O livro IX refuta
os argumentos arianos sobre a inferioridade do Filho. Hilário demonstra que é preciso
distinguir em Cristo as duas naturezas e os diversos estágios, antes da
encarnação, na sua vida terrena e depois da ressurreição.
Dia 08 de julho de 2023
Capítulo
32.
1.
O Senhor usou uma progressão no seu
ensinamento para fazer-nos compreender quem Ele era. Ensinou ter saído de Deus,
disse que o Pai estava junto dele, afirmou ter vencido o mundo, disse que,
quando fosse glorificado pelo Pai, iria glorificar o Pai e declarou que usaria
o poder que recebera para dar a vida eterna a toda carne.
2.
Concluiu assim o seu discurso: A
vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o Deus único verdadeiro, e aquele que
enviaste, Jesus Cristo (Jo 17,3).
3.
Aprende, ó herege, a proclamar a fé que
dá a vida eterna e nela crer. E separa, se puderes, o Cristo de Deus, o Filho
do Pai, o Deus que está acima de tudo do Deus verdadeiro, o Único Deus do Único
Senhor (pois há um só Senhor Jesus Cristo [1Cor 8,6]), se a vida eterna
consiste em crer no único Deus verdadeiro, sem Cristo.
4.
No entanto, não se chega à vida eterna pela
confissão do único Deus verdadeiro, quando se separa Cristo do único Deus verdadeiro.
5.
Assim, não compreendo como se pode
separar de Deus, quanto à fé, o que não pode ser separado dele em vista da
salvação.
Capítulo
33.
6.
Embora saiba que estas explicações
demoradas de tão difíceis questões se tornam um peso para os leitores desejosos
de aprender, julgo necessário adiar um pouco a plena demonstração da verdade.
7.
É com proveito para a fé que devo lutar
contra ti, ó herege, usando as mesmas sentenças evangélicas.
8.
Ouves a declaração do Senhor: A vida
eterna é esta, que te conheçam a ti, único Deus verdadeiro, e Aquele que
enviaste, Jesus Cristo (Jo 17,3).
9.
Indago o que te leva a pensar que
Cristo não seja verdadeiro Deus. Não existe nenhuma outra indicação do que
deves crer sobre Cristo; não tens nada, a não ser Jesus Cristo,
nem Filho do Homem, como costumava chamar a si mesmo, nem Filho de
Deus, como se declarou várias vezes, nem pão vivo descido dos céus,
como se chamou com frequência, para escândalo de muitos.
10. Ao
dizer: a ti, único Deus verdadeiro, e Aquele que enviaste, Jesus Cristo, abandona
todo nome e cognome seu, seja natural, seja assumido. E como só dá a vida
eterna Aquele que deve ser proclamado único e verdadeiro Deus e Jesus Cristo,
não há dúvida de que se fala de Jesus Cristo, como Deus.
Capítulo
34.
11. Talvez
por dizer a ti, único, separe-se da comunhão e unidade com Deus.
Separar-se-ia, sim, se não houvesse logo acrescentado: e Aquele que
enviaste, Jesus Cristo.
12. Pergunto
ao bom senso do ouvinte o que se deve crer a respeito de Jesus Cristo, se,
assim como se deve crer que o Pai é o único Deus verdadeiro, também se deve
crer que Cristo o seja.
13. Mas,
talvez, pelo fato de ser o Pai o Único Deus verdadeiro, não se admita que
Cristo seja Deus. Assim seria, certamente, se o único Deus Pai não deixasse
Cristo ser o único Senhor (cf. 1Cor 8,6).
14. Se o
fato de ser o Pai o único Deus não retira de Cristo Jesus o ser o único Senhor,
igualmente o fato de ser o Pai o único Deus verdadeiro não impede que Cristo
seja Deus verdadeiro. Logo, o que permite merecer a vida eterna é que, ao crer
no único Deus verdadeiro, se creia também em Cristo.
Capítulo
35.
15. Pergunto,
ó herege, quem é, segundo a tua ideia estulta, o Cristo em quem se deve crer.
Quem é o Cristo que concede a vida eterna, que, sendo glorificado pelo Pai, glorificou
o Pai, que venceu o mundo, que, abandonado, não está só, mas tem junto de si o
Pai, que saiu de Deus e veio do Pai?
16. Que
natureza e que realidade atribuis a quem, com tão grande poder, nasceu de Deus?
17. Creremos
inutilmente no Pai, único e verdadeiro Deus, se não crermos também naquele que
Ele enviou, Jesus Cristo.
18. Por
que duvidas? Ensina-nos o que deve ser professado a respeito de Cristo, pois,
se negas aquilo que está escrito, que te restará, senão crer no que não está
escrito?
19. Ó
infeliz vontade, ó falsidade que resistis à verdade! Se Cristo está unido à fé
e à confissão do verdadeiro Deus Pai, pergunto com que fé se negará ser Ele
Deus verdadeiro e se dirá ser criatura, já que não há fé alguma em crer no
único Deus verdadeiro sem Cristo.
20. O teu
acanhado senso, ó herege, é incapaz do divino Espírito e não se abre às
palavras celestes.
21. Inspirado
pelo erro viperino, não reconheces o Cristo como verdadeiro Deus, na fé no
único Deus verdadeiro, que deve ser confessado com vistas à vida eterna.
Capítulo
36.
22. A fé
da Igreja, confessando o único verdadeiro Deus Pai, confessa também a Cristo. Ao
confessar a Cristo como verdadeiro Deus, não deixa de confessar o Pai, único
Deus verdadeiro, e ao confessar o único verdadeiro Deus Pai, não deixa de
confessar também a Cristo.
23. Confessa
que Cristo é Deus verdadeiro porque confessa que o Pai é o único Deus
verdadeiro. Porque o Pai é o único Deus verdadeiro, se confirma que também Cristo
é Deus verdadeiro.
24. A
natividade segundo a natureza não acarretou, para o Deus Unigênito, mudança de
natureza. Aquele que procede do Deus subsistente subsiste, como Deus, pela
natureza da divina geração, e não pode ser separado daquele que é o único Deus
verdadeiro, pela realidade da natureza.
25. A
natureza conserva sua realidade, de modo que a verdade da natureza acarreta a
verdade da natividade e o Deus Uno não dá origem a um Deus de gênero diferente
do seu.
26. O
mistério de Deus não consiste na solidão nem na diversidade, pois não se pode
pensar que Aquele que recebeu de Deus o seu ser, com a propriedade de sua
natureza, seja um outro Deus.
27. Aquele
que a verdade da natividade ensina que deve ser confessado como Pai não existe
na unicidade de pessoa.
28. Deus
que nasceu de Deus possui as propriedades de sua natureza e, pelo poder de sua
natureza, vive naquele cuja natureza possui pela natividade. Nele, Deus não mudou
nem se degenerou, porque, se a natividade acarretasse alguma deficiência, isto ofenderia
antes a natureza, pela qual subsiste o que nasceu.
29. O que
existe a partir desta natureza teria deixado de ter o que lhe pertence, e a
mudança não teria corrompido Aquele que nasceu como uma nova subsistência, mas
sim Aquele que, ao gerar o Filho, se
mostrou impotente para manter a imutabilidade da sua natureza, gerando algo diferente
e exterior a si mesmo.
Capítulo
37.
30. Não
existem, na unidade de Deus Pai e Deus Filho, as imperfeições que lhe pode atribuir
o modo humano de pensar, como já dissemos muitas vezes.
31. Não se
trata de extensão, sucessão ou emanação, como a fonte produz o regato como sua
origem, como a árvore sustém o ramo no tronco ou o fogo irradia seu calor no
ambiente.
32. Estas
coisas existem como uma extensão inseparável de sua origem, em vez de existirem
por si mesmas. O calor está no fogo, o ramo, na árvore, o regato, na fonte.
Existem como uma coisa só, em vez de procederem umas das outras, porque a
árvore não é diferente do ramo, nem o fogo do calor, nem o regato da fonte.
33. Ao
contrário, o Deus Unigênito, pela perfeita e inenarrável natividade, é Deus
subsistente, verdadeira progênie do Deus Inascível, geração incorpórea da
natureza incorpórea, Deus vivo e verdadeiro do Deus vivo e verdadeiro. É Deus
inseparável de Deus por natureza.
34. A
verdadeira natividade não fez dele um Deus de outra natureza, nem a geração que
produz a sua subsistência mudou a natureza da substância em seu gênero.
Capítulo
38.
35. Pela
economia da Encarnação e pela obediência do que se esvazia da forma de Deus, Cristo,
nascido Homem, assumiu para si nova natureza, não em prejuízo de sua força e natureza,
mas pela mudança do seu modo de ser.
36. Esvaziando-se
da forma de Deus, recebeu, ao nascer, a forma de servo, mas, com a assunção da
carne, a natureza do Pai, com a qual tinha unidade de natureza, não foi
atingida.
37. Embora
Ele permanecesse na força da natureza divina, a nova condição assumida no tempo
perdera, com a forma de Deus, no que diz respeito à humanidade assumida, a
unidade de natureza divina.
38. Chega-se
ao auge do desígnio de salvação: agora todo o Filho, isto é, Homem e Deus, pela
indulgência da vontade paterna, permanece na unidade da natureza paterna e, permanecendo
na força da natureza, permanece também no modo de ser desta natureza, e ao
homem é concedido o ser Deus.
39. O
homem assumido não poderia existir na unidade com Deus de modo algum, a não ser
que chegasse à unidade de natureza com Ele, pela união com a divindade. Porque
o Deus Verbo existia na natureza de Deus, também o Verbo feito carne podia
existir na natureza de Deus e assim o Homem Jesus Cristo podia estar na glória
de Deus Pai, visto que a carne estava unida à glória do Verbo.
40. O
Verbo feito carne retornaria então à unidade da natureza paterna, também
enquanto Homem, porque a carne assumida recebera a glória do Verbo.
41. A
unidade com o Pai deveria ser, de novo, dada ao Filho, para que Aquele que
nascera da natureza do Pai voltasse a ser glorificado nele, porque a novidade
da Economia da salvação pusera um obstáculo à unidade, e a unidade não poderia
ser perfeita como antes, se a carne assumida não fosse glorificada nele.
Capítulo
39.
42. Por
isso, depois de ter preparado por tanto tempo a inteligência dos discípulos
para entender o sentido desta verdade de fé, ao dizer: A vida eterna é esta:
que te conheçam a ti, único Deus verdadeiro, e Aquele que enviaste, Jesus
Cristo (Jo 17,3), acrescentou, referindo-se à obediência da Encarnação: Eu
te glorifiquei na terra, conclui a obra que me encarregaste de realizar (Jo
17,4).
43. Depois,
para que entendêssemos a razão desta obediência e o mistério da Economia da
salvação, continuou: E agora, glorifica-me, Pai, junto de ti, com a glória
que Eu tinha junto de ti antes que o mundo existisse (Jo 17,5).
44. Quem
nega que Cristo permanece na mesma natureza de Deus e não crê que Ele seja
inseparável e não diferente do único Deus verdadeiro, responda qual o motivo do
pedido: E agora glorifica-me tu, Pai, junto de ti.
45. Qual o
motivo para que o Pai o glorifique junto de si? Qual é a significação desta
palavra? Que se deduz daí? O Pai não carece de glória, nem se esvaziou da forma
de sua glória. Como, então, o Filho será glorificado junto dele, com a glória
que possuía junto dele antes da criação do mundo? Qual é o sentido de: ter
junto dele?
46. Não
disse: a glória que eu tinha antes que o mundo existisse, quando estava
junto de ti; mas: a glória que eu tinha junto de ti, porque estar
junto de ti significa seu ser subsistente, porém, ter junto de ti revela
o mistério da natureza.
47. Glorifica-me
junto de ti não é o mesmo que glorifica-me. Não pede apenas para
ser glorificado, como se rogasse algo da glória para si próprio, mas pede ao
Pai para ser glorificado junto dele mesmo.
48. Para
que permanecesse em sua unidade, como permanecia antes, o Pai devia
glorificá-lo junto de si, porque, pela obediência própria à economia da
salvação, a unidade da glória havia desaparecido e, pela glorificação, estaria
de novo naquela natureza à qual estava unido pelo mistério da divina natividade
e seria glorificado pelo Pai, junto dele.
49. Continuaria
a ter o que possuía antes junto dele. Assumir a forma de servo não o separaria
da natureza da forma de Deus, mas, em si mesmo, iria ser glorificada a forma de
servo, para permanecer na forma de Deus, porque Aquele que antes permanecera na
forma de Deus era o mesmo que estava na forma de servo.
50. E
quando fosse glorificada a forma de servo, para converter-se na forma de Deus,
seria glorificada junto daquele mesmo em cuja forma a condição própria da forma
servil devia ser glorificada.
Capítulo
40.
51. Não é
nova, nem aparece agora pela primeira vez, nas doutrinas evangélicas, esta palavra
do Senhor.
52. O
mistério do Deus Pai que glorifica o Filho em si mesmo foi comprovado por
aquela belíssima expressão de alegria e esperança do Senhor, logo depois de
Judas ter saído para entregá-lo.
53. No
gáudio (alegria extrema) que sentia por ver que estava para ser consumada sua
obra salvífica, diz o seguinte: Agora o Filho do Homem foi glorificado e
Deus foi glorificado nele. Se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará
em si mesmo e logo o glorificará (Jo 13,31-32).
54. Por
que nós, com nossas almas carregadas com o peso de corpos de barro, as
consciências manchadas de pecados, as mentes infectas e lamacentas, nos
ensoberbeceremos a ponto de julgar aquilo que Deus declara sobre si mesmo, e
arvorando-nos em árbitros da natureza celeste nos rebelamos contra Deus, com as
ímpias disputas de nossa má-fé?
55. O
Senhor usou palavras simples e adaptou o quanto pôde as palavras à nossa
inteligência, à medida que a fraqueza de nossa natureza podia suportá-la, mesmo
que não tenha dito nada de menos digno da majestade de sua natureza.
56. Julgo
não ser ambíguo o significado de suas palavras: Agora o Filho do Homem foi
glorificado, pois toda a glória era concedida, não ao Verbo, mas à carne,
isto é, não ao Deus nascido de Deus, mas ao Homem nascido segundo a economia.
57. Quanto
ao que se segue, pergunto o que significa: E Deus foi glorificado nele.
Deus foi glorificado nele, é o que escuto, mas o que isto significa para o teu
entendimento, ó herege, ignoro.
58. Deus
foi glorificado nele, isto é, no Filho do Homem. Desejo saber se o Filho do
Homem é o mesmo Filho de Deus. E como não é um o Filho do Homem e outro o Filho
de Deus, pois o Verbo se fez carne (Jo 14) e como Aquele que é Filho de
Deus, este mesmo é Filho do Homem, pergunto qual é o Deus que foi glorificado
neste Filho do Homem, que é também Filho de Deus. Porque Deus foi glorificado
no Filho do Homem que é também Filho de Deus.
O que você destaca no texto?
Como serve para sua
espiritualidade?
O que você destaca na fala do
seu irmão/ã?
Nenhum comentário:
Postar um comentário