segunda-feira, 25 de março de 2019

89 - Tertuliano de Cartago (155-220) Apologia (Capítulo 24 - 27)



89
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Tertuliano de Cartago (155-220)
Apologia (Capítulo 24 - 27)


 CAPÍTULO XXIV A explanação inteira desse assunto pelas quais se deduz que eles não são deuses, e que não existe senão um Deus - o Deus que adoramos - é perfeitamente suficiente para nos isentar do crime de traição, principalmente contra a religião romana. Pois, se está claro que tais deuses não existem, não há religião, no caso. Se não existe religião - porque esses deuses não existem - somos certamente inocentes de qualquer ofensa contra a religião.
Em vez disso, a responsabilidade recai sobre vós. Por adorardes uma mentira, sois de fato culpados do crime de que nos acusais, não simplesmente porque recusais a verdadeira religião do verdadeiro Deus, mas porque ousais perseguí-Lo.
Mas, concedendo que esses seres objetos de vossa adoração sejam realmente divindades, não se deve reconhecer universalmente que há um Deus mais elevado e mais poderoso, como ordenador principal do mundo, dotado de poder e majestade absolutos?
De modo usual, se atribui a Deus um poder imperial e supremo, enquanto suas tarefas são distribuídas por muitas divindades, como Platão descreve a respeito do supremo Júpiter habitando nos céus, cercado por uma organização de divindades e demônios.
Convém-nos, portanto, mostrar igual respeito aos procuradores, prefeitos e governadores do Império divino. E por maior crime que alguém cometa, quando, entre nós, uma transgressão capital está restrita à apelação da mais alta autoridade, ninguém além de César, tal pessoa delega seus esforços e suas esperanças a outro, com o objetivo de obter um maior favor do Imperador. Ele não sai declarando que o apelo a Deus ou ao Imperador depende somente do Supremo Senhor.
Que um homem adore Deus, outro a Júpiter; que um levante as mãos suplicantes para os céus, outro para o altar de Fides; outro (se tendes esse ponto de vista) faça sua prece às nuvens, outro aos objetos do teto; que um consagre sua própria vida a seu Deus, e outro a uma cabra. Por ver que não dais importante valor à acusação de irreligião, proibindo a liberdade religiosa ou a escolha livre de uma divindade, não sei como não posso adorar de acordo com minha inclinação, mas sou obrigado a adorar contra ela.
Nem também um ser humano gostaria de receber homenagem prestada a contragosto, e assim os próprios egípcios receberam permissão para o uso legal de sua ridícula superstição, liberdade para fazer de pássaros e feras seus deuses, assim como para condenar à morte quem quer que mate um deus dessa espécie.
Mesmo cada província e cada cidade tem seu deus. A Síria tem Astartéia, a Arábia tem Dusares, os Nórdicos têm Beleno, a África tem sua Celeste, a Mauritânia também suas próprias dignidades.
Eu falei, penso, das Províncias Romanas, e contudo não falei que seus deuses são romanos. Pois que eles não são adorados em Roma, tanto quanto outros que são listadas como divindades em toda a própria Itália por consagração municipal, como Delventino de Cassino, Visidiano de Narnia, Ancária de Áusculo, Nórcia de Orvieto, Valência de Ocrículo, Hóstia de Sátrio, o Pai Curls de Falisco, em honra do qual, também, Juno recebeu seu sobrenome.
De fato, somente nós somos proibidos de ter uma religião própria nossa. Ofendemos aos romanos, somos excluídos de direitos e de privilégios dos romanos porque não adoramos os deuses de Roma. Seria bom que houvesse um único Deus para todos, do qual todos fôssemos adoradores, quiséssemos ou não.
Mas com vossa liberalidade permitis adorar qualquer deus exceto o verdadeiro Deus, como se Ele não fosse o Deus que todos devessem adorar, ao qual todos pertencem. »

CAPÍTULO XXV Eu penso que ofereci prova suficiente sobre a questão da falsa e da verdadeira divindade, mostrando que a prova está não simplesmente fundamentada em debate ou argumento, mas no testemunho dos próprios seres em quem pondes a vossa fé, de modo que esse assunto não precisa mais de discussão.
Contudo, tendo começado a naturalmente falar dos romanos, não posso evitar a controvérsia que é provocada pela divulgada afirmação daqueles que afirmam que, como uma recompensa de sua singular homenagem à religião, os romanos progrediram a tais alturas de poder que se tornaram senhores do mundo.
E, portanto, são certamente divinas os deuses que adoram, porque prosperam acima dos outros aqueles que sobrepujam todos os outros na honra às divindades. Isso, certamente, é o preço que os deuses pagaram aos romanos por sua devoção.
O progresso do Império deve ser atribuído a Estérculo, a Mutuno e Larentina. Pois que dificilmente poderia pensar que deuses estrangeiros estivessem dispostos a favorecer mais uma raça estrangeira do que à sua própria, e entregar sua própria terra, na qual nasceram, na qual se tornaram adultos, ficaram famosos, e, enfim, foram enterrados, em benefício de invasores do outras plagas.
Assim Cibele, se põe suas afeições na cidade de Roma, como herdeira da progênie troiana salva dos exércitos da Grécia, ela própria sendo, certamente, da raça troiana - como se previsse sua transferência para o povo vingador pelo qual a Grécia, conquistadora da Frígia, seria subjugada, e o preferisse mais do que a seu país natal conquistado pela Grécia.
Por que, igualmente, em nossos dias, a Mãe Magna (Cibele) deu uma notável prova de sua grandeza, conferindo como que uma dádiva à cidade, quando, logo após a perda da estátua de Marco Aurélio, em Sírmio, no dia 17 antes das Calendas de Abril, o mais sagrado de seus sacerdotes havia oferecido, uma semana depois, libações impuras de sangue retirado de seus próprios braços, e ordenado que preces usuais deveriam ser feitas pela saúde do imperador, já morto.
Ó mensageiros tardios! Ó correio dorminhoco! Por cuja falta Cibele não recebeu uma notícia atualizada da morte imperial, para que os cristãos não tivessem oportunidade de ridicularizar uma divindade tão indigna. Júpiter, de novo, nunca deveria ter permitido que sua própria Creta caísse, de repente, diante das forças romanas, esquecido totalmente daquele caverna amada e dos címbalos das festas de Cibele, e do doce odor daquela que ali o amamentou.
Não queria Júpiter que seu próprio túmulo fosse exaltado sobre o Capitólio inteiro, porque, preferencialmente, a terra que cobriu suas cinzas poderia vir a ser a senhora do mundo? Desejaria Juno a destruição da cidade Púnica, amada a ponto de negligenciar Samos, e isso por uma nação primitiva? Sim, eu sei, "aqui estavam seus exércitos, aqui estava sua carruagem, este reino, porque permitam os fados, a deusa desejava e sonhava ser a senhora das nações".
A malfadada mulher e irmã de Júpiter não tinha poder para prevalecer contra os fados! "Júpiter mesmo foi ajudado pelo fado". E contudo os romanos nunca prestaram tal homenagem aos fados!
Eles que lhes deram Cartago contra o propósito e a vontade de Juno, assim como da abandonada meretriz Larentina. É indubitável que senão poucos de vossos deuses tiveram poder na terra como reis. Se, então, eles agora possuem mais poder de agraciar um Império do que quando eles mesmos eram reis, de quem receberam suas honras reais?
A quem Júpiter e Saturno adoravam? A um Estérculo, suponho. Mas, os romanos primitivos junto com os nativos adoraram depois também a quem nunca tinha sido rei? Nesse caso, então, estavam sob o reinado de outros, a quem nunca sujeitaram, já que não se elevaram à liderança divina. Esta, então, pertencia a outros, que podiam presentear os reinos, já que havia reis antes daqueles deuses terem tido seus nomes no rol das divindades.
Mas que loucura agora é atribuir a grandeza do nome romano aos méritos da religião, já que foi depois que Roma se tornou um Império, ou, se quiserdes, um reinado, que a religião que ela professa promoveu seu imenso progresso! É agora o caso?
Foi sua religião a fonte da prosperidade de Roma? Embora Numa Pompílio tenha estabelecido com ardor observâncias supersticiosas, contudo a religião entre os romanos não constava, contudo, de imagens ou templos.
Era frugal em seus modos, seus ritos eram simples, não havia capitólios ascendendo aos céus; mas os altares eram improvisados de turfa, os vasos sagrados eram utensílios de barro do Sâmnio, deles vinha o odor de rosa, e não se viam imagens de Deus. Naquele tempo a habilidade dos Gregos e Toscanos na confecção de imagens não tinha ainda chegado à cidade com os produtos de sua arte.
Os romanos, portanto, não foram conhecidos por sua devoção aos deuses antes de terem alcançado a grandeza. Assim, sua grandeza não foi resultado de sua religião. Como poderia a religião tornar grande um povo que deveu sua grandeza à sua irreligião? Pois que, se não estou errado, reinos e impérios são adquiridos pelas guerras, e são ampliados por vitórias. Mais do que isso, vós não podeis conquistar guerras e vitórias sem a presa e muitas vezes a destruição de cidades. Isto é uma calamidade na qual os deuses têm sua parte de responsabilidade.
Casas e templos sofreram, por isso, igualmente. Há um indiscriminado morticínio de sacerdotes e cidadãos. A mão da rapina se dirige igualmente ao tesouro sagrado e ao tesouro do povo. Assim os sacrilégios dos romanos são tão numerosos como seus troféus. Eles se vangloriam tanto de triunfos sobre os deuses como sobre as nações.
Apropriam-se tanto de despojos de batalha, como de imagens das divindades cativas. Os pobres deuses se submetem a ser adorados por seus inimigos, e ainda proporcionam um Império ilimitado àqueles de cujas mãos receberam por retribuição mais injúrias do que homenagem simulada. Mas as divindades inconscientes são desonradas impunemente, exatamente como são em vão adoradas.
Certamente nunca podeis acreditar que a devoção à religião fez evidentemente progredir a grandeza um povo que, como disse, cresceu seja por injuriar a religião, seja ter uma religião injuriada por seu crescimento. Igualmente, aqueles cujos reinos se tornaram parte desse grande todo que é o Império do Romano, não eram sem religião, quando seus reinos lhes foram tomados. »

CAPÍTULO XXVI Examinai e vede se Ele não é o dispenseiro dos reinos, aquele que é simultaneamente o Senhor do mundo, por quem é governado, e que governa os próprios homens; se Ele não fez as mudanças de dinastias, com suas indicadas seqüências, que existiu antes de todos os tempos e determinou no mundo uma continuidade de tempos.
Se o soerguimento e a queda dos países não são Sua obra, sob cuja soberania a raça humana primitivamente existiu sem nenhuma país. Como explicais que incidis em tal erro? Porque a Roma de simplicidade rural dos tempos primitivos é mais velha do que muitos de seus deuses. Ela reinou antes que seu orgulhoso e imenso Capitólio fosse construído.
Os babilônios também se constituíram em Império antes dos dias dos pontífices, e os medas antes dos qüindecênviros. Os egípcios antes dos sálios.
A Assíria antes de Lupércio, e as amazonas antes das Virgens Vestais. E para acrescentar outro ponto: se as religiões de Roma lhe proporcionaram um Império, a antiga Judéia nunca teve um, desprezando-o como fez com um e todos aqueles ídolos divinizados; a Judéia cujo Deus, vós, romanos, certa vez honraram com vítimas, com presentes de seu Templo, e com tratados de seu povo, ela nunca esteve sob vosso cetro, senão por ocasião dessa última e final ofensa contra Deus, quando rejeitaram e crucificaram Cristo. »

CAPÍTULO XXVII Bastante já foi dito nessas explicações para refutar a acusação de traição contra vossa religião e porque não podemos ser considerados prejudiciais àqueles que não existem... Portanto, quando somos convidados a sacrificar, recusamos resolutamente, apoiados no conhecimento que temos, pelo qual estamos certos sobre a realidade dos seres aos quais esses sacrifícios são oferecidos, sob a profanação de imagens e a deificação de seres humanos.
Muitos, de fato, julgam isso um ato de insanidade, pois estando em nosso poder oferecer logo o sacrifício e nos livrarmos do castigo, mantemos nossas convicções; é que preferimos uma persistência obstinada em nossa confissão, para nossa salvação. Vós nos avisais, é certo, que assim estamos tirando vantagens de vós, mas sabemos de quem procedem tais sugestões, quem está por trás disso, querendo vencer nossa constância, e como faz todo esforço, agora com manhosa persuasão e depois com perseguição sem piedade.
Não é outro senão o espírito, meio demônio, meio anjo que, nos odiando por causa de sua própria separação de Deus, levado pela inveja do favor que Deus nos tem demonstrado, vira vossas mentes contra nós com influências ocultas, moldando-as e instigando-as a todas as perversidades no julgamento, e àquela crueldade indevida que mencionamos no começo de nosso trabalho, quando iniciamos esta discussão.
Porque, embora todo o poder dos demônios e maus espíritos nos esteja sujeito, contudo, como escravos, indispostos muitas vezes, estão cheios de medo: assim são eles também. Por medo, também inspiram ódio.
Além disso, em sua condição desesperada, já que estão condenados, causa-lhes algum conforto quando adiam o castigo e usufruem de suas disposições malignas.
No entanto, quando nossas mãos são levantadas contra eles, ficam subjugados de repente, submissos a seu lugar; e àqueles a quem se opõem à distância, reservadamente pedem misericórdia.
Assim, nas sedes rebeladas, em prisões ou minas, ou em qualquer um desses locais para penas escravas, são aqueles que se revoltam contra nós, seus senhores, sabendo sempre que não são ameaça para nós e, exatamente por isso, de fato, se entregam mais renhidamente à destruição.
Nós lhes resistimos a contragosto, como se fossem nossos iguais, e os enfrentamos perseverando naquilo que eles atacam. Nosso triunfo sobre eles nunca é mais completo do que quando somos condenados pela resoluta adesão à nossa fé. »

O que você destaca no texto?
Como ele serviu para sua espiritualidade?


segunda-feira, 11 de março de 2019

88 - Tertuliano de Cartago (155-220) Apologia (Capítulo 22-23)


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88
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Tertuliano de Cartago (155-220)
Apologia (Capítulo 22-23)


CAPÍTULO XXII Também afirmamos, com certeza, a existência de certos seres espirituais, cujos nomes não vos são desconhecidos. Os filósofos admitem que existem demônios.
O próprio Sócrates esperou pela vontade de um demônio. Por que não? Uma vez que se diz que um espírito mau estava especialmente ao seu lado desde sua juventude - que, sem dúvidas, desviava sua mente do que era bom.
Todos os poetas estão, também, de acordo com a existência dos demônios. Mesmo o povo comum, ignorante, costuma chamá-los quando praguejam. De fato, o povo chama por Satanás, o líder dos demônios, em suas execrações, como se dele tivesse um conhecimento instintivo. Platão admite a existência de anjos.
Os que praticam a magia, se apresentam como testemunhas da existência de ambas as espécies de espíritos. Somos instruídos, ainda, por nossos livros sagrados, de como certos anjos, que se degradaram por sua própria liberdade, originaram uma família de anjos maus, condenados por Deus juntamente com os promotores dessa degradação.
A tal líder, acima já nos referimos. Isso seria suficiente para o momento, contudo, temos alguns relatos de suas obras. A grande tarefa deles é levar à ruína os homens de boa vontade. Assim, por sua própria maldade espiritual procuram nossa destruição. Nesse sentido, infligem males a nossos corpos e outras calamidades mortais, quando com violentos ataques impelem a alma a repentinos e enormes excessos.
Sua prodigiosa sutileza e espiritualidade lhes dão acesso a ambas as partes de nossa natureza. Como espíritos, não podem nos ferir; e porque, invisíveis e intangíveis, não tomamos conhecimento de suas ações exceto por seus efeitos, assim como quando algum desconhecido veneno na brisa arruína as maçãs e os grãos quando ainda em floração, ou os matam no botão, ou os destroem quando alcançam a maturidade, como se fosse por uma atmosfera corrompida por meios desconhecidos, espalhando por toda a parte suas exalações pestilenciais.
De semelhante modo, também, por uma influência igualmente obscura, os demônios sopram dentro das almas e as incitam à corrupções com paixões furiosas e excessos vis, ou com cruéis concupiscências, acompanhadas de vários erros, dos quais o pior é aquele empenho pelos quais tais espíritos se dedicam a enganar e iludir os seres humanos para obterem seu próprio alimento de carne, vapores e sangue que são oferecidos às imagens dos ídolos.
Que alimento mais perverso para o espírito do mal do que afastar as mentes humanas do verdadeiro Deus com as ilusões de sua falsa divindade? Aqui vos exponho como tais ilusões são realizadas. Esses espíritos possuem asas. Essa é uma propriedade comum tanto aos anjos como aos demônios.
Assim, eles estão em todo lugar, a cada momento; o mundo todo é um único lugar para eles. Tudo o que é feito no espaço do mundo, para eles se torna fácil tanto de conhecer como de relatar. Sua sutileza de movimento é tomada como coisa divina, porque sua natureza é desconhecida. Assim eles são tidos, muitas vezes, como autores de coisas que então proclamam. Muitas vezes, não há dúvida, as coisas ruins são de sua autoria, nunca o bem.
Os propósitos de Deus, igualmente, eles souberam pelos pronunciamentos dos profetas, logo que eles os faziam. Eles os espionam ainda através de suas obras, quando os ouvem ler em voz alta. Então, obtendo por essa fonte algumas afirmações sobre o futuro, se posicionam como próprios rivais do Deus verdadeiro, enquanto se apropriam do conhecimento divino.
Vossos Creso e Pirro bem conhecem a habilidade com as quais suas respostas parecem prever os acontecimentos. É assim que explicamos porque Píton estava apto a declarar que eles estavam cozinhando uma tartaruga com a carne de um cordeiro. Num segundo, ele estava na Lídia.
Porque moram nos ares e por causa de sua proximidade das estrelas e suas comunicações com as nuvens, eles têm meios de saber os processos preparatórios que ascendem a essas elevadas regiões e, assim, podem prometer as chuvas, das quais já tinham conhecimento. Muito hábeis, também, não há dúvidas, são com respeito a curar as doenças. Primeiramente, eles vos fazem adoecer. Depois, para demonstrar um milagre, ordenam a aplicação de remédios seja um remédio novo, seja um inabitual, e rapidamente retirando sua influência mal-sã, se tornam conhecidos como realizadores de uma cura.
Que necessidade, então, de falar de seus outros artifícios ou poderes ilusórios que possuem como espíritos, como daquelas aparições de Castor, da água carregada numa peneira, de um navio que ultrapassa uma barreira, da barba irritada por um toque, tudo feito com o propósito de mostrar que os homens deveriam acreditar na divindade de pedras, e não procurar o único Deus verdadeiro? »

CAPÍTULO XXIII Ainda mais, se feiticeiras invocam espíritos, e mesmo fazem que apareçam as almas dos mortos, se matam crianças com o propósito de obterem uma resposta dos oráculos, se com suas ilusões de prestidigitação têm a pretensão de fazerem vários milagres, se iludem com sonhos a cabeça do povo pelo poder de demônios, cuja ajuda pediram, por cuja influência, igualmente, cabras e mesas se tornam algo divino - quanto mais não é este poder do mal zeloso em fazer com todas as suas capacidades, a favor de seu próprio propósito, e por seus próprios meios, o que serve aos objetivos de outros!
Ora se anjos e demônios fazem exatamente o que vossos deuses fazem, onde nesse caso está a preeminência da divindade, a quem devemos considerar estar acima de todos em poder?
Não seria, então, mais razoável afirmar que esses espíritos se fazem de deuses, apresentando como apresentam, provas reais que exaltam vossos deuses, do que afirmar que os deuses são iguais aos anjos e demônios?
Fazeis uma distinção de lugares, suponho, olhando como deuses em seus templo aqueles cuja divindade não reconheceis de modo algum. E observe-se a loucura de considerar como diferentes um homem que sai dos templos sagrados e um outro que sai do templo ao lado. E de se considerar sob domínio de um furor diferente aquele que corta seus braços e intimidades e aquele que corta sua garganta.
O resultado da loucura é o mesmo e a forma de instigação também. Mas há tempo estamos argumentando somente com palavras. Agora trataremos de apresentar provas dos fatos, pelas quais mostraremos que sob diferentes nomes tendes uma mesma e real identidade. Leve-se uma pessoa que está inquestionavelmente sob possessão demoníaca, ante vossos tribunais.
O espírito mau ordenado a falar por um seguidor de Cristo prontamente fará a confissão verdadeira de que ele é um demônio, assim como, de outro modo, ele falsamente afirmará que é uma divindade. Ou, se quereis assim, que a pessoa seja possuída por uma divindade, como supondes que seja, a qual aspirando junto ao altar recebeu a divindade pelos vapores, quando estava em ânsias de vômito, em espasmos de respiração.
Vede se a própria Celeste, a prometera de chuva, que Esculápio descobridor de remédios pronto a prolongar a vida de Socórdio, Tanácio e Asclepiódolo, agora no além, se eles não confessariam, perante o sangue derramado do mais indigno seguidor de Cristo, em seu medo de mentir a um cristão, que são demônios.
O que seria mais evidente do que uma tal comprovação? O que mais verdadeiro do que tal prova? A simplicidade da verdade será então comprovada. Sua própria dignidade a sustentará. Não haverá mais lugar para a mínima suspeita. Direis que isso será feito por mágica, ou por algum truque - mas de que sorte?
Não podereis dizer nada disso, se vos permitirdes o uso de vossos ouvidos e olhos. Que argumento podereis levantar contra uma coisa que é exibida aos olhos em sua realidade nua? Se, por outro lado, eles são realmente deuses, porque pretendem ser demônios? É por medo de nós?
Nesse caso, vossa divindade está sob sujeição dos cristãos, e certamente nunca podeis chamar de divindade àquela que está sob a autoridade do homem e de seu próprios inimigos (mesmo levando em conta a desgraça da possessão). Se, por outro lado, eles são demônios ou anjos maus, por que sem provas para isso, ousam se promoverem agindo com as prerrogativas dos deuses?
E como seres que se promovem como divindades, não poderiam nunca de boa vontade se confessarem demônios, se fossem de fato divindades, porque não poderiam abdicar de sua dignidade. Esses que sabeis ser não mais do que demônios, não ousariam agir como deuses, se aqueles de cujos nomes se apropriam, usando-os, fossem realmente divinos.
Pois que não ousariam tratar com desrespeito a majestade suprema dos seres divinos, cujo desagrado lhes seria temível. Assim, essas vossas divindades não são divindades, porque se fossem não iriam querer passar por demônios, e não iriam querer ver negada sua divindade.
Mas desde que de ambas as partes há um conhecimento concorrente de que não são deuses, resta concluirmos que não formam senão uma única família, ou seja, a família dos demônios, a raça verdadeira de uns e outros. Procurai, então, doravante, deuses, pois que constatastes serem espíritos do mal aqueles que tínheis imaginado serem deuses.
A verdade é, então, como demonstramos de nosso próprio Deus, porque nem ele mesmo nem nenhum outro reivindica sua divindade. Igualmente, podereis ver, então, de uma vez por todas quem é realmente Deus, e se Ele é Aquele Único a quem nós cristãos servimos.
E, também, se estais dispostos a acreditar n'Ele e a adorá-Lo, como o fazemos em nossa fé e disciplina cristãs. Mas, então, dirão: Quem é este Cristo com suas fábulas? É um homem comum? É um feiticeiro? Foi seu corpo roubado por seus discípulos de seu túmulo?
Está agora nos reinos inferiores? Ou antes não está nos céus, de onde virá de novo, fazendo todo mundo tremer, enchendo a terra com mortais clamores, fazendo todos, exceto os cristãos, se lamentarem - como o Poder de Deus, o Espírito de Deus, a Palavra, a Razão, a Sabedoria, como o Filho de Deus? Zombai como gostais de fazer, mas juntai-vos aos demônios, se assim quereis, em vossas zombarias.
Que eles neguem que Cristo virá para julgar cada alma humana que já existiu desde o início do mundo, revestindo-os dos corpos deixados por ocasião da morte. Que eles declarem isso, digo, ante vosso tribunal, porque este poder tem sido atribuído a Minos e Radamanto, como Platão e os poetas afirmam. Que eles afastem de si pelo menos a marca da ignomínia e da condenação.
Eles discordam de que sejam espíritos impuros. Contudo temos isso como indubitavelmente provado por seu gosto pelo sangue, pelos vapores e carcaças fétidas de animais sacrificados, e mesmo pela linguagem vil de seus ministros.
Que eles neguem isso, porque por sua maldade já condenada, estão livres, de fato, daquele dia do julgamento, com todos os seus adoradores e todas as suas obras. Porque toda a autoridade e poder que temos sobre eles vem do nome de Cristo, nossa denominação, relembrando-lhes as desgraças com as quais Deus os ameaça pelas mãos de Cristo como Juiz, e com as quais os cristãos esperam um dia surpreendê-los.
Temendo Cristo em Deus, e Deus em Cristo, os cristãos se tornam submissos servos de Deus e Cristo. Assim, ao nosso toque e sopro, esmagados pelo pensamento e realização daquele fogo do julgamento, deixarão sob nosso comando seus corpos, contra a vontade e desamparados, diante de vossos próprios olhos expostos à vergonha pública. Acreditais neles quando eles mentem.
Dai crédito a eles quando falam a verdade acerca deles mesmos. Ninguém diz mentira para trazer desgraça sobre sua própria cabeça, mas antes pela salvação da honra. Estais mais prontos a afirmardes algo ao povo, mesmo fazendo confissões contra as divindades, do que a negardes algo em interesse do próprio povo.
Não é coisa rara que esses testemunhos de vossas divindades convertam os homens ao Cristianismo. Pois que acreditando plenamente neles, ficamos livres para acreditar em Cristo. Sim, vossos próprios deuses põem fé em nossas Escrituras, eles fizeram crescer nossa esperança.
Vós também os honrais, como sabemos, com o sangue dos cristãos. Despropositadamente perdem aqueles que lhes são tão úteis e tão temerosos deles, ansiosos mesmo que vos resistam, e a não ser num dia ou outro consigais desbaratá-los - como se sob o poder de um seguidor de Cristo que deseja vos provar a Verdade, lhes fosse possível de algum modo mentirem. »

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domingo, 24 de fevereiro de 2019

87 - Tertuliano de Cartago (155-220) Apologia (Capítulo 20-21)


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87
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Tertuliano de Cartago (155-220)
Apologia (Capítulo 20-21)


CAPÍTULO XX 
Para concluir nossa digressão, transmitimo-vos isto de maior importância. Apontamo-vos o poder de nossas Escrituras, se não por sua antigüidade, no caso de duvidardes que sejam tão antigas como dizemos, pela prova que damos de que são divinas. Assim, podereis vos convencer disso de uma vez por todas, sem que nos estendamos mais.
Vossos mestres, o mundo, a antiguidade e os acontecimentos estão todos à vossa vista. Tudo aquilo que vos cerca, estou na vossa dianteira anunciando. Tudo o que vos cerca e agora vedes foi previamente anunciado. Tudo o que agora vedes já foi anteriormente predito aos ouvintes humanos.
A destruição de cidades da terra, a submersão de ilhas pelos mares, guerras que trouxeram convulsões internas e externas, o embate de reinos contra reinos, as epidemias de fome e de pestes, os massacres em certos lugares, as desolações disseminadas das mortalidades, a exaltação dos pobres e humildes sobre os orgulhosos, a decadência da honestidade, a disseminação do pecado, os instrumentos da ambição deslavrada dos bens, as próprias estações e atividades elementares naturais escapando a seus normais cursos, monstros e prodígios tomando o lugar de formas naturais - isso tudo foi previsto e predito antes que acontecesse. Enquanto sofremos as calamidades, estamos lendo sobre elas nas Escrituras.
Se verificarmos, elas estão sendo confirmadas. Sim, a verdade de uma profecia, julgo, é a demonstração de seu acontecimento posterior. Daí termos entre nós uma fé confirmada a respeito do eventos que vêm como coisas já confirmadas, porque foram preditas e igualmente cumpridas em nosso dia a dia.
Elas foram proferidas pelas mesmas vozes, escritas nos mesmos livros - o mesmo Espírito as inspirou. Constantemente há alguém predizendo os acontecimentos futuros. O tempo é um só para a profecia que prediz o futuro.
Entre os homens, talvez, há uma distinção dos tempos, já que o seu cumprimento vem depois. Sendo eventos do futuro, nós os consideramos como presentes e, então, quando se fazem presentes, nós os consideramos como pertencendo ao passado.
Como podemos ser censurados, dizei-nos, porque acreditamos nas coisas que virão como se já tivessem acontecido, com essas provas para nossa fé nesses dois instantes. »

CAPÍTULO XXI 
Agora, tendo confirmado que nossa religião está fundamentada nas escrituras dos hebreus, as mais antigas que existem, embora seja corrente e nós admitimos inteiramente que nossa religião date de um período comparativamente recente - não anterior ao reino de Tibério, talvez, devamos levantar a questão de suas bases, para não parecer que ocultamos sua origem sob a sombra de uma ilustre religião, a qual possui, sob todos os aspectos, indubitavelmente, a aceitação da lei.
Igualmente, além da questão da idade, não concordamos com os judeus em suas particularidades com respeito à alimentação, aos dias sagrados, nem mesmo no seu bem conhecido sinal da circuncisão, nem no uso de um nome comum, o que, certamente, seria o caso, já que prestamos homenagem ao mesmo Deus.
Igualmente, o povo comum tem algum conhecimento sobre Cristo, mas não o considera senão um homem, alguém que, de fato, os judeus condenaram, de modo que muitos naturalmente imaginaram que somos adoradores de um simples ser humano. Mas não estamos nem envergonhados de Cristo - porque nos alegramos de sermos contados entre seus discípulos e de sofrermos por seu nome - nem divergimos dos judeus com relação a Deus.
Faremos, portanto, uma observação ou duas quanto à divindade de Cristo. Nos tempos antigos os judeus muito gozaram do favor de Deus, quando os predecessores de sua raça se notabilizaram por sua honestidade e fé. Assim foi que floresceram muitíssimo como um povo e seu reino atingiu uma eminência sublime.
Tão abençoados eram que para sua instrução Deus lhes falou através de especiais revelações, indicando-lhes antes de tudo como deviam se fazer merecedores de Seu favor e de como evitar Seu desagrado. Mas, caíram profundamente no pecado, se ensoberbeceram na sua fé com a falsa confiança em seus nobres ancestrais, desviando-se do caminho de Deus para um caminho de transviada impiedade, e embora eles se neguem a reconhecer isso, sua ruína nacional atual poderia ser prova suficiente do ocorrido.
Dispersos mundo afora, como uma raça de errantes, exilados de sua própria terra e clima, vagam por todo o mundo sem um rei humano ou divino, não possuindo nem mesmo o direito que têm os estrangeiros de andarem em seu país nativo.
Os escritores sagrados, contudo, lhes tinham advertido previamente dessas coisas, todos com igual clareza, e até declararam que, nos últimos dias do mundo, Deus, de todas as nações, povos e países, escolheria Seus próprios e mais fiéis adoradores, aos quais conferiria Sua graça.
Faria isso mais amplamente, preservando-os com o poder de uma concessão mais sublime. Fielmente, Ele apareceu entre nós, conforme fora previamente anunciado, para renovar e iluminar a natureza humana.
Refiro-me a Cristo, o Filho de Deus. E assim o Senhor supremo, o Ministrador dessa graça e modo de vida, o Iluminador e Mestre da raça humana, Filho do próprio Deus, se fez anunciar como tendo nascido entre nós. Nascido, porém, de forma a não se envergonhar do nome de Filho ou de Sua origem paterna.
Não foi seu destino provir de Seu pai através de incesto com uma irmã, ou de violação de uma filha ou da esposa de outro, um deus na forma de serpente, ou de boi, ou de pássaro, ou de um amante, de modo que sua baixeza o transformasse no ouro de Dânaos.
Assim são vossas divindades sobre as quais recaíram tais crimes de Júpiter. Mas o Filho de Deus não teve mãe que, em nenhum sentido, fosse envolvida em impureza. Aquela que os homens têm por Sua mãe, pelo contrário, nunca teve relacionamento nupcial.
Mas, primeiro, falarei sobre Sua natureza essencial e, então, a natureza de Seu nascimento poderá ser compreendida. Já afirmamos que Deus fez o mundo e tudo o que ele contem, por Sua Palavra, Razão e Poder. É plenamente aceito que vossos filósofos também têm em vista o Logos - isto é, a Palavra e a Razão - como o Criador do universo. Zenão explicou que ele é o criador, tendo feito todas as coisas de acordo com determinado plano, que seu nome é o Destino, e Deus, e a alma de Júpiter, e a necessidade de todas as coisas. Cleanto atribui tudo isso ao espírito que, segundo afirma, pervade o universo.
E nós, de maneira semelhante, afirmamos que a Palavra, a Razão e o Poder, com as quais denominamos Deus tudo criou, é espírito com sua substância própria e essencial, da qual a Palavra provem como expressão, e a razão habita para dispor e arranjar, e o poder se sobressai para executar.
Aprendemos que a Palavra procede de Deus, e nessa processão Ela é gerada, de modo que Ela é o Filho de Deus, e é Deus, em unidade e em mesma substância com Deus. Em Deus, igualmente, há um Espírito. Mesmo quando o raio é lançado do sol, é ainda parte da massa que o gerou. O sol ainda está no raio, porque é um raio do sol. Não há divisão de substância mas simplesmente uma extensão.
Assim Cristo é Espírito do Espírito, Deus de Deus, Luz da Luz. O material matriz permanece inteiro e não diminuído, embora dele derive qualquer número de raios, possuindo suas qualidades. Assim, também, Aquele que provem de Deus é por sua vez Deus e Filho de Deus, e os dois são um só. Dessa maneira, como Ele é Espírito do Espírito, Deus de Deus, Ele é gerado como segundo no modo de existência - na posição, não na natureza.
Ele não é criado pela fonte original, mas dela foi gerado. Este raio de Deus, então, como foi sempre previsto nos tempos antigos, desceu sobre uma virgem, e se fez carne em seu ventre; é em Seu nascimento juntamente Deus e homem.
A carne informada pelo Espírito é alimentada, cresce até tornar-se adulto, fala, prega, trabalha - é o Cristo. Acolha, por enquanto, esta fábula se assim quiserdes chamá-la. É uma concepção vossa, enquanto continuaremos a mostrar como a reivindicação de Cristo foi provada, e como as versões de vosso conhecimento pelas quais tais fábulas foram apresentadas para destruir a verdade, se assemelham.
Os judeus, também, estiveram preocupados de que Cristo tivesse vindo, eles aos quais os profetas falaram. Mas não, ainda agora Seu advento continua sendo esperado por eles. Não há nenhuma dissensão entre eles e nós, senão que eles acreditam que o advento ainda não aconteceu.
Pois duas vindas de Cristo nos foram reveladas: a primeira que já se cumpriu na baixeza do destino humano, uma segunda que pende sobre o mundo, agora perto de seu fim, com toda a majestade da Divindade desvelada.
Por interpretarem mal a primeira vinda, os judeus concluíram que a segunda - objeto de predição mais manifesta, e na qual colocam suas esperanças - seria a única. Isto foi o castigo devido a seus pecados - não compreenderem a primeira vinda do Senhor - porque eles a tiveram, mas nela não quiseram acreditar. Se tivessem acreditado, poderiam ter obtido salvação.
Eles próprios leram o que foi escrito a seu respeito - que estão privados da sabedoria e do entendimento - do uso de seus olhos e de seus ouvidos. Assim, então, sob a força de sua rejeição se convenceram a si próprios desse seu baixo procedimento: que Cristo não foi mais do que um homem, seguindo-se, como conseqüência necessária, que tivessem Cristo na conta de mágico, devido aos Seus poderes que demonstrou - expulsando demônios dos homens por sua palavra, restaurando a visão aos cegos, limpando os leprosos, curando os paralíticos, trazendo de novo à vida quem já estava morto, fazendo com que os próprios elementos da natureza o obedecessem, amainando as tempestades e andando por sobre o mar, provando que era o Logos de Deus, aquela primordial Palavra de todo o sempre gerada, acompanhada pelo Poder e Razão e vinda pelo Espírito - Aquele que agora faz todas as coisas pelo poder de sua Palavra e Aquele que fez que do anterior proviesse um e o mesmo.
Mas os judeus ficaram tão exasperados com seus ensinamentos, pelos quais seus governantes e chefes se convenceram da verdade, principalmente porque muitíssimos O seguiram, que, por último, O levaram ante Pôncio Pilatos, naquele tempo governador da Síria. Então, pela violência de seus gritos contra Ele, obtiveram uma sentença entregando-lhes Cristo para ser crucificado.
O próprio Cristo havia predito tudo isso, o que teria pouco sentido se não tivessem os profetas antigos dito a mesma coisa. E, no entanto, pregado na cruz, Cristo manifestou muitas maravilhas admiráveis pelas quais Sua morte foi diferente de todas as outras. Por Sua livre vontade, com uma palavra fez entrega de seu Espírito, antecipando o trabalho dos carrascos.
Na mesma hora, também, a luz do dia feneceu, enquanto o sol naquele momento, exatamente, estava fulgurando no seu meridiano. Aqueles que não estavam cientes de que isso tinha sido predito sobre Cristo, pensaram, sem dúvidas, que era um eclipse. Vós mesmos tendes ainda registro em vossos arquivos desse fenômeno da natureza.
Quando seu corpo foi descido da cruz e colocado numa sepultura, os judeus em seu ansioso cuidado cercaram-na com uma grande guarda militar, uma vez que Cristo havia predito Sua ressurreição da morte no terceiro dia. Seus discípulos poderiam secretamente retirar seu corpo e, assim, enganar os incrédulos.
Mas, no terceiro dia houve um repentino abalo de terremoto e a pedra que selava a sepultura rolou de seu lugar. Os guardas fugiram com medo. Não havendo nenhum discípulo por perto, a sepultura foi encontrada totalmente vazia exceto pelo sudário daquele que fora ali sepultado.
Mas, assim mesmo, os chefes dos judeus, a quem de perto interessava espalhar uma mentira e, por suas crenças, conservar o povo sob tributos e submissão, disseram que o corpo de Cristo tinha sido roubado pelos discípulos de Cristo. Quanto ao Senhor, vede, não apareceu à vista do público, para que os culpados não se livrassem de seus erros, porque a fé, também, merecedora de uma grande recompensa, se fundamenta na dificuldade.
Mas Ele ficou quarenta dias com muitos de Seus discípulos, na Galiléia, uma região da Judéia, instruindo-os nas doutrinas que deveriam ensinar aos outros. Depois disso, tendo lhes dado o encargo de pregarem a boa nova em todo o mundo, Ele foi cercado por uma nuvem e subiu aos céus - um acontecimento muitíssimo mais certo do que as afirmações de vossos procônsules a respeito de Rômulo.
Todas essas coisas Pilatos fez a Cristo, e agora, realmente, os cristãos têm suas próprias convicções. Pilatos escreveu sobre Cristo ao Imperador reinante que era, na época, Tibério. Sim, e os Imperadores também teriam acreditado em Cristo, caso os Imperadores não tivessem sido necessários ao mundo, ou se os cristãos pudessem se tornar Imperadores. Seus discípulos, espalhando-se pelo mundo afora, fizeram o que Seu Divino Mestre dissera, e após sofrerem muito, eles próprios, com as perseguições dos judeus, com generosidade de coração, mantendo a fé na verdade, por último, semearam pela cruel espada de Nero, com sangue cristão, a sede de Roma. Sim, provarei que mesmo vossos próprios deuses são testemunhas efetivas em favor de Cristo.
Seria de grande importância, para colocardes vossa fé nos cristãos, se eu pudesse vos demonstrar a autoridade dos próprios seres por conta dos quais recusais dar-lhes créditos. Eis que vos desvendamos a fé em que nos fundamentamos. Expusemos a origem e o nome de nossa seita, com esse relato do Fundador do Cristianismo.
Que ninguém, doravante, nos acuse com infame maldade, que ninguém pense que algo seja diferente do que apresentamos, para que ninguém possa fazer um falso conceito dessa religião. Pois se alguém adora um outro Deus, diferentemente do que diz, se torna culpado de negar o objeto de sua adoração, transfere sua adoração e homenagem a outro, e nessa transferência deixa de adorar o Deus que a repudia.
Afirmamos, clamamos diante de todos os homens, e dilacerados, sangrando debaixo de vossas torturas, gritamos: "Nós adoramos Deus por Cristo." Tende Cristo como um homem, se assim vos agrada. Por Ele e n' Ele Deus desejaria ser conhecido e adorado. Se os judeus objetam a isso, respondemos que Moisés, que não foi senão um homem, foi quem lhes ensinou sua religião. Contra os gregos arguimos que Orfeu em Piéria, as Musas em Atenas, Melampo em Argos, Trofônio na Beócia, impuseram seus ritos religiosos. Respondendo a vós próprios que costumais oscilar entre as nações, foi um homem, Numa Pompílio, que impôs aos romanos um pesado fardo de custosas superstições.
Certamente Cristo, então, tem direito de revelar a Divindade que era, de fato, Sua própria essencial possessão, não com o objetivo de manipular ignorantes e selvagens com o temor de uma multidão de deuses, cujos favores deveriam resultar numa civilização, como foi o caso com Numa, mas como alguém que gostava de iluminar os homens já civilizados e sob ilusões de sua própria cultura, para que eles pudessem conhecer a verdade. Pesquisai, pois, e vede se a divindade de Cristo é verdadeira. Se é de tal natureza que o seu acolhimento transforma o homem e o faz melhor, implicando isso no dever de renunciar como falso o que se lhe opõe.
Especialmente se oculta ele próprio, sob o nome e a imagem da morte, seus esforços para convencer os homens de sua divindade, através de sinais especiais, milagres e predições. »


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86 - Tertuliano de Cartago (155-220) Apologia (Capítulo 17-19)


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86
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Tertuliano de Cartago (155-220)
Apologia (Capítulo 17-19)


CAPÍTULO XVII 
O objeto de nossa adoração é um Único Deus que, por sua palavra de ordem, sua sabedoria ordenadora, seu poder Todo-Poderoso, tirou do nada toda a matéria de nosso mundo, com sua lista de todos os elementos, corpos e espíritos, para glória de Sua majestade.
A essa criação, por tal razão, também os gregos lhe deram o nome de Cosmos. Os olhos não podem vê-Lo, embora seja (espiritualmente) visível. Ele é incompreensível, embora tenha se manifestado pela graça. Está além de nosso mais elevado entendimento, embora nossas faculdades humanas o concebam.
Ele é, portanto, igualmente real e magnífico. Mas o que, pelo senso comum, pode ser visto, percebido e concebido, é inferior ao que Ele é, ao que d'Ele se percebe, ao que d'Ele as faculdades vislumbram. Mas o que é infinito é conhecido somente por Ele mesmo.
Assim, damos alguma noção de Deus, enquanto, contudo, ele permanece além de todas as nossas concepções - nossa real incapacidade de completamente compreendê-Lo permite-nos ter a idéia do que Ele realmente seja. Ele se apresentou ao nosso conhecimento em sua transcendental grandeza, sendo conhecido e sendo desconhecido.
E tal coisa é a suma culpa dos homens, porque eles não querem reconhecer o Único a quem não podem ignorar. Poderíeis ter a prova pelas obras de Suas mãos, tão numerosas e tão grandes, que igualmente vos contém e vos sustentam, que proporciona tanto vosso prazer quanto vos comove com temor.
Ou poderíeis melhor senti-lo pelo testemunho de vossa própria alma? Embora sob o opressivo cativeiro do corpo, embora transviada por costumes depravados, embora enfraquecida pela concupiscência e paixões, embora na servidão de deuses falsos, contudo, quando a alma O procura, libertando-se do tédio e do torpor, movida por uma doença, e consegue um pouco de sua pureza natural, ela fala de Deus, não usando nenhum outro nome, porque este é o nome próprio do verdadeiro Deus.
"Deus é imenso e bom", "Que possa Deus dar", são as palavras que brotam de cada boca. Dão testemunho d'Ele, também, quando exclamam: "Deus vê", "Eu me recomendo a Deus" e "Deus me recompensará". Ó nobre testemunho da alma, por natureza cristã! Então, igualmente, usando palavras semelhantes a essas, a pessoa olha não para o Capitólio mas para os céus. Ela sabe que ali está o trono do Deus vivo, como se d'Ele e dali tudo proviesse. »

CAPÍTULO XVIII 
Mas, porque podemos alcançar um maior e mais autorizado conhecimento tanto d'Ele mesmo quanto de Seus apelos e desejos, Deus acrescentou uma revelação escrita para o proveito de todos aqueles cujos corações se colocam à sua procura, que procurando podem encontrá-lO e encontrando acreditar e acreditando obedecer-Lhe.
Porque primeiro Ele mandou mensageiros ao mundo - homens cuja pura retidão os tornaram dignos de conhecer o Altíssimo e de revelá-Lo - homens abundamtemente iluminados pelo Santo Espírito, que alto proclamaram que há um só Deus que fez todas as coisas, que formou o homem do pó da terra.
Ele é o verdadeiro Prometeu que ordenou o mundo, estabelecendo as estações em seu curso. Aqueles homens mais provas ainda nos deram. Deus mostrou Sua majestade em seus juízos, por inundações e fogo, nos mandamentos indicados por Ele para se obter seu favor, assim como a retribuição guardada para quem os ignora, os renega ou os guarda, pois que quando chegar o fim de todas as coisas, julgará seus adoradores para a vida eterna e os culpados para a mansão do fogo eterno e inextinguível, ressuscitando todos os mortos desde o início dos tempos, reformando-os e renovando-os com o objetivo de premiá-los ou castigá-los.
Um dia, tais coisas foram para nós, também, tema de ridículo. Nós somos de vossa geração e natureza: os homens se tornam, não nascem cristãos!
Os pregadores dos quais temos vos falado são chamados profetas, por causa do ofício que lhes pertence de predizer o que virá. Por sua palavras, tanto quanto pelos milagres que fizeram, esses homens podem merecer fé em sua autoridade divina.
Conservamos, ainda, em tesouros literários que permanecem disponíveis a todos, o que eles transmitiram. Ptolomeu, dito Filadelfo, o mais letrado de sua raça, uma homem de vasto conhecimento em toda a literatura, que se iguala, acho, pelo seu amor aos livros, com Pisístrato, entre outros, sobreviveu aos tempos, e, seja por sua antigüidade, seja por seu peculiar interesse, se tornou famoso.
Esse Ptolomeu, por sugestão de Demétrio de Falero, que foi reconhecido superior a todos os gramáticos de seu tempo, lhe entregou a tarefa de tratar do assunto relacionado aos escritos dos judeus. Isto é, aos característicos escritos dos judeus e de sua língua, que somente eles falavam, como povo querido de Deus, demonstrado isso na salvação de seus antepassados, povo do qual os profetas sempre se provieram e ao qual sempre pregavam.
Nos tempos antigos, o povo que chamamos judeus usavam o nome de hebreus e falavam o hebraico, língua em que foram redigidos seus escritos. Mas como para o entendimento de seus livros assim se fizesse necessário, os judeus pediram a Ptolomeu que lhe deixassem indicar setenta e dois tradutores, homens que o filósofo Menedemos, reconhecido como indicado por uma Providência, aceitou com respeito, já que compartilhava de seus pontos de vista.
A mesma história é contada por Aristos. Assim, o rei desvendou aquelas obras a todos, na língua grega. Até nossos dias a biblioteca de Ptolomeu se encontra à disposição de todos, no templo de Serápis, na qual estão também os originais idênticos hebreus.
Os judeus, por sua vez, lêem esses livros publicamente. Pagando uma taxa de liberação, têm o hábito de ir ouvi-los todos os sábados. Quem quer que tenha ouvidos neles encontrará Deus, quem quer que se aplica em entendê-los, será levado a crer. »

CAPÍTULO XIX 
A grande antigüidade, antes de tudo, dá autoridade àqueles escritos. Vossa religião, também, pede fé baseada no mesmo fundamento.
Sim, todas as substâncias, todos os materiais, as origens, classes, conteúdos de vossos mais antigos escritos, além da maioria das nações e cidades ilustres que recordam o passado e são notáveis por sua antigüidade nos livros de anais, as próprias formas de vossas cartas, tudo que revela e conserva os acontecimentos, e - penso que falo coerentemente - vossos próprios deuses, vossos próprios tempos, oráculos e ritos sagrados são menos antigos do que a palavra de um único profeta, no qual encontrareis o tesouro da integral religião judia e, consequentemente, da nossa.
Caso tenhais ouvido falar de um certo Moisés, digo-vos que ele é muitíssimo mais antigo do que o argeu Ínaco, em aproximadamente quatrocentos anos. Ele é anterior a Dânaos, vosso mais antigo nome. Antecedeu por um milênio a morte de Príamo. Posso afirmar, também, que viveu quatrocentos anos antes de Homero, existindo fundamentos para essa afirmação.
Os outros profetas, também, embora de datas posteriores, são, mesmo os mais recentes, tão antigos quanto o primeiro de vossos filósofos, legisladores e historiadores. Aqui faço apenas uma afirmação, não apresentando as provas, não tanto porque isso é difícil, mas devido à amplitude da apresentação de toda a fundamentação.
O trabalho não seria somente árduo, mas sobretudo tedioso. Requereria o apressado estudo de muitos livros, os dedos ocupados em folheá-los. As histórias das mais antigas nações, tais como dos Egípcios, dos Caldeus, dos Fenícios teriam de ser exploradas.
Igualmente teriam de ser consultados para apresentarem seus testemunhos homens dessas várias nações, com suas informações. Mâneto, o Egípcio, Beroso, o Caldeu, e Hierão, o Fenício, rei de Tiro, assim como seus sucessores, Ptolemeu o Mendesiano, Demétrio de Falero, O Rei Juba, Apião, Thallo, e o crítico de todos eles, Josefo, da própria nação judia, o pesquisador da história antiga de seu povo, que os confirma ou os refuta. Igualmente, deveriam ser postas lado a lado as listas dos censores gregos, e esclarecidas as datas dos acontecimentos, para que as conexões cronológicas pudessem ser feitas, bem como usadas as narrativas dos vários anais para lançar mais luz sobre o assunto.
Deveríamos seguir aprofundando as histórias e literaturas de todas as nações. Mas, de fato, já vos trouxemos a prova parcial, fornecendo-vos as sugestões de como o estudo poderia ser realizado.
Parece-nos melhor deixarmos para outra ocasião a discussão disso tudo, com receio de que em nossa pressa não possamos aprofundá-lo suficientemente, ou de que no manuseio disso tudo façamos uma digressão demasiadamente extensa. »

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domingo, 17 de fevereiro de 2019

85 - Tertuliano de Cartago (155-220) Apologia (Capítulo 15-16)


Cidade de Ji-Paraná - RO

85
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Tertuliano de Cartago (155-220)
Apologia (Capítulo 15-16)


CAPÍTULO XV
De vossos escritores, outros, em seus desregramentos sempre vos proporcionam prazeres vilipendiando os deuses. Vede aquelas encantadoras farsas de Lêntulo e Hostílio se nas brincadeiras e facécias não são os bufões e as divindades que vos causam divertimentos.
Farsas assim, penso, levam-nos ao ridículo, como a de Anúbio, o adúltero, Luna, do sexo masculino, Diana debaixo do chicote, as interpretações dos desejos de Júpiter falecido e os três famigerados Hércules.
Vossa literatura dramática, igualmente, retrata as vilezas de vossos deuses. O Sol lamenta seus filhos expulsos do céu e vós ficais cheios de júbilo. Cibele procura seu insolente namorado e vós não corais.
Levais à cena o recital dos delitos de Júpiter, e do pastor que julga Juno, Vênus e Minerva. Novamente, quando a máscara de um deus é posta na cabeça de um ignominioso e infame miserável, quando alguém impuro e experimentado na arte de toda efeminação que seja representa Minerva ou Hércules, não é a majestade de vossos deuses insultada e sua divindade desonrada? Contudo vós não somente assistis a isso, como aplaudis.
Sois, suponho, mais devotos na arena quando sob a mesma forma vossas divindades dançam sobre o sangue humano, sobre os ferimentos causados pelas punições infligidas, como se interpretassem suas histórias e aventuras, cedendo sua vez aos pobres condenados, com a diferença de que esses muitas vezes se colocam como a divindade e no momento representam os próprios deuses.
 Temos visto presentemente uma representação da mutilação de Átide, o famoso deus de Pessino, e de um homem queimado vivo como Hércules. Faz-se gozação em meio a burlescas crueldades na exibição do meio-dia, com Mercúrio examinando os corpos dos mortos com sua lança ardente.
Temos testemunhado o irmão de Júpiter, com malho na mão, rebocando os cadáveres dos gladiadores. Mas quem pode assistir a tudo isso? Se por tais coisas a honra da divindade é atacada, se estão a macular qualquer traço de sua majestade, temos de entender isso como desprezo com os quais os deuses tratados por aqueles que ora fazem tais coisas e, igualmente, por aqueles para cujo divertimento são feitas. Isto, todavia, dizem, é tudo brincadeira.
 Mas, acrescento - todos sabeis e admitis prontamente como fatos que nos templos são arranjados adultérios, que nos altares são praticadas alcovitices, que muitas vezes nas casas dos guardas dos templos e dos sacerdotes, sob os ornamentos de sacrifícios, sob sagradas tiaras e sob as vestimentas púrpuras, em meio das ondas de incenso, são praticados crimes de licenciosidade.
Então, não estou seguro, mas vossos deuses têm mais razão de se queixarem de vós do que dos cristãos.
Ë certamente entre os devotos de vossa religião que sempre se encontram os perpetradores de sacrilégios; porque os cristãos não entram em vossos templos nem mesmo durante o dia. Talvez queirais, também, ser exploradores dos deuses, já que os adorais.
O que , então, vos levam a adorar, uma vez que os objetos de adoração são diferentes de vós? Fica, de fato, logo evidenciado como corolário de vossa rejeição à hipocrisia, que rendeis homenagem à verdade.
Não perseverais no erro que criastes pelo simples fato de reconhecerdes que isso é um erro. Aceitai isso, antes de mais nada, e após termos apresentado uma refutação preliminar de alguns conceitos falsos, continuaremos apresentando todo nosso sistema religioso. »

CAPÍTULO XVI
Juntamente como outros, estais na ilusão de que nosso Deus é uma cabeça de asno. Cornélio Tácito foi o primeiro a divulgar tal noção entre o povo. No 5o livro de sua História, começa a narrativa da guerra judaica com um relato da origem da nação, teorizando a seu bel prazer sobre essa origem, tanto quanto sobre o nome e sobre a religião dos judeus.
Declara que tendo sido libertados ou ainda, em sua opinião, expulsos do Egito, cruzando as vastas planícies da Arábia, onde a água era escassa, os judeus enfrentaram a sede extrema, mas, tomando por guia asnos selvagens que, imaginavam, podiam estar procurando água depois de se alimentarem, descobriram uma fonte. Desde então, em sua gratidão, passaram a sacralizar a cabeça de um animal dessa espécie. Como a cristandade está aliada ao judaísmo, por isto, suponho, aceitastes gratuitamente que nós também éramos devotos adoradores da mesma imagem.
Mas o citado Cornélio Tácito (em completa oposição ao significado de seu nome - ficar calado e não contar mentiras), informa, na obra já mencionada, que quando Cneio Pompeu capturou Jerusalém, penetrou no templo para ver os segredos da religião dos judeus, mas não encontrou nenhuma imagem ali. Contudo, certamente, se adoração era rendida a algum objeto visível, o lugar exato de sua exibição deveria ser no santuário.
Tudo o mais além da adoração, embora irracional, não se fazia necessário ali para causar medo a crentes do exterior, pois que só aos sacerdotes era permitido entrar no lugar sagrado, enquanto toda visão era impedida aos demais por um cortinado cerrado. Não podeis negar, contudo, que todas as bestas de carga e não partes delas, mas animais inteiros, são com sua deusa Epona objetos de vossa adoração.
É isso, talvez, que vos desagrada em nós, porque enquanto vossa adoração aqui é a todos, nós prestamos homenagem somente ao asno. Se alguns de vós pensais que rendemos adoração supersticiosa à cruz, nessa adoração estais compartilhando conosco.
Se dais homenagem a uma peça de madeira, importa pouco qual ela seja, porque a substância é a mesma: a forma é diferente, se nela tendes, de fato, o corpo de Deus. Entretanto, quão diferente é do madeiro da cruz Palas Atenas ou Ceres, quando levantadas para venda numa simples estaca bruta, peça de madeira sem forma!? Cada estaca fixada em posição vertical é um pedaço da cruz.
Nós rendemos nossa adoração, se quereis assim, a um Deus inteiro e completo. Mostramos antes que vossas divindades são feitas de formas modeladas na cruz. Mas vós também cultuais as vitórias, porque em vossos troféus a cruz é o sustentáculo do troféu.
A religião dos acampamentos romanos é toda dirigida ao culto de estandartes, uma coleção de estandartes acima de todos os deuses. Bem, aquelas imagens mostradas nos estandartes são ornamentos de cruzes que as sustentam. Todas aquelas coisas penduradas em vossos estandartes e bandeiras são vestes das cruzes.
Eu louvo vosso zelo: vós não prestais culto a cruzes desvestidas e desornadas. Outros, de novo, certamente com mais informação e maior veracidade, acreditam que o sol é nosso deus. Somos confundidos com os persas, talvez, embora não adoremos o astro do dia pintado numa peça de linho, tendo-o sempre em sua própria órbita.
A idéia , não há dúvidas, originou-se de nosso conhecido costume de nos virarmos para o nascente em nossas preces. Mas, vós, muitos de vós, no propósito às vezes de adorar os corpos celestes moveis vossos lábios em direção ao oriente.
Da mesma maneira, se dedicamos o dia do sol (Domingo) para nossas celebrações, é por uma razão muito diferente da dos adoradores do sol. Temos alguma semelhança convosco que dedicais o dia de Saturno (Sábado) para repouso e prazer, embora também estejais muito distantes dos costumes judeus, os quais certamente ignorais.
Mas, ultimamente a nova versão de nosso Deus foi dada a conhecer ao mundo nessa grande cidade: originou-se com um certo homem desprezível que tinha costume de se dedicar a trapacear com feras selvagens, e que exibiu uma pintura com esta inscrição: O Deus dos Cristãos nasceu de um asno.
Ele tem orelhas de asno, tem casco num pé, segura um livro e usa uma toga. Tanto o nome como a figura nos provoca risos. Mas nossos inimigos devem ter sido levados a logo prestar homenagem a essa divindade biforme, porque eles conhecem deuses com cabeça de cachorro e de leões, com chifres de bode e carneiro - como um corpo com pernas de dragão, com asas nas costas ou patas.
Tais coisas temos esclarecido exaustivamente, porque não podemos de boa vontade deixar passar nenhum boato contra nós sem refutação. Tendo explicado exaustivamente sobre nós mesmos, voltamos agora a uma demonstração de como é realmente nossa religião. 


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