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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e
Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias
sobre São Lucas (Homilia 29)
HOMILIA
29 - Lc 4.1-4.
Sobre o que está
escrito: “Jesus, porém, cheio do Espírito Santo, voltou” e sobre sua primeira
tentação.
Jesus
conduzido pelo Espírito Santo
Quando lês no
Evangelho: “Jesus, porém, cheio do Espírito Santo, voltou”, e, nos Atos dos
Apóstolos, onde está escrito a respeito daqueles que “ficaram cheios do Espírito
Santo”, não penses que os Apóstolos são iguais ao Salvador.
Sabe que Jesus, os Apóstolos e qualquer
outro dentre os santos são cheios do Espírito Santo, mas segundo a medida de
sua capacidade; como se dissesses, por exemplo: “estes recipientes estão cheios
de vinho ou de óleo”, [mas] não indicas imediatamente que estejam cheios numa
igual quantidade – um pode, com efeito, conter um sextário, o outro, uma urna;
o outro, uma ânfora –, (Um sextário equivale a meio litro; a urna, a
treze litros; e a ânfora vale duas urnas)
do
mesmo modo, também Jesus e Paulo eram cheios do Espírito Santo; mas o vaso de
Paulo era muito menor que o vaso de Jesus.
Entretanto, um e
outro estavam completos segundo a medida deles.
Assim, uma vez
recebido o batismo, o Salvador cheio do Espírito Santo, que sobre ele viera dos
céus “sob a forma de uma pomba”, “era conduzido pelo Espírito”.
Pois, porque
“todos quantos são conduzidos pelo Espírito de Deus, estes são filhos de Deus”.
Ele, porém, à
exceção de todos, era propriamente dito o Filho de Deus; assim, era necessário
que também fosse conduzido pelo Espírito Santo.
É, com efeito, o
que está escrito: “ele era conduzido pelo Espírito durante quarenta dias, e era
tentado pelo diabo”.
Durante quarenta
dias, Jesus é tentado. Não sabemos quais tenham sido as tentações. Talvez por
isso tenham sido omitidas, porque eram muito fortes para serem confiadas à
Escritura.
E se foi
necessário dizer que “o mundo não teria podido conter todos os livros” que tivessem sido escritos com todos os ensinamentos
e ações de Jesus, assim o mundo não teria a força de suportar as tentações dos
quarenta dias, durante os quais o Senhor foi tentado pelo diabo, se a Escritura
no-lo tivesse ensinado.
Basta-nos apenas
saber isto: que “durante quarenta dias esteve no deserto e era tentado pelo
diabo e não comeu nada durante aqueles dias”, pois mortificava o desejo da
carne com um jejum assíduo e contínuo.
A
primeira tentação
E quando esses
dias foram completados, ele teve fome. Disse-lhe, porém, o diabo: “Se tu és o
Filho de Deus, diz a esta pedra que se torne pão”.
Ele disse: “Diz
a esta pedra”. Mas a qual pedra? Sem dúvida, aquela que mostrava o diabo e que
queria que se tornasse pão.
Qual é, pois,
essa tentação? “Um pai a quem seu filho pede pão não vai lhe dar uma pedra”, e esse, como adversário sorrateiro e enganador,
daria uma pedra em vez de pão?
Isto é tudo o
que o diabo quis, que a pedra se tornasse pão e que os homens se alimentassem
não de pão, mas da pedra que o diabo mostrara em lugar do pão?
Eu penso que até
hoje o diabo mostra a pedra e exorta cada um a dizer: “Diz a esta pedra que se
torne pão”.
Com toda espécie
de tentação, com que os homens deviam ser tentados, o Senhor foi o primeiro a
ser tentado segundo a carne que assumiu.
Ele é tentado,
porém, por causa disto: para que nós possamos vencer também por sua vitória.
Talvez o que
digo fique obscuro, se não se fizer mais claro com um exemplo. Se vês os
hereges comerem, em lugar do pão, a mentira de suas doutrinas, saberás que a pedra
deles é o discurso que o diabo mostra, mas não penses que ele tenha uma única pedra.
Ele possui
várias pedras, as quais são apresentadas por [São] Mateus dizendo: “Ordena a
estas pedras que se tornem pão”.
Marcião deu essa
ordem e a pedra do diabo se tornou seu pão. Valentino deu a mesma ordem e outra
pedra se transformou em pão.
Basílides e
todos os outros hereges tinham pão dessa espécie. Assim, é preciso precaver-se
para que não nos aconteça de comer a pedra do diabo, acreditando nos alimentar
com o pão de Deus.
Aliás, onde
estava a tentação no caso de uma pedra transformada em pão e comida pelo
Salvador?
Imaginemos que,
estando o diabo a propor, o Senhor tenha transformado a pedra em pão e tenha
comido aquilo que ele teria realizado por seu próprio poder e tenha saciado sua
fome: onde estaria a tentação, onde estaria a vitória sobre o diabo, se tudo
isso fosse escrito simploriamente?
Como dissemos,
um exame aprofundado dos fatos mostra que houve tanto a tentação, na hipótese
em que a oferta podia ter-se cumprido, como também a vitória, porque [a
tentação] foi, de fato, desprezada.
É-nos mostrado,
ao mesmo tempo, que esse pão feito a partir de uma pedra não é a Palavra de
Deus que alimenta o homem e do qual está escrito: “O homem não viverá somente
de pão, mas de toda palavra que sair pela boca de Deus o homem viverá”.
Respondo-te, ó
ser sorrateiro e malvado, que não temes tentar-me: há outro pão, o da Palavra
de Deus, que faz o homem viver.
E vejamos,
igualmente, que não é o Filho de Deus que fala assim, mas o homem que o Filho
de Deus dignou-se assumir (Fórmula que
gerou muita polêmica em séculos posteriores ao de Orígenes. O “assumptus homo”
(recebeu uma) em Orígenes encontra, pelo menos, o seguinte eco: ele reconhece a
unidade e a distinção das naturezas).
É em sua qualidade
de homem que responde, dizendo: “Está escrito: O homem não viverá somente de
pão”, o que mostra claramente que não é Deus, mas o homem que foi tentado.
Examinando com
cuidado o sentido da Escritura, creio descobrir a razão pela qual João não
contou a tentação do Salvador, mencionada somente por Mateus, Lucas e Marcos.
João, com
efeito, como havia feito um prólogo a partir de Deus, dizendo: “No princípio era
o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus, e o Verbo era Deus”, não pudera compor
a ordem da geração divina, mas somente havia expressado que ele era de Deus e,
com Deus, acrescentou: “E o Verbo se fez carne”.
E porque o Deus
do qual tinha de falar não pode ser tentado, não o mostrou sendo tentado pelo
diabo.
Ao contrário, o
Evangelho de Mateus apresenta “o livro da genealogia de Jesus Cristo”,homem que
havia nascido de Maria; em Lucas, sua geração é descrita; em Marcos, é o homem
que é tentado.
Por isso é
reportada uma resposta semelhante de Jesus: “O homem não vive somente de pão”.
Se, portanto, o Filho
de Deus, verdadeiramente Deus, tornou-se homem por ti e é tentado, tu, que por natureza
és homem, não te deves indignar, se por acaso és tentado.
Mas se na
tentação tiveres imitado aquele homem que por ti foi tentado, e tiveres vencido
a tentação, terás esperança com ele, que então foi homem, agora, porém, deixou
a condição humana.
Pois aquele que
outrora era homem, depois que foi tentado e que “distanciou-se dele o diabo até
o tempo” de sua morte, “ressurgindo dentre
os mortos, daí em diante não morre mais”.
Ora, todo homem
está sujeito à morte; este, portanto, que não morre mais, já não é um homem,
mas é Deus.
Mas se é Deus
aquele que outrora foi homem, e se deves tornar-te semelhante a ele, quando “formos
semelhantes a ele e o virmos, tal como é”, será
necessário que tu também te tornes deus no Cristo Jesus (Trata-se da semelhança reservada à beatitude final e à divinização
perfeita. O progresso espiritual é a passagem da imagem à semelhança), “a
quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.
O que você
deseja destacar no texto?
Como este
texto serviu para sua espiritualidade?