domingo, 9 de julho de 2023

233 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Nono (Capítulos 41- 48).

 


233

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Nono (Capítulos 41- 48)


 


 

Capítulo 41.

1.      Porque Deus foi glorificado no Filho do Homem, que é também Filho de Deus, vejamos o que se acrescenta pela terceira vez: Se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo.

2.      Que mistério se oculta aqui? Deus, glorificado no Filho do Homem, glorificará em si o Deus glorificado.

3.      No Filho do Homem está a glória de Deus, e Deus glorifica em si a glória de Deus na glória do Filho do Homem.

4.      Certamente, o Homem não é glorificado por si mesmo, e Deus, que é glorificado no Homem, embora receba a glória, não é diferente de Deus.

5.      Mas, como, tendo sido glorificado o Filho do Homem, Deus que glorifica a Deus, o glorifica em si mesmo, vejo a glória da natureza (humana) ser assumida na glória da natureza do que glorifica a natureza do Homem.

6.      Deus não se glorifica, mas glorifica em si mesmo o Deus glorificado no Homem. E porque glorifica em si mesmo, apesar de não se glorificar, assume, no entanto, na glória de sua natureza, a natureza que glorifica.

7.      Deus, que glorifica a Deus, porque é glorificado no Homem, glorifica-o em si mesmo e demonstra que o Deus a quem glorifica está nele, já que o glorifica em si mesmo.

8.      Apresenta agora, quem quer que sejas, ó herege, as inexplicáveis questões de tuas sinuosas doutrinas, que se enredam em seus próprios nós. Tais doutrinas, mesmo que sejam muito numerosas, não podem trazer, para nós, o malefício da dúvida.

9.      O Filho do Homem é glorificado e, nele, Deus é glorificado. Deus glorificou em si mesmo o Deus glorificado no Homem.

10.  Não é a mesma coisa ser glorificado o Filho do Homem, ser Deus glorificado no Filho do Homem, ou Deus glorificar em si mesmo o que foi glorificado no Homem.

11.  Diz-me, com as palavras de tua impiedade, como entendes ser Deus glorificado no Filho do Homem. Certamente, ou é necessário que seja Cristo o que é glorificado na carne, ou que seja o Pai o que é glorificado em Cristo.

12.  Se é Cristo, certamente Cristo, que é glorificado na carne, é Deus. Se é o Pai, trata-se do mistério da unidade, já que o Pai é glorificado no Filho.

13.   Assim, confessando que é Cristo, dizes, mesmo contra a vontade, ser Ele Deus. Entendendo que Deus é o Pai, não negas em Cristo a natureza de Deus Pai. Tudo isso foi dito sobre o Filho do Homem que foi glorificado e sobre Deus glorificado nele.

14.  Quanto a Deus que glorifica em si mesmo a Deus glorificado no Filho do Homem, que recurso afinal te resta para afirmares com impiedade que Cristo não é Deus verdadeiro segundo a verdade da natureza?

15.  Deus glorifica em si mesmo a Cristo nascido como Homem. Acaso Aquele que Ele glorifica em si mesmo não está nele? Deus torna a dar a Cristo, em si mesmo, a glória que Cristo possuía junto dele. A forma servil assumida pelo Filho é assumida na forma de Deus, em si mesmo, e o Deus glorificado no Homem, este Deus que, antes do esvaziamento da Encarnação, existia nele mesmo, por ter a mesma forma e pela natureza que lhe vem da natividade, é glorificado no Pai.

16.  Pois a natividade não produziu um Deus com uma natureza nova nem alheia, mas, pela geração, Ele tem uma subsistência pessoal como Filho, por natureza, daquele que é Pai por natureza. Depois da sua natividade como Homem, glorificado como Homem, de novo brilha na glória de sua natureza e Deus o glorifica em si mesmo quando, depois de ter-se esvaziado dela por causa da economia da salvação, é assumido na glória da natureza paterna.

 

Capítulo 42.

17.  A fé apostólica faz calar tua argumentação ímpia e insensata e impede que continues a discutir livremente, quando diz: E toda língua confessará que o Senhor Jesus está na glória de Deus Pai (Fl 2,11).

18.  Deve-se confessar que Aquele que o Pai glorificou em si mesmo está em sua glória.

19.  Do que declara estar na glória de Deus Pai, e a quem o Pai glorificou em si mesmo, sem dúvida alguma, deve-se entender que existe na mesma condição que o Pai, porque o Pai o glorifica em si mesmo e deve-se confessar que está na sua glória, pois está, não somente na glória de Deus, mas na glória de Deus Pai, que não o glorificou por uma glória exterior, mas glorificou-o em si mesmo.

20.  Ao recebê-lo na glória que é sua, aquela glória que tivera junto dele, não só o glorifica junto de si, mas também em si. Assim se entende ser Cristo inseparável desta união com o Pai, na qual acreditamos, também sob a condição humilde do Homem, pois diz: Esta é a vida eterna: que te conheçam a ti, único Deus verdadeiro, e Aquele que enviaste, Jesus Cristo (Jo 17,3).

21.  Se é conhecido somente Deus Pai, sem Cristo, não há vida eterna, e Cristo é glorificado no Pai, pois se a vida eterna consiste em conhecer o único Deus verdadeiro e Aquele que Ele enviou, Jesus Cristo, negue-se ser Cristo verdadeiro Deus, se a vida consiste em crer em Deus sem Cristo.

22.  Se somente o Pai é Deus verdadeiro, não pertença ao Deus Cristo toda a glória, a não ser que toda a glória de Cristo não esteja no único Deus verdadeiro, o Pai. Mas, se o Pai glorifica em si mesmo e se somente o Pai é Deus verdadeiro, Cristo não está fora do único Deus verdadeiro, porque Cristo é glorificado como Deus pelo Pai, único Deus verdadeiro, em si mesmo. E porque é glorificado pelo único Deus verdadeiro em si mesmo, não se separa do único Deus verdadeiro, porque, por Ele, é glorificado em si mesmo.

 

Capítulo 43.

23.  Talvez ocorra à tua ímpia perfídia opor-se à piedosa asserção de nossa fé, porque, quando Ele diz: Em verdade, em verdade, eu vos digo: o Filho por si mesmo nada pode fazer, mas só aquilo que vê o Pai fazer (Jo 5,19), esta confissão de incapacidade parece  estranha à compreensão do Deus verdadeiro.

24.  A dupla afronta dos judeus exige uma dupla resposta, pois seria, de fato, uma declaração de incapacidade dizer que o Filho nada pode fazer por si mesmo, mas só o que vê o Pai fazer.

25.  Com uma única frase respondemos a duas acusações dos judeus, que o acusam pelo crime de violar o sábado e não aceitam a igualdade de Cristo com Deus, quando Ele declara ser Deus seu Pai.

26.  Julgas que, por ser esta palavra uma resposta aos judeus, pode-se ocultar o seu verdadeiro significado? Apesar de já termos tratado disto em outro livro, como não há prejuízo para a religião, mas é antes vantajoso que se trate de novo das verdades da fé, vamos tornar a estudar o mesmo assunto, visto que surgiu a ocasião.

 

Capítulo 44.

27.  Estas palavras do Evangelho tornam necessária a primeira resposta: E por isso os judeus perseguiam a Jesus, e procuravam matá-lo, porque fazia estas coisas no sábado (Jo 5,16).

28.  A ira deles se acendia a ponto de quererem matá-lo, por causa das obras feitas no sábado. Mas vejamos como o Senhor responde: Meu Pai trabalha até agora, e Eu também trabalho (Jo 5,17).

29.  Mostra-me, ó herege, que obra do Pai é esta, pois, pelo Filho e no Filho, tudo existe, as coisas visíveis e invisíveis. Se tu sabes mais que os Evangelhos, é forçoso que sejas adepto de outras doutrinas arcanas para chegar ao conhecimento das obras paternas e mostrar o Pai que trabalha.

30.  O Pai opera no Filho, visto que Ele mesmo diz: As palavras que eu vos digo, não as digo eu, mas o Pai, que está em mim, Ele faz suas obras (Jo 14,10). Percebes o que significa: Meu Pai trabalha até agora? Disse isso, para que se entendesse que tem em si o poder da natureza paterna, tendo usado seu poder nas obras realizadas no sábado.

31.  Se, quando Ele opera, o Pai opera nele, forçoso é que, quando o Pai opera, Ele opere. Por isso diz: Meu Pai trabalha até agora, para que suas palavras e ações sejam consideradas como operação da natureza paterna presente nele.

32.  Meu Pai trabalha até agora significa que a ação é realizada no único e mesmo momento em que fala, de modo que não se creia que a obra do Pai seja uma obra diferente da que Ele realiza, pois, se o Pai trabalha até agora, a mesma obra, feita no momento em que Ele fala, é obra do Pai.

33.  Para que a fé, baseada apenas no conhecimento do Pai, não se visse privada da esperança na vida eterna, logo acrescenta: eu também trabalho.

34.  Aquilo mesmo que o Pai opera agora, também o Filho opera. Deste modo ensinou qual é a perfeição da fé, mostrando que o que se faz agora se realiza no tempo em que se fala, e que o que Pai faz, também o Filho o faz.

35.  Exclui assim a unicidade de um solitário. Contudo aumentou a indignação dos ouvintes, pois assim continua: Por isso com mais empenho procuravam os judeus matá-lo, porque, não apenas violava o sábado, mas também dizia ser Deus seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus (Jo 14,18).

36.  E aqui, de novo, advirto que, tanto pelo bom senso do Evangelista como pela aquiescência comum do gênero humano, o Filho existe em igualdade de natureza com o Pai, e não existe igualdade a não ser que proceda da mesma natureza, porque o que nasce não recebe de outra origem aquilo que é, e todo o que é gerado não é alheio ao que o gera, pois dele recebe o ser para que seja o que é.

37.  Portanto, vejamos o que o Senhor responde à dupla acusação: Em verdade, em verdade vos digo: o Filho por si mesmo nada pode fazer, mas só aquilo que vê o Pai fazer, pois tudo o que Ele faz, o Filho o faz igualmente (Jo 5,19).

 

Capítulo 45.

38.  É preciso relacionar essa palavra com o que a precede, para não forçá-la, impondo-lhe um sentido diferente, originado de uma compreensão própria, contrária à fé. Se representa uma resposta motivada pela indignação, nossa fé expressará melhor o que ela ensina do que a perversidade irreligiosa defende o erro de sua impiedade.

39.  Vejamos se esta resposta diz respeito à acusação de trabalhar no sábado: Em verdade eu vos digo, o Filho por si mesmo nada pode fazer, mas só aquilo que vê o Pai fazer. Acima dissera: Meu Pai trabalha até agora, e eu também trabalho (Jo 5,17). O Filho não tem crime se age pela autoridade da natureza paterna que tem em si. Ele age pela ação do Pai que trabalha até agora no sábado, nesta obra, na qual se manifesta a autoridade do agir paterno.

40.  Dizendo não pode, não se refere à incapacidade, mas à autoridade, pois não pode por si mesmo, a menos que veja. Ter visto, porém, não lhe confere poder. Se ter visto não lhe dá poder, não poder sem ver não enfraquece a natureza, mas, o fato de ver revela a origem do poder. Ao dizer: mas só aquilo que vê, quer referir-se à consciência que se adquire na visão, como diz aos Apóstolos: Erguei os olhos e vede os campos, como estão brancos para a colheita (Jo 4,35).

41.  Pela consciência de ter em si a natureza do Pai, que nele opera quando Ele opera, para que não pensassem haver violado o sábado, diz: o Filho por si mesmo nada pode fazer, mas só aquilo que vê o Pai fazer (Jo 5,19).

42.  Quer mostrar que opera tendo consciência da natureza que nele age, porque, quando trabalha no sábado, o Pai também trabalha no sábado, até agora.

43.  Os ditos seguintes se referem a outra acusação: Tudo o que o Pai faz, o Filho o faz igualmente (Jo 5,19). Censura a incapacidade do Filho de Deus, retira-lhe também a igualdade de natureza, se tudo o que o Pai faz, o Filho também não faz igualmente, se devemos admitir alguma diferença entre o poder de agir do Pai e o do Filho, se aquilo que pertence à igualdade de natureza e de poder não requer a igualdade da honra.

44.  Ele mesmo continua dizendo: Para que todos honrem o Filho, assim como honram o Pai. Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou (Jo 5,23). Distingue a igualdade de natureza quando na honra não há disparidade; mostra fraqueza da natureza do Filho quando age com o mesmo poder do Pai!

 

Capítulo 46.

45.  Por que transformas o questionamento que provocou esta resposta em afronta à divindade? Cristo responde à acusação de trabalhar no sábado, dizendo não poder fazer nada a não ser o que vê o Pai fazer e, para demonstrar a igualdade com Ele, afirma fazer tudo o que o Pai faz.

46.  Tu usas a palavra a respeito do sábado para acusá-lo de fraqueza, dizendo que aquilo que o Pai faz, o Filho não o faz igualmente.

47.  Se, porém, todas as coisas, sem exceção, são feitas, em que se encontrará fraqueza, se não há nada que o Pai possa fazer que o Filho também não possa? Em que se nega a igualdade, em nome da sua fraqueza, se uma e a mesma honra é atribuída a ambos? Se o poder de operar é o mesmo e se também a honra é a mesma, não entendo onde se encontra a desonra de uma natureza fraca, visto que são as mesmas, no Pai e no Filho, a força do poder e a igualdade da honra.

 

Capítulo 47.

48.  Esta questão já foi tratada exaustivamente. Contudo, o fato de ter o Senhor dito: O Filho por si mesmo nada pode fazer, mas só aquilo que vê o Pai fazer (Jo 5,19) poderia trazer proveito para a impiedade que quer demonstrar a inferioridade de sua natureza. Assim, é preciso explicar que estas palavras indicam que está consciente de haver nele a natureza paterna, pela qual, com autoridade, trabalhou no sábado.

49.  Deve-se também expor o sentido de outra palavra do Senhor a esse respeito: nada faço por mim mesmo, mas falo como o Pai me ensinou. E quem me enviou está comigo e não me deixa só, porque faço sempre aquilo que lhe agrada (Jo 8,28-29). Percebes o que seja nada poder fazer o Filho, a não ser o que vê o Pai fazer? Por que mistério teria dito nada faço por mim mesmo e não me deixa só, porque faço sempre aquilo que lhe agrada?

50.  Se nada faz por si mesmo, porque nele está o Pai, por que motivo o Pai não o deixa só, porque faz o que lhe agrada? De acordo com teu parecer, ó herege, as afirmações, de que nada faz por si mesmo, mas só o que é ensinado pelo Pai que permanece nele e de que o Pai permanece nele porque faz aquilo que lhe agrada, não concordam entre si.

51.  Se nada faz por si mesmo porque o Pai está nele, como pôde merecer que o Pai permanecesse nele, porque sempre faz o que lhe agrada? Não há mérito algum em não fazer por si mesmo o que faz. Por outro lado, como aquilo que o Filho faz agrada ao Pai, se é o Pai que permanece no Filho, que faz?

52.  Não tens saída, ó impiedade, e a piedade de nossa fé baseada em sólidos argumentos te constrange. Ou o Filho faz alguma coisa, ou não faz. Se não faz, como pode agradar aquilo que faz? Se faz, como faz aquelas coisas que não faz por si, se é próprio do Filho fazer as coisas que agradam ao Pai e não têm mérito as que não faz por si mesmo?

 

Capítulo 48.

53.  Pertence à unidade da natureza, que tu contradizes, agir por si, de tal forma que não atue por iniciativa própria, e não agir por iniciativa própria, de tal forma que atue por si. Entende o Filho que age e o Pai que age por Ele. Não age por si, porque se deve demonstrar que o Pai permanece nele. Age por si, porque, em virtude da natividade, como Filho, faz, Ele mesmo, o que agrada ao Pai.

54.  Seria fraco por não agir por si mesmo, se não agisse fazendo aquelas coisas que agradam (ao Pai). Ou então não haveria unidade de natureza, se, ao fazer o que agrada, não o fizesse por si, mesmo que o Pai, que permanece nele, o ensine a fazer.

55.  Assim, o Pai, que permanece nele, ensina o Filho a agir, e o Filho, quando age, não age por si. O Filho que não age por si, quando faz o que agrada ao Pai, age. A unidade de natureza se mantém na ação, pois o que age não age por si mesmo e o que não age por si mesmo é o que age.

 

O que você destaca no texto?

Como serve para sua espiritualidade?

O que você destaca na fala do seu irmão/ã?

 

 

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