domingo, 16 de julho de 2023

234 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Nono (Capítulos 49- 57).

                                     

234

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Nono (Capítulos 49- 57)

O livro IX refuta os argumentos arianos sobre a inferioridade do Filho. Hilário demonstra que é preciso distinguir em Cristo as duas naturezas e os diversos estágios, antes da encarnação, na sua vida terrena e depois da ressurreição.

 Capítulo 49.

1.      Acrescenta ainda a isso o que pregas erroneamente para atribuir-lhe fraqueza: Todo aquele que o Pai me dá vem a mim, e quem vem a mim eu não o rejeitarei, pois desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a daquele que me enviou (Jo 6,37-38).

2.      Talvez o Filho não tenha uma vontade livre, de sorte que a incapacidade da natureza lhe imponha a necessidade. Por isso, seria sujeito à necessidade e não teria liberdade para poder rejeitar aqueles que lhe foram dados pelo Pai e que vêm a Ele. Mas, não: o que o Senhor indica é a unidade do mistério, quando não rejeita os que lhe foram dados, e não faz a sua vontade, mas a do que O enviou.

3.      Depois de repetir esta mesma palavra aos judeus murmuradores, confirma o sentido de nossa interpretação ao dizer: Quem escuta o ensinamento do Pai e dele aprende vem a mim; não que alguém tenha visto o Pai, a não ser Aquele que vem de Deus, Este viu o Pai. Em verdade, em verdade, eu vos digo: quem crê em mim tem a vida eterna (Jo 6,45-47).

4.      Indago, primeiro, quando foi ouvido o Pai e quando ensinou aos ouvintes. Ninguém vê o Pai, a não ser Aquele que vem de Deus. E como alguém poderá ouvir Aquele que ninguém vê? O que ouve o Pai vem ao Filho e, quando o Filho é ouvido e ensina, demonstra ter em si a propriedade da natureza paterna que é ouvida e ensina.

5.      Quando o Filho ensina e é ouvido, deve-se entender que se ouve a doutrina paterna. Como ninguém vê o Pai e, quando se vai ao Filho, escuta-se e aprende-se do Pai que se deve ir ao Filho, somos exortados a entender que, no Filho que fala, é o Pai que ensina e que, no Filho, que é visto, é ouvido o Pai, que por ninguém é visto, porque, pela perfeita natividade, o Filho possui o que é próprio da natureza paterna.

6.      Por conseguinte, quando o Deus Unigênito quis dar testemunho do poder original do Pai, salvaguardando em si a unidade de natureza, não rejeitou os que lhe foram dados pelo Pai e não fez a sua vontade, mas a daquele que o enviou.

7.      Isto não significa que Ele não queira o que faz, ou que não se deva ouvi-lo quando ensina, mas sim que Ele quer mostrar que o que envia e o que é enviado possuem a mesma natureza divina, porque tudo aquilo que quer, faz e diz significa a vontade, a obra e a palavra do Pai.

 

Capítulo 50.

8.      Que tenha a vontade livre, mostra-o sem ambiguidade ao dizer: Assim como o Pai ressuscita mortos e os faz viver, também o Filho dá a vida a quem quer (Jo 5,21).

9.      Ao manifestar serem iguais, no Pai e no Filho, o poder, a força, a dignidade e a honra, mostra a liberdade da vontade.

10.  Quando a unidade é demonstrada, também é revelada a obediência à vontade paterna. O Filho faz o que o Pai quer. Fazer, porém, é mais do que obedecer à vontade. Obedecer à vontade significa necessidade exterior, fazer à vontade é próprio da unidade, visto que resulta da vontade.

11.  Quando o Filho faz a vontade do Pai, ensina que, pela identidade da natureza, a sua vontade está unida à do Pai, pois tudo o que faz é vontade dele.

12.  O Filho quer tudo o que o Pai quer, e não discorda dele, por causa da unidade da natureza.

13.  Qual seja a vontade do Pai, mostra-o, ao dizer: Esta é a vontade de meu Pai: que todo aquele que vê o Filho, e nele crê, tenha a vida eterna, e que eu o ressuscite no último dia (Jo 6,40).

14.  Vê agora se o Filho discorda da vontade do Pai quando diz: Pai, aqueles que me deste, quero que onde eu estou, também eles estejam comigo (Jo 17,24).

15.  Não há dúvida a respeito daquilo que o Filho quer. Assim como o Pai quer que os que creem no Filho tenham a vida eterna, o Filho quer que os que creem nele estejam onde Ele está, a menos que habitar com Cristo não seja a vida eterna, ou que Cristo não conceda aos que nele creem uma vida perfeita e bem-aventurada, quando diz: Ninguém conhece o Filho, senão o Pai, ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar (Mt 11,25).

16.  Acaso não pertence à vontade livre querer dar-nos o conhecimento do mistério do Pai? E é tão livre a sua vontade, que quer conceder o conhecimento dele e do Pai a quem quiser.

17.  Assim fica demonstrada a unidade de natureza entre o Pai e o Filho, derivada da natividade, pois o Filho é tão livre no seu querer, que faz pela vontade paterna o que faz porque quer.

 

Capítulo 51.

18.  Quem ignora totalmente a economia da fé não consegue entender os mistérios, e quem não aceitou a doutrina do Evangelho está afastado da esperança do Evangelho.

19.  Deve-se crer que o Pai está no Filho e que o Filho está no Pai pela unidade da natureza, pela força do poder, pela igualdade da honra, pela geração do Filho.

20.  Mas, talvez seja contrária a esta nossa profissão a palavra do Senhor, que diz: O Pai é maior do que eu (Jo 14,28). Que dardo de impiedade é este teu, ó herege? São estas as armas de tua insensatez? Esqueces que a Igreja não conhece dois inascíveis e não confessa dois Pais? Não te lembras mais da economia do Mediador e, nesta economia, do parto, do berço, do crescimento, da paixão, da cruz e da morte?

21.  Ao renasceres, não confessaste (no Símbolo) o Filho de Deus nascido de Maria? Se, tendo passado por tudo isso, o Filho diz: O Pai é maior do que eu, julgas dever ignorar a economia de tua salvação, que é o esvaziamento da forma de Deus?

22.  Julgas dever ignorar que o Pai permaneceu fora desta assunção das paixões humanas, naquela feliz eternidade de sua natureza incontaminada, sem assumir a nossa carne?

23.  Nós, porém, confessamos que Deus Unigênito, por existir na forma de Deus, permanecia na natureza de Deus, porém não atribuímos imediatamente a unidade da forma servil à natureza da divina unidade. Não afirmamos que o Pai está no Filho como por uma identificação corporal, mas sim, que a natureza gerada pelo Pai da sua mesma essência tem em si, naturalmente, a natureza do que a gerou, e que aquela natureza, permanecendo na forma da natureza do que a gerou, assumiu a forma da natureza e a fraqueza do corpo.

24.  O que era próprio da natureza existia (no Filho), mas já não estava na forma de Deus, porque, por seu esvaziamento, assumira a forma de servo.

25.  A natureza divina não desapareceu, como se deixasse de existir, mas, permanecendo nele a natureza de Deus, assumiu a humildade da natividade terrena exercendo o poder próprio da natureza de Deus no modo de existir da condição humilde assumida.

26.  Deus, nascido de Deus, sendo visto como Homem na forma de servo, agia como Deus por suas ações poderosas. Com suas ações demonstrava que não deixava de ser Deus e, sendo visto na condição humana, demonstrava que não deixava de ser Homem.

 

Capítulo 52.

27.  Por isso, no mesmo discurso, para afirmar sua unidade de natureza com o Pai, dissera antes: Quem me vê, vê também o Pai (Jo 14,9) e: O Pai está em mim, e eu no Pai (Jo 10,38).

28.  Como, pela igualdade de natureza, não se diferenciam, quando se via o Filho, via-se também o Pai.

29.  Permanecendo Aquele que é Um, no que é Um, não se podem distinguir. No entanto, para que não se julgasse que comparava à visão do Pai a contemplação corporal dele mesmo, acrescentou: Crede em mim, eu estou no Pai, e o Pai em mim; crede ao menos por causa destas obras (Jo 14,11-12).

30.  O poder pertence à natureza, e a eficácia de suas ações advém de seu poder. Pelas ações realizadas pelo seu poder, deve-se reconhecer sua unidade de natureza com o Pai. À medida que alguém o reconheça como Deus pelo poder da natureza, conhecerá também a Deus Pai na força da sua natureza.

31.  O Filho dá a conhecer, em suas obras, que o Pai deve ser visto nele, já que é tão grande quanto o Pai. Por isso, deve-se reconhecer que o Pai não é diferente do Filho, quando se entende que não são diferentes pelo poder da natureza.

 

Capítulo 53.

32.  Estando para realizar a economia da Encarnação e levar a seu termo o mistério da forma servil que assumiu, o Deus Unigênito usou esta expressão para demonstrar o que seja a nossa fé: Ouvistes o que eu vos disse: vou, e venho a vós. Se me amásseis, ficaríeis alegres porque vou para o Pai (Jo 14,28).

33.  Já explicamos antes o que se refere à natureza da divindade. Acaso agora esta afirmação retiraria do Filho a igualdade de natureza, consumada pela genuína natividade? Seria ofensivo para o Deus Unigênito ter por Pai o Deus Inascível, quando a sua natividade como Unigênito o faz subsistir como natureza unigênita do Deus inascível?

34.  O Filho não é a origem de si mesmo, nem existe a partir do nada, mas é natureza vivente que procede da natureza vivente e tem em si o poder da sua natureza.

35.  Proclamando a origem desta natureza, dá testemunho de sua glória e da graça de sua natividade na glória. Presta ao Pai a honra que lhe é devida, obedecendo à vontade do que O enviou, porém não diminuiu, pela obediência da humildade, a unidade de natureza. Fez-se obediente até a morte, mas, depois da morte, seu nome não deixa de estar acima de todo nome (cf. Fl 2,8-9).

 

Capítulo 54.

36.  Talvez se julgue não ser Ele igual ao Pai porque o nome de Filho lhe é dado depois do esvaziamento da forma de Deus. Esta afronta ignora o mistério da humilhação assumida.

37.  Se o nascimento como Homem trouxe nova natureza e a humildade mudou sua forma, ao assumir a condição servil, agora a doação do nome torna a dar-lhe a igualdade da forma.

38.  Pergunta o que foi dado. Se foi dado o que é de Deus, o dom desta natureza não traz inferioridade à natureza divina. Este nome que agora lhe é dado contém o mistério do dom, mas isto não quer dizer que, ao recebê-lo como dom, esteja recebendo um nome que não é o seu.

39.  O nome é dado a Jesus, para que diante dele todo joelho se dobre, no céu, na terra e nos infernos, e toda língua confesse que o Senhor Jesus está na glória de Deus Pai (cf. Fl 2,10). A honra desta confissão lhe é dada: que se confesse que está na glória de Deus Pai.

40.  Ouve: O Pai é maior do que eu (Jo 14,28), mas fica sabendo que se trata daquele de quem foi dito que, por causa de sua obediência, recebeu um nome que está acima de todo nome (cf. Fl 2,9). Ouve de novo: Eu e o Pai somos um (Jo 10,30); Quem me vê, vê também o Pai (Jo 14,9); Eu estou no Pai, e o Pai está em mim (Jo 14,11). Entende qual é a honra prestada com a confissão: o Senhor Jesus está na glória de Deus Pai.

41.  Quando acontece: o Pai é maior do que eu? Sem dúvida ao ser dado o nome acima de todo nome. Quando se realiza o dito: Eu e o Pai somos Um?

42.  Exatamente quando toda língua confessa que o Senhor Jesus está na glória de Deus Pai. Se, pela autoridade de quem doa, o Pai é maior, o Filho acaso será menor, pela confissão do dom?

43.  Na verdade, o que doa é maior, porém Aquele a quem é dado ser Um com Ele não é menor. Se não é dado a Jesus que se confesse estar na glória de Deus Pai, então é menor do que o Pai.

44.  Se, porém, lhe é dado ter a mesma glória que o Pai, tens, na autoridade do que doa, a razão pela qual é maior e, na confissão do que recebe o dom, o motivo pelo qual são Um.

45.  O Pai é maior do que o Filho. Certamente é maior porque lhe concede ser aquilo que Ele é. Concede-lhe, pelo mistério da natividade, ser imagem da inascibilidade. Gera-o de si mesmo para que reproduza sua forma. Outra vez o reconduz da forma de servo à forma de Deus. Concede a Jesus Cristo, Deus morto segundo a carne, que é Cristo Deus, nascido na sua glória segundo o Espírito, estar de novo na sua glória. Mostra assim por que, se o amassem, os discípulos se alegrariam porque Ele ia para o Pai, porque o Pai é maior.

 

Capítulo 55.

46.  Ensina que este gáudio provém da dileção, porque o amor se alegra com a confissão de que Jesus está na glória de Deus Pai.

47.  Revela a seguir o motivo pelo qual mereceu recuperar a glória: Pois vem o príncipe deste mundo, e não tem nenhum poder sobre mim (Jo 14,30).

48.  O príncipe deste mundo não tem nenhum poder sobre Ele porque Ele foi visto na condição de Homem, na semelhança da carne do pecado, mas permanecia fora do pecado, e por causa do pecado, condenou o pecado na carne (Rm 8,3).

49.  Referindo tudo isso à obediência à vontade do Pai, acrescentou: Mas para que o mundo saiba que eu amo o Pai, e faço o que o Pai me ordenou; levantai-vos, vamo-nos daqui (Jo 14,31).

50.  Para consumar o mistério da paixão corporal, movido pelo desejo de realizar o mandato paterno, apressa-se em levantar-se revelando, logo a seguir, o mistério da assunção de um corpo, pelo qual lhe seríamos unidos como os ramos à videira. Como ramos, não daríamos fruto útil a não ser que Ele se tivesse tornado videira (cf. Jo 15,1-6).

51.  Exorta-nos a permanecer nele pela fé na assunção do corpo, para que, como o Verbo se fez carne, fôssemos inseridos em sua natureza carnal à semelhança dos ramos da videira. Separou a forma da majestade paterna da assunção desse corpo humilde, quando se declarou videira para a unidade dos ramos e mostrou o Pai como agricultor cuidadoso desta videira, que corta os ramos inúteis e infrutíferos e os entrega para serem queimados.

52.  Depois de dizer: Quem me vê, vê também o Pai (Jo 14,9), e: As palavras que eu vos digo, não as digo eu, mas o Pai que está em mim, Ele faz suas obras (Jo 14 10), e: Crede em mim, porque eu estou no Pai, e o Pai em mim (Jo 14,11), a fim de manifestar o mistério da natividade e da assunção do corpo, disse a seguir: o Pai é maior do que eu (Jo 14,28).

53.  E logo, para esclarecer o sentido desta frase, apresentou o exemplo do agricultor, da videira e dos ramos, mostrando assim a assunção da humildade do corpo.

54.  Ensina ser esta a causa de sua ida para o Pai e da alegria dos que o amam, por causa de sua ida para o Pai, porque o Pai é maior do que Ele, pois seria reassumido por Ele na glória, junto dele, e, por Ele, seria glorificado, não com uma nova glória, mas com a que possuía no princípio, não com uma glória que tivesse outra origem, mas com aquela que tinha junto dele.

55.  Se, portanto, não deve ser glorificado nele, isto é, por estar na glória de Deus Pai, podes atribuir-lhe uma natureza inferior. Se, ao contrário, ser glorificado por Ele significa o poder, reconhece ser o Pai maior pelo poder de glorificar.

 

Capítulo 56.

56.  Por que te aproveitas do mistério da economia para blasfemar? Por que levas para a morte o mistério de nossa salvação? O Pai que há de glorificar o Filho é maior. O Filho glorificado no Pai não é menor. Como será menor quem está na glória de Deus Pai?

57.  Porém, o Pai não é maior? Certamente o Pai é maior, por ser o Pai, mas o Filho, por ser o Filho, não é menor. A natividade do Filho faz com que o Pai seja maior. A natureza da natividade não permite ao Filho ser menor.

58.  O Pai é maior porque a Ele é pedido que glorifique o Homem assumido. O Filho não é menor porque retoma a glória junto do Pai.

59.  Assim se cumpre o mistério da natividade eterna e a economia da Encarnação. O Pai, porque é Pai e agora glorifica o Filho do Homem, é maior. O Pai e o Filho são Um, porque o Filho nascido do Pai, depois de assumir o corpo terreno, é glorificado no Pai.

 

Capítulo 57.

60.  A natividade não significa inferioridade da natureza, porque o que nasce de Deus existe na forma de Deus.

61.  Embora se julgue, pelo significado das palavras, que são diferentes o Inascível e o que nasce, o que nasce não está fora da natureza do que é inascível, porque não recebe de outra origem o seu subsistir. Ainda que não tenha recebido a inascibilidade, juntamente com o Pai, no entanto recebeu de Deus inascível o ser Deus.

62.  Nossa fé, mesmo não compreendendo o início da natividade, professa que o Unigênito é eternamente Deus, porque a sua natureza não permite que se confesse ter começado a existir Aquele cuja natividade está além de todo início do tempo.

63.  Ao confessar que Ele existiu sempre e antes dos tempos, não se duvida, no entanto, de que tenha nascido na eternidade intemporal, embora se afirme que a natividade deva ser entendida como sem princípio.

 

O que você destaca no texto?

Como serve para sua espiritualidade?

O que você destaca na fala do seu irmão/ã?

 

 

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