quarta-feira, 31 de julho de 2019
terça-feira, 30 de julho de 2019
105 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 16)
105
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e
Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias
sobre São Lucas (Homilia 16)
HOMILIA 16 - Lc 2.33-34
Sobre o que está escrito: “Seu
pai e sua mãe admiravam-se das coisas que eram ditas sobre ele”, até aquela
passagem que diz: “eis que ele foi estabelecido para a queda e soerguimento de
um grande número em Israel”.
A admiração de José
e de Maria
“Seu pai e sua mãe”, diz [o
evangelista], admiravam-se das coisas que eram ditas sobre ele”.
Reunamos o que, no nascimento de
Jesus, foi dito e escrito a seu respeito; então poderemos saber o quanto cada
coisa é digna de admiração.
Por que se admirava tanto seu pai
– assim, com efeito, foi chamado, porque foi seu pai de criação – quanto se
admirava sua mãe de todas as coisas que eram ditas sobre ele? Quais são, então,
as maravilhas que a boataria havia espalhado sobre o pequenino Jesus?
Naquela região, estavam os
pastores que vigiavam e montavam a guarda pelas noites sobre seu rebanho. Na
mesma hora do nascimento de Jesus, veio um anjo e lhes disse: “Eu vos anuncio
um grande júbilo: ide e encontrareis um recém-nascido envolto em panos e
colocado numa manjedoura. Mal o anjo acabara de pronunciar essas palavras, e eis
que uma multidão do exército celeste começou a louvar e bendizer a Deus”.
Como os pastores houvessem
percebido apavorados essa aparição, e “o anjo tivesse se afastado deles,
disseram entre si uns aos outros: Vamos a Belém e vejamos o evento que o Senhor
nos fez conhecer”.
Vieram e encontraram o
recém-nascido. Eles também se admiravam, tanto quanto seus pais, do que tinha
acontecido.
Tudo isso aumentou os
comentários, e o que está escrito sobre Simeão foi a maior parte da maravilha.
Ele, com efeito, segurou o menino em seus braços e disse: “Agora, Senhor, podes
deixar ir teu servo na paz, segundo a tua palavra, porque meus olhos viram tua
salvação”.
O discurso de Simeão foi o que
houve de mais elevado, o cume, por assim dizer, de todas as coisas de que tanto
o seu pai quanto a sua mãe se jactavam e se admiravam acerca de Jesus.
Não bastou, pois, para Simeão
segurar o recém-nascido e proclamar o que está escrito a respeito dele, mas
bendisse a seu pai e à sua mãe, e sobre o próprio recém-nascido profetizou
dizendo: “Eis que este [menino] foi estabelecido para a queda e o soerguimento
de muitos em Israel, e em sinal de contradição. Quanto a ti, uma espada te
transpassará a alma, para que sejam revelados os pensamentos de muitos
corações”.
Que significam estas palavras:
“Eis que este [menino] foi estabelecido para a queda e o soerguimento de muitos
em Israel”? Encontrei algo similar a isso no Evangelho segundo [São] João: “Eu
vim para o mundo para julgá-lo, a fim de que os cegos vejam e os que veem se
tornem cegos”.
Do modo que veio, pois, para
cumprir o julgamento, para que “os cegos”, vindos dos gentios, “pudessem ver” e
os de Israel, que antes viam, “se tornassem cegos”, assim veio “para a queda e
soerguimento de muitos”.
No advento do Senhor Salvador,
com efeito, os que se haviam mantido de pé, arruinaram-se e os que haviam
caído, se levantaram.
Esta é a única interpretação do
que está escrito: “Eis que este [menino] foi estabelecido para a queda e o
soerguimento de muitos em Israel”.
Exemplo de exegese
contra os pseudognósticos
Mas há também um sentido mais
profundo a ser entendido, sobretudo para responder àqueles que ladram contra o Criador e que, reunindo daqui e dali testemunhos
do Antigo Testamento que não entendem, “induzem em erro os corações dos homens
simples”.Dizem, pois: “eis o Deus da Lei e dos profetas, vejam o que ele é: ‘Eu’,
diz ele, ‘matarei e devolverei a vida, golpearei e curarei, e não há quem possa
escapar das minhas mãos”.
Eles ouvem: “eu matarei”, mas não
ouvem: “eu devolverei a vida”; ouvem: “golpearei”, mas negligenciam ouvir: “e
curarei”. Desse modo, caluniam com tais ocasiões o Criador.
Assim, antes que eu interprete
qual sentido pode ter a frase: “Eu matarei e devolverei a vida, golpearei e
curarei”, lhes oporei o testemunho do
Evangelho e direi contra os hereges (pois há grande número de heresias que
admitem o Evangelho segundo [São] Lucas): se o Criador é sanguinário e um juiz
cruel somente porque diz: “Eu matarei e devolverei a vida, golpearei e
curarei”, é evidentíssimo que Jesus é o Filho do Criador.
A mesma coisa, com efeito, foi
escrita a seu respeito: “Eis que este [menino] foi estabelecido para a queda e
o soerguimento de muitos em Israel”, não somente “para o soerguimento”, mas
também “para a queda”.
Se matar é um mal, seria um mal também
vir “para a queda”. O que responderão? Afastar-se-ão de seu culto, ou, então, procurarão
alguma outra interpretação e escapatória, apelando ao sentido figurado, para que
ter vindo “para a queda” signifique mais bondade do que austeridade?
E como será justo, quando se
encontra no Evangelho uma frase desse tipo, recorrer a alegorias e novas
interpretações, quando se está no Antigo
Testamento, imediatamente acusar e não aceitar nenhuma explicação, ainda que
seja verossímil?
Mas e esta passagem que segue:
“Eu vim para o mundo, para julgá-lo, a fim de que os cegos vejam e os que veem
se tornem cegos”, ainda que busquem
explicá-la, não poderão lhe dar o sentido.
[Mas] eu opto por pertencer à Igreja e não ser nomeado por um heresiarca[i] qualquer,
mas pelo nome de Cristo e ter esse nome que é bendito sobre a terra, e desejo
ser chamado de cristão tanto pelas obras quanto pelos pensamentos; assim busco
na antiga e na nova Lei um método igual de interpretação.
Morte ao “homem
velho”
Deus diz: “Eu matarei”. Eu aceito de bom grado que Deus mate. E quando há
em mim um homem velho, e que vivo ainda como homem terrestre, desejo que Deus mate
em mim o homem velho e me ressuscite dentre os mortos.
“O primeiro homem, com efeito,
diz o Apóstolo, oriundo da terra, é terrestre; o segundo homem, vindo do céu, é
celeste.
Como revestimos a imagem do
terrestre, revistamos também a imagem do
celeste”. Segundo essa interpretação,
compreende-se também aquele versículo: “Eu vim para o mundo para julgá-lo, a
fim de que os cegos vejam e os que veem se tornem cegos”.
Todos nós homens, temos a visão
e, ao mesmo tempo, somos cegos. Adão gozava da visão e, ao mesmo tempo, estava
cego.
Eva também, antes que seus olhos
fossem abertos, gozava da visão. Diz a Escritura: “A mulher viu que a árvore
era boa para comer e muito agradável de se ver, e, tomando do fruto da árvore, comeu
e deu a seu marido, e comeram”.
Eles não eram, pois, cegos, mas
eles viam.
Depois,
segue-se: “E seus olhos se abriram”.
Eles tinham, pois, sido cegos e
não viam, e seus olhos carnais depois se abriram; mas seus olhos espirituais
que, antes, viam bem, depois que transgrediram o mandamento do Senhor começaram
a ver mal e, insinuando-se o pecado da desobediência, perderam em seguida a
visão.
Eu compreendo assim esta palavra
que Deus pronuncia: “Quem fez o mudo e o surdo, aquele que vê e aquele que não
vê? Não sou eu, o Senhor Deus?”
Há o olho corporal, com o qual
olhamos estas realidades terrestres, olho segundo a inteligência da carne, do qual a Escritura diz: “Em vão avança aquele
que está inflado do pensamento carnal”.
[Mas] temos também outro olho,
oposto ao primeiro e melhor que ele, capaz de ter o sabor das coisas divinas;
olho que, porque era cego em nós, Jesus veio para fazer enxergar; para que
aqueles que não enxergavam pudessem enxergar; e para que aqueles, porém, que
enxergavam, se tornassem cegos.
É nesse sentido que se deve
compreender o texto que temos atualmente entre as mãos: “Eis que este [menino]
foi estabelecido para a queda e o soerguimento de muitos em Israel”.
Tenho algo em mim que mal se
mantém de pé e se eleva pelo orgulho do pecado: que isto caia, que isto
desmorone, porque, se tiver caído, aquilo que antes havia desabado,
levantando-se, por-se-á de pé. O meu “homem interior”
jazia outrora por terra, esmagado, e o “homem exterior” se erguia bem ereto.
Antes que eu tivesse a fé em
Jesus, o que havia de bom em mim jazia por terra; o que havia de mal, se
mantinha ereto. Depois que Jesus veio, o mal
em mim deixou de existir, desmoronou e cumpriu-se aquele texto: “Trazendo
sempre em nosso corpo a morte de Jesus”, e aquele outro: “Fazei morrer, pois,
em vossos membros terrestres, a fornicação, a impureza, a luxúria, a idolatria,
a cobiça” e todo o resto.
A queda de todos esses vícios se
tornou útil. E dessa queda é dito: “Onde quer que estiver o cadáver, para lá se
reunirão as águias”. Com efeito, a palavra cadáver
tomou o nome a partir de “queda”.
Boa é essa queda, para a qual
primeiramente veio Jesus, e não pode fazer o soerguimento, se a queda não o
tiver precedido.
Venha antes destruir o que em mim
foi um mal para que, por essa destruição e essa mortificação, o que há de bom
em mim se reerga e tome vida, e que assim possamos atingir o Reino dos céus,
naquele “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.
O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua
espiritualidade?
terça-feira, 23 de julho de 2019
104 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 15)
104
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e
Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias
sobre São Lucas (Homilia 15)
HOMILIA
15 - Lc 2.25-29
A respeito de
Simeão e de sua vinda ao templo, impelido pelo Espírito, até aquela passagem,
em que diz: “Agora, Senhor, podes deixar ir em paz o teu servo”.
O Nunc
dimittis
Deve-se buscar
uma razão conveniente para explicar como a graça de Deus para com Simeão,
“varão santo e agradável a Deus”, como está escrito no Evangelho, “esperando a
consolação de Israel, recebeu uma garantia do
Espírito Santo de que não haveria de morrer antes que visse o Cristo Senhor”.
Em que lhe foi
útil ver o Cristo? Foi-lhe prometido somente o ver Cristo, sem que nada dessa
visão lhe redundasse de útil, ou se oculta na promessa algum dom digno de Deus
que o bem-aventurado Simeão tanto mereceu quanto recebeu?
“Uma mulher
tocou a orla da veste de Jesus e foi curada”. Se
essa mulher obteve tanta vantagem com a extremidade da veste, o que se deve
pensar de Simeão, que, em seus braços recebeu e segurou a criança, se alegrava
e se rejubilava, vendo o pequenino que ele trazia nos braços e que viera
libertar aos cativos – e também ele próprio haveria de ser liberto dos nós do
corpo –, sabendo que ninguém podia fazer alguém sair da prisão do corpo com
esperança da vida futura senão aquele que segurava nos braços?
Por isso também
é a ele que [Simeão] se dirige: “Agora, Senhor, podes deixar ir o teu servo em
paz”. Com efeito, [era como se Simeão dissesse]: “por tanto tempo não segurei o
Cristo; por tanto tempo não o apertava em meus braços; eu estava preso e não podia
sair de meus laços”. Mas se deve entender isso aplicado não só a Simeão, mas a toda
a raça humana. Se alguém sai do mundo, se alguém é libertado tanto do cárcere quanto
da casa dos cativos, que vá viver como rei, que tome Jesus em suas mãos, e o cerque com seus braços, tenha-o todo em seu
colo, e então poderá exultante ir-se para onde desejar.
Considerai
quanta organização foi preparada para que Simeão tenha merecido segurar o Filho
de Deus: primeiro havia recebido a garantia do Espírito Santo de que não veria
a morte, se não que antes tivesse visto o Cristo.
Depois, não
entrou no templo fortuita e simplesmente, mas “veio ao templo conduzido pelo
Espírito de Deus”; pois “todos aqueles que são conduzidos pelo Espírito de
Deus, esses são filhos de Deus”.
O Espírito
Santo, portanto, o conduziu ao templo. Tu também, se queres segurar Jesus e
abraçá-lo com as mãos e tornar-te digno de sair do cárcere, esforça-te com todo
afinco para que tenhas como condutor o Espírito de Deus e venhas ao templo de
Deus. E eis que estás de pé no templo do Senhor Jesus, isto é, em sua igreja.
Esse templo é construído “de pedras vivas”.
Estás de pé,
porém, no templo do Senhor, quando tua vida e tua conduta forem bastante dignas
do nome que designa a Igreja.
Morrer
na paz
Se vieres “ao
templo conduzido pelo Espírito”, encontrarás o pequenino Jesus, o elevarás em
teus braços e dirás: “Agora, Senhor, podes deixar ir teu servo em paz, segundo
a tua palavra”.
E presta
atenção, ao mesmo tempo, que a paz se acrescenta à soltura e ao livramento.
Pois Simeão não diz [simplesmente]: “quero que me deixes ir”; mas “podes deixar
ir”, com o acréscimo: “em paz”.
Na verdade, foi
prometida esta mesma coisa ao bem-aventurado Abraão: “Tu, porém, irás em paz a
teus pais, depois de ter vivido em uma feliz velhice”.
Quem é que
poderia morrer na paz, senão aquele que tem a paz de Deus, “que supera toda
inteligência e guarda o coração” de quem a possui?
Quem é que pode deixar este mundo na paz, senão aquele que compreende “que em
Cristo Deus reconciliava consigo o mundo”; aquele
que nenhuma inimizade e oposição fez a Deus, mas que, depois de ter atingido,
por suas boas obras, a plenitude da paz e da concórdia, vai-se na paz
reencontrar os santos patriarcas, para junto dos quais também Abraão partiu?
Mas por que
falar dos patriarcas? Vai-se para junto do próprio Jesus, príncipe e senhor dos
patriarcas, do qual se diz: “é melhor libertar-se pela morte e estar com o Cristo”.
Tem Jesus aquele
que ousa dizer: “Não sou mais eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim”.
A fim de que nós
também, de pé no templo, segurando o Filho de Deus e abraçando-o com nossos
braços, sejamos dignos de ser libertos e de partir para realidades melhores,
oremos ao Deus onipotente, oremos também ao pequenino Jesus, com quem desejamos
conversar e a quem queremos segurar nos braços, “a quem pertencem a glória e o
poder nos séculos dos séculos. Amém”.
O que
você destaca no texto?
Como
ele serve para sua espiritualidade?
segunda-feira, 15 de julho de 2019
103 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 14)
103
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e
Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias
sobre São Lucas (Homilia 14)
HOMILIA
14 - Lc 2.21-24
Sobre o que está
escrito: “Quando, porém, estivessem completos os dias de sua circuncisão”, até
aquela passagem que diz: “Um par de rolas ou dois filhotes de pombas”.
A
circuncisão espiritual
O Cristo, “em
sua morte, morreu ao pecado”; não que ele
próprio tenha pecado – “pois não cometeu pecado, e não foi encontrado engano em
sua boca” – mas morreu, para que, graças à
sua morte pelos pecados, nós que morremos, não vivêssemos mais absolutamente no
pecado e nos vícios.
Donde está
escrito: “Se nós morremos com ele, nós viveremos também com ele”. Como, portanto, “morremos com ele” então, quando
ele morria, e ressuscitamos para aquele que ressuscita, assim com ele fomos circuncidados
e, depois da circuncisão, fomos purificados com uma purificação solene.
Daí que já não
carecemos de circuncisão carnal. E, a fim de que saibas que, por nossa causa,
ele foi circuncidado, ouve o que Paulo muito claramente proclama: “Nele”, diz [Paulo],
“habita corporalmente toda a plenitude da divindade, e sois cumulados naquele que
é a cabeça de todo principado e todo poder; nele também fostes circuncidados com
uma circuncisão que não é de mão de homens, pelo despojamento de vosso corpo
carnal, na circuncisão do Cristo; sepultados com ele no batismo, nesse batismo
também fomos ressuscitados com ele pela fé no poder de Deus que o ressuscitou
dos mortos”.
Sua morte, sua
ressurreição e sua circuncisão se fizeram por nós.
O
nome de Jesus
“Quando os dias
da circuncisão do menino tinham sido completados”, diz [a Escritura],
“chamaram-no pelo seu nome, Jesus, porque havia sido assim nomeado pelo anjo,
antes de sua concepção”.
Não seria
conveniente que este nome, Jesus, glorioso e eminentemente digno de receber
todas as homenagens, adoração e culto, “nome
que está acima de todo nome”, fosse
mencionado em primeiro lugar por homens, nem que fosse introduzido por eles no
mundo, mas por determinada natureza mais excelente e mais perfeita.
Por isso o
evangelista acrescentou, dizendo expressamente que “chamaram-no pelo seu nome,
Jesus, porque havia sido assim nomeado pelo anjo, antes de sua concepção no
ventre [da Virgem]”.
A
purificação de Jesus
Depois
prosseguiu [dizendo]: “como haviam-se completado os dias da purificação deles,
segundo a lei de Moisés, conduziram o menino a Jerusalém”. Por causa, diz [o
evangelista], da purificação “deles”.
O que quer dizer
esse “deles”? Se estivesse escrito: por causa da purificação dela, isto é, de
Maria, que havia dado à luz, nenhuma questão se levantaria, e diríamos com
certa audácia que Maria, que pertencia ao gênero humano, tinha necessidade de
purificação depois do parto.
Mas agora, sobre
aquilo que se diz: “os dias da purificação deles” não parece tratar-se de uma
só pessoa, mas de duas ou mesmo de várias outras. Jesus, então, necessitou de
purificação e foi impuro ou sujo de alguma impureza?
Talvez pareça
que eu fale temerariamente, mas sou levado pela autoridade das Escrituras. Vê o
que está escrito em Jó: “ninguém é isento de impureza, nem se de um único dia
tiver sido sua vida”.
Não disse:
“ninguém está isento de pecado”, mas: “ninguém está isento de impureza”. Pois “impurezas”
não significam o mesmo que “pecado”; e para que saibas que “impureza” significa
uma coisa e “pecado” significa outra, Isaías muito claramente ensina, dizendo:
“o Senhor lavará a impureza dos filhos e das filhas de Sião, e limpará o sangue
espalhado no meio deles, lavará a impureza no sopro do julgamento e o sangue no
sopro da destruição”.
Toda alma,
revestida de um corpo humano, tem suas impurezas. Para que saibas, porém, que
Jesus também foi sujado, por sua própria vontade – porque, em favor de nossa
salvação, havia assumido um corpo humano –, escuta o profeta Zacarias dizendo:
“Jesus estava vestido com vestes sujas”.
Essa frase é
dirigida contra os que afirmam que o corpo do Senhor não era um corpo humano,
mas que tinha sido formado de elementos celestes e espirituais. Se, com efeito,
seu corpo foi formado de elementos celestes e, segundo os partidários dessa
afirmação errônea, de matéria astral e de uma outra natureza mais sublime e
mais espiritual, respondam: como um corpo espiritual
poderia ser impuro, e como interpretam isto que temos [na Escritura]: “Jesus estava
vestido com vestes sujas”?
Se, porém,
tiverem sido compelidos pela necessidade de aceitar que é entendido “corpo
espiritual” como “vestes sujas”, devem consequentemente dizer que aquilo que é
dito nas promessas deve cumprir-se, isto é: “é semeado um corpo animal, e
ressuscita um corpo espiritual”, e que
devemos ressuscitar impuros e sujos, o que é até abominável pensar, sobretudo
quando se sabe que está escrito: “semeado na corrupção, o corpo ressuscitará na
incorrupção; semeado na ignomínia, ressuscitará na glória; semeado na fraqueza,
ressuscitará na força; semeado corpo animal, ressuscitará corpo espiritual”.
Foi necessário,
pois, para nosso Senhor e Salvador, que “estava vestido com vestes sujas” e tinha assumido um corpo terrestre, que fossem oferecidas as coisas que, segundo a
lei e o costume, purificava as impurezas.
Movido pela
ocasião da passagem, volto a tratar uma questão sobre a qual [nossos] irmãos
frequentemente se interrogam entre si. As crianças são batizadas “para a remissão
dos pecados”; de quais pecados? Ou, em qual
tempo pecaram? Ou, como pode subsistir um motivo para o lavacro (banho) dos
pequeninos, se não segundo aquela interpretação da qual falamos há pouco: “ninguém
é isento de impureza, nem se de um único dia absolutamente for a sua vida sobre
a terra?”
E porque, pelo
mistério do batismo, as impurezas do nascimento são tiradas, por esse motivo
são batizados também os pequeninos, porque “se alguém não tiver renascido da
água e do espírito, não poderá entrar no reino dos céus”.
O
mistério do batismo
“Quando”, diz [o
evangelista], “haviam sido completados os dias da purificação deles”, o
cumprimento dos dias tem também uma significação mística. A alma, com efeito,
não é purificada assim que nasce, e no próprio nascimento ela não pode atingir
a pureza perfeita. Mas, como está escrito na Lei: “Se uma mãe deu à luz uma
criança do sexo masculino, por sete dias se sentará no sangue impuro, e, em
seguida, por trinta e três dias, no sangue puro, e, por fim, a criança e a mãe
se sentarão em um sangue puríssimo”, e
porque a “Lei é espiritual” e “sombra dos
bens futuros”, podemos compreender assim:
que nossa verdadeira purificação acontece depois de certo tempo.
Eu penso que,
mesmo depois da ressurreição dos mortos, necessitaremos
de um mistério para nos lavar e nos purificar – ninguém, com efeito, poderá
ressuscitar sem impurezas –, e que não se pode encontrar nenhuma alma que
esteja isenta instantaneamente de todos os vícios.
Assim, na
regeneração do batismo cumpre-se um mistério: que, como Jesus foi purificado
por uma oferenda, segundo a economia da Encarnação, assim nós também devemos
igualmente ser purificados por uma regeneração espiritual.
Jesus
oferecido no templo
“Eles conduziram
o menino a Jerusalém, segundo a Lei de Moisés, para oferecê-lo à presença do
Senhor.” Onde estão aqueles que negam o Deus da Lei, que afirmam que Cristo
anunciou no Evangelho não esse, mas outro Deus? “Deus
enviou seu filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei”.
Deve-se, então,
pensar que o Deus bom teria submetido seu filho à lei do Criador e ao poder de
um inimigo, um poder que ele próprio não havia dado? Antes, diz [a Escritura]
que ele nasceu sob a Lei “a fim de resgatar aqueles que estavam sob a Lei” e de submetê-los a uma outra lei, que acaba de
ser mencionada na leitura do texto: “Estai atentos à minha lei, ó meu povo”, e
a sequência. Eles levaram, pois, o menino para colocá-lo diante da presença do
Senhor.
Em qual passagem
da Escritura se encontra o preceito que eles cumprem? Certamente, a Escritura
diz, nesta: “Como está escrito na Lei de Moisés”: “Toda criança do sexo masculino,
que é o primeiro a passar pela vulva, será consagrado ao Senhor”, e ainda: “três vezes ao ano, toda a população
masculina se apresentará diante do Senhor Deus”.
Os filhos do
sexo masculino, que eram os primeiros a passarem pela vulva da mãe, eram
oferecidos diante do altar do Senhor. “Todo filho do sexo masculino”, diz [a Escritura],
“que passa pela vulva”, [então,] ressoa como algo sagrado. Afinal, dirias: “qualquer
[nascido] do sexo masculino que tenha saído de um ventre”; e não assim: “que passa
pela vulva da mãe”, como o Senhor Jesus, porque, para todas as mulheres, não é
o nascimento de uma criança passando pela vulva que a abre, mas o coito com um
varão.
Para a mãe do
Senhor, seu seio se abriu no próprio momento do parto,
visto que, antes do nascimento do Cristo, nenhum ser do sexo masculino
absolutamente tinha se aproximado desse ventre consagrado e digno do maior
respeito. Ouso tratar desse assunto porque, quanto ao que está escrito: “O
Espírito de Deus virá sobre ti e a virtude do Altíssimo cobrir-te-á com sua
sombra”, terá sido o princípio da semente e da
concepção, e o novo feto se desenvolveu no ventre de Maria, que não fora
aberto.
Por isso também
o próprio Salvador diz: “Eu, porém, sou um verme e não um homem, o opróbrio dos
homens e a abjeção da ralé”. No seio
materno, ele via a impureza dos corpos e, cercado como estava pelas entranhas
de sua mãe, sofria as estreitezas da “lama” terrestre;
é por isso que ele se compara a um verme terrestre: “Eu, porém, sou um
verme, e não um homem”.
[Como se
dissesse:] “o ser humano nasce normalmente da conjunção de um homem e de uma
mulher, mas eu não nasci de tal encontro, segundo a lei da natureza humana; eu
nasci como um verme que não encontra sua origem num germe estranho, mas nos
próprios corpos em que se desenvolve”.
Porque “toda
criança do sexo masculino, que é a primeira a passar pela vulva, será chamada
santo para o Senhor”, Jesus foi conduzido “a
Jerusalém”, a fim de ser levado à presença do Senhor e igualmente “a fim de
oferecer em sacrifício por ele o que é indicado na Lei: um par de rolas ou dois
filhotes de pombas”.
Vemos um par de
rolas e dois filhotes de pombas oferecidos pelo Salvador. Quanto a mim,
considero felizes essas aves oferecidas em sacrifício pelo nascimento do
Senhor; e, como admiro a jumenta de Balaão e
a ponho no cúmulo da felicidade – porque foi digna não somente de ver o anjo de
Deus, mas também de, de uma boca fechada, irromper em uma linguagem humana –,
do mesmo modo celebro ainda bem mais e elevo muito alto essas aves, porque
foram oferecidas diante do altar para nosso Senhor e Salvador.
“A fim de
oferecer por ele um par de rolas ou dois filhotes de pombas”. Pareceria
introduzir talvez algo de novo, mas pouco digno da grandeza do assunto. Como a
geração do Salvador foi uma novidade, visto que não foi a partir [da união] de
um homem e de uma mulher, mas somente de uma única virgem, assim tanto o par de
rolas quanto os dois filhotes de pombas não foram tais como os vemos com os
olhos da carne, mas representam o Espírito Santo, que “desceu na forma de pomba”
e veio sobre o Salvador, quando foi batizado
no Jordão.
Tal sucedeu também
com o par de rolas: aquelas aves não eram como estas que esvoaçam pelos ares;
algo de divino e mais sublime aparecia à contemplação humana sob a forma de uma
pomba e de uma rola, de modo que aquele que nascia e devia sofrer pelo mundo
inteiro não seria purificado, aos olhos do Senhor, com as mesmas vítimas que
todos os homens; mas porque a economia divina renovava tudo, assim também teria
novas vítimas, segundo a vontade de Deus onipotente, em Cristo Jesus: “a quem
pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.
O que
você destaca no texto?
Como
ele serve para sua espiritualidade?
terça-feira, 9 de julho de 2019
102 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 13)
102
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e
Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias
sobre São Lucas (Homilia 13)
HOMILIA 13 - Lc 2.13-16
Sobre o que está escrito: “E se juntou uma multidão do exército
celeste” até aquela passagem que diz: “Eles encontraram Maria e Jesus colocado
numa manjedoura”.
O cântico dos anjos
Nosso Senhor e Salvador nasce em Belém, e “uma multidão do exército
celeste louva a Deus e diz: Glória a Deus nas alturas, e sobre a terra paz aos
homens, objetos da benevolência divina”.
Assim fala “A multidão do exército celeste”, porque ela já havia
falhado em oferecer seu auxílio aos homens, e porque via que não podia cumprir
o que lhe havia sido confiado sem aquele que verdadeiramente podia salvar e também
ajudar aos próprios guias dos homens, para que os homens fossem salvos.
Como está escrito no Evangelho, que alguns homens estavam já
cansados de ter sulcado o mar contra ventos contrários e, tendo penado vinte e
cinco ou trinta estádios, não podiam alcançar o porto, e depois o Senhor sobreveio e fez
acalmar as ondas tumultuosas e livrou o navio de um perigo iminente, cujos
flancos de ambos os lados recebiam golpes das ondas.
Entende assim por que também os anjos queriam evidentemente
oferecer aos homens o [seu] auxílio e lhes conceder a saúde, curando-os de suas
doenças: porque “todos são espíritos servidores, enviados a serviço por aqueles
que haverão de obter sua salvação”; e,
quanto estivesse em suas forças, ajudavam aos homens; viam, porém, que seus remédios
eram muito inferiores em relação ao que seus cuidados exigiam.
Vamos adiante, para que possas entender a partir de um exemplo o
que dizemos.
Imagina uma cidade na qual muitos estejam doentes e se lance mão
frequentemente de muitos médicos.
Imagina que haja feridas de todo tipo e que a gangrena penetre espalhando-se
quotidianamente pela carne moribunda, enquanto os médicos, porém, empregados
para curar essas feridas, não podem encontrar outros medicamentos e triunfar
sobre a grandeza desse mal pela ciência da sua profissão.
Enquanto tudo está em tal estado, chega um médico extraordinário,
que tenha o sumo conhecimento em sua profissão, e aqueles que anteriormente não
haviam podido curar, verificando que, pela mão do mestre, as gangrenas das
feridas cessam, não ficam com inveja, não são torturados de ciúme, mas irrompem
em louvores ao arquimédico e celebram altamente a Deus, que enviou, a eles e
aos doentes, um homem de tamanha ciência.
Assim, é por uma razão semelhante que se ouve uma multidão do exército
dos anjos dizer: “Glória a Deus nas alturas, e na terra paz aos homens, objetos
da benevolência divina”. Pois, depois que o Senhor veio à terra, “pacificou
pelo sangue de sua cruz os seres que estavam na terra, bem como os que estavam
no céu”.
Assim, os anjos, querendo que os homens se recordassem de seu
Criador – uma vez que houvessem feito tudo que estava em suas forças para curá-los,
e esses não tivessem querido receber a saúde –, se voltam para aquele que pôde
curar e, glorificando-o, dizem “Glória a Deus nas alturas, e na terra paz aos
homens, objetos da benevolência divina”.
Resposta a uma objeção
Um leitor atento da Escritura perguntar-se-á como o Salvador diz: “Não
vim trazer a paz à terra, mas a espada”, e
agora os anjos em seu nascimento cantam: “Paz na terra”, assim como,
igualmente, em outra passagem, a respeito de sua própria pessoa, é dito: “Eu
vos dou a minha paz, vos deixo a paz; eu dou a paz, não como este mundo dá a paz”.
Vejamos, então, se o que trazemos aqui permite resolver a questão.
Se estivesse escrito: “Paz na terra” e aí a frase terminasse aí, a objeção
surgiria com propriedade.
Mas, na realidade, o que foi acrescentado, isto é, o que é dito
depois de “paz”: “aos homens, objetos da benevolência divina”, resolve a questão.
Também a paz que o Senhor não dá “à terra” não é a “paz da benevolência
divina”. Ele não diz, pois, tão simplesmente: “não vim trazer a paz”, mas faz
um acréscimo: “à terra”; inversamente não diz: “não vim trazer à terra a paz da
benevolência divina”.
O anjo das igrejas
Estas palavras os anjos falaram aos pastores, não as falavam
apenas naquele tempo, mas até hoje falam. Se os anjos não tivessem falado aos
pastores e, assim, não tivessem unido sua obra à deles, seria dito a eles: “Se
o Senhor não tiver edificado a casa, em vão trabalham aqueles que a edificam;
se o Senhor não tiver guardado a cidade, em vão vigia quem a guarda”.
Se se permite falar com audácia a quem segue o sentido das
Escrituras, para cada igreja há dois bispos, um visível, outro invisível; esse,
visível de modo claro para a inteligência, aquele visível pela carne.
E como um homem é louvado pelo Senhor, se tiver cumprido bem a
incumbência a ele confiada – se a tiver cumprido mal, ele subjazerá à culpa e
ao vício –, assim também [acontece] para um anjo.
Está escrito no Apocalipse de [São] João: “Mas tens aí poucos
nomes que não tenham máculas”. Ou ainda isto, um pouco
antes: “Tens aí quem ensine a doutrina dos nicolaítas”, e
novamente: “Tens aí quem comete tal ou tal pecado”, e assim são acusados os
anjos a quem foram confiadas as igrejas.
Se os anjos têm, pois, inquietude sobre como governar as igrejas,
que necessidade há de falar dos homens, de quanto medo devem ter para que
possam obter, com a colaboração dos anjos, a salvação?
Eu acredito que se podem encontrar, ao mesmo tempo, um anjo e um
homem como bons bispos para uma igreja e, de certo modo, que podem ser partícipes
de uma única obra.
Se é assim, peçamos ao Deus onipotente que os bispos das igrejas,
anjos e homens, sejam para nós uma ajuda, e saibamos que uns e outros são
julgados pelo Senhor em nosso lugar.
Mas se eles forem julgados, e não forem encontrados nem vício nem
pecado que redunde em sua incúria, mas em nossa negligência, nós seremos
acusados e castigados.
Ainda que eles façam, pois, todas as coisas e se esforcem por
nossa salvação, nós não estaremos livres dos pecados.
Entretanto, frequentemente sucede que, apesar de nosso trabalho,
eles não desempenham seu dever e têm culpa.
O mistério do presépio
E aconteceu, diz a Escritura, que os pastores disseram uns aos
outros, quando os anjos os deixaram para voltar ao céu: “Passemos até Belém, e
vejamos a realização desta palavra que o Senhor nos fez conhecer. E eles vieram
depressa e encontraram Maria, José e o menino”.
Porque haviam vindo depressa, e não devagar, nem com passo cansado, eles
encontraram José, que havia preparado tudo para
o nascimento do Senhor e Maria, que deu à luz Jesus, e o próprio Salvador “deitado
numa manjedoura”.
A manjedoura era aquela da qual o profeta anunciou o oráculo,
dizendo: “O boi conheceu seu proprietário, e o asno a manjedoura de seu senhor”.
O boi é um animal puro, o asno é um animal impuro. “Conheceu o
asno a manjedoura de seu senhor”. Não foi o povo de Israel que conheceu a
manjedoura de seu senhor, mas um animal impuro vindo dos pagãos: “Ora, diz a
Escritura, Israel não me conheceu, e meu povo não me compreendeu”.
Compreendamos o sentido deste presépio, esforcemo-nos por descobrir
o Senhor, mereçamos conhecê-lo e assumi-lo, não somente sua natividade e sua
ressurreição da carne, mas também o segundo advento glorioso da majestade daquele
“a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos”.
O que
você destaca no texto?
Como
ele serve para sua espiritualidade?
terça-feira, 2 de julho de 2019
101 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 12)
101
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e
Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias
sobre São Lucas (Homilia 12)
HOMILIA
12 - Lc 2,8-12
Sobre o que está
escrito: “Que um anjo veio do céu e anunciou o nascimento do Senhor aos
pastores”.
O
apelo dos pastores
Meu Senhor Jesus nasceu e um anjo desceu do céu anunciando seu
nascimento.
Vejamos então a
quem o anjo foi buscar para anunciar a sua vinda. Ele não veio a Jerusalém, não
buscou a escribas e fariseus, não entrou na sinagoga dos judeus, mas foi encontrar
“pastores que passavam a noite a guardar seus rebanhos” e a eles diz: “nasceu-vos
hoje um Salvador, que é o Cristo Senhor”.
O
Bom Pastor
Pensas que a
palavra da Escritura não signifique outra coisa mais divina, mas diz apenas
isto: que um anjo veio aos pastores e a eles falou? Ouvi, pastores das igrejas,
pastores de Deus!
Que sempre o seu
anjo desça do céu e vos anuncie, porque “nasceu-vos hoje um Salvador, que é o
Cristo Senhor”. Porque, se aquele pastor não vem, os pastores das Igrejas não
poderão, por si mesmos, proteger bem seus rebanhos: falha é sua guarda, se
Cristo não guardar o rebanho e não o apascentar.
Recentemente no
Apóstolo [Paulo] se leu: “somos colaboradores de Deus”.
Um bom pastor,
que imita o Bom Pastor, é colaborador de Deus e de Cristo; e, por isso, um bom
pastor é aquele que tem consigo o melhor pastor que apascenta juntamente consigo.
“Deus, com efeito, colocou na Igreja apóstolos, profetas, evangelistas,
pastores, doutores, tudo isso para o aperfeiçoamento dos santos”.
E [só] isso seja
dito como explicação mais imediata.
O
ministério dos anjos
Mas, se devemos
nos elevar a um entendimento mais misterioso, direi que é preciso ver, em
alguns pastores, anjos que governariam as coisas humanas.
Cada um desses
mantinha a guarda e vigiava durante dias e noites. Mas quando já não podia suportar
e desempenhar com zelo a tarefa de governar as nações que a ele haviam sido confiadas,
um anjo, nascido o Senhor, veio e anunciou aos pastores que o verdadeiro Pastor
havia nascido.
Assim, para dar
um exemplo, havia certo pastor na Macedônia que precisava do auxílio do Senhor;
por isso que um macedônio apareceu em sonhos a Paulo, dizendo: “Ao passar pela
Macedônia, ajuda-nos”.
Por que falarei
de Paulo, quando essas coisas ele disse não a Paulo, mas a Jesus, que estava em
Paulo?
Os pastores
carecem, portanto, da presença de Cristo. É por essa razão que um anjo desceu do
céu e disse: “Não temais, eis que vos anuncio, pois, um grande júbilo”.
Grande alegria certamente,
para estes a quem estava confiado o encargo dos homens e das províncias, que o
Cristo tenha vindo ao mundo. Grande vantagem obteve o anjo que governava os
negócios do Egito, depois que o Senhor desceu do céu, para que os egípcios se
tornassem cristãos. Foi útil a todos os anjos que governavam diversas
províncias, por exemplo, para o guardião da Macedônia, o guardião da Acaia e das
demais regiões.
Não é justo, com
efeito, acreditar que só maus anjos presidem a cada província e que os bons
anjos não tenham as mesmas províncias e regiões sob seu comando. Mas o que se
diz de cada província, acredito também que se deva acreditar igualmente de
todos os homens.
A cada um
assistem dois anjos, um da justiça, outro da iniquidade. Se houver bons pensamentos em nosso coração e a justiça for
abundante em nossa alma, sem dúvida que em nós estará falando o anjo do Senhor.
Mas se houver
maus pensamentos agitando em nosso coração, falará em nós o anjo do diabo.
Como, portanto,
para cada homem há um par de anjos, do mesmo modo, a meu ver, há em cada província
anjos diferentes, tanto há os bons quanto há os maus.
Por exemplo,
anjos péssimos eram os guardiães de Éfeso, por causa daqueles que, naquela
cidade, eram pecadores. Mas, porque lá se encontravam muitos crentes, havia
também o anjo, verdadeiramente bom, da igreja dos efésios. E é preciso aplicar
a todas as províncias o que dissemos a respeito de Éfeso.
Antes da vinda
do Senhor Salvador, os anjos tinham um poder bem restrito para ajudar aqueles
que lhes eram confiados, seus esforços não eram seguidos de resultados muito
significativos.
Que sinal dar
desse poder limitado dos anjos que possa ser útil àqueles que lhes são
submetidos? Escuta o que dizemos: Quando o anjo dos egípcios ajudava os
egípcios, a duras penas um prosélito acreditava em Deus; e isso acontecia com
um anjo ocupando-se dos egípcios.
Enfim, muitos
dos egípcios e dos idumeus acolhiam a fé em Deus. Por isso a Escritura diz: “Tu
não abominarás o egípcio, e o idumeu, porque é teu irmão. Se seus filhos
nascerem, até a terceira geração entrarão na igreja de Deus”.
E assim acontecia
que de todas as nações apenas alguns se tornavam prosélitos e isso mesmo graças
aos esforços dos anjos, que tinham submissas as nações.
Agora, porém, os
povos dos que creem acedem à fé em Jesus, e os anjos, a quem haviam sido confiadas as igrejas, revigorados
pela presença do Salvador, conduzem numerosos prosélitos para que sejam
congregadas em toda a terra as pequenas comunidades dos cristãos.
Por isso,
levantando-nos,louvemos ao Senhor, e, no lugar do Israel carnal, tornemo-nos o
Israel espiritual. Bendigamos ao Deus onipotente por obra, pensamento, palavra,
em Cristo Jesus: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos.
Amém”.
O que
você destaca no texto?
Como
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