podia sair de meus laços”. Mas se deve entender isso aplicado não só a Simeão, mas a toda a raça humana. Se alguém sai do mundo, se alguém é libertado tanto do cárcere quanto da casa dos cativos, que vá viver como rei, que tome Jesus em suas mãos, e o cerque com seus braços, tenha-o todo em seu colo, e então poderá exultante ir-se para onde desejar.
Considerai quanta organização foi preparada para que Simeão tenha merecido segurar o Filho de Deus: primeiro havia recebido a garantia do Espírito Santo de que não veria a morte, se não que antes tivesse visto o Cristo.
Depois, não entrou no templo fortuita e simplesmente, mas “veio ao templo conduzido pelo Espírito de Deus”; pois “todos aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus”.
O Espírito Santo, portanto, o conduziu ao templo. Tu também, se queres segurar Jesus e abraçá-lo com as mãos e tornar-te digno de sair do cárcere, esforça-te com todo afinco para que tenhas como condutor o Espírito de Deus e venhas ao templo de Deus. E eis que estás de pé no templo do Senhor Jesus, isto é, em sua igreja. Esse templo é construído “de pedras vivas”.
Estás de pé, porém, no templo do Senhor, quando tua vida e tua conduta forem bastante dignas do nome que designa a Igreja.

Morrer na paz
Se vieres “ao templo conduzido pelo Espírito”, encontrarás o pequenino Jesus, o elevarás em teus braços e dirás: “Agora, Senhor, podes deixar ir teu servo em paz, segundo a tua palavra”.
E presta atenção, ao mesmo tempo, que a paz se acrescenta à soltura e ao livramento. Pois Simeão não diz [simplesmente]: “quero que me deixes ir”; mas “podes deixar ir”, com o acréscimo: “em paz”.
Na verdade, foi prometida esta mesma coisa ao bem-aventurado Abraão: “Tu, porém, irás em paz a teus pais, depois de ter vivido em uma feliz velhice”.
Quem é que poderia morrer na paz, senão aquele que tem a paz de Deus, “que supera toda inteligência e guarda o coração” de quem a possui? Quem é que pode deixar este mundo na paz, senão aquele que compreende “que em Cristo Deus reconciliava consigo o mundo”; aquele que nenhuma inimizade e oposição fez a Deus, mas que, depois de ter atingido, por suas boas obras, a plenitude da paz e da concórdia, vai-se na paz reencontrar os santos patriarcas, para junto dos quais também Abraão partiu?
Mas por que falar dos patriarcas? Vai-se para junto do próprio Jesus, príncipe e senhor dos patriarcas, do qual se diz: “é melhor libertar-se pela morte e estar com o Cristo”.
Tem Jesus aquele que ousa dizer: “Não sou mais eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim”.
A fim de que nós também, de pé no templo, segurando o Filho de Deus e abraçando-o com nossos braços, sejamos dignos de ser libertos e de partir para realidades melhores, oremos ao Deus onipotente, oremos também ao pequenino Jesus, com quem desejamos conversar e a quem queremos segurar nos braços, “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

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segunda-feira, 15 de julho de 2019

103 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 14)


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103
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 14)


HOMILIA 14 - Lc 2.21-24
Sobre o que está escrito: “Quando, porém, estivessem completos os dias de sua circuncisão”, até aquela passagem que diz: “Um par de rolas ou dois filhotes de pombas”.

A circuncisão espiritual
O Cristo, “em sua morte, morreu ao pecado”; não que ele próprio tenha pecado – “pois não cometeu pecado, e não foi encontrado engano em sua boca” – mas morreu, para que, graças à sua morte pelos pecados, nós que morremos, não vivêssemos mais absolutamente no pecado e nos vícios.
Donde está escrito: “Se nós morremos com ele, nós viveremos também com ele”. Como, portanto, “morremos com ele” então, quando ele morria, e ressuscitamos para aquele que ressuscita, assim com ele fomos circuncidados e, depois da circuncisão, fomos purificados com uma purificação solene.
Daí que já não carecemos de circuncisão carnal. E, a fim de que saibas que, por nossa causa, ele foi circuncidado, ouve o que Paulo muito claramente proclama: “Nele”, diz [Paulo], “habita corporalmente toda a plenitude da divindade, e sois cumulados naquele que é a cabeça de todo principado e todo poder; nele também fostes circuncidados com uma circuncisão que não é de mão de homens, pelo despojamento de vosso corpo carnal, na circuncisão do Cristo; sepultados com ele no batismo, nesse batismo também fomos ressuscitados com ele pela fé no poder de Deus que o ressuscitou dos mortos”.
Sua morte, sua ressurreição e sua circuncisão se fizeram por nós.

O nome de Jesus
“Quando os dias da circuncisão do menino tinham sido completados”, diz [a Escritura], “chamaram-no pelo seu nome, Jesus, porque havia sido assim nomeado pelo anjo, antes de sua concepção”.
Não seria conveniente que este nome, Jesus, glorioso e eminentemente digno de receber todas as homenagens, adoração e culto, “nome que está acima de todo nome”, fosse mencionado em primeiro lugar por homens, nem que fosse introduzido por eles no mundo, mas por determinada natureza mais excelente e mais perfeita.
Por isso o evangelista acrescentou, dizendo expressamente que “chamaram-no pelo seu nome, Jesus, porque havia sido assim nomeado pelo anjo, antes de sua concepção no ventre [da Virgem]”.

A purificação de Jesus
Depois prosseguiu [dizendo]: “como haviam-se completado os dias da purificação deles, segundo a lei de Moisés, conduziram o menino a Jerusalém”. Por causa, diz [o evangelista], da purificação “deles”.
O que quer dizer esse “deles”? Se estivesse escrito: por causa da purificação dela, isto é, de Maria, que havia dado à luz, nenhuma questão se levantaria, e diríamos com certa audácia que Maria, que pertencia ao gênero humano, tinha necessidade de purificação depois do parto.
Mas agora, sobre aquilo que se diz: “os dias da purificação deles” não parece tratar-se de uma só pessoa, mas de duas ou mesmo de várias outras. Jesus, então, necessitou de purificação e foi impuro ou sujo de alguma impureza?
Talvez pareça que eu fale temerariamente, mas sou levado pela autoridade das Escrituras. Vê o que está escrito em Jó: “ninguém é isento de impureza, nem se de um único dia tiver sido sua vida”.
Não disse: “ninguém está isento de pecado”, mas: “ninguém está isento de impureza”. Pois “impurezas” não significam o mesmo que “pecado”; e para que saibas que “impureza” significa uma coisa e “pecado” significa outra, Isaías muito claramente ensina, dizendo: “o Senhor lavará a impureza dos filhos e das filhas de Sião, e limpará o sangue espalhado no meio deles, lavará a impureza no sopro do julgamento e o sangue no sopro da destruição”.
Toda alma, revestida de um corpo humano, tem suas impurezas. Para que saibas, porém, que Jesus também foi sujado, por sua própria vontade – porque, em favor de nossa salvação, havia assumido um corpo humano –, escuta o profeta Zacarias dizendo: “Jesus estava vestido com vestes sujas”.
Essa frase é dirigida contra os que afirmam que o corpo do Senhor não era um corpo humano, mas que tinha sido formado de elementos celestes e espirituais. Se, com efeito, seu corpo foi formado de elementos celestes e, segundo os partidários dessa afirmação errônea, de matéria astral e de uma outra natureza mais sublime e mais espiritual, respondam: como um corpo espiritual poderia ser impuro, e como interpretam isto que temos [na Escritura]: “Jesus estava vestido com vestes sujas”?
Se, porém, tiverem sido compelidos pela necessidade de aceitar que é entendido “corpo espiritual” como “vestes sujas”, devem consequentemente dizer que aquilo que é dito nas promessas deve cumprir-se, isto é: “é semeado um corpo animal, e ressuscita um corpo espiritual”, e que devemos ressuscitar impuros e sujos, o que é até abominável pensar, sobretudo quando se sabe que está escrito: “semeado na corrupção, o corpo ressuscitará na incorrupção; semeado na ignomínia, ressuscitará na glória; semeado na fraqueza, ressuscitará na força; semeado corpo animal, ressuscitará corpo espiritual”.
Foi necessário, pois, para nosso Senhor e Salvador, que “estava vestido com vestes sujas” e tinha assumido um corpo terrestre, que fossem oferecidas as coisas que, segundo a lei e o costume, purificava as impurezas.
Movido pela ocasião da passagem, volto a tratar uma questão sobre a qual [nossos] irmãos frequentemente se interrogam entre si. As crianças são batizadas “para a remissão dos pecados”; de quais pecados? Ou, em qual tempo pecaram? Ou, como pode subsistir um motivo para o lavacro (banho) dos pequeninos, se não segundo aquela interpretação da qual falamos há pouco: “ninguém é isento de impureza, nem se de um único dia absolutamente for a sua vida sobre a terra?”
E porque, pelo mistério do batismo, as impurezas do nascimento são tiradas, por esse motivo são batizados também os pequeninos, porque “se alguém não tiver renascido da água e do espírito, não poderá entrar no reino dos céus”.

O mistério do batismo
“Quando”, diz [o evangelista], “haviam sido completados os dias da purificação deles”, o cumprimento dos dias tem também uma significação mística. A alma, com efeito, não é purificada assim que nasce, e no próprio nascimento ela não pode atingir a pureza perfeita. Mas, como está escrito na Lei: “Se uma mãe deu à luz uma criança do sexo masculino, por sete dias se sentará no sangue impuro, e, em seguida, por trinta e três dias, no sangue puro, e, por fim, a criança e a mãe se sentarão em um sangue puríssimo”, e porque a “Lei é espiritual” e “sombra dos bens futuros”, podemos compreender assim: que nossa verdadeira purificação acontece depois de certo tempo.
Eu penso que, mesmo depois da ressurreição dos mortos, necessitaremos de um mistério para nos lavar e nos purificar – ninguém, com efeito, poderá ressuscitar sem impurezas –, e que não se pode encontrar nenhuma alma que esteja isenta instantaneamente de todos os vícios.
Assim, na regeneração do batismo cumpre-se um mistério: que, como Jesus foi purificado por uma oferenda, segundo a economia da Encarnação, assim nós também devemos igualmente ser purificados por uma regeneração espiritual.

Jesus oferecido no templo
“Eles conduziram o menino a Jerusalém, segundo a Lei de Moisés, para oferecê-lo à presença do Senhor.” Onde estão aqueles que negam o Deus da Lei, que afirmam que Cristo anunciou no Evangelho não esse, mas outro Deus? “Deus enviou seu filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei”.
Deve-se, então, pensar que o Deus bom teria submetido seu filho à lei do Criador e ao poder de um inimigo, um poder que ele próprio não havia dado? Antes, diz [a Escritura] que ele nasceu sob a Lei “a fim de resgatar aqueles que estavam sob a Lei” e de submetê-los a uma outra lei, que acaba de ser mencionada na leitura do texto: “Estai atentos à minha lei, ó meu povo”, e a sequência. Eles levaram, pois, o menino para colocá-lo diante da presença do Senhor.
Em qual passagem da Escritura se encontra o preceito que eles cumprem? Certamente, a Escritura diz, nesta: “Como está escrito na Lei de Moisés”: “Toda criança do sexo masculino, que é o primeiro a passar pela vulva, será consagrado ao Senhor”, e ainda: “três vezes ao ano, toda a população masculina se apresentará diante do Senhor Deus”.
Os filhos do sexo masculino, que eram os primeiros a passarem pela vulva da mãe, eram oferecidos diante do altar do Senhor. “Todo filho do sexo masculino”, diz [a Escritura], “que passa pela vulva”, [então,] ressoa como algo sagrado. Afinal, dirias: “qualquer [nascido] do sexo masculino que tenha saído de um ventre”; e não assim: “que passa pela vulva da mãe”, como o Senhor Jesus, porque, para todas as mulheres, não é o nascimento de uma criança passando pela vulva que a abre, mas o coito com um varão.
Para a mãe do Senhor, seu seio se abriu no próprio momento do parto, visto que, antes do nascimento do Cristo, nenhum ser do sexo masculino absolutamente tinha se aproximado desse ventre consagrado e digno do maior respeito. Ouso tratar desse assunto porque, quanto ao que está escrito: “O Espírito de Deus virá sobre ti e a virtude do Altíssimo cobrir-te-á com sua sombra”, terá sido o princípio da semente e da concepção, e o novo feto se desenvolveu no ventre de Maria, que não fora aberto.
Por isso também o próprio Salvador diz: “Eu, porém, sou um verme e não um homem, o opróbrio dos homens e a abjeção da ralé”. No seio materno, ele via a impureza dos corpos e, cercado como estava pelas entranhas de sua mãe, sofria as estreitezas da “lama” terrestre; é por isso que ele se compara a um verme terrestre: “Eu, porém, sou um verme, e não um homem”.
[Como se dissesse:] “o ser humano nasce normalmente da conjunção de um homem e de uma mulher, mas eu não nasci de tal encontro, segundo a lei da natureza humana; eu nasci como um verme que não encontra sua origem num germe estranho, mas nos próprios corpos em que se desenvolve”.
Porque “toda criança do sexo masculino, que é a primeira a passar pela vulva, será chamada santo para o Senhor”, Jesus foi conduzido “a Jerusalém”, a fim de ser levado à presença do Senhor e igualmente “a fim de oferecer em sacrifício por ele o que é indicado na Lei: um par de rolas ou dois filhotes de pombas”.
Vemos um par de rolas e dois filhotes de pombas oferecidos pelo Salvador. Quanto a mim, considero felizes essas aves oferecidas em sacrifício pelo nascimento do Senhor; e, como admiro a jumenta de Balaão e a ponho no cúmulo da felicidade – porque foi digna não somente de ver o anjo de Deus, mas também de, de uma boca fechada, irromper em uma linguagem humana –, do mesmo modo celebro ainda bem mais e elevo muito alto essas aves, porque foram oferecidas diante do altar para nosso Senhor e Salvador.
“A fim de oferecer por ele um par de rolas ou dois filhotes de pombas”. Pareceria introduzir talvez algo de novo, mas pouco digno da grandeza do assunto. Como a geração do Salvador foi uma novidade, visto que não foi a partir [da união] de um homem e de uma mulher, mas somente de uma única virgem, assim tanto o par de rolas quanto os dois filhotes de pombas não foram tais como os vemos com os olhos da carne, mas representam o Espírito Santo, que “desceu na forma de pomba” e veio sobre o Salvador, quando foi batizado no Jordão.
Tal sucedeu também com o par de rolas: aquelas aves não eram como estas que esvoaçam pelos ares; algo de divino e mais sublime aparecia à contemplação humana sob a forma de uma pomba e de uma rola, de modo que aquele que nascia e devia sofrer pelo mundo inteiro não seria purificado, aos olhos do Senhor, com as mesmas vítimas que todos os homens; mas porque a economia divina renovava tudo, assim também teria novas vítimas, segundo a vontade de Deus onipotente, em Cristo Jesus: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

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terça-feira, 9 de julho de 2019

102 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 13)


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102
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 13)


HOMILIA 13 - Lc 2.13-16
Sobre o que está escrito: “E se juntou uma multidão do exército celeste” até aquela passagem que diz: “Eles encontraram Maria e Jesus colocado numa manjedoura”.

O cântico dos anjos
Nosso Senhor e Salvador nasce em Belém, e “uma multidão do exército celeste louva a Deus e diz: Glória a Deus nas alturas, e sobre a terra paz aos homens, objetos da benevolência divina”.
Assim fala “A multidão do exército celeste”, porque ela já havia falhado em oferecer seu auxílio aos homens, e porque via que não podia cumprir o que lhe havia sido confiado sem aquele que verdadeiramente podia salvar e também ajudar aos próprios guias dos homens, para que os homens fossem salvos.
Como está escrito no Evangelho, que alguns homens estavam já cansados de ter sulcado o mar contra ventos contrários e, tendo penado vinte e cinco ou trinta estádios, não podiam alcançar o porto, e depois o Senhor sobreveio e fez acalmar as ondas tumultuosas e livrou o navio de um perigo iminente, cujos flancos de ambos os lados recebiam golpes das ondas.
Entende assim por que também os anjos queriam evidentemente oferecer aos homens o [seu] auxílio e lhes conceder a saúde, curando-os de suas doenças: porque “todos são espíritos servidores, enviados a serviço por aqueles que haverão de obter sua salvação”; e, quanto estivesse em suas forças, ajudavam aos homens; viam, porém, que seus remédios eram muito inferiores em relação ao que seus cuidados exigiam.
Vamos adiante, para que possas entender a partir de um exemplo o que dizemos.
Imagina uma cidade na qual muitos estejam doentes e se lance mão frequentemente de muitos médicos.
Imagina que haja feridas de todo tipo e que a gangrena penetre espalhando-se quotidianamente pela carne moribunda, enquanto os médicos, porém, empregados para curar essas feridas, não podem encontrar outros medicamentos e triunfar sobre a grandeza desse mal pela ciência da sua profissão.
Enquanto tudo está em tal estado, chega um médico extraordinário, que tenha o sumo conhecimento em sua profissão, e aqueles que anteriormente não haviam podido curar, verificando que, pela mão do mestre, as gangrenas das feridas cessam, não ficam com inveja, não são torturados de ciúme, mas irrompem em louvores ao arquimédico e celebram altamente a Deus, que enviou, a eles e aos doentes, um homem de tamanha ciência.
Assim, é por uma razão semelhante que se ouve uma multidão do exército dos anjos dizer: “Glória a Deus nas alturas, e na terra paz aos homens, objetos da benevolência divina”. Pois, depois que o Senhor veio à terra, “pacificou pelo sangue de sua cruz os seres que estavam na terra, bem como os que estavam no céu”.
Assim, os anjos, querendo que os homens se recordassem de seu Criador – uma vez que houvessem feito tudo que estava em suas forças para curá-los, e esses não tivessem querido receber a saúde –, se voltam para aquele que pôde curar e, glorificando-o, dizem “Glória a Deus nas alturas, e na terra paz aos homens, objetos da benevolência divina”.

Resposta a uma objeção
Um leitor atento da Escritura perguntar-se-á como o Salvador diz: “Não vim trazer a paz à terra, mas a espada”, e agora os anjos em seu nascimento cantam: “Paz na terra”, assim como, igualmente, em outra passagem, a respeito de sua própria pessoa, é dito: “Eu vos dou a minha paz, vos deixo a paz; eu dou a paz, não como este mundo dá a paz”.
Vejamos, então, se o que trazemos aqui permite resolver a questão. Se estivesse escrito: “Paz na terra” e aí a frase terminasse aí, a objeção surgiria com propriedade.
Mas, na realidade, o que foi acrescentado, isto é, o que é dito depois de “paz”: “aos homens, objetos da benevolência divina”, resolve a questão.
Também a paz que o Senhor não dá “à terra” não é a “paz da benevolência divina”. Ele não diz, pois, tão simplesmente: “não vim trazer a paz”, mas faz um acréscimo: “à terra”; inversamente não diz: “não vim trazer à terra a paz da benevolência divina”.

O anjo das igrejas
Estas palavras os anjos falaram aos pastores, não as falavam apenas naquele tempo, mas até hoje falam. Se os anjos não tivessem falado aos pastores e, assim, não tivessem unido sua obra à deles, seria dito a eles: “Se o Senhor não tiver edificado a casa, em vão trabalham aqueles que a edificam; se o Senhor não tiver guardado a cidade, em vão vigia quem a guarda”.
Se se permite falar com audácia a quem segue o sentido das Escrituras, para cada igreja há dois bispos, um visível, outro invisível; esse, visível de modo claro para a inteligência, aquele visível pela carne.
E como um homem é louvado pelo Senhor, se tiver cumprido bem a incumbência a ele confiada – se a tiver cumprido mal, ele subjazerá à culpa e ao vício –, assim também [acontece] para um anjo.
Está escrito no Apocalipse de [São] João: “Mas tens aí poucos nomes que não tenham máculas”. Ou ainda isto, um pouco antes: “Tens aí quem ensine a doutrina dos nicolaítas”, e novamente: “Tens aí quem comete tal ou tal pecado”, e assim são acusados os anjos a quem foram confiadas as igrejas.
Se os anjos têm, pois, inquietude sobre como governar as igrejas, que necessidade há de falar dos homens, de quanto medo devem ter para que possam obter, com a colaboração dos anjos, a salvação?
Eu acredito que se podem encontrar, ao mesmo tempo, um anjo e um homem como bons bispos para uma igreja e, de certo modo, que podem ser partícipes de uma única obra.
Se é assim, peçamos ao Deus onipotente que os bispos das igrejas, anjos e homens, sejam para nós uma ajuda, e saibamos que uns e outros são julgados pelo Senhor em nosso lugar.
Mas se eles forem julgados, e não forem encontrados nem vício nem pecado que redunde em sua incúria, mas em nossa negligência, nós seremos acusados e castigados.
Ainda que eles façam, pois, todas as coisas e se esforcem por nossa salvação, nós não estaremos livres dos pecados.
Entretanto, frequentemente sucede que, apesar de nosso trabalho, eles não desempenham seu dever e têm culpa.


O mistério do presépio
E aconteceu, diz a Escritura, que os pastores disseram uns aos outros, quando os anjos os deixaram para voltar ao céu: “Passemos até Belém, e vejamos a realização desta palavra que o Senhor nos fez conhecer. E eles vieram depressa e encontraram Maria, José e o menino”.
Porque haviam vindo depressa, e não devagar, nem com passo cansado, eles encontraram José, que havia preparado tudo para o nascimento do Senhor e Maria, que deu à luz Jesus, e o próprio Salvador “deitado numa manjedoura”.
A manjedoura era aquela da qual o profeta anunciou o oráculo, dizendo: “O boi conheceu seu proprietário, e o asno a manjedoura de seu senhor”.
O boi é um animal puro, o asno é um animal impuro. “Conheceu o asno a manjedoura de seu senhor”. Não foi o povo de Israel que conheceu a manjedoura de seu senhor, mas um animal impuro vindo dos pagãos: “Ora, diz a Escritura, Israel não me conheceu, e meu povo não me compreendeu”.
Compreendamos o sentido deste presépio, esforcemo-nos por descobrir o Senhor, mereçamos conhecê-lo e assumi-lo, não somente sua natividade e sua ressurreição da carne, mas também o segundo advento glorioso da majestade daquele “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos”.

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terça-feira, 2 de julho de 2019

101 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 12)


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101
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 12)


HOMILIA 12 - Lc 2,8-12
Sobre o que está escrito: “Que um anjo veio do céu e anunciou o nascimento do Senhor aos pastores”.

O apelo dos pastores
Meu Senhor Jesus nasceu e um anjo desceu do céu anunciando seu nascimento.
Vejamos então a quem o anjo foi buscar para anunciar a sua vinda. Ele não veio a Jerusalém, não buscou a escribas e fariseus, não entrou na sinagoga dos judeus, mas foi encontrar “pastores que passavam a noite a guardar seus rebanhos” e a eles diz: “nasceu-vos hoje um Salvador, que é o Cristo Senhor”.

O Bom Pastor
Pensas que a palavra da Escritura não signifique outra coisa mais divina, mas diz apenas isto: que um anjo veio aos pastores e a eles falou? Ouvi, pastores das igrejas, pastores de Deus!
Que sempre o seu anjo desça do céu e vos anuncie, porque “nasceu-vos hoje um Salvador, que é o Cristo Senhor”. Porque, se aquele pastor não vem, os pastores das Igrejas não poderão, por si mesmos, proteger bem seus rebanhos: falha é sua guarda, se Cristo não guardar o rebanho e não o apascentar.
Recentemente no Apóstolo [Paulo] se leu: “somos colaboradores de Deus”.
Um bom pastor, que imita o Bom Pastor, é colaborador de Deus e de Cristo; e, por isso, um bom pastor é aquele que tem consigo o melhor pastor que apascenta juntamente consigo. “Deus, com efeito, colocou na Igreja apóstolos, profetas, evangelistas, pastores, doutores, tudo isso para o aperfeiçoamento dos santos”.
E [só] isso seja dito como explicação mais imediata.

O ministério dos anjos
Mas, se devemos nos elevar a um entendimento mais misterioso, direi que é preciso ver, em alguns pastores, anjos que governariam as coisas humanas.
Cada um desses mantinha a guarda e vigiava durante dias e noites. Mas quando já não podia suportar e desempenhar com zelo a tarefa de governar as nações que a ele haviam sido confiadas, um anjo, nascido o Senhor, veio e anunciou aos pastores que o verdadeiro Pastor havia nascido.
Assim, para dar um exemplo, havia certo pastor na Macedônia que precisava do auxílio do Senhor; por isso que um macedônio apareceu em sonhos a Paulo, dizendo: “Ao passar pela Macedônia, ajuda-nos”.
Por que falarei de Paulo, quando essas coisas ele disse não a Paulo, mas a Jesus, que estava em Paulo?
Os pastores carecem, portanto, da presença de Cristo. É por essa razão que um anjo desceu do céu e disse: “Não temais, eis que vos anuncio, pois, um grande júbilo”.
Grande alegria certamente, para estes a quem estava confiado o encargo dos homens e das províncias, que o Cristo tenha vindo ao mundo. Grande vantagem obteve o anjo que governava os negócios do Egito, depois que o Senhor desceu do céu, para que os egípcios se tornassem cristãos. Foi útil a todos os anjos que governavam diversas províncias, por exemplo, para o guardião da Macedônia, o guardião da Acaia e das demais regiões.
Não é justo, com efeito, acreditar que só maus anjos presidem a cada província e que os bons anjos não tenham as mesmas províncias e regiões sob seu comando. Mas o que se diz de cada província, acredito também que se deva acreditar igualmente de todos os homens.
A cada um assistem dois anjos, um da justiça, outro da iniquidade. Se houver bons pensamentos em nosso coração e a justiça for abundante em nossa alma, sem dúvida que em nós estará falando o anjo do Senhor.
Mas se houver maus pensamentos agitando em nosso coração, falará em nós o anjo do diabo.
Como, portanto, para cada homem há um par de anjos, do mesmo modo, a meu ver, há em cada província anjos diferentes, tanto há os bons quanto há os maus.
Por exemplo, anjos péssimos eram os guardiães de Éfeso, por causa daqueles que, naquela cidade, eram pecadores. Mas, porque lá se encontravam muitos crentes, havia também o anjo, verdadeiramente bom, da igreja dos efésios. E é preciso aplicar a todas as províncias o que dissemos a respeito de Éfeso.
Antes da vinda do Senhor Salvador, os anjos tinham um poder bem restrito para ajudar aqueles que lhes eram confiados, seus esforços não eram seguidos de resultados muito significativos.
Que sinal dar desse poder limitado dos anjos que possa ser útil àqueles que lhes são submetidos? Escuta o que dizemos: Quando o anjo dos egípcios ajudava os egípcios, a duras penas um prosélito acreditava em Deus; e isso acontecia com um anjo ocupando-se dos egípcios.
Enfim, muitos dos egípcios e dos idumeus acolhiam a fé em Deus. Por isso a Escritura diz: “Tu não abominarás o egípcio, e o idumeu, porque é teu irmão. Se seus filhos nascerem, até a terceira geração entrarão na igreja de Deus”.
E assim acontecia que de todas as nações apenas alguns se tornavam prosélitos e isso mesmo graças aos esforços dos anjos, que tinham submissas as nações.
Agora, porém, os povos dos que creem acedem à fé em Jesus, e os anjos, a quem  haviam sido confiadas as igrejas, revigorados pela presença do Salvador, conduzem numerosos prosélitos para que sejam congregadas em toda a terra as pequenas comunidades dos cristãos.
Por isso, levantando-nos,louvemos ao Senhor, e, no lugar do Israel carnal, tornemo-nos o Israel espiritual. Bendigamos ao Deus onipotente por obra, pensamento, palavra, em Cristo Jesus: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

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