sexta-feira, 8 de agosto de 2025

289 - SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA (330-379) - Regra Monástica - A Regra mais Extensa - Prólogo

 


                                           289

SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA

(330-379)

Regra monástica - A Regra mais Extensa

Prólogo

 

 

1.      Uma vez que, pela graça de Deus, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, aqui nos encontramos reunidos, nós que nos propusemos um só e mesmo escopo de vida, e vós mostrais evidente desejo de aprender alguma coisa referente à salvação, sinto-me no dever de anunciar os juízos de Deus, lembrado dia e noite da palavra do Apóstolo: Por três anos não cessei, noite e dia, de admoestar, com, lágrimas, a cada um de vós (At 20,31).

2.      A oportunidade é excelente; o lugar, silencioso, livre de agitações vindas de fora. Façamos, pois, reciprocamente, um pedido. No tempo devido, distribuamos nós a nossos companheiros a sua medida de trigo; e vós, acolhendo a palavra, qual terra boa, produzais, conforme está escrito (Mt 13,23), frutos perfeitos e múltiplos de justiça. Exorto-vos pelo amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, que se deu a si mesmo pelos nossos pecados (Tt 2,14).

3.      Sejamos, enfim, solícitos por nossas almas. Lastimemos a vaidade de nossa vida passada. Lutemos em vista dos bens vindouros, para a glória de Deus e de seu Cristo e do santo e adorável Espírito. Não fiquemos na indiferença e no relaxamento.

4.      Não desperdicemos o tempo em permanente desídia, diferindo sempre o início das boas obras, para não acontecer que, apanhados desprevenidos de boas obras por quem há de pedir contas de nossas almas, sejamos excluídos das alegrias das núpcias, e então inutilmente chorarmos e lamentarmos o tempo mal empregado, quando isto de nada servirá aos que se arrependerem. Nós estamos agora no tempo favorável, agora é o dia da salvação (2Cor 6,2).

5.      Agora é o tempo da penitência, então será o da recompensa; agora, o do labor, então, o da remuneração; agora, o da paciência, então, o da consolação. Deus é agora o auxílio dos que se convertem do mau caminho; então, será o examinador temível, e que se não deixa enganar, das ações, das palavras e dos sentimentos humanos. Usufruímos, agora, de sua longanimidade, mas conheceremos, então, seu justo juízo, ao ressuscitarmos uns para o suplício eterno, outros para a vida eterna e recebermos, cada um de nós, segundo as nossas próprias obras. Até quando adiaremos a obediência a Cristo, que nos chama a seu reino celeste? Não despertaremos de nossa embriaguez?

6.      Não nos converteremos de uma vida vulgar ao rigor do Evangelho? Como não representar, diante de nossos olhos, o dia do Senhor, terrível e manifesto, no qual obterão o reino dos céus os que, por meio de suas ações, tiveram acesso à direita do Senhor, enquanto os que, pela carência de boas obras, tiverem sido rejeitados à esquerda, serão envolvidos pela geena do fogo e pelas trevas eternas? Ali haverá choro e ranger de dentes (Mt 25,30).

7.      Dizemos que desejamos o reino dos céus; contudo, não cuidamos dos meios de obtê-lo. Nenhum esforço empregamos para cumprir o mandamento do Senhor e supomos, na vaidade de nosso espírito, que alcançaremos honras iguais às daqueles que resistirem ao pecado até à morte. Alguém, acaso, ficaria em casa sentado ou dormindo no tempo da sementeira e por ocasião da messe encheria de feixes a dobra do manto? Quem colherá uvas de uma vinha que não plantou, nem cultivou? Os frutos correspondem ao labor. As honras e as coroas são para os vencedores.

8.      Quem haveria de coroar aquele que nem ao menos se cingiu perante o adversário? Não se trata apenas de vencer, mas também de lutar segundo as regras, conforme diz o Apóstolo (2Tm 2,5), isto é, de não negligenciar nem a menor das prescrições, mas de tudo realizar de acordo com os preceitos. Feliz daquele servo que o Senhor achar procedendo assim, não ao acaso, quando vier (Lc 12,43). E ainda: Se ofereceres bem, mas não dividires bem, pecas (Gn 4,7, seg. LXX).

9.      Nós, no entanto, imaginamos cumprir um mandamento isoladamente e não contamos com a ira por causa das transgressões, mas esperamos recompensa pelo único manda mento que praticamos! Entretanto, diria que não o cumprimos. Todos os mandamentos de tal modo se compenetram, segundo o verdadeiro entendimento da Palavra que, menosprezado um, transgredem-se necessariamente os demais.

10.  Quem sonega um ou dois dos dez talentos sob sua guarda e devolve os restantes, não será considerado honesto, por causa da devolução da soma maior, e sim convencido de ser injusto e avaro por ter furtado a quantia menor. E por que falar de espoliação?

11.  Pois, será condenado até aquele a quem fora confiado um talento e o devolva todo e na íntegra, como recebera, mas sem rendimentos. Quem honrar seu pai por dez anos e depois lhe infligir um só ferimento, não será honrado como benemérito e sim condenado como parricida. Ide, pois, diz o Senhor, ensinai a todas as nações. Ensinai a observar não apenas algumas coisas e a negligenciar outras, mas a observar tudo o que vos mandei (Mt 28,19.20).

12.  E o Apóstolo, em consequência, escreve: A ninguém damos qualquer motivo de escândalo, para que o nosso ministério não seja criticado. Mas em todas as coisas nos apresentamos como ministros de Deus (2Cor 6,3.4). Se nem tudo fosse necessário ao escopo da salvação, não haveriam sido escritos todos os mandamentos, nem fora determinado se observassem obrigatoriamente todos eles.

13.  De que me serve o exato cumprimento do dever se, por ter chamado louco a um irmão, for réu da geena? Que vantagem alcança quem se liberta de muitos, se um só o sujeita à escravidão? Pois todo o homem que se entrega ao pecado, é seu escravo (Jo 8,34). De que adianta a alguém a imunidade de muitas doenças, se uma só já lhe consome o corpo?

14.  Então, dirá alguém, será inútil à multidão de cristãos, que não guarda a totalidade dos mandamentos, a observância apenas de alguns? Seria oportuno relembrar o que, por um só motivo, foi dito a São Pedro, após tantas ações perfeitas e depois de ter sido chamado bem-aventurado: Se eu não te lavar, não terás parte comigo (Jo 13,8).

15.  É ocioso asseverar que não denotava com isso negligência ou desprezo, mas reafirmava, ao invés, honra e reverência. E se alguém disser estar escrito: Todo o que invocar o nome do Senhor será salvo (J1 2,32), bastando, portanto, a invocação do nome do Senhor para salvar quem o invoca, ouça o Apóstolo: Como, pois, invocarão aquele em quem não têm fé? (Rm 10,14).

16.  Se crês escuta o Senhor: Nem todo aquele que ɬɟ diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus (Mt 7,21). Certamente, quem faz a vontade do Senhor, não, porém, como Deus o quer, nem por amor a Deus, não lhe aproveita o zelo pelas obras, conforme a palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo: Fazem para serem vistos pelos homens. Em verdade, eu vos digo: já receberam sua recompensa (Mt 6,5). Por esta razão, o Apóstolo Paulo soube dizer: Ainda que distribuísse todos os meus bens, e entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, isto nada ɬɟ aproveita (ICor 13,3).

17.  Em resumo, vejo três atitudes diferentes a nos impelirem de modo quase inevitável à obediência. Ou desviamo-nos do mal por temor do castigo: é a atitude servil. Ou cumprimos os preceitos, ambicionando a recompensa, o proveito próprio, e assemelhamo-nos aos mercenários. Ou, por causa do bem em si e por amor a nosso legislador, alegramo-nos em servir a um Deus tão glorioso e tão bom: nossa atitude, então, é a filial. Nem mesmo quem cumpre os mandamentos só por temor, receando sempre a pena da negligência, ousa praticar apenas alguns preceitos e descuidar dos outros; mas prevê igualmente um castigo temível para qualquer desobediência.

18.  Por isto, declara-se ser feliz quem vive em temor reverenciai contínuo (Pr 28,14); ficará firme na verdade, podendo dizer: Ponho sempre o Senhor diante dos olhos; pois que ele está à minha direita, não vacilarei (SI 15,8). Nada quer omitir do dever. E feliz o homem que teme o Senhor. Por que motivo? Porque nos seus mandamentos põe o seu prazer (SI 111,1).

19.  Não é próprio de quem teme transgredir as prescrições, agir com negligência. Nem mesmo o mercenário quer violar alguns preceitos. Como haver ia de obter salário pelo cultivo da vinha, se não fizer tudo o que combinou? Se faltar uma só coisa indispensável, tomá-la-á inútil para o seu proprietário. Quem ainda oferecerá recompensa àquele que agiu mal, em troca do prejuízo causado?

20.  A terceira atitude é a do serviço na caridade. Qual o filho que, movido pelo desejo de agradar ao pai, procura contrariá-lo nas coisas pequenas e alegrá-lo nas grandes? Fá-lo-á tanto mais, se estiver lembrado da palavra do Apóstolo: Não entristeçais o Espírito Santo de Deus, com o qual estais selados (Ef 4,30).

21.  De que lado querem ser colocados os transgressores da maior parte dos mandamentos? Não assistem a Deus como Pai, não lhe dão crédito quando faz promessas tão grandiosas, não o servem como a seu Senhor. Ora, se eu sou pai, diz ele, on1de estão as honras que lhe são devidas? E se eu sou Senhor, onde está o temor que se ɬɟ deve? (Ml 1,6). Porque o homem que teme o Senhor, nos seus mandamentos põe o seu prazer (SI 111,1). Foi dito: Desonras a Deus pela transgressão da Lei (Rm 2,23).

22.  Se preferimos a vida de prazeres à vida segundo os mandamentos, como podemos esperar a vida bem-aventurada, a cidadania igual à dos santos, as alegrias na companhia dos anjos, em presença de Cristo? Seria pueril imaginar tal coisa. Serei associado a Jó, se não sei suportar a menor tribulação com ações de graças? A Davi, se não me porto com longanimidade para com o adversário?

23.  A Daniel, se não procuro a Deus em contínua abstinência e laboriosa prece? A cada um dos santos, se não sigo a suas pegadas? Haverá em algum certame árbitro tão sem critério que sentencie merecerem coroas idênticas o vencedor e quem não combateu? Haverá general que distribua aos vitoriosos e aos que não comparecerem no combate partes iguais dos despojos?

24.  Deus é bom. É justo também. Justo, remunera de acordo com os merecimentos, conforme está escrito: Sede bom, Senhor, para os que são bons e para os homens reto coração. Mas aqueles que se desviam por caminhos tortuosos, que o Senhor os expulse com os malfeitores (SI 124,4.5). É misericordioso, mas é também juiz. O Senhor ama a misericórdia e a justiça (SI 32,5). Diz-se por isso: Cantarei a bondade e a justiça, a vós, Senhor (SI 100,1).

25.  Sabemos quais os que obterão misericórdia: Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia (Mt 5,7). Vês com que discernimento usa de misericórdia? É misericordioso sem prescindir do julgamento; julga sem prescindir da misericórdia. O Senhor é misericordioso e justo (SI 114,5). Não encaremos só um dos aspectos. Seu amor ao homem não nos sirva de pretexto para desleixo. Para que não fosse desprezada a sua bondade é que houve trovões e relâmpagos.

26.  Faz ele nascer o sol (Mt 5,45), mas também castiga com a cegueira (2Rs 6,18). Dá a chuva (Zc 10,1), mas também faz chover fogo (Gn 19,24). As primeiras coisas indicam a sua bondade, as segundas a sua severidade. Amemo-lo por causa das primeiras, temamo-lo em consequência das segundas, a fim de que não nos seja dito, também a nós: Ou desprezas as riquezas da sua bondade, tolerância e longanimidade, desconhecendo que a bondade te convida ao arrependimento? Mas, pela tua dureza e coração impenitente, ajuntas para ti reservas de ira para o dia da cólera (Rm 2,4.5).

27.  Não pode salvar-se quem não pratica obras conforme o mandamento de Deus, e é perigosa a omissão de algumas das prescrições, porque seria péssima arrogância constituir-se em juiz do legislador, aceitando algumas leis e rejeitando outras. Nós, portanto, lutadores na arena da piedade ² cuja vida é silenciosa e afastada dos negócios, o que contribui muito para a observância dos preceitos evangélicos ² empreguemos conjuntos esforços e conselhos mútuos, para que nenhuma prescrição nos escape. Se o homem de Deus deve ser perfeito (como está escrito e as palavras acima demonstram), forçoso é se aperfeiçoe em cada mandamento até à estatura da maturidade de Cristo (Ef 4,13).

28.  Pois, também de acordo com a lei divina, o animal mutilado, puro embora, não é vítima aceitável a Deus. Assim, se reconhecermos que nos falta alguma coisa, proponhamos a questão a exame em comum. Uma pesquisa laboriosa de muitos fará descobrir com maior facilidade a solução oculta, porque Deus mesmo, segundo a promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo (Jo 14,26), dar-nos-á achar o que buscamos, pelo ensinamento e pelas inspirações do Espírito Santo.

29.  Do mesmo modo que é uma obrigação que se lhe impõe e ai de mim se eu não anunciar o Evangelho (ICor 9,16), assim ameaça- vos perigo semelhante, se procurardes com negligência ou vos portardes com frouxidão e indolência na observância e execução dos ensinamentos transmitidos.

30.  Por isso diz o Senhor: A palavra que anunciei julgá-lo-á no último dia (Jo 12,48). E o servo que, ignorando a vontade  de seu Senhor, fizer coisas repreensíveis, será açoitado com poucos golpes; mas o que, apesar de conhecer (a vontade de seu Senhor), nada preparou e lhe desobedeceu, será açoitado com numerosos golpes (Lc 12,47-48). Oremos, pois, a fim de que eu vos dispense a palavra de modo irrepreensível e o ensino vos seja frutuoso.

31.  Cientes de que as palavras das Escrituras divinas defrontar-se-vos-ão no tribunal de Cristo ² Vou te repreender e te lançar em rosto os teus pecados (SI 49,21) atendamos, vigilantes, ao que foi dito e apliquemo-nos zelosamente à prática das divinas exortações, porque não sabemos o dia e a hora em que Nosso Senhor há de vir (Mt 24,42).

 

 

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domingo, 3 de agosto de 2025

288 SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA (330-379) - Introdução a Regra Monástica

 


Ir. Marleide, Pra. Liliam, Pr. Edson, Genisson e Frei Isaac



288

SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA

(330-379)

Introdução a Regra Monástica

 

Resumo da Vida de Basílio

·         São Basílio Magno foi um bispo, teólogo e monge que viveu na Capadócia (atual Turquia) no século IV. Foi um dos mais influentes defensores do Credo de Niceia. Principalmente no tratado do Espírito Santo.

·         Basílio empenhou todas as suas forças intelectuais e físicas na interpretação da doutrina cristã, na reforma da liturgia, na edificação da vida monástica, na defesa da ortodoxia, sem se descuidar, ao mesmo tempo, dos necessitados.

·         Pertenceu a uma família rica, numerosa (10 irmãos) e de santos. Seu avô morreu mártir na perseguição romana. Sua avó Macrina lhe transmitiu os ensinos de Gregório (o Taumaturgo – 213-270). Seu irmão Pedro foi bispo de Sebaste. Sua irmã Macrina e seu irmão Gregório de Nissa também foram canonizados. Por motivação de Macrina, visitou os ascetas do Egito, da Palestina, da Síria e Mesopotâmia (cf. Carta 1 e 223). De volta para sua terra, em 358, foi batizado pelo velho bispo de Cesareia, Diânios. Foi um homem de saúde frágil.

·         Formação: Estudou em Bizâncio, Antioquia e Atenas. Em Antioquia conhece  Eustácio de Sebástia. Importante no Monaquismo da Ásia Menor. Sua irmã Macrina interpretava as cartas Eustácio. Conheceu Gregório de Nazianzo em Atenas.

·         Viveu uma experiência monástica no deserto. Com a morte do pai, vende tudo e vai viver no deserto.  Retirou-se, na companhia de sua mãe e da irmã Macrina, para Anesi, no Ponto, numa propriedade da família, às margens do rio Íris, vivendo como eremita.

·         Gregório de Nazianzo vai juntar-se a eles. Funda uma pequena comunidade monacal. Juntos estudam as obras de Orígenes.

·         Redigiu as Grandes e Pequenas Regras, que são a base do monaquismo oriental. Teve que abandonar o monastério para ser sacerdote e depois Bispo. Escreveu 366 cartas, comentários sobre a Sagrada Escritura, obras dogmáticas, morais, ascéticas e polêmicas.

  • Fundou hospitais, asilos e orfanatos. Trabalhou em favor dos pobres. Defendeu o Credo de Niceia. Lutou contra as heresias que surgiram nos primeiros anos do cristianismo. Foi um adversário do arianismo e dos seguidores de Apolinário de Laodiceia

·         Faleceu esgotado pelas austeridades e pelas tribulações, prematuramente, à idade de cinquenta anos, em 1º de janeiro de 379.

 

Introdução a Regra Monástica

 

Os princípios do monaquismo basiliano

1.      São Basílio Magno está na origem do movimento monástico, não no sentido absoluto, pois o monaquismo já existia antes dele até na forma comunitária-cenobítica, mas está na origem de uma determinada forma desse estilo de vida, que se estendeu por todo o Oriente, com importantes influências também no monaquismo ocidental.

2.      Os princípios do monaquismo basiliano estão contidos fundamentalmente no “Pequeno Asketikon” (ou “Regras Breves”) e no “Grande Asketikon” (ou “Regras Extensas”), com referências também em outras obras, como “Ética” (“Regras Morais”), “Sobre o Batismo” e outras mais.

3.      Os “Asketikons” foram escritos por Basílio já bispo e que têm o caráter mais de ensinamentos espirituais que de normas para quem deseje seguir Cristo de forma radical.

4.      Esses ensinamentos são totalmente deduzidos da Sagrada Escritura, são a própria Palavra de Deus aplicada à vida.

5.      Por conseguinte, as “Regras” de São Basílio não são “regras” no sentido atual; não são “Constituições” ou “Estatutos” que configurem uma instituição.

6.      São Basílio não fundou nenhuma “Ordem” ou “Congregação” no sentido institucional ou canônico, como entendemos hoje.

7.      No entanto, devemos reconhecer que Basílio é o iniciador de um amplo movimento monástico e seus ensinamentos são fonte da espiritualidade monástica que marca uma determinada característica a esse movimento.

8.      Podemos dizer, no tocante ao lugar de São Basílio no monaquismo, que ele se define como “mestre”, e não “fundador”.

 

Características:

9.      A vida em comunidade. Para Basílio, a vida em comunidade é inquestionavelmente superior à vida eremítica. Por uma simples razão: a essência do Evangelho de Cristo é a caridade, o amor a Deus e ao próximo. E como praticar a caridade vivendo sozinho?


10.  A comunidade como comunhão carismática. A vida cenobítica-comunitária já existia antes de Basílio. Ele, no entanto, pretende imprimir um determinado fundamento e uma determinada forma para a comunidade monástica. E esse fundamento ele vai buscar exclusivamente na Sagrada Escritura. Para tanto, Basílio tem na Sagrada Escritura duas referências básicas e constantes para formar sua ideia de comunidade.

11.  A primeira é a imagem da comunidade dos primeiros cristãos de Jerusalém, como descrito nos Atos dos Apóstolos (At 2, 42-47). Basílio crê firmemente na utopia cristã: é possível vivê-la concretamente, é possível existir uma fraternidade, uma comunidade de irmãos, na qual todos têm “todas as coisas em comum” e na qual há “uma só alma e um só coração”.

12.  A segunda referência, pela qual Basílio tem uma verdadeira devoção, é a imagem da comunidade ou da Igreja como Corpo de Cristo, animado pelo Espírito Santo, como comunhão de carismas, conforme vem na Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 12. Essa imagem ilumina todas as relações entre os membros da comunidade: são membros uns para os outros, sempre em função da unidade. Todo o dom é para o serviço aos irmãos, no sentido de complementariedade e unidade, para a construção da comunidade do Corpo de Cristo.


13.  A primazia da Palavra de Deus. A Palavra de Deus contida na Sagrada Escritura se entende como fonte de todas as normas e de todas as práticas na vida monástica. É o fundamento absoluto da espiritualidade monástica. Com isso, São Basílio vem a purificar a “ideologia” do monaquismo anterior, que muitas vezes continha elementos dúbios, procedentes da filosofia neoplatônica e estoica, e até de religiões mistéricas.

14.  Em tudo o que Basílio afirma, ele vai primeiro ouvir a Sagrada Escritura, ou vai ler a Sagrada Escritura. Vai primeiro ouvir a Sagrada Escritura para depois compor as suas ideias. A Sagrada Escritura é fonte de todas as normas e regras. Norma para a prática das virtudes, para todo o comportamento, para o que se deve e o que não se deve fazer, para as relações comunitárias e até para as coisas práticas na vida comunitária concreta.

15.  São Basílio sustenta um princípio de que, no tocante à Sagrada Escritura, é o Espírito Santo que nos fala diretamente. Por isso, para ele, a Sagrada Escritura não necessita de interpretação; é necessário colocar-se à escuta do Espírito e basta. Não são necessários recursos auxiliares para a leitura da Palavra de Deus, como não é necessário acender velas quando brilha o sol.


16.  Inserção na Igreja. Outro ponto importante em São Basílio é a inserção da comunidade monástica na Igreja. Os ascetas ou monges de Basílio têm de participar da vida da Igreja. Quando Basílio fundou as suas comunidades, pensou na Igreja como um núcleo eclesial. Basílio tinha em vista restaurar o vigor original da Igreja. Ele acreditava na utopia da primitiva comunidade de cristãos. Vivendo em profundidade o mandamento da caridade e realizando a comunhão dos carismas, essas comunidades iriam contribuir para o crescimento e para a unidade do Corpo de Cristo total, que é a Igreja.

17.  O próprio Basílio deu seu próprio exemplo de serviço à Igreja quando, mesmo estando determinado a viver o ideal ascético, ouviu a voz da Igreja e aceitou o episcopado e dedicou-se intensamente à defesa da fé e ao pastoreio do povo de Deus.

18.  Historicamente, os mosteiros que seguiam as “Regras” de São Basílio, em todos os lugares, cumpriram importante papel pastoral, de serviço à Igreja, e mesmo de serviço social, de serviço à comunidade humana.


19.  Diz o Papa Bento XVI: “São Basílio criou uma vida monástica muito particular: não fechada à comunidade da Igreja local, mas aberta a ela. Seus monges formavam parte da Igreja particular, eram seu núcleo animador que, precedendo aos demais fiéis no seguimento de Cristo e não só da fé, mostrava sua firme adesão a Cristo – o amor a Ele – sobretudo com obras de caridade. Esses monges que tinham escolas e hospitais, estavam ao serviço dos pobres, assim mostraram a integridade da vida cristã”.

Fonte: https://osbm.org.br/monaquismo-basiliano

 

 

A influência de Eustácio de Sebaste.

20.  Não há dúvida de que Basílio e sua família estavam sob a influência de Eustácio de Sebaste, que fundou muitas comunidades monásticas. (Lembre-se de Naucrácio, irmão de Basílio, que se tornou asceta. E quatro dos membros da família de Basílio permaneceram celibatários). 

21.  Eustácio era conhecido por sua estrita vida ascética e obras de misericórdia. (Quando Basílio tornou-se bispo, ele abriu uma casa para os pobres e doentes, dirigida pelos discípulos de Eustácio). 

22.  Basílio comunicou-se com Eustácio “desde a infância” (Carta 1 – A Eustácio de Sebaste) e isso indica que a família de Basílio foi de fato influenciada por seu ascetismo. 

23.  Eustácio, juntamente com seus discípulos, repetidamente visitou Basílio e passou “noites inteiras em oração, falando e ouvindo palestras de Deus” (Carta 223, 5). Pode-se dizer com segurança que Eustácio era o pai espiritual de Basílio.

24.  Em Anessi, sem dúvida, Basílio tinha amigos, que compartilhavam seu ideal. Seu amigo dos tempos de estudante, Gregório, viveu com ele e estudou essa “verdadeira filosofia”, a ciência de Cristo. 

25.  Alguns estudiosos atribuem a eles a coleção baseada nos escritos de Orígenes chamada Filocália.

26.  Basílio já havia tido um projeto comum de vida monástica: a renúncia ao mundo, uma vida de pobreza e oração, e a frequente leitura da Sagrada Escritura (Carta 2 – A Gregório (Bose), 21). Então, é claro, ele escreveu a primeira edição das Regras Morais (Cremaschi Lisa, 29).

27.  As Regras Morais (RM) foram planejadas para uma ampla audiência cristã. Quando Gregório de Nazianzo se referiu às regras e regulamentos da vida em que se esforçavam para viver (Oratio 43,44), foi provavelmente um extrato de uma primeira edição das RM. 

28.  Nesta obra, Basílio mostra o que um cristão deve evitar e o que ele deve fazer para iniciar a vida eterna já aqui na terra. Assim, ele fala detalhadamente sobre as responsabilidades de cada um e de todos. 

29.  RM são uma coleção de textos organizados tematicamente. 

30.  Os temas não foram inventados por Basílio, mas foram baseados em 1500 citações retiradas do Novo Testamento e divididas por um título e um resumo introdutório. 

31.  Segundo suas próprias palavras, Basílio fez isso para entender melhor as Escrituras. Em resumo, as RM são uma antologia de textos bíblicos.

32.  À primeira vista, as RM parecem ser uma peça sem forma (sem um esboço claro), mas sobre elas Basílio constrói todos os seus outros escritos, revelando sua originalidade e a continuidade de seu pensamento. 

33.  As RM estão no centro de seus trabalhos ascéticos. É o núcleo (a parte mais importante) de seu pensamento ascético. 

34.  Destes textos bíblicos selecionados, surge sua própria ordem de pensamentos. Antes de tudo, o serviço de Deus e, depois, a autoridade e exegese da Sagrada Escritura, o espírito de obediência aos mandamentos, aos sacramentos cristãos, às virtudes e aos pecados capitais…

35.  Basílio diz que os superiores devem conhecer e compreender toda a Sagrada Escritura e os que estão sujeitos a ele devem conhecer suas responsabilidades e cumpri-las. 

36.  Mais tarde, talvez no início de sua vida ascética, Basílio incluiu no início das RM duas homilias: Sobre o Julgamento de Deus e Sobre a Fé .

37.  Embora Basílio se esforçasse para levar uma vida ascética em reclusão, ele participava da vida da Igreja. 

38.  Foi ordenado leitor e ajudou no serviço pastoral no Ponto. Em 359, acompanhou o bispo Basílio de Ankyra ao Sínodo de Selêucia e, em janeiro de 360, assistiu ao Sínodo em Constantinopla. 

39.  Em 362, o bispo Eusébio de Cesaréia, em busca de um colega de trabalho e conselheiro, chamou Basílio  e ordenou-lhe sacerdote. Mas nesse mesmo ano, devido a algum mal-entendido com o bispo, Basílio deixou Cesareia e retornou ao Ponto, e lá se tornou o líder das comunidades monásticas cristãs (Gregório Nazianzeno, Or . 43, 29 – Cremaschi Lisa, 29).


 

O Pequeno Asketikon

40.  Naquela época, Basílio visitou as comunidades de Eustácio, que viviam de maneira caótica em vários lugares do Ponto, sem qualquer orientação. 

41.  Foi então que publicou sua primeira edição do Pequeno Asketikon, existente apenas na tradução latina de Rufino Aquitânia, em 397.

42.  Sobreviveu apenas na língua síria. Consiste em 200 perguntas e respostas. As respostas são curtas e pode-se ver que as questões foram formadas pelos discípulos de Eustácio. 

43.  Basílio expandiu esse Pequeno Asketikon e, subsequentemente, publicou o Grande Asketikon .

44.  Em 365, o bispo Eusébio mais uma vez chamou Basílio à Capadócia e deu-lhe liberdade de ação. Em 369, quando a grande seca causou uma fome sem precedentes em toda a Capadócia, Basílio chamou os ricos para ajudar os pobres e ele mesmo organizou assistência para os famintos. Neste momento, ele compôs suas homilias: Deus não é a causa do malContra os ricos (dois sermões) e durante os tempos de fome e seca .

45.  Em 370, quando o bispo Eusébio morreu, Basílio, não sem dificuldade, tornou-se bispo de Cesareia. Em menos de dez anos, embora sem boa saúde, ele realizou uma atividade extensiva. 

46.  No entanto, vamos nos concentrar principalmente em suas comunidades ascéticas, que ele frequentemente visitou, falou e instruiu a observar estritamente todas as coisas que as Escrituras exigem de um cristão; então, examinaremos as Regras Extensas (RE) e as Regras Breves (RB). 

47.  Durante a vida de Basílio, elas foram chamados de Asketikon (Ascentismo); somente após sua morte, um compilador desconhecido renomeou as Regras Extensas e as Regras Breves. 

48.  Basílio afirmou que estava muito feliz em responder a qualquer pergunta, abordando questões de fé e moral de acordo com o Evangelho (Introdução às RB). 

49.  Ele nunca as chamou de regras, já que o cristão tem apenas uma regra – a Escritura. 

50.  Ele nunca compôs quaisquer regras para comunidades monásticas, ou formou uma Ordem no entendimento de hoje, mas apenas explicou as Escrituras àqueles que desejam viver uma vida verdadeiramente ascética. Ele nem queria ser considerado um mestre, mas um instrumento dado por Deus para explicar as Escrituras.


 

As Regras Extensas (55 regras)

51.  Este trabalho é uma expansão do Pequeno Asketikon. As regras são tão sistematicamente estruturadas que alguns autores até chamam as RE de “um catecismo sistemático”.

52.  Primeiro, elas explicam os Mandamentos de Deus e sua ordem; então falam do amor de Deus e do próximo e do temor de Deus; além disso, elas advertem contra as ilusões e os assuntos deste mundo que são um grande obstáculo para a vida cristã e ascética; enfim, falam da renúncia e das várias categorias de pessoas que desejam consagrar-se ao Senhor, as virtudes e os diversos problemas associados à vida cenobítico-comunitária.

 

 

As Regras Breves (313 regras)

53.  Apesar de chamá-las de “breves”, elas são, na verdade, mais longas. Eles não estão em uma ordem sistemática, embora haja uma associação entre elas. 

54.  Os discípulos de São Basílio estavam bastante familiarizados com as Escrituras e desejavam aprofundar seu conhecimento e esclarecer algumas dúvidas, até mesmo exegéticas. Muitas perguntas são de natureza prática.

55.  Além de RMRE e RB, todos relacionados com a vida ascético-monástica, Basílio escreveu várias cartas que delineavam os princípios da vida monástica, como a Carta 22  Carta 173 (para as irmãs) que fala de profissão monástica e dá uma breve lista de responsabilidades para aqueles que desejam obedecer incondicionalmente ao Evangelho (por exemplo, Carta 374).

 

Que duradouro serviço São  Basílio Magno fez pela vida monástica?

56.  Como sabemos, São Basílio não era o “criador” nem o “proto-patriarca” do monasticismo oriental. Antes dele, havia várias tentativas e exemplos de vida monástica. Sua genialidade e mérito, no entanto, é que ele sabiamente aperfeiçoou o que já existia.

57.  Desde o século V, o monasticismo oriental geralmente se baseia quase exclusivamente nas Regras de São Basílio Magno, embora nem ele nem outros legisladores monásticos tenham estabelecido no Oriente uma Ordem religiosa no sentido atual do termo, nem deixaram um resumo de regras disciplinares, como São Bento de Núrsia, São Domingos e São Francisco de Assis fizeram no Ocidente. 

58.  No entanto, sem dúvida, as Regras de São Basílio influenciaram fortemente a vida cenobítica, isto é, o sistema comunal da vida monástica, embora os typikons bizantinos raramente citem as Regras de Basílio (os typikons  são as diretrizes e rubricas que estabelece na Igreja Ortodoxa Cristã)

59.  O grande mérito dos trabalhos ascéticos de São Basílio é sua incontestabilidade – eles estão fundamentados nas Escrituras. Mas ainda mais para o seu crédito é a sua concepção de vida monástica.

60.  São Basílio foi um criador de um ideal monástico particular, que pode ser representado em várias áreas:

 

61.  A vida comunal é melhor que a vida eremítica-anacorética. Corresponde melhor à natureza humana, pois o amor ao próximo é melhor vivido na vida comunitária, permitindo que se cumpra mais facilmente o mandamento de Cristo, pois cada dom individual é empregado no serviço do bem comum e, assim, a serviço do bem comum. O próprio Cristo… Os ideais ascéticos da comunidade devem ser os mesmos da primeira comunidade cristã, onde todos eram de um só coração e uma só alma. Tudo era em comum: oração, trabalho, refeições…

62.  O superior (proestos) é o pai espiritual, líder da comunidade. Ele é responsável pelas almas dos monges e por seu progresso na perfeição. Ele deve conhecer todo mundo; portanto, o mosteiro não deve ser muito grande. Ele deve ter o controle sobre tudo que os ascetas fazem, incluindo o jejum e outras práticas penitenciais …

63.  O propósito da vida monástica é ser como Deus em amor. E não apenas praticar o amor por si mesmo em oração e trabalho, mas em relação aos outros por palavras e ações. São Basílio exorta seus monges a ter fervor espiritual, adquirido vivendo na presença de Deus e dedicando seu conhecimento e trabalho ao serviço de seu próximo – a Igreja. Basílio exemplificou e provou isso em sua própria vida. O programa de seus ascetas incluía o trabalho social e educacional.

 

Fonte: https://fasbam.edu.br/2019/08/07/o-desenvolvimento-historico-da-regra-de-sao-basilio-magno/

 

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